Advogado dos diabos - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Com Helen Levitt a rua foi uma lírica<br />
urbana<br />
Se consi<strong>de</strong>rarmos cada fotografi a como uma máquina<br />
do tempo que é accionada no momento em que<br />
alguém a vê, é inevitável não entrarmos na viagem<br />
rumo às ruas <strong>de</strong> Nova Iorque <strong>dos</strong> anos 40 através das<br />
imagens <strong>de</strong> Helen Levitt (EUA, 1913-2009), on<strong>de</strong> as<br />
crianças se movimentam em liberda<strong>de</strong> numa teia <strong>de</strong><br />
cumplicida<strong>de</strong>s e todo o tipo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras. Passeios,<br />
portas, escadas, esquinas e reentrâncias, fontes,<br />
árvores e pontos <strong>de</strong> água a espirrar géisers - tudo serve<br />
para campo <strong>de</strong> acção <strong>de</strong>sta “Lírica Urbana” nos bairros<br />
populares da gran<strong>de</strong> metrópole registada por uma das<br />
últimas gran<strong>de</strong>s autoras da fotografi a <strong>de</strong> rua do século<br />
XX, aposta forte da programação do festival com uma<br />
exposição antológica (a primeira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua morte<br />
em 2009) que abarca trabalhos entre 1936 a 1993. Foi<br />
comissariada pelo catalão Jorge Ribalta, que <strong>de</strong>dica<br />
um ensaio à autora no livro “El tiempo expandido” que<br />
reúne ensaios <strong>de</strong> vários autores sobre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
propostas do festival.<br />
As cópias <strong>de</strong> época <strong>de</strong> pequeno formato que dão corpo<br />
à exposição, sobretudo as que foram registadas durante<br />
a primeira década <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Levitt, convidam-nos<br />
a entrar nessa cápsula do tempo, já que em muitas<br />
<strong>de</strong>las é preciso encostar o nariz ao vidro da moldura e<br />
alguma concentração para ver os risos, as caretas e as<br />
pistolas <strong>de</strong> fi ngir usadas nestas microscópicas peças <strong>de</strong><br />
teatro, fugazes instantes da vida quotidiana raramente<br />
ti<strong>dos</strong> em conta pela “gran<strong>de</strong>” história urbana. Esta<br />
subtileza no momento <strong>de</strong> revelar o seu trabalho através<br />
<strong>de</strong> pequenos formatos está em sintonia com uma<br />
actuação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za no momento <strong>de</strong> fazer<br />
o disparo. Helen Levitt bebeu to<strong>dos</strong> os ensinamentos<br />
<strong>de</strong> Walker Evans (uma das suas referências na<br />
fotografi a a par <strong>de</strong> Henri Cartier-Bresson), para quem<br />
a força do documento fotográfi co e o realismo máximo<br />
se conseguiam sobretudo quanto os fotógrafos<br />
passavam <strong>de</strong>spercebi<strong>dos</strong>, sem infl uenciar o sujeito e, <strong>de</strong><br />
preferência, com uma Leica na mão.<br />
O mundo que Levitt fotografou <strong>de</strong>sapareceu. Como<br />
quase <strong>de</strong>sapareceu a prática fotográfi ca cândida com<br />
que se divertia a registar o divertimento <strong>dos</strong> outros, a<br />
lírica urbana (título mais a<strong>de</strong>quado não podia haver)<br />
que hoje os fotógrafos têm mais difi culda<strong>de</strong> em<br />
apreen<strong>de</strong>r. É um paraíso perdido.<br />
Helen Levitt,<br />
Lírica Urbana.<br />
Fotografías<br />
1936-1993<br />
Museo Colecciones<br />
ICO (MUICO),<br />
Zorrilla, 3, Madrid<br />
Até 28 <strong>de</strong> Agosto<br />
36 • Sexta-feira 18 Junho 2010 • Ípsilon<br />
Os livros e a fotografia casaram há<br />
muito, mas o namoro continua<br />
Já não é só uma tradição (e que boa tradição) – é<br />
uma instituição também. A iniciativa “Os melhores<br />
livros <strong>de</strong> fotografi a do ano” mantém-se inabalável<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição do PHotoEspaña, em 1998.<br />
To<strong>dos</strong> os anos o festival recebe centenas <strong>de</strong> cópias<br />
<strong>de</strong> fotolivros envia<strong>dos</strong> <strong>de</strong> todo o mundo, sinal <strong>de</strong><br />
que o suporte continua a merecer cada vez mais<br />
<strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> autores e editores. No conjunto <strong>de</strong> várias<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> obras seleccionadas para os prémios<br />
fi nais <strong>de</strong>ste ano, estão, lado a lado, livros produzi<strong>dos</strong><br />
por editoras <strong>de</strong> escala mundial e livros produzi<strong>dos</strong><br />
pelos próprios fotógrafos, em edições <strong>de</strong> autor cada<br />
vez mais cuidadas. Esta profusão <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong><br />
iniciativa individual no núcleo restrito <strong>de</strong> fi nalistas<br />
revela também como se <strong>de</strong>mocratizou o processo<br />
<strong>de</strong> produção <strong>dos</strong> fotolivros, que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estar<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das gran<strong>de</strong>s tiragens para se tornarem<br />
realida<strong>de</strong>. Com tantas portas fechadas nos tradicionais<br />
meios <strong>de</strong> divulgação e sustento <strong>dos</strong> autores, quantas<br />
vezes os livros não surgem como a única maneira <strong>de</strong><br />
tornar visível o trabalho <strong>de</strong> um fotógrafo?<br />
Os melhores livros <strong>de</strong> fotografi a estão, pela segunda<br />
vez, no Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> Madrid. O festival dá três<br />
prémios. O prémio para o Melhor Livro <strong>de</strong> Fotografi a<br />
Nacional (livros publica<strong>dos</strong> em Espanha) foi para a<br />
reedição <strong>de</strong> “Soviet Aviation” (Editorial Lampreave),<br />
<strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Rodchenko e Varvara Stepanova, um<br />
<strong>dos</strong> vários produzi<strong>dos</strong> pelo regime soviético para<br />
levar à feira mundial <strong>de</strong> Nova Iorque, em 1939. O<br />
mais recente “Atlas Monograph” (T&G Publishing), do<br />
australiano Max Pam, foi consi<strong>de</strong>rado O Melhor Livro<br />
<strong>de</strong> Fotografi a Internacional. A obra inclui <strong>de</strong>senhos,<br />
pinturas e textos do autor produzi<strong>dos</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />
várias viagens pelo mundo. O prémio para a Editora<br />
do Ano foi atribuído à Aperture Foundation, que<br />
chegou com várias obras à escolha fi nal, entre os<br />
quais o último fotolivro da americana Sally Mann,<br />
“Proud Flesh”. De Portugal só foi seleccionada para<br />
a exposição no Mata<strong>de</strong>ro a reedição <strong>de</strong> “<strong>Lisboa</strong>,<br />
Cida<strong>de</strong> Triste e Alegre”, <strong>de</strong> Victor Palla/Costa Martins,<br />
publicada pela Pierre von Kleist Editions.<br />
“Soviet<br />
Aviation” ,<br />
1939<br />
Os Melhores<br />
Livros <strong>de</strong><br />
Fotografi a do<br />
Ano<br />
Mata<strong>de</strong>ro <strong>de</strong><br />
Madrid, Chopera, 14<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho<br />
Quantos tempos tem o tempo na<br />
fotografia?<br />
Nos primeiros dois anos como comissário-geral, Sérgio<br />
Mah optou por centrar a <strong>de</strong>fesa do tema escolhido<br />
numa exposição, assumindo aí gran<strong>de</strong> parte das<br />
<strong>de</strong>spesas da justifi cação teórica <strong>dos</strong> eixos centrais<br />
do festival – foi assim com “Lugar” (2008), através da<br />
mostra <strong>de</strong> W. Eugene Smith, e com “Quotidiano” (2009),<br />
através da exposição colectiva “Anos 70. Fotografi a<br />
e Vida Quotidiana”. Para a recta fi nal como director<br />
artístico do PHotoEspaña 2010, dirigido segundo<br />
o tema genérico “Tempo”, o comissário português<br />
fez questão <strong>de</strong> sublinhar o carácter dialogante da<br />
exposição “Entre Tempos. Instantes, intervalos,<br />
durações” com outras propostas programáticas do<br />
festival, quer tenham sido orientadas por si ou por<br />
comissários convida<strong>dos</strong>. A i<strong>de</strong>ia é estabelecer relações<br />
formais e estéticas entre as várias exposições da<br />
secção ofi cial <strong>de</strong> maneira alargar a refl exão sobre<br />
o vasto espectro <strong>de</strong> práticas visuais que giram<br />
em torno das múltiplas (multíplices, paradoxais…)<br />
noções do conceito <strong>de</strong> tempo. O jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />
semelhanças, contaminações, familiarida<strong>de</strong>s ou acasos<br />
não tem regras <strong>de</strong> partida, mas o guia ofi cial do festival<br />
po<strong>de</strong> dar uma ajuda preciosa. Por exemplo, através<br />
<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos comparar as fi guras heróicas da NBA <strong>de</strong><br />
Paul Pfeiff er, em plena acção e isoladas <strong>de</strong> todo o ruído<br />
visual circundante, com o mergulho para a piscina<br />
sobre fundo negro <strong>de</strong> Pete Desjardin registado pelo<br />
engenheiro Harold Edgerton durante as experiências<br />
com fl ash estroboscópico, novida<strong>de</strong> técnica capaz <strong>de</strong><br />
registar movimentos até então impossíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar<br />
a olho nu.<br />
Entre registos fotográfi cos, vi<strong>de</strong>ográfi cos e fílmicos,<br />
ao longo das salas subterrâneas do sempre fresco<br />
Teatro Fernán Gómez, há 17 autores para <strong>de</strong>scobrir<br />
(ou re<strong>de</strong>scobrir) e que representam uma cartografi a<br />
possível da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo na linguagem fotográfi ca.<br />
Em conversa com o Ípsilon no dia da inauguração,<br />
Mah afi rmou que “Entre Tempos...” é uma exposição<br />
para pensar e para se ver <strong>de</strong>vagar. Não só para que<br />
se possam estabelecer as relações e os confl itos<br />
dialogantes entre as várias propostas criativas, mas<br />
também para que se consiga <strong>de</strong>scobrir a beleza nas<br />
pequenas diferenças que se estabelecem entre duas<br />
imagens separadas apenas por um abrir e fechar <strong>de</strong><br />
olhos (Jochen Lempert, Cro-Mañon, 2006).<br />
Tacita Dean,<br />
“Day for<br />
Night”<br />
(fotograma),<br />
2009<br />
Vários autores,<br />
Entre Tempos.<br />
Instantes,<br />
intervalos,<br />
durações<br />
Teatro Fernán<br />
Gómez, Plaza <strong>de</strong><br />
Colón, 4, Madrid<br />
Até 25 <strong>de</strong> Julho