Leia um trecho do livro em PDF - Editora Objetiva
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1968 – O ano que não terminou<br />
Pode-se alegar que nas representações festivas faltava o ator principal — a<br />
classe operária. Mas era assim mesmo: era como se as forças progressistas tivess<strong>em</strong><br />
chega<strong>do</strong> mais ce<strong>do</strong> à festa ou ao processo histórico. Estavam guardan<strong>do</strong><br />
lugar — se não na festa, ao menos na História — até a entrada <strong>do</strong>s verdadeiros<br />
protagonistas, os operários.<br />
Qu<strong>em</strong>, por achá-las inadequadas, não concordar com essas analogias<br />
metafóricas tão ao gosto da época, pode recorrer a outras. Nesses vinte anos,<br />
O “réveillon da casa da Helô” acabou viran<strong>do</strong> <strong>um</strong> depósito de sugestões e<br />
referências. Ele pode ter si<strong>do</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, a versão festiva da Frente Ampla,<br />
o movimento que o ex-governa<strong>do</strong>r Carlos Lacerda conseguira articular meses<br />
antes, atrain<strong>do</strong> como alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is ferozes ex-inimigos, os ex-presidentes Juscelino<br />
Kubitschek e João Goulart. Por que não?<br />
Mais <strong>do</strong> que buscar diferenças ideológicas e pessoais, era hora de procurar os<br />
seus pares, acertar o passo e dançar conforme a música. O tropicalismo permitia<br />
as combinações mais esdrúxulas. Esse desejo de alianças improváveis era visível<br />
até <strong>em</strong> acontecimentos como o célebre casamento de Nara Leão e Cacá Diegues,<br />
cujos padrinhos foram Danuza/Samuel Wainer e Maria Clara/Sérgio Lacerda —<br />
<strong>do</strong>is sobrenomes que ninguém pensaria <strong>em</strong> juntar antes n<strong>em</strong> <strong>em</strong> enterro.<br />
Como <strong>em</strong> toda passag<strong>em</strong>, havia na casa de Helô <strong>um</strong>a mistura de frustração<br />
e esperança. Algo se tinha movi<strong>do</strong> <strong>em</strong> 67, ainda que parecesse que se movera<br />
para continuar igual. De qualquer maneira, a ditadura havia troca<strong>do</strong> de<br />
dita<strong>do</strong>r, a legislação revolucionária fora substituída por <strong>um</strong>a Constituição —<br />
tu<strong>do</strong> b<strong>em</strong>, mas já era <strong>um</strong>a Constituição —, <strong>um</strong> presidente bonachão se dizia<br />
preocupa<strong>do</strong> com a “normalização d<strong>em</strong>ocrática” e <strong>um</strong>a nova geração parecia<br />
disposta a deixar a marca de sua presença <strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os campos da História.<br />
Muitas vezes, o ano iria dar a impressão, repetin<strong>do</strong> Millôr Fernandes, de que<br />
o país corria o risco de cair n<strong>um</strong>a d<strong>em</strong>ocracia.<br />
Com alg<strong>um</strong> otimismo, encontravam-se boas razões para se esperar <strong>um</strong><br />
feliz 68. A efervescência criativa de 67 não era por certo <strong>um</strong> mau sinal. Terra<br />
<strong>em</strong> transe, Quarup, o Tropicalismo, Alegria, alegria, O rei da vela talvez foss<strong>em</strong><br />
só o começo. Além <strong>do</strong> mais, o movimento estudantil, cujas entidades haviam<br />
si<strong>do</strong> postas fora da lei pelo golpe de 64, vinha se reorganizan<strong>do</strong> e mobilizan<strong>do</strong><br />
a massa de secundaristas e universitários.<br />
Havia — que a distância não nos deixe esquecer — a ameaça incansável<br />
da censura e de outras forças obscurantistas. Mas esses riscos de retrocesso<br />
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