Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
1968 – O ano que não terminou<br />
Antes de saír<strong>em</strong> de casa, o mari<strong>do</strong> tentara impor <strong>um</strong>a restrição: que ela<br />
não dançasse com aquele egípcio que, nos últimos meses, vinha operan<strong>do</strong><br />
<strong>um</strong>a devastação nos corações que frequentavam a praia na altura da rua Montenegro<br />
e à noite iam ver Godard no Paissandu. Mas essa era <strong>um</strong>a cláusula de<br />
última hora, <strong>um</strong> casuísmo posterior ao verdadeiro pacto. De mais a mais, ela<br />
acabara de surpreender o mari<strong>do</strong> beijan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a moça na cozinha.<br />
Mais tarde, já <strong>em</strong> 83, o belo alvo da talvez primeira bofetada <strong>do</strong> ano de<br />
1968 transporia o incidente para o seu primeiro <strong>livro</strong> — Qu<strong>em</strong> não ouve o seu<br />
papai, <strong>um</strong> dia... balança e cai —, <strong>um</strong>a deliciosa mistura de m<strong>em</strong>ória e ficção.<br />
Naquelas jovens cabeças revolucionárias, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre ao discurso libertário<br />
correspondia <strong>um</strong>a prática liberal. Tentava-se <strong>do</strong>minar a <strong>em</strong>oção como<br />
se ela fosse <strong>um</strong> animal <strong>do</strong>mesticável. O resulta<strong>do</strong> cost<strong>um</strong>ava se apresentar<br />
carrega<strong>do</strong> de contradições, como as <strong>do</strong> incidente daquela noite. Mas não seria<br />
tu<strong>do</strong> isso natural? Não era próprio das revoluções, inclusive as comportamentais,<br />
a convivência n<strong>um</strong>a etapa inicial <strong>do</strong> novo que se impõe com o arcaico<br />
que resiste?<br />
O fato é que o casamento moderno da atriz com o cineasta terminou ao<br />
som daquela bofetada e nunca mais pôde ser refeito.<br />
Ficou como <strong>um</strong> marco: foi o primeiro de <strong>um</strong>a série de 17 casamentos<br />
— modernos ou não — que se desfizeram naquela noite ou <strong>em</strong> consequência<br />
dela.<br />
Essa não foi, como se disse, a única briga da festa. Houve <strong>um</strong> momento <strong>em</strong><br />
que quase to<strong>do</strong>s os presentes, de alg<strong>um</strong>a maneira, apanharam ou bateram — e<br />
até hoje não sab<strong>em</strong> b<strong>em</strong> por quê. Sabe-se que a briga começou por causa de<br />
<strong>um</strong> desentendimento bobo entre o cineasta Afonso Beato e o jornalista Henrique<br />
Coutinho, com <strong>um</strong>a pequena e involuntária sobra para Luci Barreto,<br />
que dançava. Seu mari<strong>do</strong>, Luís Carlos, estava no jardim quan<strong>do</strong> lhe disseram<br />
qualquer coisa como: “Sua mulher está lá dentro apanhan<strong>do</strong>.” O primeiro<br />
safanão foi para o próprio informante.<br />
“Eu entrei no salão feito <strong>um</strong> trator, baten<strong>do</strong> <strong>em</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e apanhan<strong>do</strong><br />
de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, recordaria Barreto. “Não sei <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> bati, n<strong>em</strong> qu<strong>em</strong><br />
me bateu.”<br />
Uma das poucas pessoas sóbrias da festa era o jov<strong>em</strong> Antônio Calmon,<br />
assistente de Glauber Rocha. Como bebia pouco e não ousava levar maconha<br />
29