03.06.2013 Views

Tese de Doutorado - dacex

Tese de Doutorado - dacex

Tese de Doutorado - dacex

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Outra perda irreparável <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong>cisivo é a abolição do estatuto escravo sem in<strong>de</strong>nização<br />

aos proprietários. Estes, certamente o mais pon<strong>de</strong>rável elemento político, <strong>de</strong>sgostam-se com a<br />

or<strong>de</strong>m dominante e passam a ser-lhes indiferentes e hostis, aumentando as fileiras<br />

republicanas. A monarquia já não merecia mais confiança, pois <strong>de</strong>srespeitara a proprieda<strong>de</strong>, e,<br />

tirando-lhes a mão-<strong>de</strong>-obra quase gratuita, abala-se a posse da terra que continuavam a <strong>de</strong>ter.<br />

(...)supera-se o escravismo, impondo-se o trabalho livre, assalariado. Com outra forma <strong>de</strong><br />

produção, tem-se o quadro para o estabelecimento do capitalismo, até aí ainda frágil. De fato, o<br />

13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888 é mais importante que o 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889, do qual foi o principal<br />

agente. É o juízo certeiro <strong>de</strong> Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda: ‘1888 representa o marco divisório<br />

entre duas épocas; em nossa evolução nacional, essa data assume significado singular e<br />

incomparável.’ 23<br />

As mudanças que aconteceram nessas décadas não romperam totalmente<br />

com o passado e é nesse sentido que pu<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o “hibridismo” da produção<br />

aluisiana, refletindo simultaneamente o passado que persiste e o novo que se<br />

impõe. O passado regido pela economia escravista agro-exportadora dos senhores<br />

<strong>de</strong> terras, vinculado a uma dimensão romântica i<strong>de</strong>alizadora e conservadora, e o<br />

presente, atrelado à economia liberal, ao mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e<br />

associado ao cientificismo e ao real-naturalismo, não se diferenciam muito em<br />

relação à configuração social e cultural que continuou autoritária, elitista e<br />

exclu<strong>de</strong>nte, embora sobre o signo da renovação. Isso se comprova se observarmos<br />

que na República Velha o domínio dos senhores <strong>de</strong> terras se prolongou por<br />

décadas, o autoritarismo forjado em anos <strong>de</strong> escravidão continuou vigente, o povo<br />

humil<strong>de</strong> e pobre e os escravos libertos não se integraram, como cidadãos <strong>de</strong> direito,<br />

ao novo or<strong>de</strong>namento econômico-social.<br />

Nesse sentido, percebemos que a linguagem “híbrida” <strong>de</strong> Aluísio Azevedo se<br />

vincula diretamente à realida<strong>de</strong> social das duas últimas décadas em que a<br />

contradição entre o escravismo e o liberalismo é estrutural da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Enquanto os valores conservadores, monológicos, unilaterais e homogeneizantes <strong>de</strong><br />

um romantismo i<strong>de</strong>alizador ainda perduram, o discurso real-naturalista, embora se<br />

dirija para o futuro, prometendo o progresso, também não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se vincular a um<br />

projeto conservador e autoritário. Desse modo, tanto o romantismo como o realnaturalismo,<br />

ambos homogeneizantes e monologizantes, po<strong>de</strong>m conviver no interior<br />

do mesmo enunciado romanesco, embora um aponte para o passado e outro para o<br />

futuro. A obra alusiana formaliza 24 essa realida<strong>de</strong> contraditória entre o<br />

23<br />

IGLÉSIAS, F. Trajetória política do Brasil (1500-1964). São Paulo: Companhia das Letras,<br />

1993, p.181-185.<br />

24<br />

Utilizo o termo “formalizar” no sentido da “redução estrutural” indicada por CANDIDO (1970)<br />

em “Dialética da malandragem,” por exemplo, em que se evi<strong>de</strong>ncia como o “externo” passa a<br />

“interno’ e ambos se iluminam reciprocamente. Cf, também, “Pressupostos, salvo engano, <strong>de</strong><br />

‘Dialética da malandragem,” <strong>de</strong> SCHWARZ (1987). Doravante, esse termo será usado nessa<br />

acepção.<br />

8

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!