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Iracema - Repositório Institucional UFC

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- o ideal da justiça, da comiseração e da fidelidade: quando sacrifica Lauso contra<br />

sua vontade, a quem admira pela sua devoção filial 154 ; quando, por dedicação a Palante, não<br />

poupa Turno, no final do poema; quando Drances lhe pergunta: “Hei-de admirar-te mais<br />

pela justiça ou pelo esforço guerreiro?” 155 .<br />

O Enéias virgiliano representa o modelo cultural da tradição romana (mos<br />

maiorum): a força viril (uirtus), a lealdade e a fidelidade ao dever (fides), a religiosidade e o<br />

respeito pelos laços familiares (pietas), o sentido do dever para com a comunidade<br />

(deuotio), a capacidade de sofrer (labor, patientia), a concórdia e a paz (concórdia).<br />

Enéias retoma as qualidades do herói homérico: a força física e psíquica (Andreia),<br />

o valor guerreiro (areté), o sentido da honra (timé). Mas é também arquétipo das<br />

contradições que envolvem a condição humana. Neste sentido, Virgílio aproximou o seu<br />

herói da fragilidade comum aos seres humanos, interrompendo na sua configuração o ideal<br />

estóico do pleno dominador das paixões. Fez dele um herói pleno de humanidade, precursor<br />

da modernidade. Enéias perde a sua cidade, a sua mulher Creúsa, o seu conselheiro e pai,<br />

Anquises, o seu novo amor (Dido), Palinuro e Palante. Obedecer ao Destino exige<br />

sofrimento, opções de renúncia.<br />

Arrastado pela juvenil inconsciência do seu adversário, mata Lauso (canto X), por<br />

exigência da lógica da guerra. Mas, ao mesmo tempo, sente e lamenta a tragicidade do<br />

Destino que o obriga a sacrificar um jovem herói, modelo de devoção filial. A sua pietas<br />

leva-o, assim, a respeitar o corpo do inimigo, tomando-o nos braços, enquanto pronuncia o<br />

lamento fúnebre. Um herói homérico vangloriar-se-ia do inimigo morto, ultrajando o seu<br />

cadáver, como fez Aquiles ao de Heitor.<br />

Na última cena do poema, o protagonista mata Turno, apesar de o inimigo, já<br />

inerme, lhe suplicar piedade. Não se trata, porém, de uma reação de tipo homérico: Enéias,<br />

ao notar que o adversário traz impiamente, aos ombros o boldrié de Palante, aceita o<br />

desafio que a crueldade da guerra lhe impõe. No entanto, a sua humanidade leva-o a um<br />

momento de hesitação, como que a mostrar que as causas humanas não devem ser<br />

encaradas com inflexibilidade, por mais justas que pareçam. Duvidar, hesitar não é<br />

condição do covarde, mas do sábio (sapientia).<br />

154 Cf. Aen., X, 825-830.<br />

155 Aen., XI, 126.<br />

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