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O princípio moral-didatizante no romance oitocentista

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destaque para as do liberalismo) que os autores do período formativo queriam tomar como <strong>no</strong>ssas,<br />

posto que eram consideradas necessárias para o progresso, material e espiritual, da pátria recém<br />

independente.<br />

Antonio Candido apreende, de maneira mais global, a dinâmica da <strong>no</strong>ssa esfera literária,<br />

legado do estatuto colonial, e que expõe o aspecto prescritivo do <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong>: “(...)<br />

mais do que na Europa, nas colônias, onde se gestavam futuras nações, a literatura foi um<br />

instrumento de dominação. Por meio dela o colonizador forçou o predomínio da sua língua (...),<br />

sugeriu e impôs a celebração das autoridades, o respeito à sua religião, o culto dos seus valores<br />

morais e estéticos.” (CANDIDO, 2002, 100) (grifos meus). Em outras palavras, trata-se da lógica<br />

do processo de transplantação e imposição da cultura européia para o Brasil, resultando, como<br />

observa Roberto Schwarz em “As idéias fora de lugar”, em um torcicolo cultural; isto é, um<br />

descompasso entre <strong>no</strong>ssa vida intelectual e <strong>no</strong>ssa vida social que afeta esteticamente a produção<br />

literária do século XIX.<br />

Com efeito, transportadas para cá, elas, as idéias, chocam-se com <strong>no</strong>ssa configuração social<br />

de três extratos (senhores, escravos e “homens livres e dependentes”); e com uma eco<strong>no</strong>mia de base<br />

agrária, latifundiária e escravista. O choque entre as idéias e a configuração da sociedade brasileira<br />

resulta, por um lado, em desarticulação da ideologia européia, liberal, que não tinha meios de operar<br />

entre nós. A escravidão, vale lembrar, desmente as idéias liberais do grupo pensante do país 4 .<br />

Trata-se, em outros termos, daquilo que a historiografia chamou de impropriedade de <strong>no</strong>sso<br />

pensamento. Como observa Sérgio Buarque de Hollanda (2000, 21): “Trazendo de países distantes<br />

<strong>no</strong>ssas formas de vida, <strong>no</strong>ssas instituições e <strong>no</strong>ssa visão do mundo e timbrando em manter tudo isso<br />

em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em <strong>no</strong>ssa terra” (grifo meu).<br />

São as idéias fora de lugar, nas palavras de Schwarz (2000, 21) – “foras de centro em relação à<br />

exigência que elas mesmas propunham, e reconhecivelmente <strong>no</strong>ssas nessa mesma qualidade. Assim,<br />

posto de parte o raciocínio sobre causas, resta na experiência aquele „desconcerto‟ que foi o <strong>no</strong>sso<br />

ponto de partida: a <strong>no</strong>ção que o Brasil dá de dualismo e factício”. Na esteira destas considerações, o<br />

<strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong> é, grosso modo, um repositório de impropriedades ou deslocamentos<br />

dos valores absorvidos como necessários ao progresso da nação dentro dos <strong>romance</strong>s. Por ser a<br />

concentração destas ideologias “importadas”, enunciadas claramente <strong>no</strong> âmbito ficcional, o<br />

<strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong> é um dos índices do torcicolo cultural que a ficção do século XIX<br />

sofreu e que tem desdobramentos na fatura das obras.<br />

Segundo Roberto Schwarz, ainda em “As idéias fora de lugar”, um dos problemas centrais a<br />

ser enfrentado por aquele que deseja estudar a literatura do <strong>no</strong>sso Oitocentos é o fenôme<strong>no</strong> de<br />

4 Desarticulação que é rearticulação, ainda segundo Schwarz <strong>no</strong> referido ensaio, quando entra em cena o mecanismo de<br />

reprodução social: o favor. De desarticulação passamos agora à rearticulação, por deslocamento, das idéias do<br />

liberalismo em <strong>no</strong>ssa dinâmica social.

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