Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O rito de passag<strong>em</strong><br />
arquitetônica de <strong>um</strong> certo Zanine inventara para se transformar logo n<strong>um</strong>a<br />
moda chique.<br />
A casa parecia <strong>um</strong>a locação cin<strong>em</strong>atográfica especialmente escolhida para<br />
aquele espetáculo. Entrava-se por <strong>um</strong> portão e logo à esquerda começava a<br />
perna mais longa <strong>do</strong> L que lhe dava forma; aí ficavam os quartos. A grande<br />
sala completava o L e fechava o terreno ao fun<strong>do</strong>. Com o muro à direita,<br />
tinha-se a impressão de estar n<strong>um</strong> pátio interno espanhol. Do portão até a<br />
sala, devia-se percorrer <strong>um</strong> grande retângulo grama<strong>do</strong>, com <strong>um</strong>a bela e cinquentenária<br />
árvore. Cada <strong>um</strong> desses detalhes topográficos ou arquitetônicos<br />
iria ter <strong>um</strong> papel importante na noite.<br />
Mas a festa, evident<strong>em</strong>ente, não foi importante apenas pelo décor. O<br />
réveillon promovi<strong>do</strong> pelo casal Luís-Heloisa Buarque de Hollanda foi muito<br />
mais <strong>do</strong> que suger<strong>em</strong> as descrições feitas no calor da hora — pelo menos para<br />
a história que se vai contar. Não que tivesse muda<strong>do</strong> o destino <strong>do</strong> país, longe<br />
disto. Mas talvez porque condensasse e antecipasse <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> de espírito e <strong>um</strong><br />
clima que seriam pre<strong>do</strong>minantes no perío<strong>do</strong>.<br />
A sua significação para 68 talvez seja idêntica à da famosa sequência da<br />
festa de Terra <strong>em</strong> transe — então, a referência cultural obrigatória. S<strong>em</strong> ela,<br />
o filme de Glauber Rocha provavelmente não iria deixar de ganhar o prêmio<br />
especial da crítica <strong>em</strong> Cannes n<strong>em</strong> perderia o carisma de obra-prima <strong>do</strong> cin<strong>em</strong>a<br />
brasileiro. Mas certamente não seria o mesmo; da mesma forma, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />
presentes à festa, o jornalista Elio Gaspari, acha que, “depois <strong>do</strong> réveillon da<br />
Helô, o Rio nunca mais foi o mesmo”.<br />
Por sua composição, que incluía mais facções sociais, políticas e ideológicas<br />
<strong>do</strong> que as citadas nas colunas, a festa de Helô, tanto quanto a de Glauber,<br />
foi vivida como a alegre metáfora — ou paródia? — de <strong>um</strong>a ampla e variada<br />
aliança política, algo assim como a que o VI Congresso <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Comunista<br />
propusera, meses antes, para unir as “forças progressistas” a fim de lutar contra<br />
a ditadura e qu<strong>em</strong> a sustentava: o imperialismo. Acreditava-se — não só nas<br />
festas — que derrubar <strong>um</strong>a era atingir o outro, e nada melhor contra os <strong>do</strong>is<br />
<strong>do</strong> que juntar no mesmo saco a esquerda tradicional, os intelectuais, os operários,<br />
os estudantes e a chamada burguesia nacional que, por nacional, seria<br />
naturalmente anti-imperialista.<br />
A luta de classes que esperasse.<br />
22