ações afirmativas e racismo: a política de cotas e suas ...
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1<br />
AÇÕES AFIRMATIVAS E RACISMO: A POLÍTICA DE COTAS E SUAS<br />
REPERCURSSÕES NO RACISMO - UM ESTUDO DE CASO NO INSTITUTO<br />
FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ – IFPA<br />
RESUMO<br />
Área <strong>de</strong> Conhecimento<br />
Educação para Rel<strong>ações</strong> Étnico raciais<br />
Linha <strong>de</strong> Pesquisa:<br />
Acesso e permanência<br />
Dilzanir M. dos Santos 1<br />
Rafael Henrique. C. Merícias 2<br />
Helena do S. C. da Rocha 3<br />
A adoção <strong>de</strong> <strong>política</strong>s <strong>de</strong> ação afirmativa vem se mostrando como temática geradora <strong>de</strong><br />
discussões e um dos aspectos centrais do <strong>de</strong>bate atual sobre <strong>racismo</strong> no Brasil. Entre tais<br />
<strong>política</strong>s <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> <strong>de</strong>staca-se a reserva <strong>de</strong> vagas para negros nas<br />
universida<strong>de</strong>s públicas. O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi avaliar a repercussão que a adoção<br />
da <strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> apresentou nas rel<strong>ações</strong> étnico raciais, reconhecendo a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> investigar seus reflexos nas rel<strong>ações</strong> racistas que se manifestam implícita ou<br />
explicitamente nas atitu<strong>de</strong>s e comportamentos <strong>de</strong> alunos do Instituto Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA). A pesquisa realizou-se com uma<br />
amostra <strong>de</strong> 60 alunos do 3º ano do Ensino Médio, on<strong>de</strong> se constatou que a proposta das<br />
<strong>cotas</strong> <strong>de</strong>ve ser mais divulgada, entre os alunos, para o amadurecimento das discussões.<br />
Palavras-Chave: Ações <strong>afirmativas</strong>, Cotas Raciais, Racismo.<br />
1 Licenciada em História pela Universida<strong>de</strong> Estadual Vale do Acaraú-CE, especialista em Estudos Culturais da<br />
Amazônia pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará. Concluinte do Curso <strong>de</strong> Especialização em Educação para Rel<strong>ações</strong><br />
Étnico Raciais – IFPA; E-mail: dilza_ni@hotmail.com<br />
2 Bacharel e Licenciado em História pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Pará. Concluinte do Curso <strong>de</strong> Especialização em<br />
Educação para Rel<strong>ações</strong> Étnico Raciais – IFPA; E-mail: rh_mericias@hotmail.com<br />
3 Orientadora do Artigo. Professora <strong>de</strong> Educação Especial do IFPA. Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento<br />
– Psicologia Experimental – UFPA; Doutoranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento – Psicologia Experimental<br />
– UFPA; Coor<strong>de</strong>nadora do Curso <strong>de</strong> Especialização em Educação para Rel<strong>ações</strong> Étnico Raciais – IFPA;<br />
helenacefetpa@yahoo.com.br.
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2<br />
INTRODUÇÃO<br />
O interesse pelo estudo das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> e <strong>racismo</strong> surgiu em <strong>de</strong>corrência<br />
da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar como se tem <strong>de</strong>senvolvido o sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> para acesso<br />
aos cursos superiores aos alunos negros, como uma forma <strong>de</strong> resgatar a dívida que a<br />
socieda<strong>de</strong> brasileira tem com esses sujeitos, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo <strong>de</strong><br />
colonização foram marginalizados e impedidos do acesso à escolarização e do trabalho<br />
em condições dignas, fato esse que repercutiu na condição <strong>de</strong> pobreza e ausência <strong>de</strong>sses<br />
segmentos nos estratos mais elevados da socieda<strong>de</strong>.<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> no Brasil é perceptível no que diz respeito aos diferenciais em<br />
função da origem étnica. A questão do <strong>racismo</strong>, preconceito e discriminação constituem<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios a serem enfrentados pelas <strong>política</strong>s públicas. Nesse sentido, as <strong>ações</strong><br />
<strong>afirmativas</strong> surgem como medida urgente e necessária, pois se constituem num<br />
instrumento <strong>de</strong> inclusão social, na medida em que buscam remediar um passado<br />
discriminatório, com o objetivo <strong>de</strong> acelerar o processo <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> das minorias étnicas<br />
e raciais. Assim, cumprem uma finalida<strong>de</strong> pública <strong>de</strong>cisiva para o projeto <strong>de</strong>mocrático,<br />
que é a <strong>de</strong> assegurar a diversida<strong>de</strong> e a pluralida<strong>de</strong> social. (PIOVESAN, 2005)<br />
Nessa perspectiva, o artigo tem como objetivo geral analisar a <strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong><br />
para acesso a estudantes negros na educação superior como elemento reforçador do<br />
<strong>racismo</strong> na socieda<strong>de</strong> brasileira. De forma específica visa a i<strong>de</strong>ntificar as possibilida<strong>de</strong>s<br />
do <strong>racismo</strong> no IFPA por meio das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> do Estado, verificar se a <strong>política</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>cotas</strong> para alunos negros constitui um antídoto contra o <strong>racismo</strong> e <strong>de</strong>tectar se as <strong>cotas</strong><br />
raciais são elementos que reforçam o <strong>racismo</strong>.<br />
Para tanto, o artigo se <strong>de</strong>senvolve em dois momentos. No primeiro momento, é<br />
apresentado um quadro geral em torno do processo <strong>de</strong> interdição da população negra à<br />
educação ao longo da história da educação brasileira, relacionando com as teorias<br />
raciais <strong>de</strong>senvolvidas no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX. No segundo momento, é feita uma<br />
discussão sobre as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> implementadas pelo governo fe<strong>de</strong>ral, enfatizando<br />
as discussões sobre as <strong>cotas</strong> raciais, no momento em que as mesmas geram polêmicas<br />
tanto na socieda<strong>de</strong> e principalmente no meio acadêmico. Por fim, <strong>de</strong>senvolvemos uma<br />
pesquisa no Instituto <strong>de</strong> Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), com os alunos<br />
do 3º ano do ensino médio da instituição.
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3<br />
1- INTERDIÇÃO DO NEGRO À ESCOLARIZAÇÃO<br />
Analisar as trajetórias educacionais dos negros no Brasil revela uma escassa<br />
produção historiográfica sobre a temática. Isso <strong>de</strong>monstra uma tendência que perdurou<br />
durante muito tempo na produção historiográfica brasileira, o que segundo Henri<br />
Moniote (1976), po<strong>de</strong>-se traduzir num europocentrismo histórico. No Brasil, a<br />
problemática exposta permanece atual, pois a história da educação brasileira não tem<br />
contemplado a multiplicida<strong>de</strong> dos aspectos da vida social e da riqueza cultural do povo<br />
brasileiro (NAGLE, 1984). Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que a história da educação do<br />
negro e seu campo <strong>de</strong> pesquisa têm sido veículo <strong>de</strong> continuísmo da reprodução do<br />
tratamento <strong>de</strong>sigual relegados aos sujeitos históricos não-brancos nessa socieda<strong>de</strong>.<br />
1.1 - Breve histórico<br />
Pensar o negro na história da educação no Brasil remete-nos à cruel escravidão<br />
imposta pelos europeus, pois foram arrancados <strong>de</strong> <strong>suas</strong> regiões <strong>de</strong> origem no continente<br />
africano, como também seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, o que <strong>de</strong>monstra um conjunto <strong>de</strong> viol<strong>ações</strong><br />
<strong>de</strong> direito, suscitando para esta população uma triste herança, a interdição do negro à<br />
escolarização.<br />
A educação no sistema escravocrata com <strong>suas</strong> escolas <strong>de</strong> “primeiras letras”,<br />
diferenciadas por gênero e disciplinas, não permitia a presença dos escravizados já que,<br />
por lei (art. 6º da Constituição <strong>de</strong> 1824), era reservada aos cidadãos brasileiros. Com<br />
isso, coibia o ingresso dos escravizados que eram, em larga escala, africanos <strong>de</strong><br />
nascimento. Apenas negros libertos provenientes <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> algum recurso ou<br />
“protegidos” por ex-senhores po<strong>de</strong>riam frequentá-las. Assim, percebemos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
período colonial ao republicano, o Brasil adotou <strong>política</strong>s que davam aval à<br />
discriminação e ao <strong>racismo</strong> e articulou diversas estratégias para impedir o acesso pleno<br />
da população afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte aos bancos escolares.<br />
Essa postura fica evi<strong>de</strong>nte a partir da Reforma Couto Ferraz (Decreto nº 1.331,<br />
<strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1854), que sancionou o Regulamento da Instrução Primária e<br />
Secundária do Município da Corte, instituindo a obrigatorieda<strong>de</strong> da escola primária para<br />
crianças maiores <strong>de</strong> 7 anos e a gratuida<strong>de</strong> das escolas primárias e secundárias, é um<br />
exemplo nítido <strong>de</strong> interdição, já que po<strong>de</strong>mos visualizar dois pontos que ratificam a<br />
interdição do negro à educação, conforme o artigo 69 do Decreto 4 :<br />
4 BRASIL. Decreto n. 1.331 A <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1854. Aprova o regulamento para a reforma do ensino primário<br />
e secundario no Municipio da Côrte. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio
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4<br />
Art. 69: Não serão admitidos á matrícula, nem po<strong>de</strong>rão freqüentar as<br />
escolas:<br />
- 1º. Os meninos que pa<strong>de</strong>ceram moléstias contagiosas.<br />
- 2º. Os que não tiverem sidos vacinados.<br />
- 3º. Os escravos.<br />
Neste trecho fica evi<strong>de</strong>nte o tipo <strong>de</strong> aluno que po<strong>de</strong>ria ser matriculado e<br />
freqüentador das escolas públicas, o que <strong>de</strong>monstra o processo <strong>de</strong> interdição a que o<br />
negro foi submetido no Brasil, pois <strong>de</strong>terminou a exclusão <strong>de</strong> negros escravos (crianças<br />
e adultos) das instituições escolares oficiais, como também os associou a enfermida<strong>de</strong>s<br />
contagiosas da época. Assim, percebemos a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se adquirir alguma instrução<br />
numa socieda<strong>de</strong> escravocrata, ainda que se referisse apenas a técnicas elementares <strong>de</strong><br />
escrita e da leitura. (ARAÚJO; SILVA, 2005)<br />
Essas técnicas rudimentares <strong>de</strong> leitura, escrita e aprendizagem <strong>de</strong> ofícios<br />
beneficiavam financeiramente os senhores por meio dos “escravos <strong>de</strong> aluguéis”. Em<br />
contrapartida, os escravos formavam socieda<strong>de</strong>s secretas “uma espécie <strong>de</strong> francomaçonaria<br />
cuja palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m era proteção mútua” (COSTA, 1989). Isso explica o<br />
fato <strong>de</strong> haverem pretos e pardos alfabetizados e letrados, apesar das restrições, os<br />
letrados ensinariam aos outros.<br />
Assim, a luta das camadas negras pela sua inclusão no processo <strong>de</strong> escolarização<br />
oficial evi<strong>de</strong>ncia que, mesmo à margem da cidadania, os negros acompanham o<br />
processo <strong>de</strong> compactação da nação brasileira e nele exerceram influência. Os<br />
mecanismos do Estado brasileiro que impediram o acesso à instrução pública dos<br />
negros durante o Império <strong>de</strong>ram-se em nível legislativo, quando se proibiu os escravos,<br />
e em alguns casos os próprios negros libertos, <strong>de</strong> freqüentar a escola pública e em nível<br />
prático quando, mesmo garantido o direito dos livres <strong>de</strong> estudar não houve condições<br />
materiais para a realização plena do direito. (CUNHA, 1999)<br />
No período pós-abolição da escravatura (1888) houve várias tentativas <strong>de</strong><br />
regulamentar o ensino público brasileiro, entre elas, citamos a reforma <strong>de</strong> Rivadávia<br />
Corrêa, por meio do Decreto nº 8.659 <strong>de</strong> 1911, a qual conce<strong>de</strong>u autonomia aos diretores<br />
(implantando a eleição <strong>de</strong>ste cargo pela congregação <strong>de</strong> professores) e principalmente, o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> taxas e exames para a admissão no ensino fundamental e superior.<br />
Assim, esse Decreto interelacionado com o contexto sócio-econômico vigente se<br />
constituiu num instrumento para interditar a população negra, como também <strong>de</strong> outros<br />
segmentos sociais menos privilegiados.
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Paralelo a uma legislação oficial que não engendrava condições dignas <strong>de</strong> acesso<br />
e permanência nas escolas, somava-se o duro e difícil cotidiano <strong>de</strong> preconceito e<br />
discriminação nas escolas, que tanto contribuíram para o afastamento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parcela<br />
da população negra do processo <strong>de</strong> escolarização no sistema oficial <strong>de</strong> ensino.<br />
As oportunida<strong>de</strong>s educacionais para essas popul<strong>ações</strong> só serão mais perceptíveis<br />
no início do século XX, mais especificamente nas décadas <strong>de</strong> 20 e 30, com a<br />
disseminação das escolas técnicas para aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda do mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Essas se constituíram na base da organização das primeiras reivindic<strong>ações</strong> sociais<br />
negras no pós-abolição e do movimento negro brasileiro. (GARCIA, 2007)<br />
1.2 - Teoria do branqueamento e <strong>racismo</strong><br />
O <strong>racismo</strong> como fato é uma prática reconhecida nas rel<strong>ações</strong> sociais, no instante<br />
em que se inferioriza alguém tendo como referência seus traços fenótipos, os quais<br />
passam a ser o diferencial <strong>de</strong> status <strong>de</strong> classe. As diferenças e conflitos sociais estão e<br />
estiveram presentes no ceio da socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a antiguida<strong>de</strong>, por diversos<br />
motivos como nos mostra Eliane Azevedo:<br />
Não é sem razão que a mais antiga referência a discriminação racial data <strong>de</strong><br />
aproximadamente 2000 a.C e consta <strong>de</strong> um marco erigido acima da segunda<br />
catarata do Nilo, proibindo qualquer negro <strong>de</strong> atravessar além daquele limite,<br />
salvo se com propósito <strong>de</strong> comércio ou <strong>de</strong> compras. Fica óbvio que a<br />
discriminação era fundamentalmente econômico-<strong>política</strong>, usando a raça como<br />
referencial. (1990.p.23)<br />
Desta forma, os agentes motivadores da i<strong>de</strong>ologia do <strong>racismo</strong> e preconceito<br />
racial surgem na Europa em meados do século XIX, a partir das diversas interpret<strong>ações</strong><br />
feitas pelas mais variadas ciências sociais e <strong>política</strong>s, acerca da teoria <strong>de</strong> Charles<br />
Darwin “A origem das espécies”, on<strong>de</strong> a apropriação <strong>de</strong>ssa teoria por intelectuais e<br />
dirigentes políticos fomentou a divisão <strong>de</strong> classes sociais, principalmente com o<br />
processo <strong>de</strong> industrialização e reor<strong>de</strong>nação da socieda<strong>de</strong> capitalista.<br />
Com o marco das teorias raciais, <strong>de</strong>senvolvidas na Europa, as quais a “raça<br />
branca” era superior e, portanto, pre<strong>de</strong>stinada a conduzir os povos à civilização, criou-se<br />
no mesmo período, novas public<strong>ações</strong> como “Ensaio sobre a Desigualda<strong>de</strong> das Raças”,<br />
<strong>de</strong> Arthur Gobineau (1855); a “História da Civilização na Inglaterra”, <strong>de</strong> Thomas<br />
Buckle (1857/1861); e a “Viagem ao Brasil”, <strong>de</strong> Louis Agassiz (1868).<br />
A vinda <strong>de</strong> Gobineau e Louis Agassiz ao Brasil foi um indicativo da influência<br />
que teriam sobre os intelectuais brasileiros, a exemplo <strong>de</strong> Silvio Romero, Nina
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Rodrigues e Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, que passam a ver a tese do branqueamento como<br />
solução para os problemas raciais no Brasil. (MOTA, 2003)<br />
Em se tratando da tese do branqueamento, consistia na crença pela qual a partir<br />
da mistura entre brancos e negros, a raça branca (como sendo uma raça superior)<br />
predominaria sobre a negra (inferior) e haveria um melhoramento genético. Já no<br />
Segundo Império e início da República havia a crença <strong>de</strong> que o Brasil estaria livre do<br />
problema relacionado ao preconceito racial e a solução encontrada para enfrentar essa<br />
situação voltou-se para o branqueamento da população, através da miscigenação<br />
seletiva e <strong>política</strong> <strong>de</strong> povoamento com a imigração européia.<br />
Para tanto, o processo <strong>de</strong> imigração <strong>de</strong> europeus para o Brasil fora articulado <strong>de</strong><br />
maneiras diversas, com múltiplas influências e leituras a respeito <strong>de</strong>ssa presença e <strong>de</strong><br />
sua importância para a formação da nação brasileira como mostra o autor André Mota:<br />
Com a idéia <strong>de</strong> que o individuo miscigenado, fruto do cruzamento <strong>de</strong><br />
brancos, negros e índios não se <strong>de</strong>senvolveriam racial e moralmente, os<br />
imigrantes, principalmente os europeus, seriam avaliados, na perspectiva <strong>de</strong><br />
muitos médicos, políticos e intelectuais como grupo capaz <strong>de</strong> aperfeiçoar a<br />
raça brasileira, branqueando-a, conferindo-lhe caracteres hereditários<br />
superiores e emprestando-lhe <strong>suas</strong> experiências no mundo do trabalho,<br />
especialmente no trabalho agrícola. Entretanto, os estudos referentes a<br />
chegada <strong>de</strong>sses e <strong>de</strong> outros imigrantes ao Brasil no final do século XIX nas<br />
primeiras décadas do XX, apontam a enorme complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas<br />
metas.(2003, P.70)<br />
Neste sentido, a busca pelo branqueamento da socieda<strong>de</strong> brasileira ficara cada<br />
vez mais distante, se consi<strong>de</strong>rando o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> extremamente miscigenada e<br />
livre da segregação racial institucionalizada, diferente daquela aplicada na África do Sul<br />
(Apartheid). Aqui no Brasil, principalmente na pós-abolição da escravatura, on<strong>de</strong><br />
teoricamente as três raças conviveram em aparente harmonia, a idéia <strong>de</strong> um “paraíso<br />
racial” fora muito disseminada por teóricos das ciências sociais, <strong>de</strong> acordo com Antônio<br />
Sérgio Alfredo Guimarães:<br />
A idéia <strong>de</strong> que o Brasil era uma socieda<strong>de</strong> sem “linha <strong>de</strong> cor”, ou seja, uma<br />
socieda<strong>de</strong> sem barreiras legais que impedissem a ascensão social <strong>de</strong> pessoas<br />
<strong>de</strong> cor a cargos oficiais ou a posições <strong>de</strong> riqueza ou prestígio, era já uma idéia<br />
bastante difundida no mundo, principalmente nos Estados Unidos e na<br />
Europa, bem antes do nascimento da Sociologia. Tal idéia, no Brasil<br />
mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong>u lugar a construção mítica <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> sem preconceitos e<br />
discrimin<strong>ações</strong> raciais. (2002, p.139)<br />
O surgimento da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> uma “<strong>de</strong>mocracia racial”, construída na socieda<strong>de</strong><br />
brasileira, contribuiu para silenciar o <strong>racismo</strong>, passando este a ser expresso <strong>de</strong> modo<br />
subjetivo, por meio <strong>de</strong> piadas, discursos, ou por <strong>ações</strong> <strong>de</strong>preciativas contra o negro. A<br />
obra “Casa Gran<strong>de</strong> & Senzala”, <strong>de</strong> Gilberto Freyre (2001), foi fundamental na
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construção da representação <strong>de</strong> um Brasil positivamente mestiço, resignificando a<br />
mestiçagem, tornando-a positiva e construindo uma idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia racial,<br />
neutralizando, assim, a luta dos negros e ocultando o <strong>racismo</strong> no Brasil através <strong>de</strong> uma<br />
história da escravidão pacificada. Essa tentativa <strong>de</strong> recuperar positivamente a<br />
contribuição do negro e transpor o conceito biológico <strong>de</strong> raça leva Freyre à<br />
interpretação da mestiçagem positiva e da harmonia racial brasileira.<br />
Desse modo, o negro é incorporado à socieda<strong>de</strong>, contudo o distanciamento<br />
precisava ser mantido e a saída da classe dominante para que os “lugares” fossem<br />
preservados foi a instituição do conceito <strong>de</strong> que o Brasil seria uma <strong>de</strong>mocracia racial,<br />
conforme aponta Florestan Fernan<strong>de</strong>s:<br />
No contexto histórico surgido após a Abolição, portanto, a idéia da<br />
“<strong>de</strong>mocracia racial” acabou sendo um expediente inicial (para não<br />
enfrentarem os problemas <strong>de</strong>correntes da <strong>de</strong>stituição do escravo e da<br />
espoliação final <strong>de</strong> que foi vítima o antigo agente <strong>de</strong> trabalho) e uma forma<br />
<strong>de</strong> acomodação a uma dura realida<strong>de</strong> (que se mostrou com as “popul<strong>ações</strong> <strong>de</strong><br />
cor” nas cida<strong>de</strong>s em que elas se concentravam, vivendo nas piores condições<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego disfarçado, miséria sistemática e <strong>de</strong>sorganização social<br />
permanente). O “negro” teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser livre; se não conseguiu se<br />
igualar ao “branco”, o problema era <strong>de</strong>le – não do “branco”. Sob a égi<strong>de</strong> da<br />
idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia racial justificou-se, pois, a mais extrema indiferença e<br />
falta <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> para com um setor da coletivida<strong>de</strong> que não possuía<br />
condições próprias para enfrentar as mudanças acarretadas pela<br />
universalização do trabalho livre e da competição. (1971, p. 29)<br />
Outro autor que discute a questão racial no Brasil é Thales <strong>de</strong> Azevedo (1996).<br />
Ele elabora um estudo <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social do negro na Bahia, particularmente em<br />
Salvador, no início da década <strong>de</strong> 50. O argumento que permeia sua análise é a idéia da<br />
existência <strong>de</strong> uma relativa <strong>de</strong>mocracia racial em Salvador, fruto <strong>de</strong> um sistema<br />
escravista brando e humano, ao contrário do que teria ocorrido, por exemplo, nos<br />
Estados Unidos. Este estudo fez parte <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong>senvolvidos neste<br />
período por cientistas sociais que elegeram o Brasil, e principalmente a Bahia, para <strong>suas</strong><br />
investig<strong>ações</strong> <strong>de</strong>vido à aparente ausência <strong>de</strong> conflitos raciais.<br />
A presença do mito do branqueamento foi aos poucos questionada pelos negros,<br />
que buscavam construir e lutar pelo reconhecimento <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como parte<br />
componente da socieda<strong>de</strong>, reconhecendo seu direito <strong>de</strong> cidadão e <strong>de</strong> expressar sua<br />
cultura. Dessa forma, a organização do movimento negro veio se fortalecer com a<br />
reflexão sobre a diferença como eixo central <strong>de</strong> constituição da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que<br />
a idéia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional passou a ser questionada pela presença do negro.
1.3 - Acesso e permanência <strong>de</strong> negros ao ensino superior<br />
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Vários são os fatores que dificultam o acesso do estudante negro ao curso<br />
superior, e um dos fatores que pesa <strong>de</strong> maneira especial é a sua condição racial, fazendo<br />
com que as condições objetivas e subjetivas na sua trajetória se configurem em um<br />
obstáculo ao seu progresso no sistema educacional. As instituições superiores<br />
selecionam e preferem estudantes que tenham incorporado certa herança cultural,<br />
excluindo e eliminando outros, sendo assim, ratificando e legitimando privilégios.<br />
Nesse sentido, já é consenso que o <strong>racismo</strong> e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sócio-culturais se<br />
refletem no nosso sistema universitário <strong>de</strong> inúmeras maneiras, uma vez que o simples<br />
acesso à escola não garante igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> resultados, pois muitos alunos negros não<br />
competem com os <strong>de</strong>mais alunos em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições. Como não existe<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições entre brancos e negros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo <strong>de</strong><br />
escolarização, po<strong>de</strong>mos supor que os alunos negros não conquistarão os mesmos<br />
resultados que os alunos brancos alcançaram e as posições que <strong>de</strong>sejam no sistema<br />
universitário e no mercado <strong>de</strong> trabalho a um curto prazo, como se verifica nos números<br />
referentes ao ingresso dos alunos negros ao ensino médio, segundo Paixão e Carvano:<br />
A taxa bruta <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> no ensino médio <strong>de</strong> todo o país passou <strong>de</strong> 66,7%<br />
para 103%, da população branca, e <strong>de</strong> 36,1% para 87,7%, na preta e parda.<br />
Nota-se uma significativa aproximação em pontos percentuais, <strong>de</strong> 36,6, em<br />
1995 e, 15,3, em 2006, em ambos os casos favoráveis aos <strong>de</strong> cor ou raça<br />
branca. Por outro lado, ao contrário do ocorrido no ensino fundamental, a<br />
taxa <strong>de</strong> pretos e pardos não ultrapassou a dos brancos. Ou seja, esse último<br />
grupo ainda não conseguiu alcançar <strong>de</strong> forma massiva o ensino médio mesmo<br />
em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagem escolar. (2008, p.74)<br />
Os movimentos negros, em sua luta pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições, conseguiram<br />
persuadir alguns segmentos da socieda<strong>de</strong> brasileira, quanto à existência latente do<br />
<strong>racismo</strong> contra as popul<strong>ações</strong> negras e pardas. Contudo, a característica do acesso <strong>de</strong><br />
negros e pardos nas universida<strong>de</strong>s difere do acesso <strong>de</strong> brancos, já que há maior<br />
concentração <strong>de</strong> estudantes negros e pardos em universida<strong>de</strong>s particulares, enquanto que<br />
os brancos se concentram cada vez mais em universida<strong>de</strong>s públicas. Daí então, a<br />
elucidação do crescente acesso <strong>de</strong> estudantes negros em universida<strong>de</strong>s particulares,<br />
conforme Paixão e Carvano:<br />
Verifica-se que o forte processo <strong>de</strong> expansão do ensino <strong>de</strong> nível superior, no<br />
Brasil, teve como maior responsável o sistema privado. Este perfil teve<br />
especial efeito sobre os pretos & pardos, que têm nas universida<strong>de</strong>s<br />
particulares o seu principal acesso para a formação acadêmica. De fato, se em<br />
2002, do total <strong>de</strong> estudantes universitários pretos & pardos 40% estavam em<br />
instituições públicas, em 2006 esse número caiu para 28,1%. Já no caso dos<br />
brancos, no mesmo período, o peso relativo do sistema <strong>de</strong> ensino público
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9<br />
sobre o total <strong>de</strong> universitários caiu <strong>de</strong> forma mais suave – dois pontos<br />
percentuais -, <strong>de</strong> 24,6% para 22,6%. (2008, p.82)<br />
No contexto educacional, a permanência <strong>de</strong> alunos nas universida<strong>de</strong>s públicas e<br />
particulares foi possibilitada pelas <strong>política</strong>s <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> e por programas<br />
implementados pelo governo fe<strong>de</strong>ral, a exemplo das <strong>cotas</strong> que reservam vagas para<br />
estudantes que se auto<strong>de</strong>claram negros e pardos, alunos oriundos <strong>de</strong> escolas publicas,<br />
portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais e indígenas.<br />
Em vista da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> suprir a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> vagas para estudantes cotistas<br />
nas universida<strong>de</strong>s publicas, o governo fe<strong>de</strong>ral vem promovendo medidas no âmbito das<br />
universida<strong>de</strong>s particulares, com objetivo <strong>de</strong> garantir a permanência dos estudantes e<br />
conseqüentemente sua conclusão no curso superior, através <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> como o<br />
“Programa Universida<strong>de</strong> para todos (PROUNI), criado em 2004, fornece bolsas parciais<br />
para alunos provenientes das escolas públicas, com renda familiar <strong>de</strong> até 03 salários<br />
mínimos e bolsas integrais para alunos com renda familiar <strong>de</strong> ate 1 salário mínimo e<br />
meio. Necessariamente, parte das mesmas <strong>de</strong>verá ser concedida a alunos negros e<br />
indígenas, <strong>de</strong> forma a proporcional a participação <strong>de</strong>stes contingentes nos respectivos<br />
estados. Segundo o IPEA, entre os anos <strong>de</strong> 2005 e 2006, cerca <strong>de</strong> 204 mil estudantes<br />
foram beneficiados por este programa, sendo que <strong>de</strong>stes, 63,2 mil (31% do total) eram<br />
negros”. (PAIXÃO; CARVANO, 2008)<br />
Outro programa <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> que po<strong>de</strong>mos citar como facilitador para a<br />
permanência dos estudantes negros nas instituições particulares é o Fundo <strong>de</strong><br />
Financiamento ao estudante <strong>de</strong> nível superior (FIES), que estabelece uma linha <strong>de</strong><br />
financiamento para estudantes <strong>de</strong> nível superior que sejam pobres (mensurado por<br />
diversos indicadores pessoais e familiares), financiando atualmente até 50% do valor<br />
das mensalida<strong>de</strong>s. A partir <strong>de</strong> 2004, os candidatos negros ao FIES passaram a receber<br />
um bônus <strong>de</strong> 20% no índice <strong>de</strong> classificação, com isso entre 2004 e 2006, cerca <strong>de</strong> 36<br />
mil estudantes afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes obtiveram acesso ao fundo”. (PAIXÃO; CARVANO,<br />
2008)<br />
Portanto, mesmo com os incentivos do governo fe<strong>de</strong>ral para o acesso <strong>de</strong><br />
estudantes negros as instituições particulares, as <strong>política</strong>s <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> ainda<br />
precisam avançar em termos <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s para que estudantes negros e <strong>de</strong> baixa<br />
renda possam a<strong>de</strong>ntrar nas universida<strong>de</strong>s públicas, consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> maior prestígio<br />
acadêmico e, conseqüentemente, tenham acesso a projetos <strong>de</strong> pesquisa e extensão
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10<br />
<strong>de</strong>ntro das universida<strong>de</strong>s, promovendo qualificação na trajetória acadêmica do<br />
estudante.<br />
2 - AÇÕES AFIRMATIVAS<br />
Ações <strong>afirmativas</strong> é uma expressão originária dos Estados Unidos da América,<br />
que apareceu pela primeira vez, num <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial, a Executive Or<strong>de</strong>r 10.925 <strong>de</strong><br />
06 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1961, com a assinatura do então presi<strong>de</strong>nte norte-americano John F.<br />
Kennedy. Tal Decreto visava a assegurar que os candidatos empregados fossem tratados<br />
durante o emprego, sem consi<strong>de</strong>ração a sua raça, credo, cor ou nacionalida<strong>de</strong><br />
(MEDEIROS, 2005).<br />
Uma das conclusões apontava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar “estímulos especiais” que<br />
ajudassem a promover a população negra, alcançando outras minorias, como hispânicos,<br />
indígenas e asiáticos, mas também as mulheres. Daí consi<strong>de</strong>rar este país como pioneiro<br />
na criação das <strong>política</strong>s públicas, local que ainda hoje se constitui como importante<br />
referência no assunto.<br />
2.1 - Definições<br />
Com as reivindic<strong>ações</strong> <strong>de</strong>mocráticas em voga nos Estados Unidos, começam a<br />
ser eliminadas as leis segregacionistas vigentes no país, e o movimento negro surge<br />
como uma das principais forças atuantes, com li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> projeção nacional, apoiado<br />
por liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos. É nesse<br />
contexto que se <strong>de</strong>senvolve a idéia <strong>de</strong> uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para<br />
além <strong>de</strong> garantir leis anti-segregacionistas, viesse também a assumir uma postura ativa<br />
para a melhoria das condições da população negra.<br />
O termo ação afirmativa chega ao Brasil carregado <strong>de</strong> uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sentidos, o que em gran<strong>de</strong> parte reflete os <strong>de</strong>bates e experiências históricas dos países<br />
em que foram <strong>de</strong>senvolvidas. A segunda meta<strong>de</strong> dos anos <strong>de</strong> 1990 foi marcada pela<br />
introdução do <strong>de</strong>bate sobre a ação afirmativa no Brasil. As <strong>política</strong>s públicas brasileiras<br />
têm-se caracterizado por adotar uma perspectiva social, com medidas redistributivas ou<br />
assistenciais contra a pobreza baseadas em concepções <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, sejam elas<br />
formuladas por políticos <strong>de</strong> esquerda ou direita. (MUNANGA, 1996)<br />
Dados sobre discriminação e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s nessas diferentes áreas têm sido<br />
sistematicamente divulgados nos últimos anos, nacional e internacionalmente, e a<br />
questão não é mais novida<strong>de</strong>. Contudo, no campo prático, são várias as controvérsias<br />
acerca <strong>de</strong> quais seriam as melhores soluções, já que essa situação tem-se mostrado
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11<br />
inalterada por décadas. Mesmo sendo notórias as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre brancos e negros,<br />
conforme os índices sócio-econômicos oficiais, elas continuam a ser completamente<br />
ignoradas pela socieda<strong>de</strong>.<br />
Segundo Gomes (2001) os objetivos das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> são: induzir<br />
transform<strong>ações</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cultural, pedagógica e psicológica, visando a tirar do<br />
imaginário coletivo a idéia <strong>de</strong> supremacia racial versus subordinação racial e/ou <strong>de</strong><br />
gênero; coibir a discriminação do presente; eliminar os efeitos persistentes<br />
(psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que ten<strong>de</strong>m a<br />
se perpetuar e que se revelam na discriminação estrutural; implantar a diversida<strong>de</strong> e<br />
ampliar a representativida<strong>de</strong> dos grupos minoritários nos diversos setores; criar as<br />
chamadas personalida<strong>de</strong>s emblemáticas, para servirem <strong>de</strong> exemplo às ger<strong>ações</strong> mais<br />
jovens e mostrar a elas que po<strong>de</strong>m investir em educação, porque teriam espaço. Logo,<br />
estas <strong>ações</strong> constituem relevantes medidas para a implementação do direito à igualda<strong>de</strong>.<br />
Apesar dos dados alarmantes que comprovam as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s existentes no<br />
Brasil, as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> são fortemente discutidas tanto por parte da aca<strong>de</strong>mia como<br />
também pelas classes sociais mais privilegiadas. Vários são os argumentos utilizados<br />
contra essas <strong>ações</strong>, reiterando que esta é uma forma <strong>de</strong> ressaltar o preconceito existente.<br />
Uma das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> que sofre inúmeras críticas está relacionada à criação <strong>de</strong><br />
<strong>cotas</strong> raciais nas universida<strong>de</strong>s públicas.<br />
2.2 - Sistemas <strong>de</strong> <strong>cotas</strong><br />
O sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> compõe mecanismos extremos <strong>de</strong> ação afirmativa, por<br />
<strong>de</strong>terminar a reserva <strong>de</strong> um percentual <strong>de</strong> vagas para popul<strong>ações</strong> que se auto<strong>de</strong>claram<br />
negras, principalmente no acesso a universida<strong>de</strong>, ao mercado <strong>de</strong> trabalho e a cargos<br />
públicos. Segundo Joaquim Gomes, as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>:<br />
Consistem em <strong>política</strong>s públicas (e também privadas) voltadas à<br />
concretização do princípio constitucional da igualda<strong>de</strong> material e à<br />
neutralização dos efeitos da discriminação racial, <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
origem nacional e <strong>de</strong> aparência física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por<br />
seus entes vinculados e até mesmo por entida<strong>de</strong>s puramente privadas, elas<br />
visam a combater não somente as manifest<strong>ações</strong> evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> discriminação<br />
<strong>de</strong> fundo cultural, estrutural, enraizada na socieda<strong>de</strong>. (2001, p.6-7)<br />
A discussão acerca das <strong>política</strong>s <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> que vêm sendo<br />
implementadas pelo governo fe<strong>de</strong>ral do Brasil, nos últimos anos, vem recebendo cada<br />
vez mais atenção dos meios <strong>de</strong> veiculação <strong>de</strong> inform<strong>ações</strong> da mídia e sendo discutida<br />
pela população brasileira em geral.
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12<br />
O tema entra na agenda <strong>política</strong> do governo Fernando Henrique Cardoso ao<br />
instituir, por <strong>de</strong>creto, no dia 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1995, o Grupo <strong>de</strong> Trabalho<br />
Interministerial para a Valorização da População Negra, por ocasião <strong>de</strong> uma<br />
manifestação em homenagem aos 300 anos <strong>de</strong> Zumbi dos Palmares. Essa iniciativa veio<br />
no bojo do Programa Nacional <strong>de</strong> Direitos Humanos (PNDH), do governo fe<strong>de</strong>ral.<br />
(TELLES, 2003)<br />
As manifest<strong>ações</strong> <strong>de</strong>cisivas em direção as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> no Brasil ocorreram<br />
em setembro <strong>de</strong> 2001, com a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação<br />
Racial, Xenofobia e Formas Correlatas <strong>de</strong> Intolerância, sob intervenções da ONU,<br />
realizada em Durban, África do Sul. (PAIXÃO, 2006)<br />
A implementação das <strong>cotas</strong> raciais varia <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> para a outra, <strong>de</strong><br />
acordo com sua organização interna: a postura dos conselhos universitários e das<br />
diferentes reitorias diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas sociais. Mesmo assim, é possível afirmar que as<br />
<strong>cotas</strong> raciais, como uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação afirmativa, já são uma realida<strong>de</strong> no ensino<br />
superior brasileiro, on<strong>de</strong> varias universida<strong>de</strong>s públicas (fe<strong>de</strong>rais e estaduais) já adotam<br />
<strong>política</strong>s <strong>de</strong> ação afirmativa, <strong>de</strong>ntre as quais nos <strong>de</strong>teremos a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília<br />
(UnB), Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia (UFBA), Universida<strong>de</strong> Estadual do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro (UERJ), visto que foram as pioneiras na introdução do sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> nos<br />
processos seletivos.<br />
A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília fora uma das primeiras instituições <strong>de</strong> ensino<br />
superior que <strong>de</strong>senvolveu o trabalho <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> raciais em processo seletivo,<br />
adotou critérios <strong>de</strong> seleção extremamente polêmicos em meados <strong>de</strong> 2004, quando da<br />
formação <strong>de</strong> uma comissão cujas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s foram resguardadas, soube-se que <strong>de</strong>ntre<br />
seus membros, havia um antropólogo. Para i<strong>de</strong>ntificar os candidatos negros, foram<br />
analisadas mais <strong>de</strong> 4 mil fotografias.<br />
As especific<strong>ações</strong> a serem seguidas não eram muito claras, mas os indivíduos<br />
fotografados <strong>de</strong>veriam ser confirmados ou não como “negros” a partir <strong>de</strong> características<br />
físicas como cor da pele, textura do cabelo e formato do nariz. (MAIO; SANTOS,<br />
2005).<br />
É nesse contexto que em 2003, uma proposta para a inclusão <strong>de</strong> estudantes<br />
negros, foi apresentada à Reitoria da UFBA, por um grupo <strong>de</strong> estudantes, negros na sua<br />
maioria, vinculados ao Diretório Central dos Estudantes (DCE). Essa articulação<br />
objetivava a elaboração <strong>de</strong> uma Proposta <strong>de</strong> Ação Afirmativa para o acesso e
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13<br />
permanência <strong>de</strong> negros na UFBA. Posteriormente, esse grupo passou a ser chamado<br />
Comitê Pró-Cotas. (REIS, 2007)<br />
O critério adotado pela UFBA, no processo seletivo para o preenchimento das<br />
vagas reservadas aos alunos cotistas, foi implementado num contexto <strong>de</strong>licado por ter<br />
promovido mudanças significativas na forma <strong>de</strong> ingresso. Desse modo, variáveis como<br />
cor, gênero, renda familiar ou origem escolar não tinham nenhum peso no ingresso dos<br />
estudantes. O sistema <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> vagas, ao contrário do anterior, incorporou<br />
candidatos que, oriundos do sistema publico <strong>de</strong> ensino e tendo obtido uma pontuação<br />
mínima na primeira fase, passaram a ter condições <strong>de</strong> competir na segunda fase e,<br />
conseqüentemente, ingressar na mais tradicional Instituição <strong>de</strong> Ensino Superior (IES) do<br />
Estado da Bahia. (REIS, 2007)<br />
A Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ) foi a primeira universida<strong>de</strong><br />
pública no Brasil a adotar a <strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> raciais em processo seletivo a partir da<br />
aprovação da lei nº 3.708/2001, que <strong>de</strong>stinava 50% das vagas para alunos cotistas<br />
advindos <strong>de</strong> escolas públicas e auto<strong>de</strong>clarados negros e pardos e 50% foram <strong>de</strong>stinadas<br />
para ingressantes com <strong>de</strong>sempenho acadêmico em provas.<br />
No contexto interno da UERJ, a maioria das unida<strong>de</strong>s acadêmicas se pronunciou<br />
contrarias à implantação das leis. Sujeitos que compunham o corpo técnico<br />
administrativo, corpo docente e discentes alegavam que as respectivas leis foram<br />
implementadas sem uma discussão previa por parte do corpo universitário, ferindo a<br />
autonomia universitária, por isso se posicionavam negativamente. (REIS, 2007)<br />
Nessa perspectiva, enten<strong>de</strong>mos que o sistema universitário <strong>de</strong>ve formular e<br />
<strong>de</strong>senvolver <strong>política</strong>s institucionais <strong>de</strong> investimentos <strong>de</strong> recursos materiais e intelectuais<br />
que ataquem os problemas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>correntes das condições sócio-econômicas,<br />
educacionais e culturais dos alunos negros.<br />
2.3 – Ações Afirmativas no IFPA<br />
O Instituto Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), frente a<br />
discussões sobre direito à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> cidadania e a pesquisas 5<br />
que indicam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação do acesso das minorias à instituição, está<br />
engajado na Política <strong>de</strong> Educação Inclusiva do Governo Fe<strong>de</strong>ral em prol da<br />
<strong>de</strong>mocratização do acesso e permanência <strong>de</strong> afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e indígenas no ensino<br />
superior no Pará. Assim, ciente da complexa questão da ampliação da <strong>de</strong>mocratização<br />
5 Ver: ROCHA, Helena S. C. et al. Vestibular: Um estudo <strong>de</strong> caso no Cefet-Pa. In: Anais do I CONNEPI, 2006.
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do acesso ao IFPA, a instituição, reconhecendo a existência <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong><br />
escolarização no Brasil para pobres, negros, indígenas e outros, passa a promover <strong>ações</strong><br />
<strong>afirmativas</strong> que incluam grupos socialmente excluídos visando a romper com a<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social iniciada no passado.<br />
Essas medidas no IFPA organizam-se em <strong>ações</strong> <strong>de</strong> investimentos efetivos na<br />
qualida<strong>de</strong> da educação básica ofertada pela instituição e em <strong>política</strong>s que garantam o<br />
acesso e permanência ao ensino superior. Dentre essas <strong>ações</strong> efetivadas, <strong>de</strong>stacamos o<br />
Projeto Vestibular Solidário, o Programa A Cor Ausente, o PICEFET-Pa e o Projeto<br />
UNIAFRO.<br />
Constitui-se como primeira medida <strong>de</strong> ação afirmativa o Projeto Vestibular<br />
Solidário, implementado em 2003. Este projeto foi i<strong>de</strong>alizado por alunos dos cursos<br />
superiores <strong>de</strong> licenciatura do IFPA, juntamente com o DCE (Diretório Central dos<br />
Estudantes) e gestão <strong>de</strong> educação, que passaram a ministrar aulas aos finais <strong>de</strong> semana<br />
utilizando o espaço físico da instituição. (MELO; ROCHA, 2007)<br />
Outra medida <strong>de</strong> inclusão social foi o Programa A Cor Ausente. Iniciado em<br />
2006, pretendia enfatizar a importância da temática racial e étnica na perspectiva <strong>de</strong><br />
proporcionar maiores conhecimentos para o enfrentamento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais<br />
nas instituições <strong>de</strong> ensino superior. O projeto organizou-se em etapas: promoção <strong>de</strong><br />
oficinas sobre promoção cultural e étnica; realização <strong>de</strong> visitas em espaços quilombolas;<br />
promoção <strong>de</strong> mesas redondas com temas que abrangesse a diversida<strong>de</strong> cultural negra.<br />
(MELO ; ROCHA, 2007)<br />
O programa <strong>de</strong> ingresso PICEFET-PA, um projeto <strong>de</strong>senvolvido em parceria<br />
com a UNESCO/MEC-SECAD, visou a ampliar o acesso <strong>de</strong> minorias afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes,<br />
índio<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>sfavorecidos nos cursos superiores tanto no IFPA como em<br />
outras instituições do estado. Criado em 2006, constituiu-se num curso preparatório ao<br />
vestibular com carga horária <strong>de</strong> 900 horas distribuídas em 200 dias letivos, sendo<br />
<strong>de</strong>stinadas 700 horas para disciplinas <strong>de</strong> Formação Geral e 200 horas para ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Valorização Social e Cultural e Étnico-Racial. (ROCHA et al, 2006)<br />
O projeto UNIAFRO tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoiar propostas <strong>de</strong>senvolvidas pelo<br />
NEAB (Núcleo <strong>de</strong> Estudos Afro-Brasileiros) e grupos correlatos que visem à articular a<br />
produção e difusão <strong>de</strong> conhecimento sobre a temática étnico-racial e o acesso e<br />
permanência da população afro-brasileira no ensino superior <strong>de</strong> modo a incentivar <strong>ações</strong>
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<strong>de</strong> mobilização e sensibilização <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino superior com vistas à<br />
implementação <strong>de</strong> <strong>política</strong>s <strong>de</strong> <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>. (MELO; ROCHA, 2007)<br />
Portanto, com a organização e implementação <strong>de</strong>ssas <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> no IFPA,<br />
a instituição passa a ser referência no norte do país na discussão <strong>de</strong> <strong>política</strong>s <strong>de</strong> acesso e<br />
permanência <strong>de</strong> afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e indígenas no ensino superior. Assim, não só<br />
<strong>de</strong>monstra preocupação com a inclusão <strong>de</strong>ssas minorias étnicas, como também cria<br />
mecanismos que efetivam as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> na instituição.<br />
2.3.1 - A percepção dos alunos a cerca das <strong>cotas</strong> como elemento reforçador do <strong>racismo</strong><br />
Para avaliar a percepção dos alunos a cerca da <strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> raciais como<br />
elemento reforçador do <strong>racismo</strong>, fizemos entrevistas no IFPA, com um total <strong>de</strong> 60<br />
alunos do 3º ano do ensino médio dos cursos Técnicos da instituição, já que os mesmos<br />
vão pleitear uma vaga nas universida<strong>de</strong>s públicas concorrendo com os candidatos<br />
cotistas. Foram aplicados questionários com perguntas objetivas a fim <strong>de</strong> perceber a<br />
repercussão do sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> raciais entre os alunos. Objetivando garantir a liberda<strong>de</strong><br />
e a fi<strong>de</strong>dignida<strong>de</strong> das respostas, manteve-se o anonimato dos respon<strong>de</strong>ntes.<br />
O questionário continha perguntas com respostas <strong>de</strong> múltipla escolha<br />
direcionadas á pesquisa, a fim <strong>de</strong> estabelecer uma relação entre as opiniões dos alunos<br />
frente a sua própria condição (ou não) <strong>de</strong> minoria racial. Os entrevistados foram<br />
classificados em brancos, negros, pardos, indígenas e amarelos. As categorias criadas<br />
foram baseadas nos critérios <strong>de</strong> pesquisa domiciliar do IBGE.<br />
Do total <strong>de</strong> sessenta alunos entrevistados, 86,7% tinham a ida<strong>de</strong> entre 15 e 18<br />
anos, 11,7% tinham entre 19 e 22 e 1,7% tinham entre 27 e 30 anos. No que se refere<br />
ao sexo, 46,7% eram homens e 53,3% mulheres. Quanto à formação educacional, 73,3%<br />
tinham formação apenas da escola pública, enquanto que 26,7% possuíam formação em<br />
escolas pública/particular. Em se tratando da formação educacional dos pais, 5%<br />
concluiu o ensino fundamental, 63,3% concluiu o ensino médio, 28,3% possuía o ensino<br />
superior completo e 3,3% o ensino superior incompleto. Referente à renda familiar,<br />
observa-se que 46,7% ganha <strong>de</strong> 1 a 3 salários mínimos, 41,7% <strong>de</strong> 4 a 7 salários<br />
mínimos, 10,0% <strong>de</strong> 8 a 11salários mínimos e 1,7 % ganha acima <strong>de</strong> 12 salários<br />
mínimos. Perguntado se o aluno possui carro, 13,3% respon<strong>de</strong>u que sim, 65,0%<br />
respon<strong>de</strong>u que não e 21,7% informou que os pais possuem carro. Relativo à autoafirmação,<br />
23,3% se <strong>de</strong>clararam negros, 30,0% brancos, 43,3% pardos, 1,7% amarelos<br />
e 1,7% índios.
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16<br />
No que tange à percepção dos alunos do IFPA acerca da temática, aplicamos<br />
nove perguntas com objetivo <strong>de</strong> avaliar o grau <strong>de</strong> satisfação dos alunos quanto à<br />
implementação das <strong>cotas</strong> raciais nas universida<strong>de</strong>s públicas.<br />
2.3.1.1 - Percepção do Brasil como um país racista<br />
Perguntado se “O Brasil po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um país racista”, 16,7% respon<strong>de</strong>u que<br />
sim, enquanto que 83,3% respon<strong>de</strong>u que não. Como mostra o gráfico 1.<br />
GRÁFICO 1<br />
A EXISTÊNCIA DO RACISMO NO BRASIL<br />
83,3%<br />
16,7%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
De acordo com o gráfico 1, a maioria dos entrevistados não acredita na<br />
existência do <strong>racismo</strong> no Brasil, entretanto, em diferentes esferas da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira, percebemos a presença das diferenças raciais no momento em que pessoas do<br />
mesmo nível social se <strong>de</strong>sloca para locais mais elitizados, e percebem que baseado na<br />
condição social, negros e brancos ocupam lugares diferentes. No Brasil o <strong>racismo</strong><br />
possui um caráter velado, não é menos eloqüente que a sua presença. Des<strong>de</strong> a<br />
concepção <strong>de</strong> “boa aparência” até a compreensão do “lugar” <strong>de</strong> cada individuo, o<br />
<strong>racismo</strong> está presente. Ele po<strong>de</strong> ser percebido por qualquer um que não compreenda o<br />
“seu lugar” e “invada” o espaço: do pago<strong>de</strong> ao elevador social. (COELHO; COELHO,<br />
2008)<br />
2.3.1.2 - Conhecimento da <strong>política</strong> <strong>de</strong> Ação afirmativa<br />
Na segunda indagação, foi verificado se os alunos sabem “o que é <strong>ações</strong><br />
<strong>afirmativas</strong>”, em que 8,2% respon<strong>de</strong>u que sim e 91,8% respon<strong>de</strong>u que não. Conforme<br />
mostra o gráfico 2.<br />
GRÁFICO 2<br />
CONHECIMENTO DOS ALUNOS ACERCA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
91,8%<br />
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17<br />
8,2%<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
No gráfico 2, percebe-se que há, praticamente, <strong>de</strong>sconhecimento em massa em<br />
torno das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> e estes números po<strong>de</strong>m ser explicados pela má formação<br />
dos professores, que são a principal fonte <strong>de</strong> disseminação da informação no âmbito<br />
escolar. Wilma Coelho, afirma que a formação docente é <strong>de</strong>ficiente nos aspectos<br />
introduzidos pela lei, porque ela não assume que o preconceito e a discriminação – no<br />
universo escolar – são resultado também da atuação dos professores. A formação<br />
docente, neste sentido, seria a matriz do problema, uma vez que não consi<strong>de</strong>ra relevante<br />
preparar os futuros professores com os vícios, não somente, mas, também, morais e<br />
éticos (como são o preconceito e a discriminação), <strong>de</strong> forma a evi<strong>de</strong>nciar seu caráter<br />
contrário a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa. (COELHO, 2006)<br />
2.3.1.3 – Ação afirmativa como mecanismo <strong>de</strong> combate ao <strong>racismo</strong><br />
No terceiro item, foi perguntado se “o <strong>racismo</strong> po<strong>de</strong> ser minimizado na<br />
socieda<strong>de</strong> brasileira por <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>”, 16,7% respon<strong>de</strong>u que sim, 38,3% respon<strong>de</strong>u<br />
que não e 45, % não se posicionou a respeito. Conforme mostra o gráfico 3.<br />
GRÁFICO 3<br />
AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO SOLUÇÃO PARA O RACISMO<br />
45%<br />
16,7%<br />
38,3%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
SIM<br />
NÃO<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
Tendo em vista o forte <strong>de</strong>sconhecimento dos entrevistados sobre <strong>ações</strong><br />
<strong>afirmativas</strong> e o alto índice <strong>de</strong> pessoas que não se posicionaram, as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> são<br />
<strong>de</strong> fundamental importância a exemplo da Lei 10.639/03 que tem uma trajetória<br />
singular. Ela surge da <strong>de</strong>manda do movimento negro pela formulação <strong>de</strong> <strong>política</strong>s<br />
<strong>afirmativas</strong> que dirimissem as enormes <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que distinguem os brasileiros pela<br />
cor da pele. Com objetivo <strong>de</strong> intervir no sistema educacional brasileiro, a lei interfere
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18<br />
em uma <strong>de</strong> <strong>suas</strong> balizas, pois altera a matriz européia que serviu <strong>de</strong> fundamento as<br />
diversas <strong>política</strong>s educacionais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o império. (ROCHA, 2008)<br />
2.3.1.4 – Polêmica das <strong>cotas</strong> nas universida<strong>de</strong>s<br />
No quarto quesito a pergunta foi “você é contra ou a favor das <strong>cotas</strong> raciais nas<br />
universida<strong>de</strong>s”, 30,0% se posicionou a favor, 67,7% se posicionou contra e 8,3% não se<br />
posicionou. Conforme mostra o gráfico 4.<br />
GRÁFICO 4<br />
SATISFAÇÃO DOS ALUNOS QUANTO AS COTAS RACIAIS<br />
67,7%<br />
8,3%<br />
30%<br />
A FAVOR<br />
CONTRA<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
O sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> nas universida<strong>de</strong>s é uma ação afirmativa recente e<br />
consi<strong>de</strong>rada uma das mais importantes, pois tem <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado polêmicas no meio<br />
acadêmico, político e social. No entanto, as <strong>cotas</strong> se fazem necessárias por constituíremse<br />
como medidas especiais e temporárias que buscam compensar um passado<br />
discriminatório ao passo que objetivam acelerar o processo <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com alcance da<br />
igualda<strong>de</strong> substantiva por parte <strong>de</strong> grupos vulneráveis como as minorias étnicas e<br />
raciais. Assim sendo, po<strong>de</strong>-se afirmar com segurança que as <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong><br />
constituem-se como medidas concretas que viabilizam o direito à igualda<strong>de</strong>, com a<br />
crença <strong>de</strong> que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve se moldar no respeito à diferença e a diversida<strong>de</strong>.<br />
(REIS, 2007)<br />
2.3.1.5 – As <strong>cotas</strong> para negros como combate ao <strong>racismo</strong><br />
No que concerne a quinta pergunta, “as <strong>cotas</strong> para alunos negros ajudarão a<br />
diminuir o <strong>racismo</strong>”, 15,0% respon<strong>de</strong>u que sim, 81,7% respon<strong>de</strong>u que não e 3,3% não<br />
se posicionou. Conforme mostra o gráfico 5.
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19<br />
GRÁFICO 5<br />
AS COTAS COMO SOLUÇÃO PARA MINIMIZAR O RACISMO<br />
81,7%<br />
3,3%<br />
15%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
O gráfico 5 nos mostra que há um alto índice <strong>de</strong> alunos que não acreditam nas<br />
<strong>cotas</strong> como um meio <strong>de</strong> minimizar o <strong>racismo</strong>, da mesma forma como não crêem que o<br />
Brasil seja um país racista como mostrou o gráfico 1. Entretanto, o atual contexto nos<br />
mostra um país racialmente <strong>de</strong>sigual, segundo Nilma Lino Gomes, quanto mais a<br />
socieda<strong>de</strong>, escola e o po<strong>de</strong>r publico negam a lamentável existência do <strong>racismo</strong> entre<br />
nós, mais o <strong>racismo</strong> existente no Brasil vai se propagando e invadindo as mentalida<strong>de</strong>s,<br />
as subjetivida<strong>de</strong>s e as condições sociais dos negros. O abismo racial entre negros e<br />
brancos no Brasil existe <strong>de</strong> fato. As pesquisas científicas e as recentes estatísticas<br />
oficiais do estado brasileiro que comparam as condições <strong>de</strong> vida, emprego, saú<strong>de</strong>,<br />
escolarida<strong>de</strong>, entre outros índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano, vividos por negros e<br />
brancos, comprovam a existência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> racial em nosso país. Essa<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é fruto da estrutura racista, somada a exclusão social e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
sócio-econômica que atingem toda a população brasileira e, <strong>de</strong> um modo particular, o<br />
povo negro. (GOMES, 2005)<br />
2.3.1.6 – As <strong>cotas</strong> como alternativa <strong>de</strong> ingresso na universida<strong>de</strong><br />
Perguntado aos alunos se a “<strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> contribui para o acesso dos alunos<br />
negros aos cursos superiores”, 73,3% respon<strong>de</strong>ram que sim, 21,7% respon<strong>de</strong>ram que<br />
não e 5,0% não se posicionou. Conforme mostra o gráfico 6.<br />
GRÁFICO 6<br />
AS COTAS COMO CONTRIBUIÇÃO PARA O ACESSO DOS ALUNOS<br />
NEGROS AO CURSO SUPERIOR
21,7%<br />
5,0%<br />
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20<br />
73,3%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
O sistema <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> como uma ação afirmativa, provavelmente, irá contribuir <strong>de</strong><br />
forma <strong>de</strong>terminante para a inclusão das popul<strong>ações</strong> marginalizadas, ao ensino superior,<br />
em que o próprio Estado, já admitiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta inclusão. De acordo com a<br />
pesquisa, as principais <strong>política</strong>s <strong>de</strong> ação afirmativa, para ingresso nas universida<strong>de</strong>s, são<br />
as <strong>cotas</strong> e a bonificação, no vestibular, para os grupos consi<strong>de</strong>rados em posição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svantagem em relação aos <strong>de</strong>mais candidatos. Entre os beneficiários das medidas<br />
encontram-se: negros, indígenas, pobres, estudantes provenientes <strong>de</strong> escolas públicas e<br />
portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais. (PAIXÃO; CARVANO, 2008)<br />
2.3.1.7 – A intensificação do <strong>racismo</strong> no Brasil através das <strong>cotas</strong><br />
A sétima pergunta foi a seguinte: “as <strong>cotas</strong> para alunos negros reforçam o<br />
<strong>racismo</strong> na socieda<strong>de</strong> brasileira”, 81,7% respon<strong>de</strong>u que sim, 16,7% respon<strong>de</strong>u que não e<br />
1,7% não se posicionou. Conforme mostra o gráfico 7.<br />
GRÁFICO 7<br />
AS COTAS COMO ELEMENTO REFORÇADOR DO RACISMO<br />
16,7% 1,7%<br />
81,7%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
A partir do gráfico 7 percebemos que a maior parte dos entrevistados acredita<br />
que as <strong>cotas</strong> vão acentuar o <strong>racismo</strong>, porém, alguns pesquisadores sustentam a teoria <strong>de</strong><br />
que o preconceito racial existe em nosso país, inclusive, porque existem grupos sociais<br />
subjugando outros grupos, pois ninguém nasce preconceituoso ou racista, torna-se<br />
preconceituoso e racista. Neste sentido a discriminação racial po<strong>de</strong> ser originada <strong>de</strong><br />
outros processos sociais, políticos e psicológicos que vão além do preconceito<br />
<strong>de</strong>senvolvido pelo individuo. Estamos, então, diante da distinção entre a discriminação<br />
provocada por interesse. Esta tem a noção <strong>de</strong> privilégio como foco principal, ou seja, a
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21<br />
continuida<strong>de</strong> e a conquista <strong>de</strong> privilégios <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado grupo sobre outro seriam as<br />
responsáveis pela sua perpetuação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do fato <strong>de</strong> ser intencional ou<br />
apoiada em preconceitos. (GOMES, 2005)<br />
2.3.1.8 – A difusão do <strong>racismo</strong> nas escolas<br />
Quanto a oitava pergunta, “a <strong>política</strong> <strong>de</strong> <strong>cotas</strong> raciais estimula o <strong>racismo</strong> no<br />
âmbito escolar”, 73,3% respon<strong>de</strong>u que sim, 23,3% respon<strong>de</strong>u que não e 3,3% não se<br />
posicionou. Conforme mostra o gráfico 8.<br />
GRÁFICO 8<br />
AS COTAS COMO ESTÍMULO AO RACISMO NO ÂMBITO ESCOLAR<br />
23,3%<br />
3,3%<br />
73,3%<br />
SIM<br />
NÃO<br />
NÃO SE<br />
POSICIONOU<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
No gráfico 8 é perceptível a existência do <strong>racismo</strong> no âmbito escolar, a partir do<br />
momento em que a própria escola institucionaliza e reproduz o quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
sociais e raciais, vivenciados pela população negra. O ensino tem estado dissociado <strong>de</strong><br />
sua realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua história. Livros e professores raramente dialogam com a<br />
experiência <strong>de</strong>stes alunos no que diz respeito a sua vivência cotidiana, social e racial. Os<br />
estudantes não encontram no material didático e, em especial, nos livros <strong>de</strong> historia um<br />
retrato consistente <strong>de</strong> sua origem e da historia <strong>de</strong> seus ancestrais. As crianças negras são<br />
confrontadas às versões parciais, freqüentemente negativas, quando não claramente<br />
racistas, tanto no que diz respeito aos povos que foram trazidos como escravos, sua<br />
cultura e história, como no que se refere à sua luta pela liberda<strong>de</strong>, por melhores<br />
condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalho, pela construção do país e pela afirmação da República.<br />
As imagens <strong>de</strong> negros, quando presentes nos livros e material didático, estão fortemente<br />
marcadas por preconceitos e estereótipos inferiorizantes. Atitu<strong>de</strong>s racistas e práticas<br />
discriminatórias se reproduzem não somente fora, mas também <strong>de</strong>ntro da escola.<br />
(JACCOUD; THEODORO, 2005)
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22<br />
2.3.1.9 – A busca pela igualda<strong>de</strong> social através das <strong>cotas</strong><br />
Na última pergunta verificou-se “como você avalia as <strong>cotas</strong> raciais como<br />
elemento reparador das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais”, 3,3% avaliou como ótimo, 11,7%<br />
avaliou como bom, 31,7% avaliou como regular e 53,3% avaliou como insuficiente.<br />
Conforme mostra o gráfico 9.<br />
GRÁFICO 9<br />
AS COTAS COMO ELEMENTO REPARADOR DAS DESIGUALDADES<br />
53,3%<br />
3,3% 11,7%<br />
31,7%<br />
ÓTIMO<br />
BOM<br />
REGULAR<br />
INSUFICIENTE<br />
FONTE: Pesquisa <strong>de</strong> campo realizado no IFPA. Jun/2009<br />
Apesar <strong>de</strong> as <strong>cotas</strong> serem alvo <strong>de</strong> críticas <strong>de</strong> diversos segmentos da socieda<strong>de</strong>, e<br />
embora seja precoce afirmar quão eficiente será sua aplicação, não se po<strong>de</strong> negar que a<br />
população negra sempre esteve e ainda está em <strong>de</strong>svantagem <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s em<br />
relação à população branca. Portanto, a única forma <strong>de</strong> impedir que as pessoas negras<br />
continuem a ser discriminadas e fazer com que possam ocupar um lugar mais digno<br />
nesse país é garantindo seus direitos básicos. Garantindo que uma parcela <strong>de</strong>ssa<br />
população tenha acesso a direitos como educação e ensino universitário, tendo, enfim, a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provar também sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar feitos até hoje só realizados<br />
por pessoas brancas (como pertencer a certos grupos profissionais como médico<br />
professor universitário, engenheiro, etc). Assim, a própria socieda<strong>de</strong> vai ter a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovar que os negros são capazes <strong>de</strong> muitas realiz<strong>ações</strong> e tem<br />
capacida<strong>de</strong> e inteligência para muitas coisas que sempre se pensou que seriam incapazes<br />
<strong>de</strong> fazer. (GOMES, 2006)<br />
Observamos, por meio dos gráficos, que a maioria dos entrevistados,<br />
provavelmente ainda acredita na harmonia racial construída com a miscigenação no<br />
Brasil, e que embora o IFPA promova <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, é necessário<br />
maior divulgação sobre o assunto entre os discentes do ensino médio, com objetivo <strong>de</strong><br />
amadurecê-los para as discussões acerca das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> <strong>de</strong>ntro e fora da<br />
instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
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23<br />
O fato <strong>de</strong> a população negra ter sido interditada no processo educacional<br />
contribuiu para sua marginalização social e acadêmica. Dessa forma, é <strong>de</strong> fundamental<br />
importância a reunião <strong>de</strong> esforços entre a comunida<strong>de</strong>, organismos governamentais e<br />
setores privados da economia <strong>de</strong> modo a se instalar o senso <strong>de</strong> justiça no sentido <strong>de</strong><br />
incluir socialmente os negros e pardos. Enten<strong>de</strong>mos que a valorização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
individual e coletiva dos negros no Brasil somente será possível a partir da adoção <strong>de</strong><br />
<strong>política</strong>s públicas e <strong>ações</strong> privadas específicas e diferenciadas <strong>de</strong> modo a reparar os<br />
danos que lhes foram secularmente causados.<br />
Nesse sentido, o IFPA vem contribuindo com a implementação <strong>de</strong> <strong>ações</strong><br />
<strong>afirmativas</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, principalmente com o advento da lei 10.639/03, pois com a<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua implementação e cumprimento, a instituição promoveu uma<br />
alteração na gra<strong>de</strong> curricular e na formação continuada dos docentes, incluindo a<br />
disciplina Educação para Rel<strong>ações</strong> Étnico Raciais na gra<strong>de</strong> curricular dos cursos <strong>de</strong><br />
licenciaturas, também passou a ofertar cursos <strong>de</strong> aperfeiçoamento e especialização<br />
voltados para as questões étnicos raciais. (ROCHA, 2006)<br />
Entretanto, essa opção não tem obtido simpatia <strong>de</strong> boa parte da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira. Essa antipatia pelas <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>, e especificamente pelas <strong>política</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>cotas</strong> para minoria étnicas em universida<strong>de</strong>s, é pautada na <strong>de</strong>sinformação dos<br />
entrevistados e no mito da <strong>de</strong>mocracia racial, como constatamos em nossa pesquisa<br />
realizada no IFPA.<br />
Mesmo com todos os números apontando favoravelmente para as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
sociais, na educação, na <strong>política</strong>, no mercado <strong>de</strong> trabalho entre outros, a postura dos<br />
alunos em relação à efetivação das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>, nos mostra que o <strong>racismo</strong> não é<br />
percebido <strong>de</strong> forma alarmante no âmbito escolar, pois a maioria dos entrevistados não<br />
reconhece a necessida<strong>de</strong> da criação das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong>, através das <strong>cotas</strong> raciais,<br />
como alternativa para que se faça justiça social com a população negra, historicamente<br />
marginalizada<br />
Embora as <strong>cotas</strong> não resolvam o problema das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, certamente irá<br />
minimizar, ainda que <strong>de</strong> forma gradual, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ingresso das popul<strong>ações</strong><br />
estigmatizadas as universida<strong>de</strong>s. Desta forma, acreditamos que o trabalho proporcionará<br />
um olhar sobre as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s no acesso à educação superior, possibilitando
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24<br />
compreen<strong>de</strong>r os elementos que influenciam as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e que contribuem<br />
para uma visão romântica <strong>de</strong> que no Brasil não há <strong>racismo</strong>.<br />
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