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O princípio moral-didatizante no romance oitocentista

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podemos ser europeus por medo de perdermos <strong>no</strong>ssa identidade. A questão, grosso modo, para o<br />

<strong>romance</strong> poderia ser formulada <strong>no</strong>s seguintes termos: como ser um brasileiro civilizado?<br />

Sob este aspecto é curioso <strong>no</strong>tar que o discurso ilustrado, que se queria a saída de todos os<br />

problemas nacionais, todos mesmo, levou os escritores a formar um grupo que via tudo de cima,<br />

incluindo seus leitores. Na verdade, a ilusão ilustrada levou o escritor ao máximo tensionamento do<br />

nó cultural, produto de <strong>no</strong>ssa formação social e histórica como país periférico, pois a visão que os<br />

escritores tinham de si mesmos é deformada frente à incultura dominante, como observa Antonio<br />

Candido, em “Literatura e subdesenvolvimento” (1987, 147-148):<br />

Ao lamentar a ig<strong>no</strong>rância do povo e desejar que ela desaparecesse, a fim de que a pátria<br />

subisse automaticamente aos seus altos desti<strong>no</strong>s, eles se excluíam do contexto e se<br />

consideravam grupo à parte, realmente “flutuante” (...) Flutuavam, com ou sem consciência<br />

de culpa, acima da incultura e do atraso, certos de que estes não os poderiam contaminar,<br />

nem afetar a qualidade do que faziam.<br />

A conseqüência de tal visão de si mesmos levou os escritores ao inevitável: virar-se para a<br />

Europa em busca de seu público, um “público ideal”. Mais, o deslocamento de atenção para a<br />

Europa era porque lá se radicava uma escala de valores com os quais o discurso ilustrado<br />

trabalhava. E isso pode trazer resultados bons ou ruins, dependendo da realização formal e estética<br />

de cada obra; e de como o escritor joga com os influxos exter<strong>no</strong>s dentro da dinâmica interna da<br />

cultura. Entretanto, a tensão entre expressão formal e sistema cultural periférico, em um ou outro<br />

caso, é ainda questão posta. Outro detalhe: o deslocamento de foco para a Europa não é total uma<br />

vez que o <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong>, com seu caráter de corretivo social, pressupõe também um<br />

grupo de leitores diverso daqueles ideais. Tal posição do escritor parece estar na base do <strong>princípio</strong><br />

<strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong>, e pode ter conseqüências estéticas decisivas para a fatura das obras.<br />

Não pode ser deixada de lado uma força interventora que tenta solucionar as debilidades que<br />

se instituiam entre escritor e público em <strong>no</strong>ssa literatura: o Estado. Uma vez que os escritores não<br />

tinham respaldo em função da exigüidade de público, coube ao Estado desempenhar o papel de<br />

mecenas para que a atividade literária pudesse ser executada <strong>no</strong> Brasil. A conseqüência imediata<br />

que se pode imaginar quando da incorporação do escritor à superestrutura do Estado é o<br />

nivelamento da obra literária ao gosto médio. O <strong>princípio</strong> <strong>moral</strong>-<strong>didatizante</strong> passa a ser uma das<br />

manifestações mais evidentes dessa dinâmica na fatura das obras. Nesse sentido, uma <strong>no</strong>tação como<br />

a de Manuel Antonio de Almeida (um escritor não incorporado pela malhas da burocracia estatal) é<br />

altamente reveladora desse nivelamento médio da produção literária da época: “A <strong>no</strong>ssa literatura<br />

hoje é filha da política: a política dos povos que começam é escrava das paixões”, e segue:<br />

“Compreendo Lamartine em França, assombro-me de Porto Alegre <strong>no</strong> Brasil” (ALMEIDA, 1991,<br />

53). Destaco ainda que de tudo isso Candido tira a explicação de quase não ter havido <strong>no</strong> Brasil<br />

literatura realmente requintada, <strong>no</strong> sentido favorável da palavra, até o Modernismo.

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