7301 justiça distributiva e teoria moral - uma ... - publicaDireito
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diferença. Falar em educação ou possibilidade de trabalho pra quem, se nada for feito,<br />
vai morrer amanhã, não faz sentido, o que não exclui a necessidade de também<br />
proporcionar trabalho e educação, o que também não é realizado.<br />
Num primeiro momento, essa perspectiva se assemelha mais a versões de<br />
assistencialismo, paternalismo ou caridade do que <strong>uma</strong> a visão ética mais sustentada.<br />
No entanto, traz questões morais que demandam <strong>uma</strong> revisão dos modos de vida e das<br />
perspectivas de "<strong>moral</strong>mente correto" nas sociedades ocidentais. Partindo do<br />
pressuposto de que o sofrimento e a morte decorrente de falta de comida, de abrigo ou<br />
de assistência médica são relevantes eticamente (são maus), é anunciado um princípio:<br />
"estando em nosso poder evitar algo de mau, sem com isso sacrificar nada que tenha<br />
importância <strong>moral</strong> comparável, nós devemos, <strong>moral</strong>mente fazê-lo", desse princípio<br />
extraímos duas assertivas: ele só exige que se evite o que é mau (não exige que promova<br />
o bom) e; sem sacrificar ou fazer nada que do ponto de vista <strong>moral</strong> seja<br />
comparavelmente mau. Há a possibilidade de <strong>uma</strong> interpretação mais restritiva,<br />
substituindo o "algo de importância <strong>moral</strong> comparável" por "algo <strong>moral</strong>mente<br />
relevante", dessa forma torna-se o princípio mais ameno.<br />
Para a aplicação desse princípio Singer cria <strong>uma</strong> situação hipotética: "se vou passando<br />
junto a um espelho d'água e vejo que <strong>uma</strong> criança está se afogando ali, devo entrar na<br />
água e retirar a criança. A ação significará sujar a minha roupa, mas isso é irrelevante,<br />
ao passo que a morte de <strong>uma</strong> criança seria supostamente <strong>uma</strong> coisa má". Embora a<br />
aplicação desse princípio dê a idéia de algo incontestável do ponto de vista do senso<br />
comum, essa idéia não é verdadeira, pois sua aplicação alteraria fundamentalmente<br />
nossa sociedade: primeiro, em razão de que o princípio não menciona a proximidade ou<br />
a distância do sujeito da ação em relação ao paciente da ação, ou seja, não há diferença<br />
<strong>moral</strong> se a pessoa que necessita ajuda está a um metro ou mil quilômetros de distância.<br />
Segundo, não há distinção entre casos em que há <strong>uma</strong> pessoa capacitada a realizar a<br />
ação ou milhões de pessoas na mesma posição. No primeiro caso, se forem aceitos<br />
quaisquer princípios, de igualdade, imparcialidade ou universalidade, não se pode<br />
discriminar alguém pelo simples fato de estar distante. No segundo, a capacitação para<br />
ação não se dá pela oportunidade locacional e nem o fato de haver um ou um milhão de<br />
capacitados a fazer a ação exclui o dever individual de cada um, que deve agir<br />
independentemente dos outros. Num mundo globalizado onde a velocidade de<br />
comunicação é instantânea e de transporte muito rápida, existindo diversas organizações<br />
sérias de ajuda h<strong>uma</strong>nitária especializadas em combater problemas relacionados a fome,<br />
saúde etc. para salvar <strong>uma</strong> ou várias vidas de pessoas tão necessitadas quanto a<br />
mencionada criança que vai se afogar, pode só ser necessário fazer doações (um<br />
telefonema, um depósito etc.). Essa ação tem o mesmo significado <strong>moral</strong> da atitude de<br />
salvar a criança se afogando e não realizar a ação também.<br />
Esse argumento possui como conseqüência subverter as categorias morais tradicionais,<br />
pois nas concepções tradicionais não há como traçar <strong>uma</strong> linha divisória entre o dever e<br />
a caridade. Quando <strong>uma</strong> pessoa doa seu dinheiro ela é considerada <strong>moral</strong>mente<br />
generosa, as instituições que recolhem o dinheiro são reconhecidas como de "caridade"<br />
até por si mesmas. Dessa forma, não é considerado errado <strong>moral</strong>mente o ato de não<br />
doar. O argumento diz que ao invés de gastarmos nosso dinheiro com coisas supérfluas,<br />
deveríamos doá-lo. Essa ação não é nem caridosa nem generosa, tampouco seria um ato<br />
supererrogatório - algo que seria bom fazer , mas não seria errado não fazer - ao<br />
contrário, o dinheiro deve ser doado, o errado é não doar.<br />
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