O princípio moral-didatizante no romance oitocentista
O princípio moral-didatizante no romance oitocentista
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compreendido como toda manifestação da instância narrativa, mas em alguns casos da instância<br />
autoral também, e que tem como traço principal o intuito de edificar, vicariar, didatizar, instruir e<br />
corrigir comportamentos, idéias, costumes, atitudes e situações histórico-sociais plasmadas<br />
ficcionalmente na obra com base em uma constelação de valores, que por hora prefiro chamar,<br />
liberais. Ao mesmo tempo, o <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong> deve ser entendido como conceito que vai<br />
para além do texto, embora esteja subordinado a ele dialeticamente, motivada pela vida social e<br />
ideológica do <strong>no</strong>sso 19 de afinar <strong>no</strong>ssa experiência cultural com outra de ordem diversa, a saber,<br />
européia.<br />
Trata-se de um traço, se não exclusivo, pelo me<strong>no</strong>s predominante da prosa de ficção do<br />
período selecionado, e que possui, ao que parece, fortes desdobramentos em <strong>no</strong>ssa tradição literária.<br />
Este <strong>princípio</strong> sintetiza também certos impasses e soluções, para bem e para mal, de <strong>no</strong>ssa formação<br />
cultural, possuindo fortes vínculos com <strong>no</strong>sso processo civilizatório. Assim, parece pertinente<br />
sustentarmos a hipótese de que o <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong> é, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> do texto literário, um elo<br />
crucial de articulação entre <strong>no</strong>ssa literatura <strong>oitocentista</strong> e <strong>no</strong>sso processo social.<br />
Por último, repito, as considerações aqui desenvolvidas são preliminares e que, portanto,<br />
necessitam de desdobramentos, nuances e aprofundamentos que estão sendo realizados neste<br />
primeiro a<strong>no</strong> de atividades da pesquisa.<br />
O <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong><br />
Um dos aspectos mais curiosos e recorrentes quando da leitura da prosa de ficção do <strong>no</strong>sso<br />
século XIX, especialmente em seu período formativo inicial, é a insistente intervenção injuntiva do<br />
narrador junto à fabulação. São interrupções do fluxo narrativo para não só apresentar as<br />
personagens, encaminhar o enredo ou descrever o espaço (procedimentos estratégicos de articulação<br />
discursiva recorrentes nas narrativas em terceira pessoa), mas para comentar sobre os<br />
acontecimentos narrados com forte intuito de <strong>moral</strong>izar e ensinar, <strong>no</strong> sentido estrito dos termos. O<br />
narrador de O Cabeleira (1876), <strong>romance</strong> de Franklin Távora, para aduzirmos a um único exemplo,<br />
diz a certa altura da narrativa (1977, 68):<br />
Não é sem grande constrangimento, leitor, que a minha pena, molhada em tinta,<br />
graças a Deus, e não em sangue, descreve cenas de estranho canibalismo como as<br />
que nesta história se lêem (...) são fatos acontecidos há pouco mais de um século<br />
(...) Não estou imaginando, estou, sim, recordando; e recordar é instruir, e quase<br />
sempre <strong>moral</strong>izar.<br />
Não só <strong>no</strong> processo do fluxo narrativo aparece esse caráter <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong>, vicariante, do<br />
texto literário, mas também na aura ou intenção que circunscreve a narrativa como um todo. Por<br />
outra entrada: a injunção <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong>, em alguns casos, não está explicitamente presente,