Maria do Céu de Sousa Ferreira - Repositório Aberto da ...
Maria do Céu de Sousa Ferreira - Repositório Aberto da ...
Maria do Céu de Sousa Ferreira - Repositório Aberto da ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>de</strong>senvolveram entre duas nações geograficamente contíguas e unifica<strong>da</strong>s por uma<br />
mesma península. Por outro la<strong>do</strong>, o veio auto-reflexivo que a carta suscita aju<strong>da</strong>-nos a<br />
melhor compreen<strong>de</strong>r os contornos <strong>de</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sta religiosa escritora e <strong>do</strong>s seus<br />
<strong>de</strong>stinatários.<br />
Como <strong>do</strong>cumentam alguns relatos <strong>de</strong> confessores, as religiosas escreviam<br />
também a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus orienta<strong>do</strong>res espirituais, que as incitavam a narrar os seus<br />
momentos <strong>de</strong> diálogo com Cristo. Po<strong>de</strong>mos facilmente comprovar este facto, se nos<br />
<strong>de</strong>tivermos sobre a correspondência troca<strong>da</strong> por várias religiosas com os seus<br />
confessores e orienta<strong>do</strong>res espirituais, resi<strong>de</strong>nte ain<strong>da</strong> nos acervos <strong>de</strong> bibliotecas e<br />
arquivos 43 .<br />
Mas não po<strong>de</strong>mos esquecer que, a par <strong>de</strong>sta motivação pela escrita, an<strong>do</strong>u<br />
igualmente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação intrínseca ao ser humano. O apelo <strong>da</strong> escrita<br />
atravessou vários tempos e épocas, e a carta foi talvez a forma <strong>de</strong> comunicar que<br />
conheceu consi<strong>de</strong>ráveis <strong>de</strong>senvolvimentos nos séculos XVII e XVIII. Convém lembrar<br />
que, já em 1619, na incontornável Corte na Al<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> Rodrigues Lobo, foi referencia<strong>do</strong><br />
o trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Baltasar Castiglione sobre a corte e o comportamento cortesão (haven<strong>do</strong>,<br />
ain<strong>da</strong>, na obra, consi<strong>de</strong>rações que nos permitem afirmar que outros trata<strong>do</strong>s estão<br />
implícitos na re<strong>da</strong>cção <strong>de</strong>stes Diálogos), atribuin<strong>do</strong>-se às cartas o valor <strong>de</strong> género mais<br />
eluci<strong>da</strong>tivo sobre os hábitos <strong>da</strong> corte. Assim, não parecerá estranho que esta<br />
correspondência dinamize as práticas <strong>de</strong> leitura e as reuniões na corte <strong>do</strong>s Medinaceli.<br />
Com efeito, na carta XXIX, o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s palavras <strong>de</strong> SMC («admiro en que<br />
estan<strong>do</strong> Vuestra Excelencia en el aula <strong>de</strong> la poesía que es Madrid se acuer<strong>de</strong> <strong>de</strong> versos<br />
míos») torna implícito que o motivo que trouxe a Duquesa ao conhecimento <strong>de</strong> <strong>Maria</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>Céu</strong> foi o seu talento poético. A poesia parece ter si<strong>do</strong> o motivo que fez <strong>de</strong>slocar a<br />
Duquesa ao Mosteiro <strong>da</strong> Esperança, para conhecer a religiosa portuguesa autora. A<br />
reserva, a clausura e o silêncio po<strong>de</strong>riam ser condições impeditivas <strong>de</strong> uma inserção nas<br />
re<strong>de</strong>s sociais que proliferaram particularmente no século XVII, abrin<strong>do</strong> caminhos a<br />
novas formas <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, que impulsionará o individual em direcção ao colectivo.<br />
A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação em certas <strong>de</strong>cisões, rasgan<strong>do</strong> lugar nas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
43<br />
Cf. Isabel Morujão, «Sinais <strong>de</strong> Fogo. Entre a voz e o silêncio: Literatura e espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong> nos mosteiros<br />
femininos», in Mulher. Espírito e Norma. IV Encontro Cultural S. Cristóvão <strong>de</strong> Lafões, Mosteiro <strong>de</strong> S.<br />
Cristóvão <strong>de</strong> Lafões, 2009, pp. 51-66.<br />
38