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O princípio moral-didatizante no romance oitocentista

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(...) adotar o <strong>romance</strong> era acatar também a sua maneira de tratar as ideologias. Ora,<br />

vimos que entre nós elas estão deslocadas, sem prejuízo de guardarem o <strong>no</strong>me e o<br />

prestígio originais, diferença que é involuntária, um efeito prático da <strong>no</strong>ssa<br />

formação social. Caberia ao escritor, em busca de sintonia, reiterar esse<br />

deslocamento em nível formal, sem o que não fica em dia com a complexidade<br />

objetiva de sua matéria – por próximo que esteja da lição dos mestres (...) Em<br />

suma, a mesma dependência global que <strong>no</strong>s obriga a pensar em categorias<br />

impróprias, <strong>no</strong>s induzia a uma literatura em que essa impropriedade não tinha<br />

como aflorar. Ou outra, antecipando: em vez de <strong>princípio</strong> construtivo, a defesa<br />

aparecia involuntária e indesejadamente, pelas frestas, como defeito.<br />

Como Schwarz afirma, a forma <strong>romance</strong>, como os demais elementos de expressão artística,<br />

são importações de países cujas dinâmicas sociais, políticas e econômicas diferem grandemente das<br />

<strong>no</strong>ssas. A forma <strong>romance</strong>, em especial, radica-se na Europa com base em uma ideologia liberal e<br />

burguesa que não encontra correspondente, quando fazemos o teste do real, na vida desenvolvida<br />

em países periféricos como o <strong>no</strong>sso, causando certo desequilíbrio na produção romanesca.<br />

Exemplificando: houve uma tendência de <strong>no</strong>ssa ficção, desde os primórdios com Macedo, de entrar<br />

em duas ca<strong>no</strong>as para descer o rio da ficção: adesão pedestre ao meio e adesão à convenção<br />

literária 5 . De um lado, um meio social regido pela lógica do favor, de base econômica escravocrata,<br />

enfim, de núcleo familista 6 ; de outro, uma forma de representação poética de lágrimas, treva, traição<br />

e conflito formulada em uma ideologia liberal, negadora dos <strong>princípio</strong>s sociais apontados como<br />

pertencentes ao <strong>no</strong>sso meio: “era inevitável que levasse (o <strong>romance</strong>) alguns tombos de estilo<br />

próprio, tombos que não levavam os livros franceses, já que a história social de que estes se<br />

alimentavam podia ser resolvida a fundo juntamente por aquele mesmo tipo de entrecho”<br />

(SCHWARZ, 2000, 41).<br />

Por último, pode-se dizer que a formulação-chave para a abordagem da prosa de ficção do<br />

Oitocentos, neste estudo, diz respeito ao desajuste entre forma literária e processo social <strong>no</strong> período<br />

formativo. Dentro de um movimento dialético entre a forma e o conteúdo, o esforço da proposta de<br />

trabalho é de trilhar o caminho pelo qual o <strong>romance</strong> teve de percorrer, aqui <strong>no</strong> Brasil, até achar um<br />

ponto de realização estético e formal válidos. Entra aqui o ponto de fuga desta proposta: a obra de<br />

Machado de Assis. A leitura desta proposta de estudo para abordar os textos do período formativo<br />

assume que a experiência literária deve ser entendida como um processo de acumulação de<br />

procedimentos formais ao longo do tempo. Rastrear os procedimentos formais para o tratamento<br />

literário do temário local, realizado pelos romancistas <strong>oitocentista</strong>s, com vistas a estabelecer os<br />

5 Noção formulada com base <strong>no</strong> texto de Antonio Candido, “O Honrado e Facundo Joaquim Manuel de Macedo”. In:<br />

Formação da Literatura Brasileira (momentos decisivos).<br />

6 Uso o termo familista por conta de uma observação de Gilberto Freyre feita sobre a literatura brasileira, mais<br />

especificamente sobre a obra de Alencar <strong>no</strong> ensaio José de Alencar, re<strong>no</strong>vador das letras e crítico social. O sociólogo<br />

cunha este conceito para dar conta de uma unidade presumida de <strong>no</strong>ssas atividades sociais e culturais. Para os fins de<br />

análise literária, interessa destacar que dentro deste conceito reside a <strong>no</strong>ção de cultura e sociedade brasileira explicadas<br />

“principalmente como expressão ou resíduos de uma formação processada antes em tor<strong>no</strong> da família patriarcal e<br />

escravocrata do que em volta do Estado, da Igreja ou do Indivíduo”. Ou seja, os valores que pautam <strong>no</strong>ssa vida social e<br />

cultural são, de certa maneira, negadores das idéias liberais.

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