O jornal de literatura do Brasil Preciso escrever ... - Jornal Rascunho
O jornal de literatura do Brasil Preciso escrever ... - Jornal Rascunho
O jornal de literatura do Brasil Preciso escrever ... - Jornal Rascunho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
10<br />
150 • outubro_2012<br />
novo olhar<br />
<strong>do</strong>is volumes <strong>de</strong> ensaios repensam a crítica a partir <strong>de</strong> biografias e acervos literários<br />
: : PatriCia Peterle<br />
florianÓPolis – sC<br />
Como pensar a <strong>literatura</strong>,<br />
a crítica literária num panoramapós-autonomista?<br />
A idéia <strong>de</strong> arquivo,<br />
que não é nova e já estava nos textos<br />
<strong>de</strong> Foucault <strong>do</strong> final da década<br />
<strong>de</strong> 1960, po<strong>de</strong> ser uma via muito<br />
profícua a partir <strong>do</strong> momento em<br />
que potencializa o texto literário,<br />
colocan<strong>do</strong> em evidência suas coleções<br />
e suas janelas indiscretas.<br />
O texto literário como arquivo e o<br />
arquivo <strong>do</strong> texto literário. O tempo,<br />
aqui, pertence mais ao âmbito das<br />
combinações, das operações <strong>do</strong> que<br />
àquele rígi<strong>do</strong>, imposto pela cronologia<br />
que divi<strong>de</strong> e separa aquilo que<br />
nem sempre é possível separar.<br />
Crítica e coleção, organiza<strong>do</strong><br />
por Eneida Maria <strong>de</strong> Souza e<br />
Wan<strong>de</strong>r Melo Miranda, é fruto <strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>is eventos internacionais, A Invenção<br />
<strong>do</strong> Arquivo 3 e 4, realiza<strong>do</strong>s<br />
na UFMG, relaciona<strong>do</strong>s ao Projeto<br />
<strong>de</strong> Pesquisa Acervo <strong>de</strong> Escritores<br />
Mineiros. O volume é composto<br />
por vários ensaios e dá continuida<strong>de</strong><br />
às publicações <strong>de</strong>ssa mesma<br />
equipe <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Acervo,<br />
como Arquivos literários<br />
(2003), Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s alternativas<br />
na América Latina (2009)<br />
e Margens teóricas: memória<br />
e acervos literários (2010). É <strong>de</strong><br />
se <strong>de</strong>stacar que essa dupla <strong>de</strong> organiza<strong>do</strong>res,<br />
Eneida e Wan<strong>de</strong>r, críticos<br />
e professores conceitua<strong>do</strong>s e<br />
legitima<strong>do</strong>s, construiu ao longo <strong>do</strong><br />
tempo um caminho marca<strong>do</strong> pela<br />
troca intelectual, pela colaboração<br />
e pelo trabalho em equipe, que <strong>de</strong>ixa<br />
rastros e heranças como poucos<br />
no nosso panorama brasileiro.<br />
São vários os textos <strong>de</strong> Crítica<br />
e coleção que propõem abordagens<br />
e operações diversas a partir da(s)<br />
idéia(s) <strong>de</strong> arquivo. Alguns nomes<br />
que fazem parte <strong>de</strong>sse múltiplo leque<br />
são Michel Schnei<strong>de</strong>r, Rachel<br />
Esteves Lima, Luiz Ruffato, José<br />
Américo Miranda, Melânia Silva <strong>de</strong><br />
Aguiar, Gabriela Nouzeilles, Raúl<br />
Antelo, Roberto Said, Florencia Garramuño,<br />
Constância Lima Duarte,<br />
Georg Otte, María Isabel Baldasarre,<br />
Maria Luiza Tucci Carneiro, Adriana<br />
Rodríguez Pérsico, além, é claro, <strong>do</strong>s<br />
próprios organiza<strong>do</strong>res. Logo na introdução,<br />
Eneida Maria <strong>de</strong> Souza e<br />
Wan<strong>de</strong>r Melo Miranda apontam:<br />
No âmbito da coleção, po<strong>de</strong>se<br />
afirmar que to<strong>do</strong> arquivo literário<br />
compõe-se <strong>de</strong> livros e <strong>de</strong> objetos,<br />
<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> aura biográfica, por insinuarem<br />
as margens da ativida<strong>de</strong><br />
da escrita, suas conexões com o<br />
alheio e o disperso, fragmentos <strong>do</strong><br />
cotidiano <strong>do</strong> escritor. Não seriam<br />
esses restos <strong>de</strong> arquivos uma das<br />
formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar saberes disciplinares<br />
e colocar em xeque a constituição<br />
racionalista e mo<strong>de</strong>rna <strong>do</strong>s<br />
arquivos? Como material rebel<strong>de</strong> à<br />
classificação e ao or<strong>de</strong>namento arquivístico,<br />
os resíduos alça<strong>do</strong>s à categoria<br />
<strong>de</strong> objeto significativo acenam<br />
para as novas perspectivas <strong>de</strong><br />
estu<strong>do</strong>, nas quais se abole qualquer<br />
investida analítica que se pretenda<br />
fechada e normativa.<br />
Arquivo não é um conjunto<br />
<strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos que o pesquisa<strong>do</strong>r,<br />
estudioso ou quem consulta vê, lê<br />
para ali encontrar verda<strong>de</strong>s. Esta<br />
seria uma visão racionalista, cuja<br />
perspectiva necessita <strong>de</strong> um centro<br />
or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> to<strong>do</strong>; os restos, o<br />
que não é contempla<strong>do</strong>, sobra, sobrevive<br />
no esquecimento, na presença<br />
da ausência. A or<strong>de</strong>m normativa<br />
é, nesse caso, racionalista<br />
e mo<strong>de</strong>rna — o mo<strong>de</strong>rno precisa<br />
<strong>de</strong> uma sistematicida<strong>de</strong> clara —,<br />
o aspecto privilegia<strong>do</strong>: há a crença<br />
<strong>de</strong> que na organização as coisas<br />
possam ser vistas e <strong>de</strong>tectadas <strong>de</strong><br />
forma mais eficaz e eficiente.<br />
oS autoreS<br />
eNeida Maria <strong>de</strong> Souza<br />
É professora emérita da faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> letras da ufMg e professora<br />
titular <strong>de</strong> teoria da <strong>literatura</strong>.<br />
Participa <strong>do</strong> Projeto integra<strong>do</strong><br />
acervo <strong>de</strong> escritores Mineiros<br />
com a pesquisa biografias saem<br />
<strong>do</strong>s arquivos. É autora <strong>de</strong> a<br />
pedra mágica <strong>do</strong> discurso,<br />
crítica cult, Pedro Nava, o<br />
risco da memória e tempo<br />
<strong>de</strong> pós-crítica, entre outros.<br />
WaN<strong>de</strong>r MeLo MiraNda<br />
<strong>do</strong>utor em <strong>literatura</strong> brasileira<br />
pela universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> são Paulo,<br />
é professor titular <strong>de</strong> teoria<br />
da <strong>literatura</strong> da universida<strong>de</strong><br />
fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas gerais, diretor<br />
da editora ufMg e coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> pesquisa acervo<br />
<strong>de</strong> escritores Mineiros. É autor/<br />
organiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
livros e ensaios, com <strong>de</strong>staque<br />
para corpos escritos, no qual<br />
faz dialogar duas figuras <strong>de</strong> peso<br />
da <strong>literatura</strong> brasileira, graciliano<br />
ramos e silviano santiago.<br />
CrítiCa e Coleção<br />
eneida Maria <strong>de</strong> souza e<br />
Wan<strong>de</strong>r Melo Miranda (org.)<br />
ufMg<br />
377 págs.<br />
JaNeLaS iNdiScretaS:<br />
eNsaios <strong>de</strong> CrítiCa<br />
biográfica<br />
eneida Maria <strong>de</strong> souza<br />
ufMg<br />
261 págs.<br />
Todavia, se uma or<strong>de</strong>nação<br />
qualquer é capaz <strong>de</strong> colocar sob<br />
os refletores alguns elementos, ao<br />
mesmo tempo <strong>de</strong>ixa outros para<br />
trás. Or<strong>de</strong>nar significa escolher,<br />
selecionar, optar, privilegiar um<br />
em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outro. Ações que<br />
têm um papel político e imprimem<br />
ao material <strong>do</strong> arquivo, o acervo,<br />
um perfil que <strong>de</strong>seja e preten<strong>de</strong> ser<br />
apresenta<strong>do</strong> como único — é na realida<strong>de</strong><br />
uma possibilida<strong>de</strong>.<br />
ruíNas<br />
Não se busca o to<strong>do</strong>, a sua totalida<strong>de</strong>,<br />
muito menos uma origem<br />
propulsora — a atenção está acima<br />
<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> nos intervalos, para lembrar<br />
uma frase <strong>de</strong> Warburg que abre um<br />
importante ensaio sobre o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Carlo Ginzburg: “O bom Deus está<br />
nos <strong>de</strong>talhes”. Assim, o que interessa<br />
não é aquilo que é mostra<strong>do</strong> com<br />
as luzes <strong>do</strong>s holofotes, muitas vezes<br />
ofuscantes, mas sim a intermitência,<br />
o que está “escondi<strong>do</strong>” e que o pesquisa<strong>do</strong>r<br />
precisa escavar. Escavação<br />
<strong>do</strong> que foi <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> pelas pesquisas<br />
mais canônicas, são os traços,<br />
os resíduos, os vestígios que interessam<br />
na conformação <strong>do</strong> arquivo e<br />
da coleção. É um work in progress<br />
que nunca acaba e sempre se renova,<br />
por meio das ruínas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />
que permeiam e tecem o presente.<br />
Enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o arquivo como algo<br />
não fecha<strong>do</strong>, mas em movimento:<br />
abrem-se as potencialida<strong>de</strong>s das<br />
lentes <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r, coleciona<strong>do</strong>r,<br />
que agora arma, coloca junto o que<br />
antes estava separa<strong>do</strong>, borra<strong>do</strong>, esqueci<strong>do</strong><br />
e apaga<strong>do</strong> pela sistematização<br />
tradicional, que necessita <strong>de</strong><br />
eixos fixos, e aquilo que neles não se<br />
enquadra é <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> para não correr<br />
o risco <strong>do</strong> <strong>de</strong>scarrilamento.<br />
Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento, da sistematização<br />
há sempre uma “sobra,<br />
uma <strong>do</strong>bra, e é nessa espécie <strong>de</strong> intervalo<br />
que <strong>de</strong>ve se concentrar a atenção <strong>do</strong><br />
especta<strong>do</strong>r-observa<strong>do</strong>r”. É justamente<br />
essa sobra capaz <strong>de</strong> promover, naquela<br />
experiência singular, o rearranjo <strong>do</strong>s<br />
objetos e da<strong>do</strong>s.<br />
A impossibilida<strong>de</strong> da totalida<strong>de</strong><br />
está colocada, não é possível a neutralida<strong>de</strong>,<br />
ou escon<strong>de</strong>r-se atrás da suposta<br />
totalida<strong>de</strong>, como afirma Wan<strong>de</strong>r<br />
Melo Miranda em O apagamento<br />
<strong>do</strong> arquivo mo<strong>de</strong>rnista: “Escrever é<br />
mostrar-se, fazer-se ver e fazer aparecer<br />
a própria face diante <strong>do</strong> outro”.<br />
O jogo <strong>do</strong>s tempos é a discussão<br />
proposta por Raúl Antelo em O tempo<br />
<strong>do</strong> arquivo não é o tempo da história.<br />
Como aponta o professor da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina,<br />
o passa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser privilegia<strong>do</strong>, um<br />
campo on<strong>de</strong> a linearida<strong>de</strong> <strong>do</strong> tempo<br />
e da história passa a ser substituí<strong>do</strong><br />
pelas circularida<strong>de</strong>s e pelas aspirais.<br />
Os pormenores são essenciais nesse<br />
movimento que não se apresenta<br />
mais por meio <strong>de</strong> uma linearida<strong>de</strong>,<br />
com um início e um possível fim.<br />
Pensan<strong>do</strong> a circularida<strong>de</strong>, enxergar<br />
o texto como arquivo é tão ou mais<br />
importante <strong>do</strong> que i<strong>de</strong>ntificá-lo <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong> próprio arquivo. Há um movimento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para fora e <strong>de</strong> fora<br />
para <strong>de</strong>ntro. Ainda segun<strong>do</strong> Antelo, é<br />
importante “pensar o senti<strong>do</strong> a partir<br />
<strong>do</strong> retorno cíclico <strong>de</strong> uma ausência”.<br />
O passa<strong>do</strong> não está separa<strong>do</strong> nem é<br />
<strong>de</strong>struí<strong>do</strong> pelo presente, contu<strong>do</strong>, ele,<br />
o passa<strong>do</strong>, sobrevive no presente.<br />
Por isso, o arquivo na sua pluralida<strong>de</strong>,<br />
diferentemente da maioria<br />
das bibliotecas, na sua hierarquia imponente,<br />
conserva vestígios e traços<br />
<strong>de</strong> uma ausência, <strong>do</strong> que já esteve ali<br />
e não está mais. A <strong>de</strong>scrição da biblioteca<br />
borgeana, A biblioteca <strong>de</strong> Babel,<br />
escapa, contu<strong>do</strong>, a essa or<strong>de</strong>nação<br />
prepotente. A imagem <strong>do</strong> labirinto, <strong>de</strong><br />
fato, é aquela que caracteriza esse espaço<br />
ocupa<strong>do</strong> por milhares <strong>de</strong> livros.<br />
Com todas essas colocações,<br />
tem-se que a questão da ruína está<br />
na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia e as questões colocadas/<strong>de</strong>ixadas<br />
para o leitor <strong>de</strong> Crítica<br />
e coleção po<strong>de</strong>m ser pensadas <strong>do</strong><br />
seguinte mo<strong>do</strong>: não estaria nas ruínas,<br />
nos restos, nas sobras um mo<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> repensar, e até <strong>de</strong>safiar, os saberes<br />
organiza<strong>do</strong>s em disciplinas? Olhar e<br />
trabalhar com a ruína não seria uma<br />
ação que colocaria em xeque a idéia<br />
mo<strong>de</strong>rna e racionalista <strong>de</strong> arquivo?<br />
Outro aspecto a ser leva<strong>do</strong> em<br />
consi<strong>de</strong>ração é o da fronteira, que<br />
atravessa o pensamento <strong>de</strong> alguns<br />
<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>res que colaboraram<br />
com esse volume. A fronteira é a separação,<br />
mas com ela há também<br />
o limiar, aquilo que não está nem<br />
<strong>de</strong> um la<strong>do</strong> nem <strong>de</strong> outro, mas faz<br />
parte <strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro e <strong>do</strong> fora ao mesmo<br />
tempo. A soleira <strong>de</strong> uma porta<br />
qualquer é um limiar, assim como a<br />
janela; ela divi<strong>de</strong> o la<strong>do</strong> externo <strong>do</strong><br />
interno, mas pertence a ambos. Na<br />
esteira das problemáticas colocadas<br />
em Crítica e coleção, Eneida<br />
Maria <strong>de</strong> Souza avança em Janelas<br />
indiscretas: ensaios <strong>de</strong> crítica<br />
biográfica, cujo subtítulo já aponta<br />
como fulcro <strong>do</strong> livro a relação entre<br />
vida e obra: a crítica biográfica. Título<br />
que retoma o célebre filme homônimo,<br />
Janela indiscreta (1954),<br />
<strong>de</strong> Alfred Hitchcock.<br />
Uma contribuição generosa e<br />
importante para os estu<strong>do</strong>s da crítica<br />
literária no país, que reconhece a relevância<br />
da figura <strong>do</strong> autor. “O nascimento,<br />
a morte, o <strong>de</strong>stino literário, a<br />
família, a nação, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a memória<br />
persistem ainda como os gran<strong>de</strong>s<br />
temas que movem e compõem a<br />
escrita <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos.” O caminho<br />
percorri<strong>do</strong> pela professora emérita<br />
da UFMG não é aquele das relações<br />
causais entre vida e obra <strong>do</strong> autor, o<br />
livro como espelho <strong>de</strong> uma existência<br />
total. A questão da totalida<strong>de</strong> ainda<br />
norteia e perpassa os 21 ensaios, escritos<br />
nos últimos anos, também fruto<br />
<strong>de</strong> seu trabalho no Acervo <strong>de</strong> Escritores<br />
Mineiros. Afirma Eneida Maria <strong>de</strong><br />
Souza na apresentação: “O convívio<br />
permanente com arquivos <strong>de</strong> escritores<br />
e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistematizar<br />
tanto seus da<strong>do</strong>s pessoais quanto<br />
sua produção literária e intelectual,<br />
exigiam mudanças no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem<br />
<strong>do</strong> texto. A sedução pelos manuscritos,<br />
ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> notas, papéis<br />
esparsos, correspondência, diários<br />
<strong>de</strong> viagem e fotos tem como contrapartida<br />
a participação efetiva <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r<br />
(...)”. Palavras que po<strong>de</strong>m<br />
lembrar o título <strong>do</strong> livro <strong>do</strong> filósofo<br />
francês Georges Didi-Huberman O<br />
que vê o que nos olha.<br />
A aproximação com a abordagem<br />
biográfica veio por meio <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />
e trabalho <strong>de</strong> algumas edições<br />
críticas, como a correspondência <strong>de</strong><br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Henriqueta Lisboa,<br />
Murilo Rubião, e a publicação<br />
<strong>de</strong> Beira-mar, Memórias, 4, <strong>de</strong><br />
Pedro Nava. Todavia, o olhar atento<br />
<strong>de</strong> Eneida não permanece só nos autores<br />
clássicos ou legitima<strong>do</strong>s; além<br />
<strong>de</strong>stes, fazem parte <strong>do</strong> seu repertório<br />
Jorge Luis Borges (a quem ela já<br />
<strong>de</strong>dicou um livro), Guimarães Rosa,<br />
Jean-Paul Sartre, Cyro <strong>do</strong>s Anjos,<br />
Bernar<strong>do</strong> Carvalho, Fernan<strong>do</strong> Pessoa<br />
e Enrique Vila-Matas, acompanha<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> Lady Di, Carmen Miranda,<br />
Caetano Veloso, Chico Buarque e<br />
João Moreira Salles. Perfis instigantes,<br />
segui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> leituras que marcam<br />
o caminho intelectual da estudiosa e<br />
professora, como Jacques Derrida,<br />
Silviano Santiago, Jacques Rancière,<br />
Ricar<strong>do</strong> Piglia, Roland Barthes, Gilles<br />
Deleuze, Georges Bataille, Michel<br />
Beaujour. A sofisticação é uma marca<br />
<strong>de</strong>sses textos da coletânea, que comprovam<br />
como a autora é “antenada”<br />
com o jogo <strong>do</strong>s tempos. A operação<br />
<strong>de</strong> montagem é, portanto, uma das<br />
características epistemológicas mais<br />
apreciadas pela autora, que faz uso<br />
da liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r para<br />
propor uma crítica criativa.<br />
A montagem, o arquivo, a coleção<br />
e a crítica criativa são as propostas<br />
profícuas <strong>de</strong> um novo olhar para<br />
o texto literário e um <strong>de</strong>safio ao crítico<br />
e pesquisa<strong>do</strong>r.