Contos interligados - pucrs
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Se investigarmos essa marca intertextual, ampliando o olhar em busca de<br />
paralelos com Cortázar, podemos enxergar facilmente em Os lados do círculo muitas<br />
analogias na forma e no conteúdo, como, entre outras, a estrutura circular, a presença do<br />
insólito no cotidiano, o fantástico, o tema da urbanidade, da boemia e da busca de<br />
rompimento com o ordinário, a trivialidade das relações, a relação com o lugar, o rigor<br />
vocabular e que muitas vezes destaca a musicalidade, numa escrita aparentemente<br />
descuidada. Indo mais longe, a partir da esfera de influência de Cortázar no conto,<br />
podemos observar a inserção de Os lados do círculo na linha poética que o liga ao<br />
americano Edgar Allan Poe, e ainda a outra linhagem fundamental do conto moderno,<br />
tal como o entendem pensadores da literatura como Harold Bloom, capitaneada por<br />
Jorge Luís Borges.<br />
Em Como e Por que ler, Haroldo Bloom divide o conto moderno em duas<br />
tendências gerais, uma impressionista, sob a influência de Tchekhov, e outra borgiana,<br />
que teria Kafka como precursor e, depois, abarcaria nomes como o de Ítalo Calvino<br />
(2000). Para este trabalho, Os lados do círculo se insere claramente nesta última linha,<br />
que, sem deixar de ter como base o realismo da narrativa, o rompe, flertando com o<br />
fantástico e incluindo muitas vezes em seu interior o desejo de mostrar a artificialidade<br />
do texto, seja acentuando a mágica de sua produção ou revelando o seu maquinário<br />
narrativo 1 .<br />
As possibilidades de estudar Os lados do círculo a partir de sua filiação dentro<br />
do conto internacional renderiam longo trabalho; para os interesses desse artigo, vamos<br />
tratar de um dos aspectos da circularidade do livro, tal como o apresenta o autor em seu<br />
título. Crucial na estruturação da obra, na configuração da narrativa e no conteúdo<br />
temático e ideológico dos contos, a estrutura e simbologia circular dialoga com os<br />
autores e linhas do conto que mencionamos acima, que se valeram delas, de diferentes<br />
maneiras, em sua produção literária. Parte de um trabalho maior que busca esclarecer os<br />
efeitos e causas desse expediente auto-referente e circular, este artigo se propõe a<br />
discutir a questão da autonomia do conto, de início a partir da teoria do conto moderno,<br />
como o pensaram Edgar Allan Poe e Julio Cortázar.<br />
1 Um trabalho recente do escritor e professor Charles Kiefer sobre a poética do conto relaciona, das<br />
citadas, três figuras de notada influência em Os lados do círculo: Poe, Cortázar e Borges. ―A poética do<br />
conto – de Poe a Borges, um passeio pelo gênero‖ foi publicado pela Editora Leya em 2011.