antropologia e poder: contribuições de eric wolf - CEAS
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Gustavo Lins Ribeiro e Bela Feldman-Bianco<br />
(2001k [1990]) fornece os subsídios para a interpretação <strong>de</strong> como a i<strong>de</strong>ologia<br />
se entrelaça com o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> em torno das relações sociais fundamentais para a<br />
administração do controle social do trabalho. Wolf percebe a “cultura como<br />
a matéria-prima a partir da qual as i<strong>de</strong>ologias são construídas e ganham<br />
influência (…) a i<strong>de</strong>ologia seleciona do plano mais geral da cultura aquilo que<br />
lhe é mais a<strong>de</strong>quado, o que po<strong>de</strong> atuar como marcas, símbolos ou emblemas<br />
<strong>de</strong> relações que se quer <strong>de</strong>stacar” (citado em Ribeiro 1998: 156). As i<strong>de</strong>ologias<br />
“sugerem esquemas unificados ou configurações <strong>de</strong>senvolvidas para<br />
subscrever ou manifestar <strong>po<strong>de</strong>r</strong>” (Wolf 1999: 4).<br />
Para enten<strong>de</strong>r como as i<strong>de</strong>ologias tornam-se programas para o exercício<br />
da dominação, a análise do <strong>po<strong>de</strong>r</strong> é central. Eric Wolf (1999: 4-5) concebe<br />
<strong>po<strong>de</strong>r</strong> como “um aspecto <strong>de</strong> todas as relações entre as pessoas”, entendimento<br />
que tomou <strong>de</strong> Norbert Elias, para quem “equilíbrios mais ou menos flutuantes<br />
<strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> constituem um elemento integrante <strong>de</strong> todas as relações<br />
humanas” e fazem parte <strong>de</strong> um jogo on<strong>de</strong> alguns parceiros po<strong>de</strong>m sofrer<br />
perdas, outros acrescentar ganhos e até <strong>de</strong>senvolver monopólios <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> que<br />
“simultaneamente geram esforços para testar e <strong>de</strong>sestabilizar estas posições<br />
preferenciais”. Pensar o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> em termos relacionais permite diferenciá-lo em<br />
quatro modalida<strong>de</strong>s (Wolf 1999: 5). A primeira, individual, refere-se à<br />
“potência ou capacida<strong>de</strong> que é tida como inerente em um indivíduo”, um<br />
sentido nietzcheano <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, bom para enten<strong>de</strong>r porque as pessoas se<br />
envolvem no jogo do <strong>po<strong>de</strong>r</strong> mas não para enten<strong>de</strong>r o próprio jogo. A segunda,<br />
transacional, “manifesta-se nas interações e transações entre pessoas e refere-<br />
-se à habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ego <strong>de</strong> impor seu <strong>de</strong>sejo sobre um alter”, uma<br />
perspectiva weberiana que não consi<strong>de</strong>ra a natureza das arenas on<strong>de</strong> as<br />
interações existem. A terceira é o “<strong>po<strong>de</strong>r</strong> que controla os contextos nos quais<br />
as pessoas exibem suas capacida<strong>de</strong>s e interagem com outras”, enfatizando os<br />
instrumentos que permitem que uns controlem as ações <strong>de</strong> outros. Wolf<br />
<strong>de</strong>signa esta modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> tático ou organizacional. Por último, o<br />
<strong>po<strong>de</strong>r</strong> estrutural, a quarta modalida<strong>de</strong>, isto é, “o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> manifesto em relações<br />
e que não opera apenas internamente aos contextos e domínios mas também<br />
organiza e orquestra os próprios contextos e especifica a direção e distribuição<br />
<strong>de</strong> fluxos <strong>de</strong> energia. Em termos marxianos, refere-se ao <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> distribuir<br />
e alocar trabalho social. É também a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> com a qual Michel<br />
Foucault se preocupava quando falou <strong>de</strong> ‘governança’, significando o exercício<br />
da ‘ação sobre a ação’”.<br />
A partir <strong>de</strong>sse “kit <strong>de</strong> ferramentas”, examina os modos pelos quais as<br />
três socieda<strong>de</strong>s selecionadas enfrentaram múltiplas tensões causadas por crises,<br />
fossem elas ecológicas, sociais, políticas ou psicológicas. Assim, enquanto<br />
a socieda<strong>de</strong> kwakiutl <strong>de</strong>frontou-se com o impacto dramático da penetração<br />
<strong>de</strong> uma nova economia política em suas relações <strong>de</strong> status e precedência, os<br />
tecnochoca do México pré-hispânico tiveram que lidar com mudanças<br />
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