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Tese de Doutorado - dacex

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enova a seu modo. Para nos convencermos disto, basta compararmos a carnavalização em<br />

Voltaire (realismo iluminista), nas primeiras obras <strong>de</strong> Tieck (romantismo), em Balzac (realismo<br />

crítico) e em Ponson du Terrail (aventura pura). O grau <strong>de</strong> carnavalização nos referidos<br />

escritores é quase idêntico, mas em cada um <strong>de</strong>les está subordinado a tarefas artísticas<br />

especiais (relacionadas com as tendências <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les) e por isso soa <strong>de</strong> modo<br />

diferente (nem falamos das particularida<strong>de</strong>s individuais <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses escritores). 58<br />

Bakhtin estuda a cultura popular cômica a partir <strong>de</strong> três vertentes e sobretudo<br />

na obra <strong>de</strong> François Rabelais: As formas <strong>de</strong> ritos, festas e espetáculos; obras<br />

cômicas verbais que parodiam obras oficiais; formas e gêneros do vocabulário<br />

familiar e grosseiro. A essas manifestações populares que migram para o discurso<br />

literário, o crítico russo <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> realismo grotesco:<br />

No realismo grotesco, o elemento material e corporal é um princípio profundamente positivo,<br />

que nem aparece sob uma forma egoísta, nem separado dos <strong>de</strong>mais aspectos da vida. O<br />

princípio material e corporal é percebido como universal e popular, e como tal opõe-se a toda<br />

separação das raízes materiais e corporais do mundo, a todo isolamento e confinamento em<br />

si mesmo, a todo caráter i<strong>de</strong>al abstrato, a toda pretensão <strong>de</strong> significação <strong>de</strong>stacada e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da terra e do corpo.(...)<br />

O porta-voz do princípio material e corporal não é aqui nem o ser biológico isolado nem o<br />

egoísta indivíduo burguês, mas o povo, um povo que na sua evolução cresce e se renova<br />

constantemente. Por isso o elemento corporal é tão magnífico, exagerado e infinito. Esse<br />

exagero tem um caráter positivo e afirmativo. O centro capital <strong>de</strong> todas essas imagens da<br />

vida corporal e material são a fertilida<strong>de</strong>, o crescimento e a superabundância. As<br />

manifestações da vida material não são atribuídas a um ser biológico isolado ou a um<br />

indivíduo ‘econômico’ particular e egoísta, mas a uma espécie <strong>de</strong> corpo popular, coletivo e<br />

genérico (esclareceremos mais tar<strong>de</strong> o sentido <strong>de</strong>ssas afirmações). A abundância e a<br />

universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminam por sua vez o caráter alegre e festivo (não cotidiano) das imagens<br />

referentes à vida material e corporal. O princípio material e corporal é o princípio da festa, do<br />

banquete, da alegria, da ‘festança’.” 59<br />

Em O cortiço, temos, sobretudo, nas festas populares da personagem Rita<br />

Baiana, no espaço do cortiço, um espetáculo que ainda conserva esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

transgressão e <strong>de</strong> regeneração a partir do riso comunitário, da abundância e da<br />

fartura materiais e do grotesco da realida<strong>de</strong> corporal. Aluísio Azevedo formaliza essa<br />

vivência comunitária da festa do povo que se contrapõe ao universo burguês. O<br />

sobrado <strong>de</strong> Miranda observa o espetáculo da festa a um só tempo seduzido e<br />

barbarizado porque o universalismo daquela cultura da fartura e do cômico atrai e ao<br />

mesmo tempo repele por ser transgressor da or<strong>de</strong>m burguesa do mundo sério, do<br />

trabalho, da hierarquia, da etiqueta, da disciplina, do comedido. Parece-nos,<br />

também, que o próprio Aluísio, colado em seu narrador, sente essa atração e<br />

repulsão pela cultura popular. O narrador não participa da festa, é culto, precisa<br />

58 Ibid., p.139<br />

59 Ibid., p.17<br />

38

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