1 A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A ... - Unesp
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
terminando e o rei resolver cobrar a promessa, mesmo desconfiando de que a filha se envolvera<br />
com o animal. Entretanto, o sentimento da filha não importava para ele; queria o unicórnio a<br />
qualquer preço:<br />
Na noite antes da data marcada o rei foi ao quarto da filha lembrar-lhe a promessa.<br />
Desconfiado, olhou nos cantos, farejou o ar. Mas o unicórnio que comia lírios tinha cheiro<br />
de flor, e escondido entre os vestidos da princesa confundia-se com os veludos, confundiase<br />
com os perfumes. Amanhã é o dia. Quero sua palavra cumprida, disse o rei<br />
(COLASANTI, 1999, p.41).<br />
Quando o rei saiu de seu quarto, a princesa ficou desesperada e chorou muito<br />
abraçada ao unicórnio. Sabia que deveria obedecer ao pai, mas amava o animal e não tinha<br />
coragem de entregá-lo. Para não ter que cumprir sua promessa, a princesa resolve suicidar-se,<br />
usando o chifre de marfim do unicórnio: “[...] aproximou a cabeça de seu peito, com suave força,<br />
com força de amor empurrando, cravando o espinho de marfim no coração, enfim florido”<br />
(COLASANTI, 1999, p.41). O rei, ao entrar no quarto da filha e cobrar-lhe a promessa, encontra<br />
apenas uma “[...] rosa de sangue e um feixe de lírios” (COLASANTI, 1999, p.41). Segundo o<br />
Dicionáro de Símbolos, “o lírio é sinônimo de brancura, de pureza, inocência, virgindade”<br />
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009, p. 553). O final deste conto é trágico, já que a princesa<br />
prefere sacrificar-se a desapontar seu pai ou ferir o unicórnio, já que sentia amor pelos dois.<br />
O mini-conto “Porém igualmente” (1999), é símbolo máximo da violência física contra a<br />
mulher, pois D. Eulália, a esposa, sofria constantemente as agressões de seu marido:<br />
É uma santa. Diziam os vizinhos. E D. Eulália apanhando.<br />
É um anjo. Diziam os parentes. E D. Eulália sangrando.<br />
Porém igualmente se surpreenderam na noite em que, mais bêbado que de costume, o<br />
marido, depois de surrá-la, jugou-a pela janela, e D. Eulália rompeu em asas o vôo de sua<br />
trajetória (COLASANTI, 1999, p. 44).<br />
Saffioti afirma que, “dada sua formação de macho, o homem julga-se no direito de<br />
espancar sua mulher” (SAFFIOTI, 1987, p. 79). Essa ideia de continuidade das agressões é<br />
representada pela repetição de palavras nas duas primeiras linhas do conto: “É uma santa.<br />
Diziam os vizinhos. E D. Eulália apanhando”; e, “É uma santa. Diziam os parentes. E D. Eulália<br />
sangrando” (COLASANTI, 1999, p.44); além da presença dos verbos no gerúndio: “apanhando”<br />
e “sangrando” que dão a ideia de uma ação contínua. Os vizinhos e os parentes viam a infeliz<br />
situação da personagem. “Porém igualmente se surpreenderam” com a sua morte, mesmo que<br />
este fosse um final óbvio, já que D. Eulália era espancada constantemente.<br />
Para demonstrar que ele é o ser dominador e superior, o homem sente-se no direito de<br />
agredir sua mulher. Safiotti afirma que, “a execução do projeto de dominação-exploração da<br />
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