Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Da anatomia à perfeição<br />
Através da perfeição física, o artista dotou<br />
as suas obras de grande espiritualidade.<br />
Esculturas como Moisés, Baco e David,<br />
transmitem poderosos sentimentos e paixões<br />
humanas. <strong>Miguel</strong> <strong>Ângelo</strong> sacrificou a harmonia<br />
do classicismo a favor de um expressionismo<br />
pessoal com um selo único de estilo. Tanto a<br />
sua forma de esculpir, como o produto final do<br />
seu trabalho, reflectiam o seu temperamento<br />
incontrolável, e não a influência de uma escola<br />
formal ou teoria erudita.<br />
Esta característica autodidacta, marca da sua<br />
obra, levou-o a mergulhar no terreno das<br />
emoções através da anatomia. Com o seu vasto<br />
conhecimento do movimento dos músculos,<br />
da estrutura óssea e da pele, conseguiu<br />
representar fielmente as mais variadas e subtis<br />
emoções nas suas estátuas sacras e profanas.<br />
A Piedade, uma amostra emblemática dessa<br />
característica, reflecte o sofrimento interno de<br />
uma mãe, sintetizado na expressão do rosto,<br />
cabisbaixo mas estóico da Virgem Maria.<br />
A Piedade inacabada<br />
Criada no período final da trajectória<br />
artística de <strong>Miguel</strong> <strong>Ângelo</strong>, e também no<br />
final da sua vida, A Piedade Rondanini<br />
evoca sentimentos opostos ao seu primeiro<br />
trabalho sobre o mesmo tema. Esta obra<br />
inacabada reflecte o pessimismo e a revolta<br />
contra o mundo e contra si mesmo que<br />
invadiram o artista na velhice, somada<br />
a uma sensação de fracasso por não ter<br />
conseguido alcançar a perfeição suprema<br />
que ansiava. Realizado à luz das velas<br />
durante várias noites de inquietação<br />
e insónia, deixa a descoberto a sua<br />
inconstância emocional e intelectual no<br />
processo de criação.<br />
A figura de Cristo, praticamente fundida<br />
com a de sua mãe numa imponente massa<br />
pétrea, parece querer libertar-se de toda<br />
a concepção estética, e inclusivamente,<br />
da realidade objectiva. A protagonista<br />
da obra é a dor, agora evidente, da mãe<br />
que com escassas forças tenta suster<br />
o cadáver do seu filho que abraça por<br />
trás para evitar que caia, utilizandoo<br />
no entanto, no seu desespero e<br />
debilidade, como suporte físico e<br />
moral. Inacabadas, com a expressão dos<br />
seus rostos amorfos e o movimento<br />
dos seus corpos, ambas as figuras<br />
transmitem desolação, impotência<br />
e desamparo, sentimentos com os quais o<br />
artista se identificava plenamente.