Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
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O rito de passag<strong>em</strong><br />
<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>, tinha-se a garantia de alguns meses de apaixonadas discussões<br />
e generalizadas controvérsias. Ninguém depois de Glauber, n<strong>em</strong> mesmo José<br />
Celso Martinez Corrêa, n<strong>em</strong> Caetano Veloso, <strong>do</strong>is mestres na arte da agitação<br />
cultural, possuiu idêntica capacidade de desarr<strong>um</strong>ar convicções estabelecidas<br />
— e de aglutinar ódios e paixões. Ele era <strong>um</strong> <strong>do</strong>s principais polos de atração<br />
da festa e <strong>do</strong> país naquele momento, e até morrer, <strong>em</strong> 81.<br />
Outros, apesar da importância, eram menos nota<strong>do</strong>s, como Geral<strong>do</strong><br />
Vandré. Esbarrava-se com o ainda pouco conheci<strong>do</strong> compositor s<strong>em</strong> se desconfiar<br />
de que ele viria a ser <strong>um</strong> <strong>do</strong>s personagens mais notórios <strong>do</strong> ano que começava.<br />
Ao contrário <strong>do</strong> que ensinaria sua famosa canção — “qu<strong>em</strong> sabe faz a<br />
hora, não espera acontecer” —, ele não soube fazer a sua na festa. Imobilizou<br />
Millôr durante horas n<strong>um</strong> canto da sala, com <strong>um</strong>a discussão meio s<strong>em</strong> senti<strong>do</strong>,<br />
e foi por isso o responsável pelo h<strong>um</strong>orista ter si<strong>do</strong>, como brinca, “o único<br />
a não arranjar ninguém naquela festa”. Em compensação, Millôr sentia prazer<br />
<strong>em</strong> dizer: “Ele é o autor da nossa Marselhesa, o nosso autêntico hino nacional.”<br />
N<strong>um</strong> canto da sala, o editor Ênio Silveira parecia se exaltar com o artista<br />
plástico Carlos Vergara. Não era preciso estar perto para adivinhar o conteú<strong>do</strong><br />
de <strong>um</strong>a discussão que envolvia <strong>um</strong> prócer <strong>do</strong> PC — responsável por alguns<br />
<strong>do</strong>s mais significativos lançamentos da época — e <strong>um</strong> jov<strong>em</strong> enragé, líder<br />
político de sua categoria, que por suas posições radicais era chama<strong>do</strong> de “Che<br />
Vergara”. O bate-boca <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is anunciava <strong>um</strong> antagonismo que iria se ampliar<br />
com o t<strong>em</strong>po: a discussão entre comunismo e anticomunismo de esquerda.<br />
Regada pelo legítimo e generoso scotch, a d<strong>em</strong>orada troca de ideias —<br />
talvez mais de insultos <strong>do</strong> que de ideias — encerrou-se com <strong>um</strong> edificante<br />
diálogo que muitos puderam apreciar:<br />
— Os novos t<strong>em</strong>pos vão exigir muita macheza política — foi mais ou<br />
menos o que disse Vergara.<br />
— O probl<strong>em</strong>a não é mostrar os testículos, mas a cabeça — revi<strong>do</strong>u<br />
Ênio.<br />
A discussão quase inicia a primeira briga da noite. O metabolismo ideológico<br />
da época não admitia a convivência com a incerteza. Era <strong>um</strong> t<strong>em</strong>po<br />
s<strong>em</strong> meios-tons.<br />
O <strong>do</strong>no da Civilização Brasileira fazia parte da “turma da observação”<br />
— Fernan<strong>do</strong> Gasparian, José Colagrossi, Eurico Ama<strong>do</strong> —, <strong>um</strong> grupo que<br />
viera de outro réveillon e ainda não se conformara com o que estava ven<strong>do</strong>.<br />
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