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FUNDAÇÀO GETULIO VARGAS DE OLHO NA ETERNIDADE: a ...

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FUNDAÇÃO <strong>GETULIO</strong> <strong>VARGAS</strong><br />

CENTRO <strong>DE</strong> PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO <strong>DE</strong> HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA – CPDOC<br />

PROGRAMA <strong>DE</strong> PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS<br />

CURSO <strong>DE</strong> MESTRADO PROFISSIO<strong>NA</strong>LIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS<br />

<strong>DE</strong> <strong>OLHO</strong> <strong>NA</strong> ETERNIDA<strong>DE</strong>:<br />

a construção do arquivo privado de Antonio Carlos Jobim<br />

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro de Pesquisa<br />

e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC –<br />

para obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos<br />

Sociais<br />

Rio de Janeiro<br />

Julho de 2008<br />

GLEISE ANDRA<strong>DE</strong> CRUZ


CRUZ, Gleise Andrade.<br />

De olho na eternidade: a construção do arquivo privado de<br />

Antonio Carlos Jobim. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio<br />

Vargas, 2008. 133 p. : il<br />

Dissertação (Mestrado Profissionalizante), Fundação<br />

Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2008.<br />

Orientadora: Profª Drª Angela de Castro Gomes<br />

1. Arquivos pessoais 2. Tom Jobim 3. Antonio Carlos Jobim –<br />

Biografia 4. Brasil – História.<br />

CDD 927


FUNDAÇÃO <strong>GETULIO</strong> <strong>VARGAS</strong><br />

CENTRO <strong>DE</strong> PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO <strong>DE</strong> HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA – CPDOC<br />

CURSO <strong>DE</strong> MESTRADO PROFISSIO<strong>NA</strong>LIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS<br />

<strong>DE</strong> <strong>OLHO</strong> <strong>NA</strong> ETERNIDA<strong>DE</strong>:<br />

a construção do arquivo privado de Antonio Carlos Jobim<br />

Trabalho de conclusão de curso apresentado por<br />

GLEISE ANDRA<strong>DE</strong> CRUZ<br />

E APROVADO EM ____________________ PELA BANCA EXAMI<strong>NA</strong>DORA<br />

____________________________________________________<br />

Profª Drª ANGELA <strong>DE</strong> CASTRO GOMES (Orientadora)<br />

____________________________________________<br />

Profª Drª MARIETA FERREIRA<br />

____________________________________________<br />

Profª Drª REBECA GONTIJO<br />

____________________________________________<br />

Profª Drª LETÍCIA NE<strong>DE</strong>L (Suplente)<br />

2


Resumo:<br />

O arquivo de Antonio Carlos Jobim, assim como todo arquivo pessoal, foi colecionado e<br />

mantido para satisfazer o desejo de um homem que sempre se preocupou com sua imagem.<br />

Este trabalho demonstra a história da construção e organização desse acervo, além de<br />

fortalecer a hipótese de que o arquivo, em sua integridade, configura-se como uma escrita<br />

autobiográfica. Abordo a organização arquivística do fundo Antonio Carlos Jobim, dentro do<br />

Instituto que leva seu nome, e dou ênfase na subsérie Cadernos de anotações, da série<br />

Produção Intelectual do Titular. Esses cadernos são um tipo de documento singular, quer pelo<br />

uso que deles fazia o maestro, quer pela sua prática memorial. O estudo destas fontes<br />

primárias nos permite inferir a imagem construída pelo próprio titular, e também evidencia o<br />

plano dos guardiões dessa memória em perpetuá-la: Jobim decidiu manter um arquivo pessoal<br />

com o claro propósito de preservar sua obra e projetá-la para o futuro. Esse cuidado foi<br />

transmitido para seus herdeiros, que além das obras musicais, cuidam, hoje, de seu legado<br />

arquivístico dentro do Instituto Antonio Carlos Jobim.<br />

Abstract:<br />

Antonio Carlos Jobim archive as well as his personal archive was collected and arranged to<br />

fulfill the desire of a man concerned with his image. This work reveals the history underneath<br />

the organization of his private documents. Also, it presents proofs of an autobiographical<br />

intent. I approach the construction of Jobim archives at Instituto Antonio Carlos Jobim and I<br />

emphasize the sub series Caderno de Anotações —Notebooks— in the serie Produção<br />

Intelectual do Titular; those notebooks can be considered unique documents and they are an<br />

important evidence of his daily use and memorial practice. The study of primary sources of<br />

this nature allows us to infer the image constructed by Jobim as well as the plans of the<br />

guardians of his legacy. The maintenance of his personal and musical archive highlights the<br />

composer's purpose of preserving his works to future generations. Jobim´s musical and<br />

personal archives are under his family responsibility at Instituto Antonio Carlos Jobim in Rio<br />

de Janeiro.<br />

3


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

À força que me move em direção ao aprimoramento: seja Deus, seja Ele em mim, seja apenas<br />

eu. Por ela, me dispus contra toda a adversidade por que passei no processo de confecção<br />

dessa dissertação. Mas, por conta disso também, acredito que estou melhor hoje do que antes,<br />

melhor preparada para o mercado de trabalho, mais determinada — e mais cansada!<br />

À minha orientadora, Professora Doutora Angela de Castro Gomes, que num primeiro<br />

momento pensei austera e rígida, para logo depois descobrir uma pesquisadora tão preocupada<br />

quanto eu e extremamente inteligente e coerente. Confesso que, em muitos momentos de<br />

fraqueza, pensei nela como modelo e percebi minha admiração crescente.<br />

Aos amigos da turma do Mestrado do Cpdoc de 2006. Sempre seremos a melhor turma do<br />

programa: muito unidos, embora muito ocupados, muito amigos, embora agora afastados.<br />

Vocês deram a ajuda e o apoio que meu trabalho precisava.<br />

Ao meu filho, João Pedro Cruz Serpa, para quem tento ser exemplo, mãe, amiga e professora.<br />

Ele não entendeu ou mesmo percebeu minhas aflições, mas sempre chegava com uma palavra<br />

de carinho enquanto eu estudava e escrevia: “Ah, mãe, deixa eu jogar?”<br />

Ao meu marido, Pedro da Costa Pereira, que nunca me deixou desanimar e nunca esmoreceu<br />

seu amor por mim, até quando nem eu mesma me aturava.<br />

Aos queridos amigos do Instituto Antonio Carlos e da Jobim Music, sem os quais não teria<br />

chegado ao fim: Paulinho Jobim, Eliane Vasconcellos, Gabriel Caymmi, Clay Protasio,<br />

Clarice e Isabel Nicioli, Bernardo Krivochein, Patricia Helena Fuentes, Patricia Lima,<br />

Jacqueline Barbosa, Avelina Oliveira, Christina Costa, Dona Luiza e Suria Braga Alves.<br />

Especialmente, aos entrevistados Vera de Alencar, Ana Jobim e Thereza Hermanny.<br />

Muito obrigada também a toda a família Jobim.<br />

4


Toda vez que uma árvore é cortada aqui na Terra, eu acredito que ela<br />

cresça outra vez em outro lugar — em algum outro mundo. Então,<br />

quando eu morrer, este é o lugar para onde quero ir:<br />

onde as florestas vivam em paz.<br />

TOM JOBIM<br />

(JOBIM, A CASA <strong>DE</strong> TOM, 2007)<br />

“Não sou imortal, sou altamente mortal.”<br />

Tom Jobim<br />

(Acervo ACJ, E14)<br />

5


Introdução, p. 9<br />

ÍNDICE<br />

Capítulo 1: Tom Jobim, compositor de si mesmo, p. 18<br />

1.1 Biografias e autobiografias: um preâmbulo, p. 19<br />

1.2 Um Brasil Bossa Nova, p. 22<br />

1.3 Conceituação de Cultura popular, p. 25<br />

1.3.1 O popular massificado, p. 27<br />

1.4 Uma História Biográfica de Tom Jobim, p. 30<br />

1.4.1 Os primeiros anos de uma vida, p. 30<br />

1.4.2 Ainda os primeiros: casamento, emprego..., p. 31<br />

1.4.3 Compositor de si mesmo, p. 33<br />

1.4.4 Alguns encontros importantes, p. 38<br />

1.5 A criação da Bossa Nova, p. 45<br />

1.5.1 Tom e a Bossa Nova, p. 49<br />

1.6 Últimos tempos, p. 51<br />

Capítulo 2: O arquivo Tom Jobim, sua maior composição, p. 54<br />

2.1 Os guardiões da memória, p. 54<br />

2.2 A criação de uma instituição: o Instituto Antonio Carlos Jobim, p. 58<br />

2.3 Considerações sobre Arquivos e Arquivos pessoais, p. 61<br />

2.3.1 Acumulação e Avaliação, p. 67<br />

6


2.3.2 Classificação e Descrição, p. 69<br />

2.4 O acervo de Tom Jobim, p. 70<br />

2.4.1 Higienização, p. 72<br />

2.4.2 Digitalização, p. 73<br />

2.4.3 Divulgação e acesso, p. 74<br />

2.4.4 Descrição e indexação, p. 76<br />

2.5 Entendendo o arquivo, p. 81<br />

Capítulo 3: Cadernos para lembrar Tom – lembranças dele, com ele e para ele, p. 87<br />

3.1 Conhecendo os cadernos, p. 91<br />

3.2 Observando com mais atenção, p. 99<br />

3.3 Refúgios do eu, p. 103<br />

3.4 As casas de Tom, p. 108<br />

Conclusão, p. 115<br />

Anexo A – Plano de arranjo do arquivo, p. 117<br />

Anexo B – Planilha dos Documentos Textuais do Instituto Antonio Carlos Jobim, p. 118<br />

Anexo C – Poema “Chapadão”, p. 119<br />

Anexo D – Artigo de Tom Jobim sobre a expansão do mercado fonográfico, Pi1093, p. 124<br />

Bibliografia, p. 125<br />

7


LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES E TABELAS<br />

Figura1 – Primeira correspondência de Frank Sinatra a Tom Jobim, Cp489<br />

Figura 2 – Primeiro esboço para “Garota de Ipanema”. Pi 1216 p. 54<br />

Figura 3 – Foto da bagunça sobre o piano de Tom Jobim, p64f05<br />

Figura 4 – Percentual das tipologias encontradas nos 32 cadernos<br />

Figura 5 – Vários tipos documentais numa mesma página. Caderno 4, Pi 1423 p. 3<br />

Figura 6 – Lista de temas para o filme Crônica da casa assassinada. Caderno 25, Pi 1180 p. 4<br />

Figura 7 – Lista de lembretes para o próprio titular. Pi1160 p.29<br />

Figura 8 – Lista de consertos necessários no carro. Caderno 25, Pi 1180 p. 14<br />

Figura 9 – Lista de acessórios para levar em caçada. Caderno 28, Pi 1158 p. 12<br />

Figura 10 – Esboço para a construção da casa na rua Sara Vilela. Pi 1095 p. 20<br />

Figura 11 – Esboço para a construção da casa na rua Sara Vilela. Pi 1247 p. 49<br />

Tabela 1: Descrição dos 32 cadernos<br />

8


INTRODUÇÃO<br />

Durante a faculdade de Arquivologia, tive oportunidade de conhecer as idades<br />

dos arquivos e me aproximar do estudo e prática em arquivos permanentes 1 . Além da<br />

predisposição pessoal para lidar com esse tipo de acervo, os programas de estágios<br />

(extremamente necessários, em todos os sentidos) me foram conduzindo para esse<br />

campo. Após trabalhar em várias instituições de guarda de acervos, como Fundação<br />

Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional e Academia Brasileira de Letras, iniciei o<br />

trabalho de organização do acervo pessoal de Tom Jobim, junto à equipe do Instituto<br />

Antonio Carlos Jobim, em 2002.<br />

Tive outras experiências em arquivos; como Carlos Drummond de Andrade,<br />

Pedro Nava, Vinicius de Moraes, Helio Pelegrino, Antonio Salles ou Miguel Paiva.<br />

Contudo, nenhuma foi tão agradável no conjunto, com a do arquivo de Tom Jobim.<br />

Até porque, a produção artística de Tom arrebatou a admiração de uma multidão de<br />

fãs em todo o mundo, colaborando para colocar a música brasileira no hall of fame<br />

dos Estados Unidos e, de lá, para ser reconhecida em outros circuitos internacionais.<br />

A trajetória de Tom sempre vai passar pela sua grandiosidade como letrista e<br />

sua genialidade como compositor. Mas seu arquivo pessoal chama a atenção<br />

justamente por permitir acesso ao lado mais íntimo do maestro. Seus documentos<br />

revelam o perfil de um homem simples, que conversava com os passarinhos e<br />

“visitava” árvores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; que andava de chinelos na<br />

rua; que foi pai-avô completamente apaixonado pela família, e que defendia<br />

ferrenhamente os amigos, mesmo em público. A possibilidade de conhecer essa outra<br />

face do maestro, que sem se despir de sua importância pública, cultivou as identidades<br />

de marido, pai e amigo com bastante carinho, é muito proveitosa. Eis, portanto,<br />

porque desenvolvi esse encantamento com o músico (sua face pública), depois que me<br />

apaixonei por seu acervo (sua face privada). Na verdade, não conhecia muito mais<br />

sobre Tom antes disso. Um percurso que deve ser a contramão do que acontece com a<br />

maioria dos fãs.<br />

1<br />

Concordo apenas parcialmente com o cânone arquivístico de separar os acervos em correntes,<br />

intermediários e permanentes — penso que a freqüência de uso é apenas um dos componentes para a<br />

classificação de arquivos. Discordo mais vigorosamente de que não se justificariam ferramentas de<br />

avaliação num arquivo permanente. Entretanto, não cabe aqui essa discussão, pretendia apenas<br />

mencionar minha posição.<br />

9


O trabalho técnico em um arquivo privado é normalmente mais complexo do<br />

que parece aos leitores desavisados ou aos administradores que o julgam como um<br />

conjunto de gavetas. Muitas vezes o titular do arquivo registra um fato, outras não;<br />

muitas vezes, o registro pode ter sido perdido e outras, simplesmente apagado, pois<br />

quando existe o documento, existem, também, lacunas e incertezas. Um arquivo<br />

privado é, na verdade, ele mesmo, um documento biográfico. Nele está reunido um<br />

conjunto de registros sobre a própria vida: cartas, agendas, cadernos de anotações,<br />

depoimentos ou diários. Mas, mesmo em arquivos pessoais, nem sempre é comum a<br />

existência de documentos autobiográficos, isto é, vestígios da vida de uma pessoa, que<br />

ela mesma tenha produzido: uma escrita autobiográfica.<br />

Tom Jobim nunca se preocupou em escrever sua autobiografia 2 , e também não<br />

chegou a ver as publicações que Helena Jobim e Sérgio Cabral fizeram sobre ele.<br />

Mesmo sendo bastante interessado em guardar relatos e fotos de sua família e de ter,<br />

inclusive, pesquisado a origem do nome da família Jobim, Tom não conseguiu, pelo<br />

menos sozinho, reunir essas informações 3 . Pedro Nava, por exemplo, teve sua vida<br />

literária alicerçada em sua memória (sete livros ao todo, o último interrompido por<br />

seu suicídio). Ele guardava todo tipo de papel (rótulos, mapas, fotos) e anotava em<br />

pequenas tiras, tudo o que se lembrava e que poderia servir de “ganchos” nos seus<br />

capítulos, montando uma espécie de quebra-cabeças literário ou um hypomnemata 4<br />

picotado. Tom não foi um literato, mas um músico, e, como ele mesmo disse, em<br />

várias oportunidades, era a música que o movia para a vida. Ele cuidou de guardar em<br />

seu arquivo, registros de sua vida profissional/musical, sem perder os vínculos que o<br />

mantinham, assim como qualquer ser humano, com suas raízes em vários outros<br />

campos: familiar, pessoal, carreira pública. Tom foi, portanto, um mediador entre<br />

mundos.<br />

Esses mediadores […] desenvolvem a capacidade de lidar com dois ou<br />

mais códigos. Seu sucesso profissional e pessoal depende de seu desempenho<br />

2<br />

Vale lembrar que Ana Jobim, no filme A casa de Tom; mundo, monde, mondo, considera o poema<br />

“Chapadão” como uma autobiografia, pois Tom lança, em versos, cenas de sua vida cotidiana. Esse<br />

poema está transcrito no Anexo C desse trabalho.<br />

3<br />

Tom teve ajuda de suas esposas Thereza Hermanny (1949-1977) e Ana Lontra Jobim (1978-1994)<br />

para reunir seu arquivo. Além delas, colaboraram Vera Alencar, museóloga contratada para organizar<br />

seu arquivo e Helena Jobim, irmã de Tom, que herdou os documentos da mãe.<br />

4<br />

Caderno de anotações pesquisado e definido por Foucault como guia de bolso a ser portado por uma<br />

pessoa para que pudesse anotar tudo o que de importante se passava durante o dia, contribuindo para<br />

um engrandecimento pessoal. O capítulo 3 oferecerá maiores detalhes sobre esse tipo de caderno.<br />

10


como intermediários. Em uma sociedade complexa e heterogênea, papéis como<br />

esses, nem sempre explícitos e conscientes, fazem parte da própria lógica do<br />

processo interativo. (VELHO, 2003, p. 82)<br />

Eis, portanto, a justificativa de Tom como mediador: ele teve o privilégio de circular<br />

pelos campos da harmonia clássica e popular, transcrevendo seu potencial criador em<br />

notas musicais, legíveis para outros; pelo campo lírico também, onde passeia todo<br />

escritor/compositor, entre o mundo da poesia e o da inspiração; e o mundo dos<br />

homens, pois escreveu em (duas) línguas os sentimentos que tinha, via e imaginava.<br />

Ele usava seu potencial de metamorfose, mediador que era, como nos termos<br />

de Gilberto Velho:<br />

O potencial de metamorfose permite, em geral, aos indivíduos<br />

transitarem entre diferentes domínios e situações, sem maiores danos ou custos<br />

psicológico-sociais, ao contrário do que se poderia esperar, a partir de uma visão<br />

mais estática da identidade. (VELHO, 2003, p. 82)<br />

Assim, através do acervo acumulado pelo titular do arquivo, pode-se descobrir<br />

a versão dos acontecimentos que ele sustenta: sua visão do mundo, seus anseios em se<br />

fazer perpetuar como parte de uma sociedade que lhe permite assumir várias faces<br />

identitárias. A identidade preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior" — entre o<br />

mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas<br />

identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e<br />

valores, tornando-os "parte de nós" contribui para alinhar nossos sentimentos<br />

subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A<br />

identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os<br />

mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e<br />

predizíveis. (HALL, 2005, p.7)<br />

A identidade está estritamente ligada à memória consciente que se pretende<br />

sustentar. Memória é a capacidade de elaborar informações, fatos e experiências do<br />

passado e reconstruí-los no presente, retransmitindo-os a outros ou não. Há a<br />

possibilidade de rememorar fatos que dizem respeito apenas a um indivíduo (memória<br />

individual), a um grupo, como uma comunidade ou organização (memória coletiva)<br />

ou mesmo ao Estado e todas as instituições da esfera pública (memória nacional)<br />

(HALBWACHS, 1990, p. 35). Talvez não seja possível, nem desejável, hierarquizar<br />

11


esses conceitos, mas é possível observar como eles se interpõem e se completam.<br />

Embora existam vários estímulos para a memória em uma pessoa, ela sempre<br />

precisará se coligar a outros estímulos, coletivos, para efetivamente se lembrar do<br />

fato. Ou seja, a memória é sempre individual e coletiva, a um só tempo. É necessário<br />

entender o limite que a memória individual pode trazer; uma memória que possa nos<br />

tornar únicos. Sempre que selecionamos o que lembrar e, por extensão, o que<br />

esquecer, fazemos escolhas que nos diferenciam dos outros, inclusive dos que<br />

viveram os mesmos fatos conosco (HALBWACHS, 1990, p. 37). Essas escolhas<br />

compõem nosso discurso, que exibe o que pensamos, o que queremos enfatizar ou o<br />

que queremos esconder (CHAGAS, 2002, p.35). A construção da identidade de um<br />

povo, grupo ou indivíduo passa necessariamente pelo que ele selecionou de seu<br />

passado e como ele quer se mostrar no presente. Segundo Jacques Le Goff, “a<br />

memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou<br />

coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das<br />

sociedades de hoje” (LE GOFF apud MAGALHÃES, 2006, p.4). E a memória é base<br />

essencial da escrita, que remonta lugares, combina textos e ordena as idéias no papel.<br />

Nessa hora, quanto maior a bagagem, maior o embaralho na produção do texto e, ao<br />

contrário, se há falta de memória, o texto ganha lacunas. (GONTIJO, 2004, p.187)<br />

Desde o século XVIII 5 , os homens comuns ganharam espaço na vida pública e<br />

foram “descobertos” pelos pesquisadores abrindo caminhos para novas coleções em<br />

museus, novos cursos nas faculdades, estudos e práticas mercadológicas na sociedade<br />

em geral. Eis, então, o início da luz sobre os registros do cotidiano. Embora não seja<br />

imparcial, como nenhuma fonte é, os documentos pessoais se destacam por uma certa<br />

informalidade com o que se registra, pela intimidade dos conteúdos dos registros e<br />

pelo caráter, muitas vezes, inusitado do que se registra. Por esse motivo, histórias<br />

como a do marinheiro bordador, João Cândido, durante a Revolta da Chibata 6 , e de<br />

Anne Frank no Holocausto, não passaram despercebidas. O que passa a importar é a<br />

versão do fato, como o autor percebeu o que aconteceu.<br />

5<br />

Segundo Angela de Castro Gomes, datação difícil, mas segura.<br />

6<br />

Contada por José Murilo de Carvalho: o comandante João Cândido bordou, em toalhas de mão, seu<br />

sofrimento pelos maus-tratos e pela partida de amigos — ato pouco pensado para homens, e ainda mais<br />

nessas circunstâncias! (CARVALHO, 2006, p.26)<br />

12


Embora seja uma tarefa proveitosa, pesquisar e falar de arquivos de famosos,<br />

de mitos 7 como Tom Jobim, é preciso sempre ter em mente dois fatores: o primeiro<br />

diz respeito à privacidade do titular e familiares e o segundo à veracidade dos fatos. A<br />

pesquisadora Eliane Vasconcellos nos lembra da disposição que tem o autor de um<br />

documento de caráter pessoal de se mostrar despido frente ao destinatário. As cartas, e<br />

por extensão, os documentos de arquivos pessoais servem ao propósito de fazer-se<br />

presentes quando não é possível a presença e de contar confidências, lembranças e<br />

detalhes em quem se confia, um amigo próximo.<br />

A correspondência permaneceu durante muito tempo sepultada nos<br />

arquivos públicos ou privados, só recentemente passou a ter valor como<br />

documento de maior importância. Os pesquisadores têm-se conscientizado de<br />

que podem encontrar nela dados relevantes: a missiva funciona como<br />

testemunho vivo de uma época, pode documentar uma história pessoal, registrar<br />

situações, ações e reflexões. [...]<br />

Por se tratar de um discurso informal, na carta se expõem idéias e<br />

sentimentos que são reduzidos e interpretados por um terceiro — o leitor. Por este<br />

motivo, nós, que trabalhamos com correspondências encontradas em arquivos<br />

privados, devemos ter em mente alguns problemas de ordem ética e jurídica, que<br />

de certa forma encontram suas raízes nas observações feitas por Bandeira ao<br />

publicar as cartas de Mário. (VASCONCELLOS, 1998, p.8)<br />

Carlos Drummond de Andrade também se mostrou preocupado com a guarda<br />

e o uso dos seus arquivos (e de seus amigos próximos). Em vários momentos de seus<br />

textos lembra do cuidado necessário com as “coisas domésticas”, como mencionado<br />

na crônica "O quarto violado do poeta", publicada no Jornal do Brasil, de 2 fevereiro<br />

de 1978, onde se compadece de Manuel Bandeira que recebeu uma “homenagem”,<br />

sob forma de documentário, onde seu quarto de hotel foi filmado, sem autorização.<br />

Mas, em nenhum outro texto Drummond se empolga tanto como no “Museu-<br />

fantasia”, em que sugere a criação de um lugar que possa abrigar, organizar, tratar e<br />

divulgar corretamente os arquivos dos escritores brasileiros como ele.<br />

Outro ponto importante é o cuidado em não podermos admitir como<br />

verdadeiro tudo o que está escrito em um documento privado. Nem mesmo<br />

7<br />

Segundo Edgard Morin, são astros de cinema, ídolos da música, ícones da realeza convertidos pela<br />

cultura de massa em “olimpianos” da atualidade, com cada momento das suas vidas rasgados nos<br />

cotidianos da imprensa.<br />

13


documentos oficiais, criados por governos, com formato e suporte padronizados, nos<br />

eximem de tais considerações. Entretanto, é sempre interessante observar a seleção<br />

realizada e a versão que o arquivo produz da vida de seu titular.<br />

O titular de um arquivo não precisa pensar da mesma maneira durante sua<br />

vida; ou mesmo se manter “coerente” na guarda de seus documentos ou ainda<br />

conseguir distinguir entre o que é real e o que é ficção em sua memória. Tom Jobim<br />

manteve fotos suas durante uma de suas caçadas a aves na mata (cerca de 1950), junto<br />

a artigos sobre ecologia e apreciação de pássaros (desde 1986). O titular se constrói e<br />

a seu texto/ seu arquivo, como parte de um discurso que se quer perpetuar, enquanto<br />

esse mesmo discurso o empurra para a confirmação do personagem construído. Essas<br />

forças não se combatem, mas buscam certo equilíbrio na “produção de si”, que se<br />

configura como lugar de experimentação e ajuste. (GOMES, 2004, p.17)<br />

Durante sua vida, Tom fez várias escolhas e não as lamentou, embora tivesse<br />

lamentado suas conseqüências. Constantemente, por exemplo, reclamava da imprensa,<br />

na própria imprensa:<br />

[…] a imprensa do Rio, que sempre fala mal dos artistas — fala mal do Chico,<br />

fala mal do Caetano — vem e malha. O Brasil é de cabeça para baixo, persegue<br />

a quem trabalha. Se você trabalhar, aparece fiscal, vem a polícia. Os bandidos,<br />

não […] as moças bonitas se apaixonam por eles. Parece coisa de Mário de<br />

Andrade, Macunaíma… Sempre que o Brasil vai mal, eles dizem que eu estou<br />

me mudando para os Estados Unidos. Quando o país melhora, dizem que eu<br />

estou voltando. Mas não é nada disso. […] Sempre essa besteirada. Dizem que<br />

eu saí daqui para fugir do Imposto de Renda, como se lá não fosse pior. […]<br />

Aqui é que tem esse negócio, negócio de procedência maligna. Depois que eu<br />

fiz meia dúzia de modinhas, ficaram falando mal de mim, porque eles não têm<br />

mais o que falar. (in LOYOLA, 1988, p. 39)<br />

Pensava que seu trabalho nem sempre era reconhecido como o era em outros<br />

países por onde passou. A campanha de 1988 que fez para a The Coca-Cola<br />

Company, por exemplo, repercutiu efeitos indesejados aqui no Brasil:<br />

São multinacionais que estão aqui. E se você vai negar espaço para elas,<br />

dará o direito de, lá fora, negarem para a Varig, Vale do Rio Doce […] A Coca-<br />

Cola dá emprego a milhares de brasileiros — o xarope é brasileiro, a água é<br />

brasileira. Então, na hora em que aparece o anúncio, essas pessoas que tomam<br />

14


Coca-Cola querem destruir o anúncio. Acusam-me de ter vendido um<br />

patrimônio nacional, “Águas de março”. Você não pode vender música. Na<br />

época de Noel Rosa, vendia-se música, mas escondido, por baixo do pano, e<br />

quem pagava aparecia como autor, como dono da música. Quando um<br />

compositor vendia uma música, todo mundo ficava do seu lado. Sinal de que ele<br />

não estava conseguindo viver de direito autoral. (LOYOLA, 1988, p. 39)<br />

Os homens, seres plurais por natureza, passam por momentos que determinam<br />

seu caráter, sua personalidade e constroem seu futuro. Nenhuma pessoa que vive em<br />

sociedade, que também é um organismo plural e dinâmico, consegue volver sua<br />

atenção a um assunto apenas. Regina Marques, ao catalogar os livros da biblioteca de<br />

Oscar Niemeyer, constatou que 59% são sobre Artes, 19% sobre Ciências Humanas,<br />

2% sobre Ciência e Tecnologia e apenas 12% tratam de sua área mais estreita,<br />

Arquitetura e Urbanismo. O mesmo se pode aplicar ao arquivo de Tom Jobim, pois<br />

nos seus documentos há vários macro-assuntos como política, história, teatro,<br />

ecologia e natureza, literatura além, claro, de música. Isto pode evidenciar seu<br />

interesse não só em aperfeiçoar sua arte, mas em manter-se informado com o que<br />

ocorria no mundo ao seu redor.<br />

O catalogador trabalha procurando determinar os principais assuntos,<br />

ressaltar o diferencial e perceber os detalhes que estão no documento.<br />

Freqüentemente, há documentos de difícil leitura, uma vez que a maioria é manuscrita<br />

e quem escreve para si, costuma entender a própria letra — o que muitas vezes não<br />

acontece quando da intervenção técnica. Outros documentos apresentam contextos<br />

culturais, socioeconômicos e políticos de difícil investigação e fazem referências a<br />

pessoas e obras pouco conhecidas. Em quaisquer desses casos, sempre se faz<br />

necessária extensa pesquisa e em fontes diversas. O trabalho do catalogador<br />

caracteriza-se, assim, como o de um pesquisador especialista.<br />

O capítulo a seguir deverá descrever o arquivo como um todo, desde a<br />

acumulação feita por Tom Jobim, passando pela ordem e colaboração de sua primeira<br />

esposa até a completa estrutura e organização dentro do Instituto Antonio Carlos<br />

Jobim, feita por seus filhos e viúva. Logo depois, devemos nos debruçar sobre a Bossa<br />

Nova, época mais frutífera da carreira de Tom, dando voz ao próprio titular, através<br />

dos vários fragmentos “autobiográficos” encontrados em seu acervo. O último<br />

capítulo deverá apresentar os 32 cadernos de anotações de que Tom escreveu durante<br />

15


sua vida adulta, ressaltando os documentos que melhor traduziram seu cotidiano em<br />

casa.<br />

DIFICULDA<strong>DE</strong>S ENCONTRADAS<br />

A seguir, descrevemos algumas dificuldades encontradas durante a pesquisa<br />

e o trabalho, ou melhor dizendo, no trabalho de pesquisa do acervo de Tom Jobim.<br />

Identificar as assinaturas das correspondências. Houve casos de letra<br />

ilegível, nomes em outras línguas e apelidos. Na Correspondência Pessoal, por<br />

exemplo, o autor de uma carta se assina como Cabinha; somente após a<br />

pesquisa descobriu-se que se tratava de Isnaldo Khrockatt de Sá, grande amigo<br />

de Tom; o mesmo aconteceu com Bituca, que é Milton Nascimento, entre<br />

outros tantos exemplos. Além, claro, dos apelidos familiares presentes na<br />

Correspondência Familiar.<br />

Identificar os pseudônimos que Antonio Carlos Jobim utilizava. Por<br />

exemplo: Tom Joba, Tony Brazil, Tão, Antonio Carlos Brasil etc.<br />

Determinar datas e períodos nos Cadernos, já que muitos documentos<br />

raramente apresentavam data precisa. Entretanto, a pesquisa possibilitou<br />

determinar uma data aproximada – seja pela composição da música, seja pelos<br />

temas descritos.<br />

Reconhecer as diferentes caligrafias presentes nos Cadernos. Através de<br />

entrevista com Thereza Hermanny 8 , descobriu-se que estes costumavam ficar<br />

sobre o piano ou sobre alguma mesa de fácil acesso, na sala de estar. A cada<br />

sarau com os amigos ou mesmo trabalhando só, Antonio Carlos Jobim pedia<br />

ajuda a quem estivesse por perto para anotar o que ele dizia, pois não queria<br />

perder o momento da inspiração. Como ninguém assinava o documento, o<br />

reconhecimento da caligrafia tornou-se uma tarefa intrincada e minuciosa. Para<br />

conseguir identificar algumas, recorreu-se à Série Correspondência e a<br />

familiares de Tom Jobim.<br />

8<br />

D. Thereza foi a primeira esposa de Tom Jobim e presenciou muitos momentos registrados nos<br />

primeiros caderninhos de anotações.<br />

16


Determinar o ineditismo das letras. O trabalho de composição de Antonio<br />

Carlos Jobim era descrito por ele mesmo como “95% de transpiração e 5% de<br />

inspiração”. Por isso, os versos encontrados nos Cadernos ora apareciam em<br />

uma, ora em outra letra. Ele realocava versos e estrofes, mudava o sentido da<br />

letra, da rima, da métrica. Algumas letras encontradas nos Cadernos pareciam,<br />

num primeiro momento, inéditas. Entretanto, com maior conhecimento das<br />

músicas do compositor, verificou-se tratarem-se apenas de primeiras versões. É<br />

o caso de “Garota de Ipanema”. Inicialmente, a rima e os versos eram<br />

totalmente diferentes, assim como o título: “A menina que passa”. Todas essas<br />

diferenças poderiam configurar uma outra composição, mas nem a letra<br />

abandonada é uma música inédita, nem a letra gravada é outra totalmente nova.<br />

Pesquisar os termos técnicos em inglês, presentes na correspondência com<br />

advogados e músicos estrangeiros. As dificuldades foram sanadas com<br />

consultas a dicionários, biografia especializada e consultas à família Jobim e a<br />

outras famílias, como a do maestro Radamés Gnattali.<br />

17


CAPÍTULO 1: TOM JOBIM, COMPOSITOR <strong>DE</strong> SI MESMO<br />

O mundo é grande e bello [sic.],<br />

vamos fazer música, para viver! Esqueça o baixo Astral.<br />

Bilhete de Tom Jobim, ao próprio, s.d. 1<br />

Tom Jobim nasceu a 27 de janeiro de 1927, no bairro da Tijuca, Rio de<br />

Janeiro, e faleceu a 8 de dezembro de 1994, em Nova York. Seu pai, Jorge Jobim,<br />

morreu quando ele ainda era criança, em 1935, tendo sido diplomata, poeta, escritor e<br />

professor. Sua mãe, Nilza Brasileiro de Almeida Jobim, falecida em 1989, fundou o<br />

Colégio Brasileiro de Almeida, em Ipanema, e se casou, pela segunda vez, com Celso<br />

Frota Pessoa, em 1936. Sua única irmã, Helena Jobim, é escritora premiada, e foi<br />

quem lhe deu o apelido de Tom Tom. Como sabemos que uma brilhante carreira não<br />

se conquista sem investimentos, selecionamos alguns fatos de sua trajetória pessoal e<br />

profissional, que se fundem com a própria história mais recente da música popular<br />

brasileira 2 .<br />

Pretende-se, neste capítulo, lembrar fatos da vida privada do maestro, que<br />

foram a público ou não, mas que apresentam como característica comum o fato de<br />

terem registros em seu arquivo pessoal. Isto porque, como já assinalamos, os arquivos<br />

privados pessoais são repositórios de informação sobre o titular e a época em que<br />

viveu, e mais ainda, são indicações de seus anseios e escolhas, do caminho trilhado.<br />

Dessa forma, estamos propondo, através desse trabalho, não apenas contribuir para a<br />

afirmação de que os arquivos pessoais são, também, arquivos (como os<br />

administrativos) e não coleções inorgânicas, como também evidenciar que o arquivo<br />

de Tom Jobim permite redescobertas sobre sua vida e obra. É claro que estamos<br />

conscientes da amplitude dessa possibilidade e de que o que fazemos é apenas um<br />

pequeno exemplo. De toda forma, o que se buscará fazer é um exercício biográfico, a<br />

partir de fragmentos existentes no arquivo construído por Tom.<br />

1<br />

Esse bilhetinho encontra-se na série Correspondência Pessoal do acervo ACJ, Cp003.<br />

2<br />

Os dados apresentados se basearam principalmente na biografia Um homem iluminado, de Helena<br />

Jobim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996 e na gravação do MIS, Depoimento para a posteridade, de<br />

1967, ambos constantes de seu acervo.<br />

18


1.1 BIOGRAFIAS E AUTOBIOGRAFIAS: UM PREÂMBULO<br />

Os historiadores da Antiguidade, desde 500 d.C., começaram a usar o termo<br />

biografia para identificar os relatos sobre a vida de alguém, normalmente famoso. A<br />

prática de escrever biografias percorreu os séculos, voltando-se para os “grandes<br />

homens”. Eram sempre elogiosas, visando mais ao legado político ou religioso do<br />

biografado, como os panegíricos gregos ou os exempla europeus da Idade Média, sem<br />

qualquer preocupação de se fundamentarem no uso de documentos. Apenas no século<br />

XIII, Boccaccio escreveu a vida de Dante, apoiando-se em um certo tipo de pesquisa<br />

documental e introduzindo uma concepção mais moderna de biografia (BORGES,<br />

2005, p. 226).<br />

Entretanto, o marco da biografia moderna é a publicação, em 1791, de James<br />

Boswell, Life of Samuel Johnson LL.D., ainda sem edição brasileira. Pelo método<br />

empregado, que além da pesquisa documental, produziu entrevistas com personagens<br />

variados, inaugurou uma nova fase para a escrita biográfica 3 . Baseando-se em uma<br />

extensa pesquisa de vinte anos, que demandou mais seis para escrever a biografia, seu<br />

objetivo era contar a “verdade” sobre os fatos da vida de Samuel Johnson —<br />

jornalista, crítico e romancista. A partir do livro de Boswell, as obras desse tipo<br />

procuravam alcançar a completude da vida do biografado, mas é possível considerar a<br />

biografia também uma rápida incursão pela trajetória de alguém, passando apenas por<br />

datas e fatos mais relevantes. Vavy Borges (2005, p. 213), seguindo a literatura<br />

especializada, enumera três tipos de escrita biográfica, segundo a finalidade e o grau<br />

de elaboração:<br />

artigo de dicionário biográfico: um breve resumo da vida de uma pessoa<br />

pública, por vezes famosa;<br />

monografia de circunstância: como elogios fúnebres ou ligados a uma<br />

circunstância particular (breves, muitas vezes presentes na imprensa<br />

escrita); e<br />

biografia científica ou literária: obras maiores, com finalidade histórica,<br />

que trabalham com documentação numerosa e variada.<br />

3<br />

Um exemplo da importância desta obra é demonstrado pelas dez edições que teve em trinta anos.<br />

(BORGES, 2005, p. 205).<br />

19


O estudo e sobretudo a escrita de biografias passou por altos e baixos através<br />

do tempo. Eis, grosso modo, as três fases delineadas por Daniel Madelénat 4 : 1)<br />

clássica, da Antiguidade até o século XVIII, praticada, principalmente, pelos gregos;<br />

2) romântica, do século XIX ao início do século XX; e 3) moderna, a partir<br />

principalmente da década de 1970, relacionada à Psicanálise, Ética e História.<br />

O movimento ocorrido a partir do Renascimento, transformou as formas<br />

medievais de relacionamento interpessoal, econômico e político. Mais ainda, a partir<br />

do século XVIII, com o progressivo avanço das chamadas sociedades individualistas,<br />

tornou-se possível a constituição de “arquivos”, também pela acumulação dos<br />

“homens comuns”. O indivíduo passou a se perceber como célula de uma sociedade<br />

complexa, mas como célula única, podendo sua memória ser interessante para si e<br />

para os outros.<br />

Devido à necessidade de, no século XIX, estabelecerem-se e/ou firmarem-se<br />

conceitos que justificassem a nação e o governo, e grandes feitos de homens<br />

públicos, as “idiossincrasias pessoais” 5 desapareceram e acabaram produzindo uma<br />

derrocada pelo interesse na biografia. Como irá ressaltar Sabina Loriga, não parecia<br />

óbvio que o “destino individual dos homens ilustres permitia compreender as escolhas<br />

de uma nação” (LORIGA, 1998, p.229). Mas essa situação se altera e, com o passar<br />

do tempo, as mudanças da historiografia, sobretudo a partir do fim dos anos 1970,<br />

produzem uma “nova História”, com destaques para o olhar individualizado e todos os<br />

olhares possíveis dentro de um mesmo fato.<br />

Em 1985, o assunto biografia mereceu um congresso na Sorbonne, mas,<br />

mesmo assim, foi admitida apenas como “uma modesta ferramenta, que ajuda a<br />

melhor observar ou a ilustrar as tendências longas, as estruturas, as forças de peso; em<br />

hipótese alguma ela poderia pretender tornar-se uma alavanca intelectual” 6 .<br />

Entretanto, a atenção que faltou aos historiadores sempre foi dada pela<br />

Literatura, que manteve o interesse na “história de vida” 7 , mesmo sendo ainda dos<br />

“grandes homens”. Talvez, vindo por esse caminho, seja plausível entender a<br />

4<br />

Informação transcrita por Vavy Borges encontrada em MA<strong>DE</strong>LENÁT, Daniel. La biographie. Paris:<br />

PUF, 1984.<br />

5<br />

BUCKLE, Henry T. History of civilization in England. (London, 1857-61) apud LORIGA, 1998,<br />

p.231).<br />

6<br />

BONIN, Hubert. “La biographie peut-elle jouer un rôle en histoire économique contemporaine?” apud<br />

LORIGA, 1998, p. 227.<br />

7<br />

Termo adquirido da Sociologia.<br />

20


proliferação das biografias escritas por jornalistas desde a década de 1980,<br />

impulsionando um retorno que enche as prateleiras das livrarias, deixando claro que<br />

muitos historiadores ainda têm ressalvas com este tipo de trabalho. Um exemplo dessa<br />

relação de amor e ódio dos historiadores para com a biografia é o exemplo do grande<br />

medievalista Jacques Le Goff. Vavy Borges, em seu texto sobre biografia, seleciona<br />

quatro situações: 1) na década de 1970 teve duas chances de mencionar o termo<br />

biografia e não o fez: na coletânea Faire l’histoire, em parceria com Pierre Nora, e na<br />

enciclopédia La nouvelle histoire, em parceria com Roger Chartier e Jacques Revel<br />

2) já em 1989, comentou “[a biografia é] um complemento indispensável da análise<br />

das estruturas sociais e dos comportamentos coletivos” 8 3) dez anos depois, elogia<br />

veementemente: “a biografia é o ápice do trabalho do historiador” 9 , 4) tendo ele<br />

mesmo se dedicado por anos a escrever São Luís, evita a ligação com a biografia<br />

afirmando: “nem meu São Luís, nem meu São Francisco de Assis são, na verdade,<br />

biografias. São Luís é a tentativa de contar, mostrar e explicar tudo que podemos<br />

saber sobre um personagem enquanto indivíduo” 10 .<br />

A biografia encontrou ainda favorecimento no advento da História Oral, que<br />

desde 1948 11 vem oferecendo voz e vez aos homens comuns, que sem terem sido<br />

grandes governantes ou religiosos, participaram dos acontecimentos históricos. Uma<br />

metodologia que está ligada a toda uma renovação historiográfica, pela qual vimos<br />

passando nas últimas décadas, e que procura retomar o papel do sujeito na história<br />

seja o “grande homem” ou não.<br />

O interesse da História pelos arquivos privados/pessoais está ligada a essa<br />

transformação maior. Os arquivos pessoais seriam, portanto, a principal fonte para o<br />

estudo da vida privada de um indivíduo — as “‘vozes’ que nos chegam do passado,<br />

[os] fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja, [as] chamadas<br />

fontes documentais” (BORGES, 2005, p. 212). Sejam cartas, cadernos de anotações,<br />

diários ou entrevistas, memórias ou relatos de amigos e parentes, enfim, o importante<br />

é que registrem uma parcela do que o titular do arquivo quis perpetuar.<br />

8<br />

LE GOFF, Jacques. Revue Le Débat, n. 54, 1989 apud BORGES, 2005, p.209.<br />

9<br />

_____. Libération (jornal), 7 out. 1999. apud BORGES, 2005, p.209.<br />

10<br />

_____. Jornal do Brasil, 19 maio 2001. apud BORGES, 2005, p.229.<br />

11<br />

Em 1918, a publicação de William Thomas e Florian Znaniecki, sobre os imigrantes poloneses nos<br />

Estados Unidos, causou efervescêcia no campo da pesquisa biográfica. Entretanto, o marco oficial é<br />

1948, com a invenção do gravador a fita. (ALBERTI, 2005, p. 156)<br />

21


Cabe ainda ressaltar que cada um desses documentos são vestígios do que<br />

aconteceu na vida do biografado. E, claro, nunca irão registrar a totalidade dos<br />

acontecimentos, que por sua vez geraram decisões que vão impactar outras pessoas e<br />

seus outros arquivos. Escrever sobre a vida de alguém significa fazer resumos,<br />

seleções de tudo o que viveu, partilhou, pensou… Não se devem buscar nunca a<br />

totalidade e a homogeneidade de uma vida, pois elas não existem: todas as vidas são<br />

fragmentadas e permeadas de conflitos.<br />

Admitir essa característica (não é uma limitação) torna a pesquisa e o texto<br />

mais eficiente. Todo esse debate sobre a biografia e o papel do indivíduo nas Ciências<br />

Sociais, Filosofia, História e Psicanálise ensina como trabalhar nessa perspectiva é<br />

algo arriscado: trata-se de iluminar uma vida, inserida em um contexto enorme e<br />

complexo. A biografia seria para Philippe Levillain, em resumo:<br />

(...) o melhor meio, (...) de mostrar as ligações entre passado e presente,<br />

memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o tempo como<br />

prova da vida. Seu método, como seu sucesso, devem-se à insinuação da<br />

singularidade nas ciências humanas, que durante muito tempo não souberam o<br />

que fazer dela. A biografia é o lugar por excelência da pintura da condição<br />

humana em sua diversidade, se não isolar o homem ou não exaltá-lo às custas de<br />

seus dessemelhantes. (LEVILLAIN, 1996, p. 176)<br />

E os arquivos, nessa concepção, são os melhores exemplos da consciência e intenção<br />

do autor em “arquivar a própria vida”, segundo expressão de Phillipe Artiéres.<br />

1.2 UM BRASIL BOSSA NOVA<br />

[A “Sinfonia da Alvorada” é contemporânea da Bossa<br />

Nova]. Ela foi feita e gravada em 1959, mas o disco saiu<br />

com data de 1960. A Bossa Nova começou por volta de 1956<br />

e foi até o começo dos anos 60. (JOBIM in LOYOLA, 1988,<br />

p. 38)<br />

A esta altura percebe-se a necessidade de discorrer um pouco sobre o panorama<br />

da sociedade cultural brasileira nos anos 1950, para contextualizar esse momento na<br />

22


vida de Tom. Não nos propomos abranger todos os aspectos, fatos e momentos (a<br />

bibliografia sobre o tema é vastíssima, sob todos os pontos de vista), mas somente<br />

fornecer alguns elementos para entender em que contexto Tom chegou a ser um<br />

grande músico.<br />

Os anos 1950 são considerados “anos dourados” e datam dessa década: as<br />

primeiras televisões que foram fabricadas no Brasil, da marca Invictus; o Maracanã,<br />

inaugurado em 16 de junho de 1950; o Brasil conquistando três Copas do Mundo<br />

(1950, 1954 e 1958); e a I Bienal de São Paulo, inaugurada a 20 de outubro de 1951.<br />

Nessa época também houve importante modernização na imprensa, podendo-se citar o<br />

lançamento da revista Manchete e da Editora Abril. Além disso, novas cores e<br />

matérias-primas foram introduzidas na propaganda, vindas do plástico, o Museu de<br />

Arte Moderna, aberto em 1958, tinha linhas modernas e jardins projetados por Burle<br />

Marx; e ainda havia os glamourosos concursos de miss e desfiles da Casa Canadá.<br />

Após a crise política que o suicídio de Getúlio Vagas provocou no país,<br />

Juscelino Kubitschek foi eleito e assumiu a presidência do Brasil, no ano de 1956. Seu<br />

governo foi marcado por importantes realizações para alavancar ainda mais o<br />

movimento de modernização que começara nos anos 1930. Bastante diferente do<br />

último governo de Vargas, os anos JK começaram com euforia. Uma das suas<br />

primeiras ações foi criar o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CND) para<br />

colaborar na montagem do Plano de Metas. Logo, emcampou a idéia visionária de<br />

construir a capital do país no Centro-oeste, e prometeu avançar “50 anos de progresso<br />

em 5 anos de governo”.<br />

A construção de Brasília foi mesmo o maior feito da vida política dos anos<br />

1950. A primeira Constituição Republicana, de 1891, já previa a construção da<br />

capital para promover a ocupação do interior do país, mas esta foi sendo posta de lado<br />

a cada governo. Mesmo descrente, o Congresso aprovou a Lei n° 2874, sancionada<br />

por JK em 19 de setembro de 1956, determinando a mudança da Capital Federal e<br />

criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital — Novacap. Projetada por Lucio<br />

Costa e Oscar Niemeyer, suas obras começaram em fevereiro de 1957, com turnos<br />

ininterruptos de 300 mil operários, por 41 meses. O Plano Piloto e a urbanização,<br />

estruturados por Lucio Costa, e os prédios, desenhados por Oscar Niemeyer, foram<br />

considerados, à época, grandes inovações urbanísticas e arquitetônicas. Em entrevista<br />

à revista Manchete, em [dez. 1981], Oscar Nyemeyer lembrou dos pedidos de JK:<br />

23


Disse-me JK, no primeiro encontro que tivemos: ‘você vai projetar o<br />

bairro mais bonito do mundo: uma igreja, um cassino, um clube e um<br />

restaurante, diante de uma grande represa. Mas eu preciso do projeto do cassino<br />

para amanhã’. […] E Brasília surgiu, praticamente uma continuação da obra da<br />

Pampulha. E lá fomos nós, convocados por JK, para aquele fim de mundo onde,<br />

com a colaboração eficiente de Israel Pinheiro, construiu a nova capital do nosso<br />

país. Foram três anos e meio de angústias e esperanças, de trabalho sol a sol,<br />

naquela solidão do cerrado onde um pouco de nós mesmos ficou, com certeza.<br />

Depois… depois vieram a ditadura, os imprevistos da vida, esse rir e chorar que<br />

o destino nos impõe. (MAYRINK, 2002, p.53)<br />

A inauguração, bastante pomposa, aconteceu a 21 de abril de 1960, data<br />

escolhida por JK, em homenagem à Inconfidência Mineira. Para dar mais glamour a<br />

esse feito, principalmente na inauguração, Juscelino convidou os dois mais famosos<br />

compositores da época para conceberem uma sinfonia para Brasília, contando a<br />

heróica marcha rumo ao oeste e ao futuro promissor do país: Vinicius de Moraes e<br />

Tom Jobim.<br />

Há quem diga que foram os anos dourados – imagem que busca traduzir a<br />

agitação política e a efervescência cultural dos anos 1950. Logo no início da década, o<br />

povo brasileiro se entretinha com o rádio e o cinema nacional. Com os investimentos<br />

financeiros nas indústrias de base, durante os governos Vargas e JK (1951-1961), foi<br />

possível ampliar o consumo dos bens duráveis, como carros e os eletrodomésticos,<br />

como geladeira, radiovitrolas e secadores de cabelos, além de se poder viajar no<br />

primeiro avião comercial do Brasil, o Caravelle (LUCCHESI, 2002, p.13).<br />

Em meio a esse otimismo, o cenário da cultura estava a franco vapor. Os jornais<br />

anunciavam o êxito da música popular brasileira. Num recorte de 1956, com título<br />

“As cem melhores músicas brasileiras de 1955”, da seção Disco-tocando 12 , está<br />

escrito:<br />

Aqui está a prova definitiva de que o ano de 1955 foi um dos melhores<br />

para a música popular brasileira. Reparem que apesar do número incrível de<br />

versões que apareceu, nossa música se distinguiu e vendeu muito bem. Isto<br />

12 Não foi possível identificar a revista que publicou o recorte.<br />

24


demonstra que não é a versão que atrapalha. Existe até a necessidade de fazer<br />

versões. Das boas músicas, é claro. O que precisávamos era reagir de maneira<br />

inteligente, ou seja, gravando coisas realmente boas. Dando oportunidade aos<br />

bons compositores (Acervo ACJ, Pim 031).<br />

E seis músicas de Tom foram contempladas na lista. “Se é por falta de adeus”,<br />

em parceria com Dolores Duran, ocupou o 79° lugar. Outras canções, em parceria<br />

com Billy Blanco, ocuparam do 95° ao 99° lugar: “Matei-me no trabalho” (95°), “O<br />

Morro” (96°), “Hino ao Sol” (97°), “Arpoador” (98°) e “Descendo o Morro” (99°).<br />

Além de mencionar o Sinfonia do Rio de Janeiro como um dos três melhores discos<br />

da Continental lançados no ano de 1955.<br />

1.3 CONCEITUAÇÃO <strong>DE</strong> CULTURA POPULAR 13<br />

O conceito de cultura popular é, como tantos outros, abstrato e dicotômico.<br />

Embora esteja se formando há muito tempo, ainda pode significar opostos extremos:<br />

dependendo da conotação que se quer dar, se mostra positivo (Tom Jobim é um ícone<br />

da cultura popular!) ou pejorativo (O funk também o é) (ABREU, 2003, p.83). No seu<br />

texto Cultura popular na idade moderna, Peter Burke começa a ampliar o conceito de<br />

cultura, usado por Herder como o fluxo da comunidade 14 para referir-se à arte,<br />

literatura e música [...] hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os<br />

historiadores e outros usam o termo "cultura" muito mais amplamente, para referir-se<br />

a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber,<br />

andar, falar, silenciar e assim por diante (BURKE apud MELO, 2007)<br />

De uma maneira ou de outra, a cultura popular reflete a produção artística (e<br />

por que não tecnológica) do povo (sendo povo todos os participantes de uma nação)<br />

sobre a percepção de seu meio, com as diferentes técnicas de que dispõe para fazê-lo.<br />

13 Cabe ressaltar que não devemos comentar a discussão entre erudito e popular, nem situar Tom numa<br />

das duas áreas, mas apenas situar o leitor sobre alguns questionamentos da autora sobre o assunto.<br />

14<br />

O conceito de cultura saltou, completamente aramado, da cabeça de Johann Gottfried Herder, nos<br />

meados do século XVIII, e tem andado envolvido em batalhas desde então. Para Herder, Kultur é o<br />

próprio sangue vital das pessoas, o fluxo da energia moral que mantém intacta a sociedade. Em<br />

contraste, a Zivilisation é o verniz das maneiras, a lei e técnica. As nações podem partilhar a<br />

civilização; mas serão sempre distintas na sua cultura, uma vez que a cultura define o que elas são<br />

(SCRUTON, R, 1989).<br />

25


Para uns, a cultura popular equivale ao folclore […] para outros,<br />

inversamente, o popular desapareceu na irresistível pressão da cultura de<br />

massa […] e não é mais possível saber o que é original ou essencialmente do<br />

povo e dos setores populares. Para muitos, […] o conceito ainda consegue<br />

expressar um certo sentido de diferença, alteridade e estranhamento cultural<br />

em relação a outras práticas culturais (ditas eruditas, oficiais ou mais<br />

refinadas) em uma mesma sociedade, embora estas diferenças possam ser<br />

vistas como um sistema simbólico coerente e autônomo, ou inversamente,<br />

como dependente e carente em relação à cultura dos grupos ditos dominantes.<br />

(ABREU, 2003, p. 83)<br />

Só a tentativa de fechar toda a diversidade e a imaterialidade dos modos de<br />

fazer um tipo de cultura popular, já traz consigo o limite de outros conceitos também<br />

feitos pelo povo e para o povo. A produção popular sempre houve; os intelectuais é<br />

que ainda não tinham desenvolvido o interesse por elas. A partir do século XVIII, por<br />

causa do movimento de formação das nações européias, o resgate da cultura popular<br />

nacional foi a opção natural para agregar o povo e dar-lhes uma identidade comum.<br />

Esse resgate trouxe também a oportunidade de o povo se mostrar no espaço público,<br />

político e econômico.<br />

Não podemos restringir as opções, e por isso, talvez, não devêssemos sequer<br />

nomear, rotular, de uma maneira ou de outra. Talvez fosse mais coerente apenas<br />

aceitar as misturas ocorridas em tantos séculos de convívio social do que precisar<br />

onde começaram, quem as juntou ou por que mudaram. Pois os interesses de<br />

momentos diferentes, ou de grupos diferentes, carregam os rótulos para uma corrente<br />

(popular) ou para outra (erudita) ao sabor do vento.<br />

Não vou resistir ao exemplo do concerto Jobim Sinfônico. Sempre considerado<br />

popular, pelos músicos eruditos, e elitista, pelas camadas populares, Tom Jobim<br />

circula livremente nos dois mundos. O trabalho de seleção das suas obras e resgate<br />

dos arranjos sinfônicos, para apresentação do concerto, agradaram aos dois grupos<br />

que pôde ouvir, por exemplo, “Se todos fossem iguais a você”, música popular escrita<br />

para a peça Orfeu da Conceição, tocada pelas melhores orquestras do Brasil e dos<br />

Estados Unidos.<br />

Para este trabalho, vamos considerar principalmente a cultura popular<br />

massivamente representada: rádio, jornais, cinema e televisão.<br />

26


1.3.1 O POPULAR MASSIFICADO<br />

as pessoas, as culturas, a música comunicam-se umas com as outras. Há<br />

influências sempre novas, como disse Radamés Gnattali, pois de outro modo a<br />

única música brasileira mesmo seria a dos tupis e guaranis, que por sua vez,<br />

dizem os antropólogos, tem sua origem na Oceania. O uso de instrumentos<br />

como o violino, a harpa, o oboé, a trompa, etc., na nossa música é tão lícito<br />

quanto o do violão, do cavaquinho e da flauta que, por sua vez, não são<br />

instrumentos inventados no Brasil. (Acervo ACJ, Pim 047)<br />

No campo do cinema, Nelson Pereira dos Santos deslanchou problemas sociais<br />

no seu engajado Rio 40º (1955), inaugurando o Cinema Novo. Segundo Cacá<br />

Diegues: “no caso do Cinema Novo, o projeto era muito simples — tinha só três<br />

pontos: mudar o cinema, mudar a história do Brasil e mudar a história do planeta”<br />

(DIRECTV, 2006). Outros grandes autores formaram o grupo: Glauber Rocha, Paulo<br />

Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade e Ruy Guerra tendo<br />

todo o ideário […] baseado na discussão do nacional, na controvérsia e na<br />

negação da versão oficial. Produto de jovens cinéfilos, intelectuais, leitores da<br />

Cahiers du Cinema, que queriam e conseguiram marcar a época com o diálogo<br />

entre a agenda política e a inserção dos oprimidos em um sistema onde a<br />

exclusão era negada e escondida. (CINEMANDO (II), 2007)<br />

Eram oposição ferrenha a tudo o que vinha da Companhia Vera Cruz paulista,<br />

tida como interessada apenas no mercado externo, tentando rodar filmes em estúdio,<br />

como o padrão norte-americano, com técnicos e equipamentos importados. A idéia era<br />

abolir a produção inviável — caríssima — da Vera Cruz e com “uma idéia na cabeça<br />

e uma câmera na mão”, procurar aproveitar a luz e o belo cenário natural do Rio de<br />

Janeiro, trazendo formas e conteúdos novos.<br />

Outro “inimigo” a combater era a chanchada da Atlântida. Atuando<br />

basicamente com paródias, ridicularizando filmes estrangeiros (leia-se<br />

hollywoodianos), a chanchada foi acusada de alienante por não se preocupar com as<br />

questões sociais apresentadas no Brasil.<br />

27


Os anos do crescimento da chanchada, entre 1930 e 1940, foram<br />

marcados por golpes, contra-golpes, censura e uma Guerra Mundial. Getúlio<br />

Vargas, populismo, Estado Novo, Revolução de 32, UNE, ditadura, Filinto Muller<br />

e DIP são alguns dos personagens destes anos tão movimentados e que traçaram o<br />

futuro do país de forma dura e permanente. Isto sem contar a 2ª Grande Guerra e a<br />

participação brasileira nas forças aliadas. (CINEMANDO (II), 2007).<br />

O Cinema Novo se propôs então a criar um outro cinema: diferente do<br />

anterior, mas condizente com as produções estrangeiras, embora engajado com as<br />

questões sociais 15 . A maioria desses filmes tinha trilha sonora composta por<br />

integrantes do movimento chamado Bossa Nova. Tom compôs trilha para, entre<br />

outros filmes, Orfeu negro (1959), do diretor Marcel Camus, Arquitetura de morar,<br />

de Antonio Carlos Fontoura, Porto das Caixas, de Paulo Cesar Saraceni e Gabriela,<br />

de Bruno Barreto.<br />

No teatro, e com grande aceitação do público da época, a peça de Vinicius de<br />

Moraes, Orfeu da Conceição, escrita entre 1955-1956, também queria dar vez ao<br />

morro. O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e A Escola de Arte Dramática (EAD) 16<br />

tentavam ter maior alcance do público. O TBC modernizou o prédio do teatro,<br />

contratou equipe fixa, com técnicos estrangeiros e importou equipamentos. Depois,<br />

expandiu para a Companhia Vera Cruz de cinema e fechou as portas dos dois por<br />

conta dos altos investimentos à Vera Cruz sem retorno. Grandes atores surgiram<br />

destas companhias como Tonia Carrero, Cacilda Becker, Paulo Autran, Fernanda<br />

Montenegro e Walmor Chagas.<br />

O rádio foi introduzido no Brasil em 1922, na Exposição do Centenário da<br />

Independência, montado no Corcovado. Uma estação transmitiu o discurso do<br />

presidente Epitácio Pessoa e a ópera “O guarani”, de Carlos Gomes. A primeira<br />

emissora surgiu em 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, organizada por Edgar<br />

Roquette Pinto e Henrique Morize. Até 1930, o país contava com dezesseis emissoras<br />

que funcionavam como associações recolhendo contribuição de seus associados para<br />

oferecer o acesso ao som. A legislação de 1931-32 consolidou o rádio permitindo a<br />

15<br />

Os filmes e criadores mais importantes do Cinema Novo são: Quand le soleil dort, 1954, de Ruy<br />

Guerra; O grande momento, 1957, de Roberto Santos; Couro de Gato, 1960, de Joaquim Pedro de<br />

Andrade; Porto das Caixas, 1962, de Paulo Cesar Saraceni; Ganga Zumba, 1963, de Cacá Diegues;<br />

Deus e o Diabo na terra do sol, 1964, de Glauber Rocha.<br />

16<br />

O TBC foi criado em 1948 e a Cia. Vera Cruz em 1949, ambos por Franco Zampari. A EAD foi<br />

criada por Alfredo Mesquita, também em 1948.<br />

28


veiculação de publicidade sem autorização prévia do governo, o que garantiu a<br />

geração de recursos, dispensando a contribuição dos associados. A partir daí o rádio<br />

vai se tornando popular, se convertendo na melhor opção de informação do<br />

trabalhador que podia aprender como escovar os dentes, ouvir a narração das partidas<br />

de futebol e o valor do salário mínimo! A Rádio Nacional foi inaugurada por Vargas<br />

em 1940 e realizava um trabalho fundamental de propaganda do governo e de<br />

informação que abrangia todo o território nacional. Tom Jobim teve seu primeiro<br />

emprego nessa instituição e teve o apoio de profissionais como Radamés Gnattalli,<br />

maestro Guaraná, Lindolfo Gaya, Léo Perachi e Lírio Panicalli, “que era muito<br />

ciumento dos segredos da orquestra. Ele tinha medo de que alguém roubasse alguma<br />

idéia. ‘Tom, a gente leva tanto tempo para aprender essas coisas...’, dizia. Flauta,<br />

clarinete ou oboé. Se mudasse essa ordem já não funcionava mais. Não tem esse som.<br />

Lírio, paulista de Guaratinguetá, era amigo de Villa-Lobos. [...] Aquilo era uma<br />

espécie de família da Rádio Nacional, que era uma espécie de TV Globo da época” 17 .<br />

Com o legado positivo dos programas de notícias dos anos 1940, como o<br />

Repórter Esso, a Rádio Bandeirantes montou a grade ainda mais intensa de<br />

informações a cada quinze minutos. O radiojornalismo era o principal formato, mas os<br />

programas musicais também tiveram sua vez – programas de auditório e as<br />

radionovelas eram a sensação do momento. Com as primeiras transmissões da TV<br />

Tupi, de São Paulo, em 1950, o rádio perdeu espaço, mas se transformou, modernizou<br />

e completou a TV, que ainda tinha aparelhos enormes e precários e imagens de baixa<br />

qualidade.<br />

Os sucessos do rock norte-americano e o começo da Bossa Nova foram<br />

transmitidos pelas ondas do rádio. Celly Campello, Dolores Duran, Ataulfo Alves,<br />

Aracy de Almeida foram apenas alguns intérpretes consagrados nessa época.<br />

17<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

29


1.4 UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA <strong>DE</strong> TOM JOBIM<br />

1.4.1 OS PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> UMA VIDA<br />

Tom gostava de falar sobre seu nascimento. Em várias oportunidades, pôde<br />

nos dizer que nasceu em casa, num 25 de janeiro, em que faltava água no bairro da<br />

Tijuca. Seu tio e padrinho, “Marcello Brasileiro de Almeida, corria ao vizinho<br />

trazendo bacias d’água que o Doutor [Graça Mello] 18 mandava ferver. O Doutor<br />

pedia café incessantemente até que acabou o pó. Minha tia Yolanda recolheu os<br />

restos dos cafezinhos, botou-os numa panela, requentou-os e conseguiu servir ao<br />

médico o derradeiro cafezinho” (Acervo ACJ, pi979). Sua mãe, D. Nilza, era muito<br />

jovem na época (apenas dezesseis anos) e “brincava de boneca” com ele. (Acervo<br />

ACJ, E14).<br />

A Tijuca era um bairro de classe média alta e, por causa das dificuldades em<br />

manter financeiramente a família, ela acabou se mudando para Copacabana e depois<br />

para Ipanema, no decorrer do ano de 1929. Embora tivesse orgulho de nascer na<br />

Tijuca, perto da floresta que tanto amava, gostou muito de passar a infância numa<br />

“Ipanema selvagem, dunas de areia branca, vegetação típica de restinga, lagoa cheia<br />

de peixe, camarão, siri, muita gaivota branca, atobá (mergulhão), tesourão (joão<br />

grande, carapira, urubu do mar, fragata magnífica), marreca irerê, muito socó”<br />

(Acervo ACJ, Pi979).<br />

O céu ainda era um viveiro de estrelas, e a cidade silenciava à noite. O<br />

contato com a natureza durante esses anos iniciais talvez o tenha impelido a ser um<br />

“ecólogo, antes mesmo de falarem nessas coisas” (Acervo ACJ, K7-147). A natureza<br />

foi, sem dúvida, um dos assuntos recorrentes de Tom em várias músicas e entrevistas:<br />

“eu devo ser a pessoa, sem máscara, que mais conhece passarinhos no Brasil. Não<br />

sou ornitólogo, mas sou amador. Sou amador porque eu amo” (Acervo ACJ, E14).<br />

Entretanto, pouca gente o ouviu dizer que, quando jovem, costumava caçar os<br />

passarinhos. Inclusive, para aliviar todas essas preocupações, aceitou o convite do<br />

amigo Tico Soledade e ficou quinze dias numa caçada pelas matas de Petrópolis 19 .<br />

18 Médico obstetra também responsável pelo nascimento de Noel Rosa.<br />

http://www.clickfulano.com/camaleao.php?id=0400<br />

19 Há dois documentos, no arquivo ACJ, que provavelmente se completam: no texto “Onça no pau é<br />

passarinho”, Pi979, Tom conta como foi uma de suas caçadas com o amigo Tico Soledade e a foto<br />

p11f14 é o registro de uma delas.<br />

30


Nada contraditório, pois para ser bem-sucedido na caça, teve de aprender sobre os<br />

passarinhos, o que acabou despertando sua paixão: “Passarinho em gaiola é loucura,<br />

os pássaros foram feitos para voar. Detesto bicho preso. Somente um homem poderia<br />

pensar em botar um passarinho na cadeia” (Acervo ACJ, Pi979).<br />

1.4.2 AINDA OS PRIMEIROS: CASAMENTO, EMPREGO…<br />

Após um namoro com muitas idas e vindas, Tom se casa em 1949, com<br />

Thereza Hermanny, amiga de Helena, sua irmã e companheira de praia. Ele tinha 22<br />

anos, ela apenas dezenove. Esse casamento lhe deu dois filhos: Paulo (nascido em<br />

1950) e Elizabeth Hermanny Jobim (nascida em 1956).<br />

Como ganhava muito pouco, aceitou as condições impostas pela família da<br />

noiva, e assinou um contrato pré-nupcial, abrindo mão de qualquer participação nos<br />

bens da esposa. Embora não fossem abastados, o Sr. Arthur Hermanny (o<br />

Alemãozão) não quis arriscar suas economias com um menos estudante de<br />

Arquitetura 20 e mais aspirante a músico. Foi por isso que seu padrasto, Celso Frota<br />

Pessoa, preferiu ele mesmo garantir o sustento da nova família, e estimulou-o a<br />

dedicar-se à música, ainda que isso significasse que, por algum tempo, tivesse de<br />

sustentar o enteado e sua mulher. No entanto, exatos nove meses depois do<br />

casamento, nasceu Paulo; e Tom se aflige com sua situação financeira.<br />

Através de um pedido do seu padrinho Marcello Brasileiro de Almeida,<br />

emprega-se como pianista na Rádio Clube e depois em casas noturnas. Essa situação<br />

era desconfortante, pois desconsiderava sua formação clássica. Poucas pessoas,<br />

evidentemente, prestavam atenção às músicas que ele tocava, e muito menos ainda<br />

ele tinha chance de apresentar suas composições. Como gostava do que fazia e queria<br />

aprender cada vez mais, passou a se dedicar aos estudos de orquestração e harmonia.<br />

Logo percebeu que sua sobrevivência econômica dependia do seu desenvolvimento<br />

como músico, e que não poderia permanecer por muito tempo na rotina de notívago.<br />

Além de pôr em risco sua saúde, já afetada pelas noites mal dormidas, pela bebida e<br />

pelo cigarro, essa rotina o irritava profundamente: era sempre obrigado a cantar o que<br />

20<br />

Tom Jobim cursou apenas um ano de Arquitetura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e<br />

abandonou a faculdade e o emprego no escritório do famoso Lucio Costa pela música.<br />

31


o público e o dono do bar queriam ouvir. Já nessa época, Tom costumava andar com<br />

uma pastinha debaixo do braço, cheia de suas composições, e de vez em quando<br />

mostrava para um ou outro amigo. Sempre recebia comentários elogiosos, mas não<br />

tinha coragem nem chance de gravá-las. “Ia todo dia à avenida Rio Branco, com<br />

aquela pastinha. Ia ao Veloso com aquela pastinha. O pessoal me gozava: ‘o que é<br />

que você tem aí dentro da pastinha?’ Tinha arranjos... Lembro que uma vez eu fiquei<br />

ali no Veloso com a pastinha. Tomei uns vinte chopes. Quando fui para casa, senti a<br />

maleta pesada. Os caras tinham enchido de pedra e de terra, a pasta com os arranjos!<br />

Eu pensei: ‘Esse pessoal não presta mesmo...’” 21 .<br />

Ciente de que precisava de um emprego regular, e cada vez mais<br />

amargurado por depender excessivamente da boa vontade do padrasto, em 1954<br />

emprega-se na gravadora Discos Continental. Uma casa que seria fundamental para<br />

sua trajetória, pois tinha entre seus contratados, músicos do naipe de Dorival<br />

Caymmi, Pixinguinha, Ary Barroso e Jacob do Bandolim — todos nomes<br />

consagrados nacionalmente. Este seria um período de intenso aprendizado. Encanta-<br />

se com o fato de grandes peças musicais serem compostas por artistas que não sabiam<br />

ler uma partitura, mas que eram capazes de produzir pequenas jóias musicais. Na<br />

Continental, inclusive, torna-se o responsável por colocar nos pentagramas as<br />

músicas dos autores que não conheciam teoria musical. De certa forma, Tom tem a<br />

experiência de escrever a melodia/vida dos “outros”, de ser um mediador para esse<br />

tipo de registro e arquivamento. Não casualmente, torna-se um músico preocupado<br />

em “escrever e guardar”. É desse tempo sua parceria com Billy Blanco 22 , com quem<br />

dividiu seus primeiros grandes sucessos “Thereza da praia” e a “Sinfonia do Rio de<br />

Janeiro”.<br />

Em 1956, aceita um convite para ser diretor artístico da gravadora Odeon,<br />

mas permanece por pouco tempo no cargo. Reclama que as atribuições diárias lhe<br />

roubam o tempo para compor. Aposta que pode obter reconhecimento e sucesso com<br />

sua música 23 , e decide não ter mais nenhum emprego formal. Quando desiste do<br />

21<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

22<br />

William Blanco Abrunhosa Trindade nasceu em Belém do Pará, a 8 de maio de 1924 e reside no Rio<br />

de Janeiro. É arquiteto, músico, compositor e escritor. Foi parceiro de Tom e lançou com ele o primeiro<br />

disco de suas carreiras em 1956, Sinfonia do Rio de Janeiro.<br />

23<br />

Seu primeiro sucesso foi em 1953, com “Incerteza”, na voz de Mauricy Moura.<br />

32


cargo da Odeon, anuncia o fato ao seu superior, Harold Morris, que tenta demovê-lo<br />

da idéia.<br />

Eu disse: “Mr. Morris, não dá para ficar aqui, quero escrever arranjos”.<br />

Mr. Morris disse assim: “Quando você quiser um arranjo, você pega o telefone.<br />

Tem aqui quatro telefones na sua mesa”. Naquele tempo, o cara que tinha<br />

quatro telefones era um assombro. Eu me lembro que meu ordenado era um<br />

absurdo de 15 mil cruzeiros. Era tanto dinheiro que me mudei logo para um<br />

apartamento maior. Quando saí do cargo de diretor artístico da Odeon, Mr.<br />

Morris disse que não se podiam mudar as pintas do leopardo. Eu me senti<br />

maravilhoso – me senti “O Leopardo” 24 .<br />

Produzir sua obra — compô-la, pensá-la, executá-la — torna-se então seu<br />

único trabalho. Embora com um início difícil e conflituoso, Tom conseguiu gravar<br />

algumas músicas no início dos anos 1950:<br />

1.4.3 COMPOSITOR <strong>DE</strong> SI MESMO<br />

Algumas das minhas primeiras músicas foram gravadas pelo Ernani<br />

Filho, que era o cantor do Ary Barroso. Eu não tinha coragem de escrever uma<br />

música e entregar para um cantor. Certamente, ele jogaria fora, não valeria a<br />

pena... Mas a primeira música gravada foi “Incerteza”, pelo Mauricy Moura,<br />

um santista que morou em São Paulo. Ele gostou e gravou. Sempre me<br />

convidaram para gravar. Paulo Serrano, lá da Sinter, queria que eu fizesse um<br />

disco meu. Eu fugia do Paulo, apavorado: “Esse cara quer que eu seja cantor!”.<br />

Ernani gravou duas músicas minhas: “Pensando em você” e “Faz uma semana”,<br />

num mesmo 78 rotações, com arranjos muito bonitos do Lírio Panicalli. Eu fiz<br />

um foxtrote que está perdido por aí, chamado “Manhattan” em parceria com o<br />

Aloísio de Oliveira, num disco que ele mandou para os Estados Unidos.<br />

(Acervo ACJ, E14)<br />

Tom disse, em entrevista a Roberto D’Ávila para a Tv Manchete, em 1981,<br />

que sua aptidão musical não foi obra do destino, mas de “sucessivos acasos” (Acervo<br />

ACJ, E14). Talvez ele não percebesse, na época, mas todos os acasos aos quais se<br />

24<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

33


eferia, mais parecem escolhas realizadas para compor sua trajetória rumo ao sucesso<br />

que pretendia.<br />

Um desses primeiros acasos de que Tom se lembrava foi como começou a<br />

se interessar pelo piano, e por extensão, pela música. Por volta de 1942, tinha ido<br />

parar um piano de armário Eisenholder preto e velho (faltavam algumas teclas e o<br />

revestimento de outras) na garagem de sua casa. Era para as aulas de Helena, sua<br />

irmã, e para seu desagrado. Para sorte de Tom, as atividades de menino eram bastante<br />

diferentes das de menina e ele se permitia ser íntimo do mar, das pescarias, e das<br />

brincadeiras de então: nadar na praia, correr na areia, soltar pipa. Quando começou a<br />

ter obrigações da vida adulta, e para impressionar os pais de Thereza Hermanny,<br />

começou a trabalhar, foi acometido de uma “doença inexplicável” que o prostrou na<br />

cama durante duas semanas — fez exames de “todos os caldos do corpo”, mas ficou<br />

sem prognóstico e solução (Acervo ACJ, K7-147).<br />

Segundo sua teoria “inconseqüente”, todos os pianistas são aleijados:<br />

“ninguém troca uma praia azul, uma moça bonita, uma peteca, uma bola, por um<br />

quarto escuro, um cubo de trevas, e vai tocar piano. Nenhum garoto sadio faz isso, a<br />

não ser que tenha algo muito forte” (Acervo ACJ, E14). Portanto, Tom passou a<br />

ouvir as aulas da irmã deitado no chão; já que sua mãe o proibia de ficar em seu<br />

quarto durante o dia todo, convalescendo-se da “doença inexplicável”.<br />

De repente, percebia que um som combinava com outro, e que gostaria de<br />

misturar isso. Mas só quando seu padrasto, Celso Frota Pessoa, convenceu-o de que o<br />

“piano não era negócio de menininha” (Acervo ACJ, E14), passou a ter as aulas<br />

destinadas inicialmente à irmã. “Eu teria ferido meu padrasto se fosse me dedicar à<br />

Literatura, para ser igual ao meu pai. Ele fazia gosto que eu fosse músico. Então,<br />

quando manifestei essa tendência para a música, ele apoiou: me deu um piano, com<br />

grande sacrifício, porque era um pobre funcionário público. [...] Fui músico porque<br />

achei que ele ficaria mais contente. Mas, não sou aquele músico que só fala em<br />

música. Isso é chato”. 25 Tinha apenas quinze anos quando começou a compor:<br />

fazia aquelas musiquinhas e chegavam pra mim e diziam: ‘Você não<br />

pode fazer isso. Você está privando o Brasil de escutar isso’. Mas eu botava na<br />

25<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

34


gaveta. Aí, aparecia aquele editor de charuto grande e aí você assinava aquele<br />

contrato que transferia seus direitos até para o sistema solar. Agora, estou<br />

tentando inclusive recuperar algumas dessas músicas. Mas isso existiu no<br />

tempo de Noel Rosa, Dorival Caymmi, Silvio Caldas, Ary Barroso; existiu no<br />

meu tempo, continua existindo. O Chico Buarque tem um bocado de músicas<br />

que deu para o editor. Caetano também, Gil também, Francis Hime… É uma<br />

coisa que vem de longe. (JOBIM in LOYOLA, 1988, p. 39)<br />

Seu primeiro professor foi Hans Joachim Köellreuter, um alemão que veio<br />

ao Brasil fugindo da Segunda Guerra. Tom era um aluno aplicado, mesmo que<br />

sempre dissesse à sua mãe que tomava as aulas apenas como uma distração. Com sua<br />

segunda professora, Lúcia Bravo, recebeu estímulos para compor. Sua vontade de se<br />

tornar concertista fez com que tivesse aulas de harmonia com outro professor, Paulo<br />

Silva 26 .<br />

Tom cursou pouco mais de um ano da Faculdade de Arquitetura da<br />

Universidade Federal do Rio de Janeiro e abandonou todos os empregos nessa área.<br />

Algumas pessoas lhe sugeriam ser “cantor, fazer cinema e eu só queria fazer música”<br />

(Acervo ACJ, E14). “Estava desesperado com aquela vida. Fui para Arquitetura,<br />

gostava muito de desenhar. Fiz o primeiro ano, mas depois aquilo tudo deixou de me<br />

interessar e eu me enfiei na música. Eu queria escrever para orquestra, achava muito<br />

bonito” 27 . No entanto, não pretendia ser maestro — pois não queria se mostrar no<br />

palco — e era assumidamente tímido, e como ele mesmo dizia, “era mais<br />

background”. Essa timidez também o impediu de dirigir, mesmo com a insistência de<br />

Vinicius de Moraes, a orquestra na peça Orfeu da Conceição. Convite que só foi<br />

aceito em três raras oportunidades, todas em estúdio: a primeira, em 1956, com sua<br />

“Sinfonia do Rio de Janeiro”, em parceria com Billy Blanco, para o LP homônimo,<br />

sendo este considerado seu primeiro LP na carreira; outra vez, em 1961, na gravação<br />

de “Brasília: sinfonia da Alvorada”, e a terceira, para o programa da Rádio Nacional,<br />

Quando os maestros se encontram, por força de Radamés Gnattalli, quando incluiu<br />

uma homenagem a seu pai, com a única execução de “Lenda”: “quem me deu o nome<br />

26<br />

Existe em seu arquivo um recorte para o concurso de pianista do Theatro Municipal do Rio de<br />

Janeiro, datado de 1952. (Acervo ACJ, Pim001)<br />

27<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

35


foi o Rudolf Hermanny, irmão da Thereza. Essa música se perdeu, virou mesmo uma<br />

lenda” 28 . Devido a essa insistência de Radamés, “pra escrever o primeiro arranjo eu<br />

quase morri! Fiz um arranjo, depois fiz outro. O Radamés ajudou muito” (Acervo<br />

ACJ, K7-147).<br />

Embora domada mais tarde, a timidez ainda estava presente quando, num<br />

show intimista, em Belo Horizonte, em 1984, ele fala que<br />

eu tava muito nervoso porque eu não sou muito de fazer show. Quem me levou<br />

pra fazer essa coisa de show foi o Vinicius mais o Toquinho e a Miúcha. E foi<br />

aquele show escorado em amigos, parceiros, orquestra grande… Mas nós<br />

preferimos fazer algo mais íntimo mesmo. A gente não pode continuar sendo<br />

aquele garoto tímido a vida toda, né? A gente tem que se dar um pouco mais,<br />

chegar mais perto do público, sem aquela armadura toda. (JOBIM, Tom em<br />

Minas, 2004)<br />

Provavelmente, nenhum autor conseguiria explicar, em palavras, como se dá<br />

seu processo de criação. Tom também não se julgava capaz dessa descrição: “vem de<br />

um jeito, depois fica de outro [...] e, de repente, tá lá um troço que faz sentido”.<br />

(Acervo ACJ, E14). Tom sempre lembrava a frase de Stravinsky “a composição é<br />

feita de 5% de inspiração e 95% de transpiração”. Mas constatar a dificuldade no<br />

processo de transpor para algum registro material uma idéia não é prerrogativa dos<br />

músicos. Todas as tentativas de concretizar um pensamento são sofridas e solitárias,<br />

pois, quase sempre intermináveis, são freqüentemente vãs — mesmo após todo o<br />

esforço mental, a frase não combina com o pensamento original.<br />

Tom reclamou, na mesma entrevista a Roberto D´Ávila, que tudo tolhia seu<br />

pensamento — também o teclado o prendia e o fato de ser canhoto. E que por ter essa<br />

“estranheza”, julgava sua habilidade musical prejudicada, não conseguindo muitas<br />

vezes expressar exatamente o que ouvia dentro de si. Ou melhor, o que via, pois<br />

como ele tentou descrever, num grande esforço, seu processo de criação tentava<br />

transformar “em passado uma imagem da minha cabeça. Aquilo fica estático. Você<br />

morre, eu morro, e aquilo fica”. Como era “um perfeccionista, e sempre me choquei<br />

28<br />

Depois dessa, a partitura “Lenda” só foi executada em 8 e 9 de dezembro de 2001, no show Jobim<br />

Sinfônico. Esse show foi o resultado do resgate de vários arranjos originais no acervo de Tom por seu<br />

filho Paulo Jobim e o músico Mario Adnet. Esse show resultou em CD e DVD gravados ao vivo.<br />

36


contra as impossibilidades […] na necessidade de voar” (Acervo ACJ, E14), não se<br />

deu por satisfeito em várias músicas suas. Tanto que, quando morreu, tinha sobre o<br />

piano cerca de treze músicas em processo de composição e deixou em seu arquivo<br />

outras 181 partituras inéditas. Alguns pesquisadores que tiveram contato com esses<br />

documentos relataram que as músicas pareciam prontas, mas como disse Paulo Jobim<br />

em diversas oportunidades: “se ele não gravou era porque não achou que estava<br />

terminada”. Esse conjunto de documentos sempre aguça a atenção dos pesquisadores<br />

e jornalistas, que preferem começar a pesquisa pelas “inéditas de sucesso” 29 .<br />

Tom Jobim encarava a composição como um trabalho regular. Gostava de ter<br />

rotina: acordar, tomar café com a família e sentar ao piano. Ficava aborrecido quando<br />

outras ocupações tomavam o tempo do piano. Era importante que ele procurasse<br />

produzir sempre para fazer jus às demandas, quase sempre inatingíveis, enquanto<br />

figura pública. O público das músicas de Tom é composto por pessoas de todos os<br />

tipos 30 , classes sociais, idades e religiões, portanto, difícil de satisfazer. Entre outras<br />

reclamações que fez, em várias entrevistas, Tom se incomodava em ser, mas também<br />

em ver seus amigos serem alvos de críticas, muitas vezes infundadas ou perniciosas,<br />

feitas pelos jornalistas.<br />

O Brasil é de cabeça para baixo. A América do Sul é muito estranha:<br />

aqui a água, a Lua, nascem ao contrário… ausência de mamíferos… tudo é<br />

importado. Quer dizer: quanto mais eu me dedico à coisa brasileira, à lontra, à<br />

ariranha, a fazer a ‘Matita perê’, a fazer ‘Águas de março’, mais eles te acusam<br />

de ser estrangeiro, mais eles dançam o rock, mais eles se dedicam aos deboches.<br />

[…] Incomoda ter que fazer música pra rádio, fazer por encomenda. “Música é<br />

um negócio que serve para você fazer ginástica, pra você fazer amor, fazer a<br />

guerra, como os hinos patrióticos, serve pra você se intoxicar, pra você dançar,<br />

pra você correr, pra se aproximar de Deus… música é um assunto muito vasto<br />

(Acervo ACJ, E14).<br />

Embora tenha louvado as belezas do nosso país, lembra que, na composição, a língua<br />

portuguesa pode ser um entrave para quem pretende se lançar no mercado<br />

29 Comentário de Paulo Jobim em conversas informais no ambiente de trabalho do IACJ.<br />

30<br />

Esse dado está sedimentado sobre os pesquisadores atendidos pela autora durante o período de<br />

trabalho no IACJ.<br />

37


internacional: “quando um homem escreve em português ele já está em desvantagem.<br />

Se você escrever em russo, nos EUA, vai ser melhor traduzido. As versões são uma<br />

tragédia: tem os problemas comerciais, editoriais e no fim, você nem chega a<br />

encontrar o versionista” (Acervo ACJ, K7-147). Mesmo assim, acompanhar as<br />

mudanças da língua natal, até em outro país, era premissa do seu trabalho. Mas não se<br />

furtava a um saudosismo, vez por outra:<br />

Saudades do w, do k, do y. Saudade do kg do kilo, do km, do whisky,<br />

dos cigarros Yolanda e dos Jockey Club, saudades da kitchenette, e a falta que<br />

faz o sh, oh!, o sheik, o shampoo, o short, o shopping center, o shantung,<br />

Sanghai, show, Shakespeare, saudades do Villa e do valle, do Pae, e do Vae, do<br />

Christo Redemptor para nos redimir, da rua Redemptor, saudades intensas de<br />

Pery e Cecy, saudades do matão, do alto sertão, do Grande Sertão Veredas<br />

[sic.], saudades do yawara (tupi-guaranipara jaguar) do yawaretê (onça<br />

verdadeira), yawaretê oixuma (onça preta), da yawatirika, jaguatirica, Saudades<br />

do Brasil (Arquivo ACJ, pi979, p.6)<br />

E, mesmo sobre um assunto tão sério, brincava, justificando: “Se antes eu era<br />

uma pessoa revolucionária, hoje estou me transformando num clássico, num obsoleto.<br />

Mas, isso acontece nas melhores famílias…” (Acervo ACJ, E14).<br />

1.4.4 ALGUNS ENCONTROS IMPORTANTES<br />

Não houve um encontro. Pelo menos não apenas um. Aquele encontro tão<br />

conhecido no bar Veloso, em início de 1956, foi apenas o principal. Mas antes dele,<br />

Tom e Vinicius já tinham se encontrado algumas vezes no Clube da Chave 31 , por<br />

volta de 1953. Ali, Tom podia tocar sem os insistentes pedidos do público dos bares.<br />

Sentia-se à vontade para mostrar suas composições, e conhecia grandes compositores<br />

e músicos de seu tempo: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Braguinha, Antonio<br />

Maria, Lúcio Alves, Luiz Bonfá, entre outros. Vinicius lembra a Tom, na gravação do<br />

31<br />

Associação idealizada por Humberto Teixeira. Humberto Cavalcanti Teixeira foi advogado e<br />

deputado federal. Nasceu em Iguatu (CE), filho de João Euclides Teixeira e Lucíola Cavalcante<br />

Teixeira, a 5 jan. 1915 e faleceu no Rio de Janeiro a 3 out. 1979. No entanto, é nacionalmente<br />

conhecido como parceiro de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Um grande sucesso da dupla é a<br />

composição “Asa Branca”, lançada em 1947.<br />

38


Depoimento para a posteridade, que quando o ouviu tocar numa dessas reuniões, se<br />

impressionou: “Nunca ouvi ninguém tocar assim. Um som que parecia um som<br />

diferente que estava se fazendo com ‘Foi a noite’ e ‘Outra vez’. Fiquei<br />

impressionado”. (Acervo ACJ, K7-147).<br />

A parceria de Tom e Vinicius começou exatamente num aperto de mão no<br />

bar Villarino, em 1956, quando Lucio Rangel os apresentou. Vinicius contava ao<br />

Lucio que pretendia encontrar um compositor calouro para compor sua peça Orfeu da<br />

Conceição. Vinicius disse que “não queria nenhum ‘monstro sagrado’. Achava que<br />

precisava de sangue jovem” (Acervo ACJ, K7-147). Vinicius explicou seu projeto e<br />

entregou o roteiro a Tom. Tom precisava manter sua casa, chefe de família que era,<br />

com esposa e filho pequeno, e por esse motivo, cometeu uma pequena gafe<br />

perguntando “Tem um dinheirinho nisso aí? Como todo mundo, eu já tinha entrado<br />

pelo cano. Já tinha feito música para aqueles filmes de chanchada. O sujeito leva um<br />

ano para fazer o filme e quando vai gravar a música o orçamento está estourado e<br />

dizem ‘vamos gravar amanhã’” (Acervo ACJ, K7-147). Estranhamentos à parte, a<br />

conversa fluiu e a parceria mais ainda. Não foi só Lucio Rangel e a necessidade<br />

financeira que os uniram, mas a empatia de ambos, a competência de Tom e a<br />

inventividade de Vinicius. A possibilidade criativa desse encontro foi noticiada em<br />

uma coluna de jornal 32 com os simples dizeres: “Vai ser formada em breve uma dupla<br />

sensacional: Tom e Vinicius de Morais [sic.]. Sabem lá o que é isso?” (Acervo ACJ,<br />

Pim 038).<br />

Mesmo que não tenha sido o primeiro, o encontro informal no bar Veloso foi<br />

realmente marcante e iniciou sua mais produtiva e intensa parceria musical. Se todos<br />

fossem iguais a você foi a primeira música que compuseram juntos. Embora não tenha<br />

sido de pronto, pois Tom comentou, em diversas entrevistas, que no início, eles<br />

fizeram uma meia dúzia de “musiquinhas sem graça”. No Depoimento para a<br />

posteridade, ao Museu da Imagem e do Som, ele declara: “no princípio fizemos uns<br />

três ou quatro sambas ruins. Eu disse ‘vamos fazer mais desses ruins que depois<br />

solta’, [Vinicius] ‘tava meio preso.’ ‘Ou seja, faltavam uns dois ou três uísques’”.<br />

(Acervo ACJ, K7-147).<br />

32 Notícia de autor e jornal não-identificados.<br />

39


Esse é um exemplo da ansiedade de ambos, pois Tom já tinha emplacado<br />

algumas boas canções no rádio e gravado em disco a “Sinfonia do Rio de Janeiro”, em<br />

parceria com Billy Blanco. De outro lado, Vinicius já era o poetinha que em 1933,<br />

lançou seu primeiro livro, O caminho para a distância 33 . Tinha na bagagem oito<br />

livros com boa aceitação, duas peças, As feras e Cordélia e o peregrino e era o<br />

diplomata mais excêntrico de seu tempo.<br />

A convivência com Vinicius foi maravilhosa. Aquela amizade, a gente<br />

ria, a gente saía, comia umas coisinhas, “comidinha de bêbado”, como dizia ele.<br />

Uns camarõezinhos e aquele uísque todo. Antes de me conhecer, ele bebia<br />

chope no Alcazar. Depois, com a ida para o Itamaraty, foi levando a vida no<br />

uísque. Vinicius me levou para aquelas casas bonitas do Cosme Velho, aquelas<br />

mulheres bonitas, cheirosas. Ele conhecia a alta sociedade do Rio, esse pessoal<br />

tradicional 34 .<br />

Foi com essa bagagem que começou a produção de Orfeu da Conceição,<br />

primeira peça com o elenco inteiramente de negros. A peça trazia como Orfeu o<br />

famoso cantor Haroldo Costa, e a iniciante Daisy Paiva no papel de Eurídice. Como a<br />

Morte, ou melhor, a Dama negra, o campeão olímpico do salto triplo Adhemar<br />

Ferreira da Silva. A direção era de Leo Jusi, figurinos de Lila de Moraes, coreografia<br />

de Lina de Luca e cenários de ninguém menos que Oscar Niemeyer. A peça estreou a<br />

25 de setembro de 1956 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Críticas a favor e<br />

contra, o certo é que a peça conseguiu muita repercussão e que, mais tarde, foi<br />

adaptada para o cinema. O filme ganhou a Palma de Ouro, em Cannes. Durante a<br />

entrevista de Tom no Depoimento para a posteridade, Vinicius de Moraes denuncia a<br />

implicância de alguns por esse pioneirismo da peça e lembra que ouviu:<br />

Por que vocês não filmam coisas bonitinhas? Copacabana Palace?<br />

[pausa] Inclusive essas coisas devem ser ditas porque as pessoas precisam saber<br />

33<br />

Livro de estréia de Vinicius de Moraes, onde reuniu seus primeiros poemas. Substituindo o prefácio,<br />

ele escreve: “São quarenta poemas intimamente ligados num só movimento, vivendo e pulsando juntos,<br />

isolando-se no ritmo e prolongando-se na continuidade, sem que nada possa contar em separado. Há<br />

um todo comum indivisível.” (MORAES, 2004, p. 165)<br />

34<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

40


delas mais tarde: o Embaixador Alves de Souza lutou fortemente pro filme não<br />

ser mandado pro Festival de Cannes porque é de negros. (Acervo ACJ, K7-147).<br />

Foi a partir desse grande sucesso que Tom pôde escolher os lugares onde<br />

queria tocar, e se tornou a atração principal da noite, começando a mostrar em público<br />

suas próprias composições. Teve reconhecimento de todos os músicos da época, até<br />

mesmo de Villa-Lobos, por quem Tom mantinha especial admiração. Tom teve a<br />

oportunidade de, em 1957, visitar a casa do maestro junto de Leo Perachi, seu amigo e<br />

professor de piano. Esse encontro o marcou tanto que, cerca de trinta anos mais tarde,<br />

escreveu um artigo elogioso ao Villa-Lobos e publicou no seu livro Ensaio poético.<br />

Tom declara:<br />

Villa era moleque, fazia sempre molecagem. Quando estreou o Orfeu da<br />

Conceição, ele estava vendo aquilo tudo, morava ao lado do Municipal. Eu<br />

perguntei se conhecia o Orfeu da Conceição. Villa disse que sim e começou:<br />

“Conceição, eu me lembro muito bem...”, citando o sucesso do Cauby Peixoto.<br />

Villa sabia de tudo, inclusive ele falou com o Claudio Santoro: “Olha, eu estou<br />

partindo, mas os dois que podem me seguir: um é você, o outro é o Tom Jobim.<br />

Cuidado com o Tom na canção de câmara, ele sabe escrever, é um perigo 35 .<br />

Anos depois, em 1963, já desfrutando de grande fama nacional, Tom viaja<br />

para os Estados Unidos, com alguns músicos jovens, lá permanecendo por oito<br />

meses. Essa viagem foi um pedido do Itamaraty, ao qual Tom não pôde evitar. Aos<br />

36 anos fez sua primeira viagem internacional, mas disse que<br />

35 Idem.<br />

A Bossa Nova, realmente, deu grandes frutos: o encontro com Vinicius,<br />

com João Gilberto, com Newton Mendonça, Dolores Duran... a gente acabou<br />

fazendo uma porção de músicas. E acabamos sendo mandados para os Estados<br />

Unidos pelo Itamaraty. Eu não queria ir. Queria ficar aqui no Brasil e coisa...<br />

mas tive de ir. Eu nunca tinha saído do Brasil. Quando me vi lá, disse “peraí,<br />

não adianta querer correr pra casa”, o que era muito tentador, por causa daquela<br />

neve toda. (JOBIM, 2007).<br />

41


Mais do que ninguém, ele sabia da necessidade de estar presente,<br />

principalmente para que as versões em inglês de suas músicas não as desfigurassem,<br />

mas também para lançar sua carreira. No final de 1964, parte para Los Angeles, desta<br />

vez com a família, e prepara seu primeiro disco solo, The wonderful world of Antonio<br />

Carlos Jobim. Trabalhos e parcerias não lhe faltavam e sua casa tornou-se ponto de<br />

encontro de vários músicos brasileiros de passagem pelos Estados Unidos.<br />

Por conta do reconhecimento que Tom obteve durante sua estada nos EUA,<br />

recebeu, no bar Villarino, um breve telefonema de Frank Sinatra. Ele tinha enviado<br />

um telegrama, assinando como Francis Albert, pouco tempo antes, solicitando o<br />

telefone de Tom e fornecendo seu endereço.<br />

Figura1 – Primeira correspondência de Frank Sinatra com Tom Jobim, Cp489<br />

42


Tom ainda tinha dificuldades de se comunicar em inglês, mas ouviu<br />

atentamente o convite para ir aos Estados Unidos tocar no programa A man and his<br />

music, com o próprio Frank Sinatra, e aceitou. O programa foi ao ar a 1 de outubro de<br />

1967 e contou com outra brilhante participação: a da cantora de jazz, Ella Fitzgerald.<br />

Sinatra interpretou com ACJ "Quiet nights", "Change partners", "I concentrate on<br />

you" e "The girl from Ipanema", numa divertida versão, onde Tom faz brincadeiras<br />

com a letra e com a maneira de cantar (Acervo ACJ, E02). A versão da letra para o<br />

inglês e o contato com o Sinatra realmente despertaram a atenção do mundo para esse<br />

movimento do homem que olha uma moça bonita a caminho do mar. A praia e o<br />

nome Ipanema eram desconhecidos e o versionista americano, Normam Gimble, não<br />

queria colocar esta palavra porque se aproximava de uma marca de pasta de dentes.<br />

Tom insistiu e o convenceu: afinal, “o local é importante. É onde passa a garota! E<br />

tem aquele sentimento universal, que é de você estar sentado e aquela garota linda que<br />

passa. Talvez por isso a canção tenha furado o tempo, tenha continuado. Porque as<br />

moças continuam indo à praia e estão cada vez mais lindas” (JOBIM, 2007 ou Acervo<br />

ACJ, D12)<br />

43


Figura 2 – Primeiro esboço para “Garota de Ipanema”, Pi 1216 p. 54<br />

Diz Paulo Jobim, em entrevista a Alex Solnik, ainda inédita:<br />

O sucesso de “Garota” foi surpresa para qualquer pessoa. Até pro meu<br />

pai. Até o ponto de, um pouco, ele cansar de tocar. [...] Não me lembro do meu<br />

44


pai contando como ela foi feita. Mas tem a história de que ela foi feita para uma<br />

peça de teatro que o Vinicius queria fazer. Provavelmente, uma letra<br />

completamente diferente, que não tinha nada a ver com isso. [...] Tem um<br />

rascunho 36 dele ainda falando de gaivota, de pássaro... tem uns rascunhos do<br />

meu pai e uns rascunhos do Vinicius, que vão e voltam até virar a letra final. Ela<br />

deu um bocado de voltas. (SOLNIK, 2007)<br />

Após esse frutífero contato inicial, Tom e Sinatra ficaram bastante amigos e<br />

projetaram o disco Albert Francis Sinatra e Antonio Carlos Jobim. A boa acolhida<br />

nos Estados Unidos gera em Tom um sentimento especial de gratidão com relação a<br />

esse país. Nunca escondeu de ninguém a sua grande admiração pelos Estados Unidos,<br />

ainda que nunca tenha se tornado um americanista ou, como muitos fizeram,<br />

americanizado sua música. Como Tom passou a morar nos EUA, para trabalhar sua<br />

carreira internacional, é bastante bissexta a correspondência entre ambos. Apenas dois<br />

documentos 37 a registram brevemente: o telegrama-convite, de 19 de julho de 1968,<br />

apresentado anteriormente; e dois rascunhos de carta de Tom Jobim, de janeiro de<br />

1977, referindo-se a Frank Sinatra como “Dear (brother) Francis” (Acervo ACJ,<br />

Pi1423 23 e 24).<br />

1.5 A CRIAÇÃO DA BOSSA NOVA<br />

Na apreciação do que foi a Bossa Nova, toda reflexão nunca pode se restringir<br />

apenas ao seu elemento musical, ainda que a sua face mais visível tenha sido de fato<br />

as mudanças ocorridas na música popular. Isso porque, paralelamente à atividade<br />

musical, o tempo de surgimento da Bossa Nova foi também um tempo de<br />

transformação histórico-cultural, cujos desdobramentos chegam-nos até hoje.<br />

Todos aqueles acontecimentos dos anos 1950 permitiram que se sonhasse com<br />

uma nova era para o Brasil. O ímpeto desenvolvimentista parecia ser a base sobre a<br />

qual todos os equívocos do passado poderiam ser de uma vez suplantados em prol de<br />

uma era de prosperidade e valorização do brasileiro. O estrangeiro exalta a<br />

36<br />

Há vários rascunhos da música na série Produção Intelectual do Titular, incluindo alguns registros na<br />

subsérie Cadernos de anotações.<br />

37<br />

Há também uma correspondência oficial da Sinatra Enterprises, assinada por Serge Weiss, de 16 de<br />

fevereiro de 1973.<br />

45


criatividade brasileira: a criatividade musical, futebolística, arquitetônica. O Brasil é<br />

agora o Brasil de um Pelé e de um Garrincha, de um Tom Jobim e de um João<br />

Gilberto, variações de um mesmo matiz: a potencialidade do homem brasileiro. Para<br />

Nelson Motta, essa foi “uma época de liberdade, de democracia, de entusiasmo. O<br />

governo JK, a construção de Brasília, indústria automobilística… era um clima<br />

maravilhoso. Além de todas as coisas naturais do Rio, as praias… A Bossa Nova foi a<br />

trilha sonora perfeita para aquele momento.” (DIRECTV, 2006)<br />

O termo “Bossa Nova” sempre ultrapassou o cenário musical, possuindo<br />

utilizações das mais variadas, retratando, em cada uma delas, especialmente um<br />

estado de espírito. Assim é que um presidente da República podia ser, ao seu modo, o<br />

“presidente Bossa Nova”. A bossa, gíria jovial há muito usada na linguagem<br />

coloquial, significava uma moda, uma onda. Se é verdade que foi a cena musical que<br />

elevou o termo Bossa Nova até o ponto dele se tornar uma referência de toda uma<br />

época, cumpre um breve registro da origem desse termo. Quando se dizia, “fulano tem<br />

bossa para isso ou aquilo”, ainda que hoje este emprego tenha sido diminuído, se<br />

queria dizer: ele tem uma inclinação especial para isso que se propõe a fazer; possui<br />

uma maneira ou uma qualidade especiais para tal. Assim, Bossa Nova, do ponto de<br />

vista musical, surge como o cotejamento entre jeitos diversos de fazer música, sendo<br />

ela, um jeito novo. O novo aí não quer dizer ruptura absoluta, mas sim incorporação<br />

do antigo da cena musical anterior à Bossa Nova. Segundo Zuza Homem de Mello,<br />

havia dois gêneros musicais que conviviam nessa época: “um mais ligado aos rádios,<br />

que imperava, era o baião. E o outro, era o samba-canção, principalmente no Rio”<br />

(DIRECTV, 2006). Os grandes cantores do rádio (Emilinha, Silvio Caldas, Marlene,<br />

Orlando Silva) não se importavam com aqueles garotos, que se sentiam “modernos”,<br />

que queriam modificar tudo e procurar novidades. A música norte-americana também<br />

estava cheia de novidades: Gerry Mulligan, Gizzy Gillespie, Duke Ellington… O jazz<br />

atraía essa rapaziada. Os primeiros foram: Johnny Alf, Dick Farney e Lúcio Alves,<br />

que serviram de inspiração para começar uma grande revolução na história da música<br />

brasileira. Segundo o próprio Johnny Alf, todo o movimento foi despretensioso,<br />

seguindo apenas a inspiração de cada um: “a inspiração que eu tive, talvez, foi por um<br />

modo de ver diferente. Eu não sabia que era um negócio que ia marcar, porque a<br />

inspiração […] vem de repente. Não posso dizer: vou fazer isso, fazer aquilo. E, de<br />

repente, você faz um negócio que vai marcar…” (DIRECTV, 2006).<br />

46


Desde o fechamento dos cassinos, no Rio de Janeiro, em 1946, as boates<br />

(Hotel Plaza, Beco das Garrafas) se tornaram opção para a classe média. As músicas<br />

feitas dessa época até 1956 foram específicas para esse público e estabelecimento: era<br />

a música romântica tocada por grupos recentes: Namorados da Lua, Os Cariocas e Os<br />

Anjos do Inferno.<br />

Há contradições no que diz respeito ao marco inicial da Bossa Nova no âmbito<br />

musical: alguns apontam o disco de Sylvia Telles, A revelação de 1955 canta “Foi a<br />

noite” e “Menino”; outros, o LP Canção do amor demais (1958), de Elizeth Cardoso,<br />

com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes; ou ainda o disco Chega de<br />

saudade, de 1959, o primeiro de João Gilberto. Entretanto, importa dizer que eles<br />

criaram, definitivamente, a ponte pela qual o samba tradicional é incorporado por uma<br />

nova marcação rítmica, um novo tom para dizê-lo. Elizeth também participou do<br />

Chega de saudade, mas João Gilberto lhe pediu que ajustasse o ritmo que ela usava à<br />

batida do violão que ia dar. E gravaram perto de vinte vezes a mesma música! O<br />

impacto do LP foi enorme — ficaram registrados pequenos depoimentos no conjunto<br />

que a TV Directv reuniu para homenagear o movimento, em 2002: Zuza Homem de<br />

Mello disse que “nunca tinha ouvido aquilo. Parecia um som extraterrestre”; já para<br />

Nelson Motta, o LP do João Gilberto<br />

está para minha geração de músicos e poetas brasileiros como para os americanos<br />

estava ‘onde você estava no dia em que mataram Kennedy?’. Para nós, é ‘onde você ouviu<br />

Chega de saudade pela primeira vez?’. Ele combinou a sua voz ao violão perfeitamente. E<br />

ficou constituído o tripé da Bossa Nova, a santíssima trindade. E o João Gilberto é o espírito<br />

santo! (DIRECTV, 2006).<br />

As críticas, como sempre, também vieram: para o acompanhamento especial<br />

da bateria, que necessitava da caixeta, um instrumento criado pelo músico Guarany;<br />

para a voz desafinada de João Gilberto, e para a necessidade de regravação. Além<br />

disso, André Midani relata que na hora de apresentar o disco para os dirigentes da<br />

Odeon, eles ouviram e disseram: “mas isso é música para homossexual, rapaz”! Os<br />

críticos Antonio Maria e José Ramos Tinhorão também fizeram campanhas<br />

sistemáticas contra o movimento.<br />

A diversificação da economia, promovida pelo governo de Juscelino<br />

Kubitschek, com o implemento de novos meios de produção, alcança a ainda<br />

47


incipiente indústria de bens culturais. A produção musical e a veiculação das músicas,<br />

cada vez mais, pertencem agora ao mundo da técnica. É nesse cenário que a Bossa<br />

Nova surge e encontra terreno fértil para sua propagação.<br />

Em 1962, a Bossa Nova já era um fenômeno internacional. O show do<br />

Carnegie Hall, em Nova York, se destaca como o momento em que a bandeira<br />

brasileira da Bossa Nova é hasteada na América. Tom Jobim, João Gilberto, Luís<br />

Bonfá, Carlos Lyra, entre outros, participam do evento, que lota a prestigiosa casa de<br />

espetáculos nova-iorquina e é transmitido, ao vivo, pelo rádio. O sucesso<br />

internacional, a fama de seus principais representantes, o vigor extraordinário da<br />

música, tudo isso já colocava a Bossa Nova à frente de quaisquer modismos. As<br />

propagandas disseminaram slogans para óculos e sapatos, além de “Bossa Nova em<br />

máquina de lavar e refrigeradores”, etc. Essas utilizações buscavam chamar atenção<br />

para a originalidade e inovação dos produtos que eram então apresentados.<br />

Mesmo que antes da década de 1950 outros compositores fossem jovens bem<br />

formados culturalmente e fizessem sambas 38 , seu jeito de agir não configurou um<br />

movimento. A Bossa Nova foi uma revolução dos jovens que queriam fazer música<br />

para jovens como eles. Segundo Tárik de Sousa:<br />

Eu acho que a Bossa Nova trouxe um questionamento. Quer dizer, ela<br />

pensa a música brasileira ao mesmo tempo em que ela faz a música brasileira —<br />

ela pratica e teoriza sobre ela e instala o pensamento reflexivo sobre a arte de<br />

fazer música. Eram músicos e pessoas bem-humoradas. Por exemplo,<br />

“Desafinado” é uma música perfeitamente harmônica, que torna impossível a<br />

desafinação. É uma música divertida, sutil, traz bem-estar, leveza, suavidade…<br />

Não é pra pensar em nada, só aproveitar. (DIRECTV, 2006).<br />

Os convites de gravadoras rivais começaram a separar os grupos e parceiros.<br />

Além disso, o Brasil passou por outras grandes transformações políticas em apenas<br />

três anos: renúncia de Jânio Quadros, posse de João Goulart, referendo<br />

parlamentarista, agitação política, criação dos CPCs, e finalmente, instalação da<br />

ditadura. A maioria dos artistas debandou do país e aos que ficaram, restava mascarar<br />

sua insatisfação.<br />

38 Noel Rosa era médico; Ary Barroso e Mario Reis, advogados.<br />

48


1.5.1 TOM E A BOSSA NOVA<br />

A Bossa Nova começou por volta de 1956<br />

e foi até o começo dos anos 60.<br />

Tom Jobim (LOYOLA, 1988, p. 38)<br />

O termo “bossa” sempre foi usado no sentido de onda, moda. Embora o<br />

termo possa ser requisitado por muitos outros pais, desde que Tom escreve na<br />

contracapa do LP Chega de saudade o elogio a João Gilberto, “esse baiano Bossa<br />

Nova”, e a expressão cai no gosto da imprensa, que a populariza como sinônimo de<br />

todo um movimento musical: “muita gente se intitula pai do termo Bossa Nova, mas<br />

isso era comum, estava no ar. E isso você deve a Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ary<br />

Barroso, Noel Rosa, claro” (Acervo ACJ, K7-147). Vale lembrar que o termo “bossa<br />

nova” ampliou-se para todos os segmentos da sociedade que puderam ser<br />

aproveitados pela propaganda e que nas palavras de Tom: “muitas vezes dar nome às<br />

coisas provoca uma imensa confusão. Tinha advogado bossa nova, geladeira bossa<br />

nova… perdeu o sentido, se tornou uma palavra praticamente imprestável” (Acervo<br />

ACJ, K7-147).<br />

Em 1958, Tom conhece João Gilberto e logo propõe que façam um disco<br />

juntos. Convite aceito, durante meses trabalham naquele que seria o disco inaugural<br />

da Bossa Nova: Chega de saudade. O importante aqui não é exatamente marcar o<br />

início desse movimento, mas as mudanças que o movimento trouxe para o cenário da<br />

música e, mais amplamente, para a sociedade. As músicas de então falavam de uma<br />

musa inatingível ou eram paródias sobre mulheres ingratas, “amores bandidos”,<br />

cantados em sambas-canções ou boleros e valsas. A Bossa Nova implicou uma nova<br />

visão sobre o amor, novos acordes dentro de uma batida mais leve e diferente, e uma<br />

voz mais suave, propostos por João Gilberto naquele seu primeiro LP, visto que<br />

a modificação não foi só na batida. Você encontra aquela batida em<br />

outros lugares anteriores a João Gilberto. Mas quem fez o negócio funcionar foi o<br />

João. Ele trouxe também a maneira de cantar, a maneira de emitir uma outra<br />

concepção pro negócio todo. E aquilo se desenvolveu. […] A música brasileira<br />

sofria de excessos de acompanhamentos: na regional tem três violões… funciona ao<br />

49


vivo, num bloco, mas a Bossa Nova viu que não podia gravar assim. […] Hoje<br />

estamos tendendo para uma música mais barulhenta (Acervo ACJ, K7-147).<br />

Percebeu-se a necessidade de menos instrumentos e menos banda, pois os<br />

músicos queriam viabilizar suas gravações e tinham que “limpar um pouco” a<br />

melodia, diminuir os grupos: “um banquinho, um violão”, como na letra de<br />

“Corcovado”. Tom dizia que a Bossa Nova tinha “raízes seríssimas” no samba (e não<br />

no jazz), e que influenciou muito mais o jazz que o contrário, por conta da nossa<br />

maior “variedade de temas. Mas, nós temos a cultura do ‘deixa pra lá’ e os EUA, a<br />

cultura do ‘venha a nós’”. (Acervo ACJ, K7-147). Segundo Tom, a Bossa Nova<br />

nunca foi classista, como alguns críticos determinaram: aqueles jovens queriam<br />

mostrar sua leitura dos sambas do morro, falando sobre os temas que viviam: “não<br />

sabíamos que estávamos fazendo música para Zona Sul ou Zona Norte. Só queríamos<br />

fazer música!” (Acervo ACJ, K7-147).<br />

Essas músicas que eu fiz eram músicas locais. Nunca pensei que fossem<br />

tocar lá fora. Eu vivia aquela vida na fila do lotação. A fila dava a volta no<br />

quarteirão ali na Graça Aranha e a gente para voltar para casa era aquele cheiro<br />

no ônibus, aquele ar poluído. Depois do ônibus vieram os lotações. Não havia<br />

entre nós, eu e Vinicius, uma preocupação de elite. Nada disso. Pelo contrário.<br />

A preocupação era buscar o samba do preto, da Bahia, de Dorival Caymmi, de<br />

tudo o que fosse uma coisa ligada à terra. Se você faz direito a coisa local, ela<br />

vai embora. Agora, se você ficar tentando copiar o foxtrote americano, você será<br />

sempre um copista 39 .<br />

Em 1960, foi escolhido pelo presidente Bossa Nova, Juscelino Kubitschek,<br />

junto com Vinícius de Moraes, para compor Brasília: sinfonia da Alvorada, por conta<br />

da inauguração da cidade.<br />

Pouco tempo depois, participou do III FIC, com a música “Sabiá”, em parceria<br />

com Chico Buarque. O Festival Internacional da Canção (FIC) foi concebido por<br />

Augusto Marzagão e exibido pela TV Rio, no ano de 1966, e pela TV Globo durante<br />

os anos de 1967 a 1972, totalizando sete edições. As gravações eram feitas no<br />

39<br />

Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />

Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />

possível localizar a fonte inicial.<br />

50


Maracanãzinho e reuniam multidões. A canção classificada na fase nacional<br />

representaria o Brasil na fase internacional merecendo o prêmio Galo de Ouro<br />

(ALBIN, 2008) 40 . O público de 25 mil pessoas do III FIC passava pela segunda<br />

ditadura militar e conseguia ver nas músicas concorrentes, um meio de se manifestar<br />

contra o regime vigente. Por causa disso, a 29 de setembro de 1968, a música “Sabiá”<br />

foi vaiada durante 23 minutos. Era sua segunda parceria com Chico Buarque, e foi<br />

interpretada por Cinara e Cibele. Embora Tom estivesse sozinho no dia da vaia, pediu<br />

ajuda ao amigo, por telegrama, que partiu de Veneza na mesma hora. O dia seguinte<br />

era de concorrência internacional: “Sabiá” venceu e foi finalmente aplaudida, tendo<br />

sido a primeira das duas únicas vezes 41 que uma canção brasileira venceu a parte<br />

internacional. Tom e Chico estavam, juntos, assistindo. Anos mais tarde ele comenta<br />

“Eu não acredito muito na multidão. […] O que foi mais duro naquele festival foi<br />

ganhar a parte nacional — duro é você ser Garrincha, duro é você ser Pelé porque lá<br />

fora você ganha fácil. Aqui, as vaias se repetem.” (Acervo ACJ, E14). O que Tom<br />

Jobim só compreendeu anos depois foi que as vaias nada tinham a ver com a letra ou<br />

melodias perfeitas da música. O problema foi a concorrente, “Pra não dizer que não<br />

falei de flores”, de Geraldo Vandré, que tinha cunho político, muito mais próximo do<br />

que os jovens da época queriam dizer. Inclusive, logo após, a música teve sua<br />

execução proibida, acusada de ofender a instituição pública, principalmente nos<br />

versos: “Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na<br />

mão / Nos quartéis lhes ensinam antigas lições / de morrer pela pátria e viver sem<br />

razão”.<br />

1.6 ÚLTIMOS TEMPOS<br />

Poucos anos mais tarde, Tom, como fez com todo o seu arquivo, criou uma<br />

empresa que pudesse reunir e controlar seus direitos autorais. Através da Corcovado<br />

Music, em funcionamento desde 1970, pôde desfrutar de um período de calmaria<br />

financeira. Aproveitando a vida econômica organizada e a fama internacional,<br />

40<br />

O prêmio foi desenhado por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern.<br />

41<br />

A outra vez foi no ano seguinte, 1969, com “Cantiga por Luciana”, de Paulo Tapajós e Edmundo<br />

Souto.<br />

51


começa a engendrar a construção do seu tão esperado sítio. Localizado em uma<br />

espécie de vale, na serra fluminense, no município de São José do Vale do Rio Preto,<br />

o sítio ganhou o nome de Poço Fundo. Várias composições suas foram inspiradas na<br />

natureza desse lugar, como por exemplo “Águas de Março”, composta durante os<br />

paus e pedras da construção; “Dindi”, riacho dentro de sua propriedade e “Chovendo<br />

na roseira”, trazida pela chuva caída no seu jardim de sua primeira esposa, Thereza<br />

Hermanny.<br />

Em 1977, vive dias atribulados, por causa do fim de seu casamento com D.<br />

Thereza. Bebe demais, fuma demais — passa tempo demais nos bares, chega a dormir<br />

em alguns — e sua saúde dá os primeiros sinais de debilidade. Apega-se com fervor a<br />

um curandeiro chamado Lourival, que recomenda, de pronto, parar de beber e de<br />

fumar para recuperar a saúde e o viço perdidos.<br />

Neste mesmo ano, foi apresentado pelo pintor Ângelo de Aquino a Ana Beatriz<br />

Lontra, estudante de fotografia da PUC-Rio. Tendo se encantado com Ana, fez várias<br />

investidas românticas para que ela, então com dezenove anos, o aceitasse, já com<br />

cinqüenta anos. A companhia de Ana lhe dá novo ânimo, ajudando-o a superar a<br />

tristeza pela distância dos filhos. Teve com a segunda esposa mais dois filhos: João<br />

Francisco Lontra Jobim (falecido em 1998) e Maria Luiza Helena Lontra Jobim.<br />

A década de 1980 foi a mais produtiva da carreira de Tom. Embora tenha<br />

começado de maneira muito triste, quando morreu seu grande amigo e parceiro,<br />

Vinícius de Moraes, a 9 de julho de 1981. Por meses a fio, Tom lamenta essa<br />

dolorosa perda: “Não pensava na morte até Vinícius morrer” (JOBIM, 1995, p. 218).<br />

As solicitações de shows eram intermitentes e para colaborar com ele, Tom monta a<br />

Banda Nova. A banda foi formada em 1982 para um show em Viena (Acervo ACJ,<br />

S12). O convite foi feito, inicialmente, para Tom tocar com a Orquestra ORF-<br />

Sinfonietta, regida por Peter Guth, entretanto, ele decidiu levar toda a banda. No<br />

início de sua formação, a Banda Nova foi composta por seus filhos Paulo, no violão e<br />

Beth, no coro; sua esposa Ana Jobim, também no coro; seu amigo Danilo Caymmi na<br />

flauta; a esposa deste, Simone Caymmi, como a terceira cantora; no baixo, Tião Neto;<br />

e na bateria, Paulo Braga. Apenas as coristas Paula Morelenbaum e Maucha Adnet<br />

(“as profissionais”, como Tom costumava dizer) entraram a partir do segundo show<br />

de gala, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, para convidados estrangeiros<br />

(Acervo ACJ, K7-134). E, por último, entrou o contrabaixista Jacques Morelenbaum,<br />

52


formando assim o terceiro casal da banda composta por onze pessoas. Após o sucesso<br />

destes shows de estréia, outros convites apareceram e a Banda Nova se apresentou<br />

por mais de dez anos, até a morte de seu idealizador. Sempre assumia o nepotismo,<br />

inclusive para sua platéia, ao que era coroado com gargalhadas.<br />

Embora seu prestígio aumentasse a cada dia42 , sentia-se cada vez mais<br />

exausto pelas viagens e pelos inúmeros compromissos em sua agenda. Em 1994,<br />

recebe a notícia de que está gravemente doente, com câncer na bexiga. No mesmo<br />

ano, foi para Los Angeles, ser operado no Mount Sinai Hospital. Demonstrando a<br />

terna preocupação de pai, pouco antes da viagem, disse à sua irmã, Helena Jobim:<br />

“Preciso criar Luiza e orientar Joãozinho. Ele já vai fazer quinze anos” (JOBIM,<br />

1995). Mesmo sentindo a obrigação de criar seus quatro filhos jovens, não resiste às<br />

complicações da cirurgia e, na presença de seu filho Paulo, morre no quarto, após três<br />

paradas respiratórias.<br />

Tomando-se a citação atribuída a Jorge Luiz Borges — “um homem não<br />

está totalmente morto até que o último homem que o conheceu também esteja” — e<br />

conhecendo o poder transformador de sua música, do carinho de uma legião de fãs,<br />

do amor que permanece de sua família e amigos, pode-se afirmar que a morte de Tom<br />

Jobim ainda não o alcançou.<br />

42<br />

“Garota de Ipanema” era a segunda música mais executada de todos os tempos, perdendo apenas<br />

para “Yesterday”, dos Beatles. Sobre esse fato, Tom sempre dizia: “Mas eles eram quatro” (JOBIM,<br />

1995). Em 2004 “The girl from Ipanema”, com voz de Astrud Gilberto, entrou para a coleção 50<br />

Recordings to the National Recording Registry, canções escolhidas pela Library of Congress, com a<br />

intenção de registrar os sucessos musicais mais importantes da história da humanidade.<br />

53


CAPÍTULO 2: O ARQUIVO TOM JOBIM, sua maior composição<br />

O que gostaria de fazer mesmo é escrever minha obra. É preciso<br />

escrever essas quinhentas obras, porque senão posso morrer e ninguém<br />

mais vai saber o que era aquilo tudo, com as alterações impostas pelos<br />

meios de divulgação. […] Na verdade, já escrevi todas minhas<br />

músicas, mas aos poucos elas foram emprestadas ou perdidas.<br />

Antigamente não havia xerox e, perdido o original, perdia-se tudo.<br />

TOM JOBIM<br />

Ainda que muitas pessoas sejam fãs inveteradas da obra de um músico, ainda<br />

que existam muitos estudiosos dessa mesma obra, que conheçam detalhes de sua vida<br />

profissional, nuances de suas melodias, e saibam de cor e salteado as letras, ainda há<br />

muito a ser pesquisado sobre ele. Um exemplo disso é o estudo que um acervo pessoal<br />

nos permite: se por um lado nos aproxima dos motivos que levaram o titular a<br />

acumular toda sua documentação, ou seja, o tipo de imagem construída por ele mesmo<br />

através dos seus papéis privados por outro lado, evidencia o plano dos guardiões dessa<br />

memória em perpetuar o projeto de construção daquela imagem.<br />

Este capítulo procura mostrar a maneira como Tom Jobim acumulou e tratou<br />

cuidadosamente de seu arquivo privado durante 52 anos de sua vida profissional. Tom<br />

decidiu manter um arquivo pessoal com o claro propósito de preservar sua obra e<br />

projetá-la para o futuro. Esse cuidado foi transmitido para seus herdeiros, que além<br />

das obras musicais, cuidam, hoje, de seu legado arquivístico.<br />

2.1 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA<br />

Tom Jobim foi colecionador de sua própria obra/vida, pois registrou de várias<br />

maneiras, e em vários suportes, as passagens que melhor a ilustravam, segundo ele<br />

mesmo. Nem sempre é fácil depreender seus critérios, mas o que queremos enfatizar é<br />

que eles existiram no arquivo de Tom e existem em todos os arquivos pessoais.<br />

Desde o início de sua carreira como músico, por volta de 1942 (apenas com<br />

quinze anos), Tom Jobim acumulava documentos no intuito de manter o registro das<br />

54


letras e melodias que acreditava poder um dia gravar, com o afinco de quem tinha a<br />

esperança de se tornar famoso. Durante muitos anos teve de se contentar em andar<br />

com uma pasta cheia de composições próprias e mostrá-las apenas aos amigos. Isto<br />

porque os responsáveis pelos bares onde se apresentava exigiam que ele tocasse<br />

apenas os hits americanos ou os clássicos franceses. Na preciosa gravação da série<br />

Depoimentos para a posteridade 1 , Tom diz: “Comecei a guardar as músicas na<br />

gaveta. Não mostrava pra ninguém; tinha medo” (MIS, 1967, K7-127). Mas, quando,<br />

em 1956, conseguiu gravar e orquestrar seu primeiro disco, Sinfonia do Rio de<br />

Janeiro, junto com Billy Blanco, e constituiu parceria com Vinicius de Moraes para a<br />

peça Orfeu da Conceição, Tom resolveu guardar suas composições (e versões) com<br />

um cuidado que já indicava o projeto de ser e de se manter famoso.<br />

Como fica claro pela epígrafe deste capítulo, Tom pretendia reescrever os<br />

arranjos que se haviam perdido com o tempo 2 . Embora esse trabalho só fosse levado a<br />

cabo por seu filho Paulo Jobim, em 2001, com a publicação Cancioneiro Jobim, era<br />

esse o seu desejo, desde 1967, quando menciona: “Outro dia encontrei com a Elizeth<br />

[Cardoso] que tem um Saci pra me dar há quatro anos! Eu quero todos os prêmios pra<br />

colocar lá em casa. Senão, a coleção fica desfalcada” (MIS, 1967, K7-127). Desde o<br />

início de sua carreira, portanto, ele procurava manter os documentos e objetos que<br />

comprovassem o resultado do seu trabalho ou que informassem sobre seu processo de<br />

criação musical. Longe de parecer um capricho, tal fato mostra que Tom tentava, com<br />

cuidado, preencher lacunas abertas, reescrever sua obra e reuni-la num corpo único –<br />

sempre no seu arquivo pessoal.<br />

A preocupação de Tom em acumular seus documentos foi herdada pelos filhos<br />

e viúva. Algum tempo depois de sua morte (8 de dezembro de 1994), a família tinha a<br />

obrigação de cumprir o principal projeto de Tom, antes de morrer: publicar seu<br />

cancioneiro, que ele havia começado com Paulinho tempos antes. Ao longo desse<br />

“primeiro mergulho no acervo” (JOBIM, 2008), outros projetos inacabados deveriam<br />

seguir em frente, como por exemplo:<br />

a edição de toda a sua obra musical, corrigida por ele mesmo;<br />

1<br />

Museu da Imagem e do Som. Depoimentos para a posteridade: Tom Jobim. Rio de Janeiro, 1967.<br />

Documento acessado no arquivo pessoal de Tom, no Instituto Antonio Carlos Jobim, K7-127.<br />

2<br />

Várias razões contribuíram para esse desaparecimento: além de condições ambientais, perdas e<br />

mudanças impostas pelas gravadoras, algumas partituras foram entregues a intérpretes e músicos e não<br />

foram devolvidas.<br />

55


a confecção do material que idealizou para sensibilizar crianças para a<br />

preservação da natureza e a introdução à música;<br />

a compilação e repaginação de suas obras sinfônicas;<br />

a revisão de alguns álbuns e a edição de novos;<br />

a gravação de músicas inéditas, que preparava e que inclusive, deixou sobre o<br />

piano, antes de seguir para o hospital onde faleceu.<br />

Muitos dos documentos necessários para a concretização desses projetos<br />

estavam guardados no seu arquivo pessoal, que até então, só ele conhecia. Isso,<br />

mesmo que, vez por outra, sua segunda esposa, Ana Jobim, o ajudasse a organizar<br />

alguns documentos e que durante um bom período, a amiga Vera de Alencar tivesse<br />

sido contratada também para esse fim.<br />

O arquivo começou sem intenção. A Thereza começou a guardar em<br />

envelopes pardos todos os recortes de jornais e documentos que tinha. Quando<br />

me mudei com Tom para a casa da rRua Peri, aquilo tudo veio e não sabíamos<br />

muito bem o que tinha lá e o que fazer com eles. Quem sugeriu a Verinha foi a<br />

Thereza, porque era amiga dela. Ela começou a catalogar tudo aquilo e criou um<br />

sistema de cópias para evitarmos o manuseio. Esse foi o início. Depois a<br />

Verinha sugeriu a Piedade Grinberg para trabalhar os jornais fisicamente e a<br />

parte do conteúdo também. (JOBIM, 2008)<br />

Como Vera Alencar tinha várias outras ocupações, e tendo dado por findo o<br />

trabalho no arquivo de Tom, ele voltou a ser acumulador e organizador de seu próprio<br />

acervo, organizando seu passado através desses documentos, e tendo como projeto 3<br />

deixar, por meio desse conjunto documental, seu principal legado.<br />

A solução encontrada pela família para levar a cabo tal projeto foi a reunião<br />

desse arquivo, que estava dividido entre as três casas de Tom 4 , e, também, nas casas<br />

de seus dois filhos mais velhos, Paulinho e Beth. Esse foi o primeiro passo para tomar<br />

3<br />

Definição de projeto, segundo Alfred Schultz e Helmut Wagner citados por Gilberto Velho em<br />

Projeto e metamorfose: ação deliberada para atingir um objetivo. “A ação deliberada resulta de<br />

planejamento, do estabelecimento de um objeto e de imaginá-lo sendo realizado, e ainda da intenção de<br />

realizá-lo, independente do plano ser vago” (VELHO, 2003, p. 103).<br />

4<br />

As casas de Tom onde estavam seus documentos eram: na rua Sara Vilela, no bairro do Jardim<br />

Botânico (Rio de Janeiro), no seu apartamento, onde morava parte do ano em Nova York, e o sítio<br />

Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, cidade próxima de Petrópolis (Rio de Janeiro).<br />

56


conhecimento de seu volume documental, localizar quais documentos poderiam<br />

auxiliar a concluir aquele projeto e juntar informações e idéias para o lançamento de<br />

outros. Aos poucos, a família reuniu, na casa do filho mais velho, os baús e armários<br />

para então perceber, pelo volume e diversidade – próprio a todo arquivo pessoal –,<br />

que essa era a maior obra que Tom lhes tinha deixado. Portanto, faziam-se<br />

imperativas a institucionalização do arquivo e a profissionalização de seu trabalho de<br />

organização. A partir dessa iniciativa, os principais projetos de vida de Tom puderam<br />

ser concluídos. De forma esquemática, os resultados foram:<br />

os cinco volumes do Cancioneiro Jobim, livro póstumo que reúne sua obra<br />

musical, com as correções nos arranjos, que Tom tanto queria. As correções<br />

foram feitas, em parte pelo próprio Tom e terminadas por Paulo Jobim. Esses<br />

livros motivaram, inclusive, a criação do selo Jobim Music Editora.<br />

a primeira edição do Tom da Mata 5 , em 1998, desenvolvido, mantido e<br />

distribuído pela parceria entre Furnas Centrais Elétricas, Eletrobrás,<br />

Eletronorte, Instituto Antonio Carlos Jobim e Fundação Roberto Marinho.<br />

Consiste em um projeto de educação ambiental e musical que capacita<br />

professores da rede pública a usarem, de forma criativa, os itens distribuídos,<br />

gratuitamente no kit: cinco fitas VHS, uma fita cassete, dois livros didáticos,<br />

um mapa, várias sementes de árvores nativas e um jogo de estratégia. Esse<br />

projeto deu bons frutos e estimulou, até agora, outras duas versões: Tom do<br />

Pantanal, em 2002, e Tom da Amazônia, em 2006, além da reedição do Tom<br />

da Mata, em 2007.<br />

o projeto Jobim Sinfônico, realizado por Paulo Jobim e Mario Adnet, que<br />

pesquisaram, reuniram e adaptaram os arranjos sinfônicos escritos do maestro<br />

(“Brasília: sinfonia da Alvorada”, “Orfeu da Conceição”, “Se todos fossem<br />

iguais a você”, “Lenda” e “Prelúdio”, inéditos) e escreveram outros, que ele<br />

não teve oportunidade de aprontar (“Saudade do Brasil”, “Imagina”,<br />

“Modinha”, “A casa assassinada”, “A felicidade”, “Matita Perê”, “Gabriela”,<br />

“Canta, canta mais”, “Meu amigo Radamés”, “Garota de Ipanema” e<br />

“Bangzália”). O show do projeto foi realizado na Sala São Paulo, nos dias 9 e<br />

5 Indicamos a visita ao site http://www.tomdaamazonia.org.br<br />

57


11 de dezembro de 2002, sob a regência de Roberto Minczuk. Posteriormente,<br />

foi lançado em CD duplo e DVD.<br />

a remasterização dos álbuns “Tom Jobim ao vivo em Montreal”, “Tom na<br />

Mangueira”.<br />

a edição de Tom Jobim em Minas. Ao vivo, piano e voz, e de dois volumes de<br />

Tom Jobim: Perfil.<br />

e mais recentemente, em 2007, a edição do DVD A casa do Tom; mundo,<br />

monde mondo, um filme de Ana Jobim sobre fragmentos, memórias e registros<br />

de Tom. Segundo a autora, “uma biografia de quinze anos”.<br />

2.2 A CRIAÇÃO <strong>DE</strong> UMA INSTITUIÇÃO: O INSTITUTO ANTONIO CARLOS JOBIM<br />

Dando continuidade a essa preocupação evidenciada por Tom — a de zelar<br />

por seu próprio acervo — e deparando-se com demandas de pesquisadores com a falta<br />

de condições de trabalho e com um volume de documentos que não permitia o acesso<br />

manual, a família decidiu criar uma instituição que pudesse inventariar, preservar,<br />

proteger e divulgar os documentos de Tom.<br />

Desde 1999, uma tentativa embrionária nesse sentido já ocupava cômodos da<br />

casa do filho Paulo Jobim. Foi quando Vanda Maria Mangia Klabin, amiga da família<br />

e diretora do Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro, foi convidada a<br />

organizar o acervo. Consciente do que tinha em mãos, estruturou a sede e<br />

providenciou a legalização do órgão. Como precisava de uma equipe para ajudá-la na<br />

empreitada, contactou sua amiga pessoal e então diretora do Museu-Casa da Fundação<br />

Casa de Rui Barbosa, Magaly Cabral. Ela explicou que as necessidades do acervo de<br />

Tom eram mais próximas ao trabalho que a equipe do Arquivo-Museu de Literatura<br />

Brasileira (AMLB) desenvolvia. Foi então que a chefe do setor, Eliane Vasconcellos,<br />

começou a trabalhar para levantar fundos e manter a equipe de organização,<br />

higienização e digitalização do acervo de Tom Jobim.<br />

O Instituto Antonio Carlos Jobim (IACJ), criado oficialmente em 8 de agosto<br />

de 2001, e comandado por seus herdeiros e pela diretora Vanda Klabin, é o principal<br />

detentor do acervo pessoal do maestro. Seus objetivos são, de acordo com seu<br />

estatuto:<br />

58


a) preservar e divulgar no Brasil e no exterior, a obra de Antonio Carlos<br />

Jobim, assim como os valores culturais manifestados em vida pelo<br />

compositor;<br />

b) promover o acesso público à obra e aos materiais biográficos do<br />

compositor;<br />

c) desenvolver e/ou promover projetos, exposições, festivais e espetáculos<br />

nas áreas de arte, música, cultura , comunicação ecologia, educação e<br />

outras afins;<br />

d) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar obras literárias,<br />

artísticas ou científicas e outras relativas às ciências humanas, às letras e às<br />

artes, inclusive na forma de livros, fonogramas, compact disc, vídeos, CD-<br />

Rom’s, DVDs e audiovisuais, bem como outras formas de mídia eletrônica<br />

ou digital;<br />

e) editar e produzir home pages e sites na Internet;<br />

f) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar obras fotográficas e as<br />

produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;<br />

g) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar as coletâneas ou<br />

compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e<br />

outras obras, que por sua seleção, organização ou disposição de seu<br />

conteúdo constituam criação intelectual.<br />

Além destes, é importante frisar que o IACJ deve também tornar disponível,<br />

especialmente para pesquisadores, toda a produção do artista, assim como<br />

desenvolver e/ou promover projetos e pesquisas nas áreas de educação, música, arte e<br />

ecologia.<br />

Inicialmente, o Instituto funcionou dentro da sede de uma empresa da família,<br />

fundada por Tom e Ana Jobim, a Jobim Music 6 , em um prédio comercial no bairro<br />

carioca do Jardim Botânico. Depois de ocupar por cinco anos essa sala comercial, o<br />

Instituto adaptou um dos prédios do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), dentro<br />

6<br />

Fundada em 1990, a Jobim Music é também uma iniciativa do maestro de reunir sua obra musical, e<br />

comercial, garantindo a arrecadação de seus direitos autorais.<br />

59


do Espaço Tom Jobim (ETJ) 7 , para criar as condições ideais de controle do ambiente e<br />

acesso ao acervo. Nesse sentido, foi adotado um sistema de climatização, de acordo<br />

com as normas do Conarq (Conselho Nacional de Arquivos) e com alguns casos<br />

reconhecidamente de sucesso, como o da Fundação Casa de Rui Barbosa e da<br />

Fundação Getúlio Vargas. O sistema está estruturado sobre o programa Sistrad 8 , para<br />

plataforma Windows que mede, em tempo real, a umidade e a temperatura da antecâmara<br />

e da sala do arquivo, ligando e desligando automaticamente os<br />

condicionadores de ar, os dutos de ventilação e os desumidificadores sendo<br />

monitorado 24 horas por dia, via web.<br />

Como o ambiente informacional, também inovador, requeria termos muito<br />

específicos, foi necessária a ajuda dos especialistas que trabalharam para adaptá-lo 9 .<br />

Um pouco da sofisticada configuração da rede de computadores será descrita mais à<br />

frente, mas é baseada em três fundamentos essenciais àquilo que o trabalho exigia:<br />

todos os programas são gratuitos, seguros e atualizados, o que levou o Instituto a ser<br />

considerado case em desenvolvimento de banco de dados voltados para arquivos<br />

pessoais 10 .<br />

A instituição foi custeada pela própria família nos primeiros seis anos de<br />

existência, tamanha era a dedicação e o interesse pelo projeto. Até o início de nossa<br />

pesquisa, em 2007, o IACJ era mantido pela construtora Camargo Correa<br />

Desenvolvimento Imobiliário, de São Paulo, através de doação para custear seus<br />

principais gastos. A equipe de pesquisadores só é reunida quando há possibilidade de<br />

trabalho temporário. Atualmente, está em desenvolvimento o projeto de organização<br />

do acervo Dorival Caymmi, amigo querido de Tom, pois sua família solicitou esse<br />

apoio.<br />

O Instituto Antonio Carlos Jobim tornou-se um “lugar de memória”, que<br />

guarda o legado de seu patrono. Dessa forma, um confere legitimidade ao outro, como<br />

observou Luciana Heymann em relação ao arquivo e Fundação Darcy Ribeiro:<br />

7<br />

O ETJ está situado no Centro de Visitantes do JBRJ, criado pelo Termo de Cessão de Uso Processo<br />

N. 02011000123/22123599 para a Associação de Cultura e Meio Ambiente (ACMA) dar melhor uso a<br />

quatro prédios e uma praça, realizar manifestações culturais e atrair público para aquela área antes<br />

pouco usada.<br />

8<br />

Este sistema foi desenvolvido pela empresa Full Gauge, que também forneceu os sensores de<br />

temperatura e umidade.<br />

9<br />

Marcelo Carius e Tiago Ferreira, ambos da Carius Informática, a quem agradeço efusivamente.<br />

10<br />

E era o primeiro caso no mundo a usar o Dspace, voltado para acervos pessoais; pelo menos até o<br />

início de nossa pesquisa.<br />

60


a legitimidade dentro do campo de instituições de memória depende, em<br />

grande parte, da capacidade de abrigar acervos, de reunir peças e documentos<br />

inéditos — que funcionam como manifestação material do legado — ou, ao<br />

menos, de produzir um discurso convincente e documentado na apresentação do<br />

personagem e de sua trajetória. (HEYMANN, 2005, p. 53)<br />

A instituição depende do arquivo, pois certamente, as pessoas que estão à sua<br />

frente têm consciência do “forte capital simbólico” (HEYMANN, 2005, p. 52) que ele<br />

representa dentro de uma cada vez mais crescente vertente de pesquisadores, que<br />

mantêm interesse nos documentos pessoais como fonte primária e no arquivo como<br />

objeto de pesquisa.<br />

2.3 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES SOBRE ARQUIVOS E ARQUIVOS PESSOAIS<br />

Finalmente, antes de prosseguir no exame do arquivo de Tom, faz-se<br />

necessário relatar alguns termos e discussões no interior da Arquivística, pois nos<br />

darão alguma medida para compreendermos como foi tratado o acervo de Tom Jobim.<br />

Segundo Shellemberg, o termo “arquivo” foi conferido aos acervos pessoais<br />

somente a partir do século XX, mais precisamente em 1928, quando o arquivista<br />

Eugênio Casanova escreveu seu Archivistica. (CASANOVA apud<br />

SCHELLEMBERG, 1973, p.15). Esses acervos eram, até então, considerados pelos<br />

profissionais mais destacados da área, apenas como “coleções de manuscritos” e, no<br />

máximo, como “arquivos de família”, como a citação abaixo tão bem ilustra:<br />

Constituem estes, por via de regra, um aglomerado de papéis e escritos,<br />

que os vários membros de determinada família, ou os habitantes de uma casa ou<br />

castelo, na qualidade de pessoas privadas ou a títulos diversos, algumas vezes<br />

mesmo como colecionadores de curiosidades, reuniram e conservaram. Os<br />

documentos de um arquivo de família não formam “um todo”; foram, não raro,<br />

agrupados segundo os mais estranhos critérios e falta-lhes a conexão orgânica<br />

de um arquivo no sentido em que o define o presente Manual. As regras para o<br />

arquivo em sua acepção própria não se aplicam, pois, aos arquivos de família.<br />

(MULLER; FEITH; FRUIN. 1960, p. 13)<br />

61


Mas, é preciso lembrar que há arquivo mesmo sem arquivistas, pois, como<br />

vimos, o acervo de Tom começou e se estruturou sem receber tratamento técnicoarquivístico<br />

adequado por quase 57 anos: desde 1944, aproximadamente o ano em que<br />

Tom começou a escrever suas letras e músicas, até 2001, ano do início do trabalho no<br />

IACJ. Embora, a pesquisa histórica usasse as fontes arquivísticas, ao menos desde o<br />

século XVIII, só haverá maior interesse pela documentação de arquivos pessoais no<br />

fim do século XX 11 .<br />

Comparada com outras ciências, a Arquivologia 12 é relativamente recente.<br />

Depois do século XVIII, quando a “modernidade no Ocidente [foi] associada ao<br />

desenvolvimento de ideologias individualistas” (VELHO, 2003, p.39), a Arquivologia<br />

ganhou terreno para florescer. Ainda hoje, no entanto, o arquivista muitas vezes é<br />

confundido com um “detetive”, alguém que “caça” um documento em meio ao caos,<br />

ou com aquele funcionário que “tem o arquivo na cabeça” (e, provavelmente, apenas<br />

lá). Desconhece-se que o arquivista é também um pesquisador, um estudioso de fontes<br />

de primeira mão, alguém que vai criar planos para nortear a organização do arquivo,<br />

ferramentas para dialogar com os usuários, atender ao pesquisador, criando uma<br />

metodologia para atender a seu trabalho de pesquisa no acervo.<br />

No entanto, isso não significa que o arquivista se conduza por um prisma<br />

“utilitarista”. A respeito, cabe o alerta feito por Thiollent, sobre o risco de, sob o<br />

argumento da eficiência, do utilitarismo nas decisões, confundir-se prática científica<br />

com prática administrativa. Se é correto afirmar que os dias de hoje solicitam do<br />

arquivista uma visão utilitária em sua atuação junto ao arquivo, o predomínio dessa<br />

visão pode torná-lo um mero administrador do arquivo, quando não um seu<br />

“agenciador” no pleito de patrocínios junto a órgãos públicos e privados, e na busca<br />

de “visibilidade” (maior exposição do arquivo) com o fim de torná-lo viável<br />

comercialmente, esquecendo-se talvez de pensar a obra arquivada. Pensar-se a obra<br />

arquivada é também tarefa do arquivista; a prevalência da lógica da eficiência e do<br />

utilitarismo significa, cada vez mais, a morte desse pensamento científico. Se o<br />

objetivo teórico do arquivista — aquele que lida mais própria e essencialmente com<br />

11<br />

Lembro também que no fim de 1997, quando terminei a faculdade de Arquivologia, fui a única a<br />

apresentar monografia sobre arquivos pessoais.<br />

12<br />

Alguns autores, mais ligados à corrente canadense, disseminaram o termo Arquivística, como<br />

sinônimo.<br />

62


os arquivos, por também pensar a obra arquivada — for deixado de lado, põe-se em<br />

risco aquilo em que se funda a própria Arquivologia: o seu método.<br />

Muitos planejadores de pesquisa confundem ciência com eficiência. Em<br />

nome desta última, as pesquisas são conduzidas em função da maior<br />

acessibilidade dos dados. Assim, independentemente de qualquer objetivo<br />

teórico, recai-se em vãos cruzamentos de opiniões com categorias de idade, sexo<br />

ou profissão. [...] Ora, o argumento da eficiência não permite nenhuma<br />

demarcação entre prática científica e simples prática administrativa.<br />

(THIOLLENT, 1982, p. 128)<br />

Assim é que o arquivista deve afastar-se de uma simples “lógica da eficiência”<br />

se quiser compreender e trabalhar com a lógica de acumulação que orientou a<br />

construção do arquivo sobre o qual está debruçado. Entender os objetivos da coleção<br />

produzida pelo titular, a função dos documentos e o mecanismo da acumulação é<br />

ponto primordial para a organização de todo arquivo privado por um profissional da<br />

área.<br />

Mais que organizar e administrar um arquivo, o arquivista preserva a memória,<br />

articulando, em sua atuação, passado, presente e futuro. No texto de José Maria<br />

Jardim, “A invenção da memória nos arquivos públicos”, o autor cita vários<br />

estudiosos que chamam a atenção para o tema. No discurso do XII Congresso<br />

Internacional de Arquivos, em 1992, disse Jean Favier: “somos arquivistas, não somos<br />

homens do passado. Nós temos a responsabilidade da memória comum dos homens e<br />

uma responsabilidade na construção do futuro”. Para Carol Couture: “o arquivista tem<br />

o mandato de definir o que constituirá a memória de uma instituição” e, para Maria<br />

João Pires de Lima: “um país sem arquivistas é um país sem arquivos; e um país sem<br />

arquivos é um país sem memória, sem cultura, sem direitos” (JARDIM, 1995, p. 4-5).<br />

Arquivista e titular do arquivo são, assim, em momentos distintos,<br />

responsáveis pela seleção dos documentos do acervo, pois se o titular seleciona o<br />

conjunto inteiro de seu arquivo, o arquivista, munido de método, aparatos técnicos e<br />

também intimistas, seleciona o conjunto-parte do arquivo que poderá ser exibido e<br />

acessado. Mas, a liberdade permitida e buscada na sociedade atual, também chega às<br />

práticas arquivísticas, ensejando mudanças até em documentos controlados pela<br />

63


Diplomática 13 (ofício, cartas, atas e outros tipos, ditos oficiais). Não é exclusividade<br />

da Arquivologia, entre outras ciências, ter alguns de seus primeiros pilares<br />

desconstruídos, enquanto outros adquirem novos sentidos. Pode-se imaginar quão<br />

pesada era a idéia de manter a custódia dos documentos na instituição que os gerou,<br />

trazendo importantes conflitos quando de sua extinção ou da impossibilidade de<br />

manutenção. Também valiosa foi a desconstrução do conceito de fixar o formato de<br />

cada documento, indiferente ao suporte ou meio sobre o qual estivesse registrado. Os<br />

ajustes nesses e em outros ideais são bem-vindos e, mais ainda, imperiosos, para<br />

melhor seguir os anos que correm.<br />

É evidente que o pensamento até hoje hegemônico torna-se de difícil<br />

aceitação, que a classificação pelo suporte do documento (mapas, partituras, fotos)<br />

não mais determina a classificação arquivística, e os fundos podem ser transferidos<br />

e/ou absorvidos por outras instituições, quando há casos de extinções ou expansões. O<br />

mais apropriado seria o uso das tipologias documentais, formadas pelo tipo do<br />

documento e sua função (exemplo: correspondência pessoal, produção intelectual do<br />

titular) abrigados pelos gêneros ou categorias (audiovisuais, cartográficos,<br />

iconográficos, textuais etc.).<br />

Quando o termo “público” foi usado em relação ao arquivo de Tom Jobim, o<br />

que se tinha em vista não era o sentido de arquivos subordinados à administração<br />

pública, mas o de se tratar de um conjunto documental de acesso público. Assim,<br />

aqueles arquivos, que mesmo acumulados por particulares, permitem o acesso do<br />

público, acabam também por receber o status de “arquivo público”.<br />

Os arquivos empresariais e administrativos têm sua organização fundamentada<br />

nas atividades, funções, estrutura e descrição do órgão estudado. Ainda que de outra<br />

maneira, os arquivos privados pessoais são a eles aproximados, baseando sua<br />

organização no acompanhamento da vida do seu titular. Os arquivos pessoais, em<br />

certo sentido, nascem como permanentes, pois têm por finalidade a preservação dos<br />

documentos de valor cultural, jurídico ou íntimo de uma pessoa. São repositórios de<br />

fontes, atualmente e cada vez mais, valorizadas pelos pesquisadores de História,<br />

Ciências Sociais, Antropologia etc. Tais fontes são documentos produzidos para<br />

13<br />

Ciência que estuda e normatiza os tipos de documentos, incluindo o texto que ele carrega. Teve seu<br />

uso consideravelmente diminuído, mas ainda encontra importância nos dias de hoje, principalmente em<br />

situações oficiais.<br />

64


comprovar alguma ação do titular do acervo e podem, posteriormente, ser usadas para<br />

pesquisas históricas, desde que resguardadas sua fidedignidade e autenticidade<br />

(DURANTI, 1994, p. 49).<br />

Outros dois pontos que devem ser levados em consideração são os princípios<br />

da Arquivologia de respeito à ordem original e o da proveniência.<br />

O primeiro foi estabelecido pelos franceses durante o século passado, e<br />

determina a manutenção da ordem dos documentos como foram organizados pelo<br />

titular ou pela família. Essa prática, não totalmente abolida atualmente, deve ser<br />

relativizada. Ela não deve impedir que os fundos arquivísticos 14 tenham uma<br />

organização mais “racional” ou científica (LOPES, 1996, p. 68). É que, levado ao<br />

extremo, o princípio poria em risco o trabalho técnico-científico de descrição e<br />

organização do arquivo, principal função dos arquivistas; além do risco de cristalizar<br />

uma ordenação às vezes reconhecida como incipiente pelos próprios<br />

usuários/titulares 15 .<br />

O segundo princípio básico da Arquivologia, o da proveniência (respects des<br />

fonds), determina que os documentos gerados por uma instituição ou pessoa não<br />

devem ser misturados aos de outros geradores. Esse é um conceito extremamente útil<br />

para o objetivo desse capítulo, ficando claro, contudo, que o arquivo de Tom Jobim é<br />

o único depositado no Instituto que leva seu nome. O princípio da proveniência,<br />

desenvolvido também na França, aplica-se no sentido de ordenar os acervos de<br />

instituições que possuem vários arquivos, na acepção de fundo. Aliás, este é o início<br />

do significado de fundo arquivístico, pois permite, que num mesmo<br />

arquivo/instituição, vários arquivos/fundos coexistam, sem que se misturem ou que se<br />

perca o modo de acumulação do titular. Além disso, tornar possível, mesmo após o<br />

emprego relativo do princípio anterior, apreender como o titular do fundo formulou a<br />

consciente “política de acumulação” de seu acervo, pois mantém todos os documentos<br />

guardados por ele, ao longo do tempo, no mesmo grupo.<br />

14<br />

Fundo é a coleção de documentos que tem a mesma origem, organicidade ou composição. Equivale<br />

ao termo “arquivo”.<br />

15<br />

Em várias oportunidades, durante minha experiência profissional, ouvi dos titulares ou doadores que<br />

a organização dada era “provisória” ou a que melhor conseguiram naquele momento e que depois se<br />

“acostumaram” com a forma que tomou.<br />

65


Os momentos de criação do arquivo podem ter sujeitos diversos. O<br />

processo de acumulação é dinâmico comportando revisões de articulação e<br />

remanejamento de peças, o que dificulta, ainda que não impeça, surpreender seu<br />

movimento, sua trajetória: sua vontade de guardar. (LISSOVSKY et al., 1986, p.<br />

68)<br />

Ou seja, o que o colecionador pretende com seus registros, com sua produção<br />

documental, levando-se em conta o que deseja que chegue ao conhecimento do<br />

público no futuro, isto é, a lógica de acumulação de todo arquivo. Dito de outra forma,<br />

essa lógica perdura durante toda a trajetória do titular e incide diretamente sobre o<br />

modus como ele acumula, quais documentos ele irá guardar e o uso que lhes dará. A<br />

lógica de acumulação deve ser observada no fundo e não apenas sobre as informações<br />

que um documento fornece, num primeiro olhar. É o sentido do conjunto que traz de<br />

volta o movimento ou a intenção diária de acumulação.<br />

A intenção do colecionador ao construir seu arquivo aparece, por exemplo,<br />

pela quantidade e por quais documentos acumulou, pelas ligações entre documentos<br />

diferentes: uma carta que acompanha uma fita cassete enviada a alguém e que resulta<br />

numa partitura. Às vezes, como no caso dos arquivos de Gustavo Capanema e Luiz<br />

Camillo de Oliveira Netto, a descrição que o próprio titular faz de sua maneira de<br />

ordenar está presente, de forma mais ou menos incisiva. Agindo dessa forma, o titular<br />

é, por assim dizer, o centro de gravidade do arquivo: os documentos são colecionados<br />

e se organizam segundo as visões de mundo do titular ao longo do tempo — visões<br />

sobre os “outros” e principalmente sobre si mesmo.<br />

Se, numa perspectiva mais ampla, se justifica dizer que o conjunto de arquivos<br />

(privados e da administração pública) compõe o patrimônio cultural de um país,<br />

juntamente com bibliotecas e museus, a forma pela qual esse patrimônio será<br />

apresentado ao público — variável ao longo do tempo —, também sofrerá a<br />

intervenção direta dos “guardiões da memória”, pessoas físicas ou instituições, que se<br />

responsabilizam pela formação, guarda e distribuição das informações neles contidas.<br />

Essa interferência fica evidente em duas fases bastante distintas: na seleção e na<br />

avaliação dos documentos.<br />

Mas, as considerações que se seguem, sobre seleção e avaliação, estarão<br />

sempre referenciadas aos arquivos pessoais permanentes. De acordo com a teoria das<br />

66


três idades, bastante controversa em Arquivologia, os arquivos podem ser divididos de<br />

acordo com seu uso, grosso modo, em: correntes (de uso freqüente, diário),<br />

intermediários (menos usual) e permanentes (praticamente em desuso) 16 . Entretanto,<br />

essa divisão não se aplica aos arquivos pessoais — que “nascem” permanentes e têm<br />

freqüência de uso equivalente ou não, durante ou depois da morte do titular. O valor<br />

do documento é que pode mudar de administrativo ou comprobatório para informativo<br />

e histórico. Assim, pode-se, por exemplo, conceber os diferentes usos de notas fiscais,<br />

recibos, cartas e testamentos antes e depois da morte do titular.<br />

2.3.1 ACUMULAÇÃO E AVALIAÇÃO<br />

O que chamamos de acumulação é a seleção feita enquanto o proprietário dos<br />

documentos decide como construir seu acervo, enquanto o fundo ainda é aberto 17 . Ele<br />

guarda seus documentos para registrar, comprovar, informar, lembrar e ser lembrado.<br />

Como dito anteriormente, Tom Jobim atuou diretamente na organização de seu<br />

acervo, sobretudo quando ficou claro, para ele mesmo, que poderia ter uma carreira e<br />

uma importância no cenário musical. A partir daí, Tom preocupou-se em guardar<br />

todos os tipos de documentos comprobatórios referentes a seus direitos autorais, às<br />

várias versões das letras que compunha, e às partituras de quase todas as suas<br />

músicas. Preencheu, ao lado dessa produção, 32 cadernos com anotações freqüentes<br />

sobre seu cotidiano.<br />

Essa preocupação, em maior ou menor grau, persegue a humanidade, mas está<br />

há pouco tempo voltada para os arquivos pessoais. Assim ocorreu com o poeta Carlos<br />

Drummond de Andrade, que, contemporâneo à criação de grandes instituições e<br />

fundador de tantas outras, manifestou o desejo de criar uma que pudesse abrigar o seu<br />

arquivo e o de outros literatos: “um órgão especializado, o museu vivo que preserve a<br />

tradição escrita brasileira, constante não só de papéis como de objetos relacionados<br />

com a criação e a vida dos escritores” (ANDRA<strong>DE</strong>, 1972). Esse desejo foi realizado<br />

16<br />

Apenas para registrar, e de acordo com Marilena Leite Paes, os equivalentes nas empresas e órgãos<br />

públicos seria: correntes são aqueles que ficam próximo à mesa de trabalho; arquivos intermediários<br />

estariam em um depósito na mesma empresa, e os permanentes ficam armazenados em galpões<br />

externos próprios ou alugados.<br />

17<br />

Fundo aberto é a designação para acervos em processo de acumulação.<br />

67


por seus amigos Plínio Doyle e Américo Jacobina Lacombe, resultando no mesmo<br />

ano dessa crônica, 1972, na criação do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da<br />

Fundação Casa de Rui Barbosa. O contrário ocorreu com Vinicius de Moraes, que<br />

mesmo antes de se tornar diplomata, estabelecer moradias de curto prazo e ter nove<br />

esposas, resignou-se com o interesse da irmã, Laetitia da Cruz Moraes, de acumular<br />

seus papéis. Conforme ela lembra, no artigo “Vinicius, meu irmão”, ele mesmo<br />

reconhecia que seu acervo era “cuidadosamente guardado, até hoje, por minha irmã,<br />

que mantém – ai de nós! – os ‘arquivos implacáveis’ da família” (MORAES, 1987, p.<br />

21). Certamente, um exemplo paradigmático do guardião da memória.<br />

Mesmo na “era da informação” e com a crescente popularização da internet,<br />

onde diários de anotações e agendas são públicos, a maioria dos arquivos pessoais<br />

ainda é constituída sobre alicerces íntimos, nunca impessoais. O fato de se querer<br />

manter privado, íntimo, conferindo importância ao fato de selecionar, em casa, o que<br />

vai constituir um arquivo pessoal, possivelmente no futuro, com acesso público. E é<br />

necessário que assim seja, porque o arquivo guarda todas as identidades que o homem<br />

público tem na vida privada (pai, avô, amigo, filho, esposo). No fundo ACJ, por<br />

exemplo, além das partituras e letras de músicas, há desenhos dos netos, plantas de<br />

suas casas, correspondência com amigos, fotos dos filhos etc.<br />

Se o reconhecimento que um artista obtém está ligado à sua intervenção sobre<br />

sua obra, dentre outras intervenções possíveis, a formação de um arquivo pessoal é,<br />

cada vez mais, decisiva para a obtenção daquele reconhecimento, por produzir uma<br />

visão de conjunto da obra, feita pelo próprio autor. Isto é, o titular de um arquivo<br />

percebe que sua construção é fator importante para o reconhecimento futuro de sua<br />

obra, numa “via de mão dupla”: primeiro, o estimula a manter, no seu arquivo, um<br />

discurso coerente com o personagem que pretende ser ou é; e em segundo lugar,<br />

afirma esse personagem público, determinado dentro de seu arquivo. Essas forças<br />

buscam um equilíbrio justamente na autobiografia e no arquivo (GOMES, 2004, p.<br />

16). Tom Jobim enxergava isso com clareza, e sua preocupação em reunir, num<br />

arquivo, sua obra, revela o quanto considerava fundamental “guardar”. Ou seja,<br />

produzir uma memória de seu trabalho como forma de preservá-lo, permitindo o<br />

acesso a essa documentação a todos os interessados, fossem músicos ou não. Assim,<br />

toda a obra estaria reunida num grande arquivo inédito, como muitos registros<br />

pessoais e profissionais.<br />

68


Sendo um arquivo pessoal, o arquivo de Tom Jobim tem como objetivo<br />

principal a perpetuação de sua memória e legado, através de um olhar que se volta do<br />

presente para o passado, orientado por um projeto para o futuro. Um projeto pessoal<br />

que associa “memórias fragmentadas” (passados) com vontades e anseios (futuros)<br />

(VELHO, 2003, p. 101). Daí que os documentos que não puderem se relacionar com<br />

eventos acontecidos na vida do titular do arquivo correm risco de perder sentido e<br />

função. Correm esse risco, em grande parte, porque a seqüência que um documento<br />

empresta a outro, no arquivo, encontra razão, muitas vezes, apenas na memória do<br />

colecionador. Foi ele, e só ele, quem diferenciou e selecionou determinado documento<br />

para sua coleção, em meio a tantos outros. É a memória que ele quer construir e<br />

projetar de si, no tempo, através de seu arquivo, que deverá permanecer como aquilo<br />

que lhe foi mais caro, amigável e prioritário.<br />

A seleção é talvez a mais importante das ações do indivíduo sobre os arquivos.<br />

E Tom a exerceu como poucos, tomando pessoalmente a condução do seu acervo,<br />

levando em conta suas necessidades e não deixando que a passagem do tempo o<br />

desanimasse. Ainda que imprescindível, a seleção deve ser considerada com<br />

parcimônia, pois não se pode exigir que um titular, por exemplo, doe seu arquivo<br />

completamente organizado, assim como tampouco censurar o fato de uma hemeroteca<br />

não estar completa, lamentar a falta de provas sobre alguns fatos etc.<br />

2.3.2 CLASSIFICAÇÃO E <strong>DE</strong>SCRIÇÃO<br />

O procedimento de classificação nos arquivos privados é baseado em um<br />

plano de arranjo do acervo (ver Anexo A). Normalmente, a divisão é feita em séries,<br />

que têm por base a vida do proprietário do acervo. Assim o arquivo privado consegue<br />

manter a organicidade fundamental em todo o arquivo e mais facilmente encontrada<br />

nas divisões de uma empresa. Toda intervenção no fundo tem como objetivo controlálo,<br />

primeiramente — seja para evitar um crescimento “selvagem” (BELLOTTO,<br />

2007, p.47), ou para reduzir perdas de vários tipos. Concomitantemente, a<br />

classificação ainda deve suprir os objetivos de ordenar esse acervo de modo que se<br />

possa acessá-lo, através da descrição dos documentos em ferramentas técnicas, e de<br />

69


modo padronizado 18 . Por isso, a classificação precisa estar sempre integrada à<br />

descrição arquivística, a qual, hoje em dia, está muito relacionada às tecnologias da<br />

informação, como banco de dados. Porém, vale lembrar que esse é apenas um dos<br />

caminhos possíveis para indexar e dar acesso ao acervo.<br />

O diagnóstico, a indexação e as outras operações da fase de classificação<br />

servem para fundamentar a ordenação intelectual das informações contidas nos<br />

documentos. Obviamente, o conhecimento da teoria arquivística e de suas relações<br />

com as ciências administrativas, o Direito e a História, possibilita que os<br />

arquivistas/avaliadores tenham condições de tomar decisões mais acertadas sobre o<br />

assunto. Entretanto, os diálogos com aquelas ciências não devem ser considerados<br />

sem uma investigação profunda sobre o produtor/acumulador, os interesses dos<br />

pesquisadores aos quais se destinam o trabalho, e a política da instituição que o<br />

abriga. Essas são, portanto, variáveis anteriores à classificação e à descrição, mas não<br />

se esgotam nessa fase. Na verdade, essas relações interdisciplinares permeiam todas<br />

as etapas do ofício de arquivista.<br />

Vale ressaltar ainda que, mesmo que a etapa de classificação de documentos<br />

tenha aparatos técnicos precisos 19 para limitar a subjetividade do profissional, sempre<br />

haverá em outras etapas 20 a possibilidade de enfatizar um ou outro detalhe, exibir o<br />

discurso necessário para perpetuar os ideais de quem detém o “poder” de descrevêlos,<br />

e conferir maior ou menor grau de importância a dado documento (CHAGAS,<br />

2002, p.44). Assim é que, se podemos admitir a parcialidade do titular na constituição<br />

de seu arquivo, poderemos admitir a parcialidade do arquivista no seu arranjo. Esta<br />

parcialidade nada mais é do que pensar o arquivo como obra.<br />

2.4 O ACERVO <strong>DE</strong> TOM JOBIM<br />

Eu gosto muito do clima seco de Brasília.<br />

Vivo num clima molhado, que é o do Rio de Janeiro.<br />

Não se pode ter um arquivo, não se pode conservar nada, nem um piano.<br />

Tom Jobim (LOYOLA, 1988, p. 38)<br />

18<br />

Em acervos correntes e intermediários, a classificação, conjugada com a tabela de temporalidade,<br />

ajuda também a manter o controle sobre o volume de documentos produzidos.<br />

19 Sejam eles: tabela de temporalidade, thesaurus, modelo de arranjo ou outras ferramentas.<br />

20 Triagem, descrição ou definição das ferramentas de arquivo.<br />

70


Retomando o ponto anterior, desde a criação do Instituto Antonio Carlos<br />

Jobim, ficou evidente para a família e para todos, o importante legado que Tom tinha<br />

deixado.<br />

O acervo pessoal de Tom Jobim foi doado ao IACJ, aos poucos, em grandes e<br />

pequenas levas. Durante seu processo de constituição, foi mantido pelo próprio titular<br />

em suas residências. Depois de sua morte, começaram as doações esparsas de quase<br />

todos os membros da família, que completaram e aumentaram consideravelmente<br />

aquele acervo. Há que se fazer uma ressalva de fundo prático: todos os documentos<br />

produzidos por Tom ou a ele dirigidos, mesmo que não acumulados por ele, foram<br />

incorporados a seu arquivo pessoal. Afinal, os documentos se conectam e completam<br />

no banco de dados, embora fossem sempre devidamente anotadas as condições da<br />

doação em cada planilha individual. Por exemplo: algumas fitas VHS estavam em<br />

mau estado e não foi possível recuperar o programa de TV feito para a extinta Rede<br />

Manchete, A música segundo Tom Jobim, pois se havia perdido uma das camadas de<br />

cor da fita magnética e a imagem estava esverdeada. Uma doação do mesmo material<br />

foi recebida, com melhor qualidade, e substituiu o documento prejudicado. Dessa<br />

forma, a planilha carrega o nome do doador e a data da doação. Exemplos assim<br />

aconteceram outras vezes, o que não é comum em acervos pessoais, pois, como disse<br />

Tom, “perdendo-se o original, perdia-se tudo”. Mas é importante lembrar que a<br />

separação física não deve sobrepujar a coesão da informação, nem prejudicar a<br />

organização desenhada no plano de arranjo.<br />

A doação foi um processo sistemático e ao mesmo tempo esparso,<br />

fragmentado em várias etapas: normalmente, quando o titular do arquivo morre,<br />

entende-se que esse seu arquivo não poderá mais crescer em quantidade. É o que<br />

chamamos, na Arquivologia, de fundo fechado. Entretanto, o fundo ACJ 21 , mesmo<br />

depois de treze anos de sua morte, ainda não pode ser assim considerado. Creio que o<br />

ambiente familiar mantido ao redor do Instituto Antonio Carlos Jobim e de seu<br />

21<br />

De acordo com o Dicionário brasileiro de terminologia arquivística, os dois termos se equivalem, na<br />

acepção de arquivo como conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade<br />

coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente<br />

da natureza do suporte; e entendendo fundo unicamente como conjunto de documentos de uma mesma<br />

proveniência. Entretanto, o termo “arquivo” significa também instituição, serviço, prédio e móvel.<br />

Portanto, emprega-se fundo para diferenciar arquivos dentro de uma instituição arquivística.<br />

(ARQUIVO <strong>NA</strong>CIO<strong>NA</strong>L, 2005, p. 26 e 97).<br />

71


arquivo aumentou a confiança de outros familiares que, vez por outra, doavam as<br />

respostas às cartas que tínhamos no acervo, folhas de músicas esparsas, recortes,<br />

documentos inéditos ou ainda, coleções inteiras. Assim procedeu a irmã de Tom,<br />

Helena Jobim, que em fins de 2004, entregou todos os papéis que D. Nilza Brasileiro<br />

de Almeida 22 , mãe de ambos, guardou sobre seu filho, desde sua infância. Lá estão<br />

desenhos de criança, cartas para a avó materna Emilia Brasileiro de Almeida, e um<br />

“Livro do bebê”, com medidas e o desenvolvimento de Antonio Carlos Brasileiro de<br />

Almeida Jobim.<br />

O acervo possui mais de 30.000 documentos inventariados 23 , ou o equivalente<br />

a 112 caixas-arquivo, ou ainda 1,7 km lineares 24 . A maioria já está descrita no site<br />

http://www.antoniocarlosjobim.org. O arquivo é muito rico, havendo partituras<br />

manuscritas e impressas; letras de músicas; correspondência; cadernos de anotações<br />

com detalhes de sua rotina profissional e pessoal; blocos de estudos; fitas magnéticas,<br />

contendo seu processo de criação musical; desenhos, discos, fotos e objetos.<br />

De acordo com a determinação da “Lei dos arquivos”, a Lei 8.159/91, toda<br />

instituição que se responsabilizar pela guarda de arquivos deve reparar a<br />

documentação que estiver danificada e ainda, obrigatoriamente, fornecer acesso de<br />

modo a preservar a integridade documental, por meio da microfilmagem e/ou da<br />

digitalização. Sintetizaremos a seguir as etapas do trabalho técnico por que passou o<br />

arquivo de Tom Jobim até 2007 para o cumprimento da lei mencionada: conservação,<br />

digitalização, indexação e divulgação deste acervo.<br />

2.4.1 HIGIENIZAÇÃO<br />

O maior volume de documentos do acervo estava, sem dúvida, registrado em<br />

papel. A higienização começou por esse suporte e está dividida em etapas assim<br />

resumidas: higienização de todos os documentos, folha a folha, e tratamento de<br />

conservação preventiva. Na primeira etapa, são retirados dos documentos clipes ou<br />

22<br />

A coleção de D. Nilza, por ter sido mais recentemente doada ao IACJ, ainda não foi organizada.<br />

23<br />

A última leva ainda não foi trabalhada ou contada; mas estima-se que lá estejam mais ou menos<br />

10.000 documentos.<br />

24<br />

Medida arquivística que equivale aos documentos dispostos lado a lado.<br />

72


grampos metálicos e fitas adesivas, estas, com uso de produtos químicos. Logo após,<br />

cada verso da folha era limpo, com trincha de crina de cavalo, e, naqueles em boas<br />

condições físicas, esfrega-se uma boneca de pó de borracha confeccionada no próprio<br />

IACJ. Após essas tarefas, passa-se à conservação preventiva, que desfaz dobras,<br />

planifica o papel em prensas, e reconstitui todas as áreas perdidas, rasgadas e<br />

perfuradas por insetos (ou não) com polpa fibrosa. Nesse ponto, procede-se à limpeza<br />

de todo o mobiliário e à confecção de invólucros de papel de ph neutro, de acordo<br />

com os documentos previamente mensurados. O acondicionamento final foi feito em<br />

local apropriado, segundo os padrões internacionais de construção e conservação de<br />

acervos 25 (CARVALHO, 1998).<br />

Na última etapa, houve o treinamento do pessoal de limpeza, que deve manter<br />

o ambiente livre de poeira e gases poluentes, usando apenas produtos neutros e pano<br />

limpo pouco úmido. A maioria das pequenas instituições conta com equipe<br />

terceirizada nessa área, por conferir mais facilidade e por julgarem ser mais<br />

econômico. Entretanto, por política do Instituto, nenhum documento podia sair do<br />

arquivo e a melhor opção foi o treinamento de uma técnica para cuidar de todas essas<br />

tarefas dentro do IACJ. A experiência se justificou pela meticulosidade da<br />

higienizadora, Suria Braga Alves, que freqüentemente ultrapassava os limites do seu<br />

trabalho, colaborando na pesquisa diária, através dos documentos que passavam pelas<br />

suas mãos e olhos.<br />

2.4.2 DIGITALIZAÇÃO<br />

A digitalização é uma importante ferramenta para garantir o acesso aos<br />

pesquisadores que não conseguem estar fisicamente no IACJ, além de conferir rapidez<br />

no atendimento das demandas de jornalistas e outros interessados, e garantir a<br />

preservação do arquivo físico, uma vez que restringe o manuseio dos originais.<br />

A organização e descrição deste acervo numa frente de trabalho, e a<br />

duplicação, através da digitalização, em outra, mantêm duas equipes em tarefas<br />

distintas mas num fim indissociável: o livre acesso às informações através da exibição<br />

25<br />

Para maiores informações a respeito das recomendações para construção de arquivos indicadas pelo<br />

Conarq, verificar http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm<br />

73


das imagens virtuais dos documentos. O inventário resultante dessas etapas pode ser<br />

consultado na internet, através do site http://www.antoniocarlosjobim.org/.<br />

2.4.3 DIVULGAÇÃO E ACESSO<br />

É reconhecida a importância de descrever os documentos, de maneira técnica,<br />

estruturada e concisa numa ferramenta de indexação, como o banco de dados. Porém,<br />

não basta descrevê-lo. É preciso escolher o que e como descrever, através do uso de<br />

metalinguagens (termos escolhidos para nortear a indexação), para que o usuário<br />

possa verter sua linguagem em outra (própria à instituição, ao banco de dados ou<br />

mesmo a quem a criou), com um mínimo de interferência. Maria Nélida González de<br />

Gómez lembra que todas as etapas de trabalho no arquivo estão completamente<br />

relacionadas, e mais ainda, se interdependem:<br />

A escolha de uma estrutura para uma base de dados e a seleção dos<br />

conteúdos informacionais digitalizados serão fatores decisivos para a<br />

recuperação e a busca da informação, inseparáveis ao mesmo tempo das fases<br />

específicas do tratamento da informação, como o uso de metadados ou<br />

linguagem de indexação. (GÓMEZ, 2004, p.61)<br />

Segundo a autora, é como se houvesse três estratos de linguagem de<br />

indexação: o estrato semântico-pragmático (camada da linguagem, que cabe às<br />

pessoas envolvidas: pesquisador e arquivista), o estrato regulatório (camada dos<br />

metadados, que cabe somente ao arquivista) e o estrato infra-estrutural (camada<br />

tecnológica, que cabe aos técnicos de Informática).<br />

No que diz respeito ao estrato infra-estrutural do acervo do IACJ, toda a rede<br />

de computadores é construída sobre modelos MAC, atualmente usando o sistema<br />

MAC OSX 10.4. O software de acervos, Dspace, está na versão 1.4, criado, alterado e<br />

visualizado pela web 26 , e foi desenvolvido pelo MIT (Massachussets Institute of<br />

26<br />

É possível verificar algumas discussões sobre o uso da Internet nos arquivos. Se por um lado,<br />

prescinde de tradução e ferramentas para verter linguagem técnica em usual, por outro, facilita o<br />

acesso, reúne bases de instituições antes impossíveis e democratiza a pesquisa aos documentos de<br />

interesse público. Não acredito, portanto, que a Internet seja incômoda em nenhuma parte do ofício de<br />

arquivista.<br />

74


Technology) e HP (Hewlett Packard), em Java 27 , usando o banco de dados<br />

PostgreSQL 8.12. O software é de código aberto, como se diz no jargão<br />

informacional, o que significa dizer que sustenta a possibilidade de ser aperfeiçoado<br />

por todos os programadores do mundo, já que seu código-fonte é distribuído<br />

gratuitamente, assim como o programa, pela Internet 28 . O software que possibilita a<br />

publicação do Dspace na web é o Apache Tomcat 5, servidor que implementa Java<br />

Servlet e JavaServer Pages (JSP).<br />

Uma outra ferramenta utilizada é o Manakin 1.1, desenvolvida pela<br />

Universidade do Texas, que faz uso das linguagens de transformação XSL e XSLT,<br />

flexibilizando a apresentação dos recursos do repositório digital. Os vídeos e áudios<br />

podem ser conferidos no site do IACJ através de um servidor de Streaming (Darwin<br />

Streaming Server, versão de código aberto da tecnologia QuickTime Streaming<br />

Server, da Apple) que possibilita a transmissão de mídia pela Internet através dos<br />

protocolos RTP e RTSP.<br />

Longe de ser uma solução perfeita, o Dspace, sigla para Digital Space, é um<br />

sistema digital de armazenamento de dados, e desde sua gênese, tem sido adotado por<br />

instituições de vários países. Ele foi escolhido pelo fato de suprir, com maior<br />

abrangência, as necessidades que se apresentavam no IACJ no momento, além do fato<br />

de ser amigável à plataforma Linux, sendo ambos gratuitos. Apesar dos campos<br />

básicos da planilha do DSpace serem compatíveis com o sistema Marc21, o sistema<br />

de descrição dos campos é o Dublin Core 29 . Dentre as muitas facilidades que o<br />

Dspace apresenta, destacam-se: campos ilimitados em quantidade e com tamanho<br />

satisfatório; possibilidade de múltiplos usuários simultâneos; divisão em coleções e<br />

subcoleções; permissão para fazer upload da imagem ou áudio correspondente à<br />

planilha descrita; atualização diretamente no site. Apesar de ser recente, o Dspace já<br />

vem sendo utilizado em diversas instituições do mundo, tendo sido traduzido para o<br />

português pela Universidade do Minho, em Portugal, e conta com uma boa<br />

comunidade de usuários para suporte técnico através de listas de discussão, inclusive<br />

no Brasil. Originalmente criado para catalogar livros e material bibliográfico, ele é<br />

27 Linguagem de programação orientada a objetos.<br />

28 Para mais informações, consultar http://www.dspace.org.<br />

29 Para mais informações, consultar http://dublincore.org/ .<br />

75


perfeitamente adaptável para arquivos e o Instituto Antonio Carlos Jobim foi a<br />

primeira instituição brasileira a utilizá-lo para esse fim.<br />

A divisão do banco de dados é feita por comunidades e coleções, o que<br />

permitiu abrigar a divisão do modelo de arranjo arquivístico, feito em séries e<br />

subséries 30 . Embora o modelo de arranjo seja um pouco mais elaborado, a<br />

organização das comunidades no site ficou bastante satisfatória, mesmo que<br />

simplificada. Esse fator, inclusive, facilitou o atendimento aos pesquisadores da obra<br />

de Tom Jobim. Procura-se ajustar a linguagem para que atenda ao público misto do<br />

web space, que se constitui desde crianças em idade escolar, passando por jornalistas<br />

e escritores, até pesquisadores de pós-doutorado em línguas estrangeiras.<br />

2.4.4 <strong>DE</strong>SCRIÇÃO E IN<strong>DE</strong>XAÇÃO<br />

Não há como determinar uma única maneira de trabalhar um documento de<br />

arquivo. Entretanto, podem-se demonstrar os fundamentos que orientaram a maneira<br />

correta para cada arquivo em particular, de modo que a mesma metodologia possa ser<br />

empregada em outros arquivos, desde que se levem em conta as especificidades do<br />

acervo em questão, de seu uso, das “respostas” que buscamos nos documentos. Essa<br />

quantidade de opções não é muito comum em outras carreiras, mas é o que confere<br />

dificuldade, desafio e maior satisfação na organização desse tipo de documento: “o<br />

curador de arquivos pessoais tem total liberdade para organizá-los de forma a atender<br />

às demandas da pesquisa (CAMARGO, 2007, p.10).<br />

Embora ainda esteja em processo de organização, o plano de arranjo<br />

arquivístico para o acervo do IACJ foi definido e está dividido em três grandes<br />

categorias: Documentos Iconográficos, Audiovisuais e Textuais. Essas categorias<br />

subdividem-se em séries e subséries. Essa subdivisão, considerando os diferentes<br />

gêneros musicais e literários produzidos pelo titular do arquivo, vem sendo feita nas<br />

seguintes séries, por categoria:<br />

30 Conferir o Anexo A: gráfico do modelo de arranjo utilizado no IACJ.<br />

76


Documentos Textuais: Correspondência Pessoal, Correspondência Familiar,<br />

Correspondência de Terceiros, Produção Intelectual de Terceiros, Produção<br />

Intelectual do Titular, Documentação Pessoal, Diversos, Publicação na Imprensa e<br />

Documentação Complementar.<br />

Documentos Iconográficos: Desenhos, Fotos e Cartazes.<br />

Documentos Audiovisuais: Fitas magnéticas, Álbuns (CDs e LPs) e Vídeos.<br />

Na categoria Documentos Textuais, a série Correspondência (pessoal,<br />

familiar e de terceiros) é constituída de 890 documentos, num total de 1.371 folhas,<br />

totalizando 2.752 páginas. São cartas, cartões, bilhetes e telegramas enviados para e<br />

por Tom Jobim. Todos os documentos foram arquivados em ordem alfabética por<br />

remetente, formando a menor unidade no arquivo (dossiê) e, dentro deste, os<br />

documentos foram ordenados cronologicamente, ficando os sem data no final. Toda<br />

essa série já se encontra ordenada, medida, classificada e revisada, mas ainda não<br />

foram consideradas as cartas de e para os advogados de Tom 31 . Algumas cartas foram<br />

escritas rapidamente, à saída do correio, com rasuras e breves informações; e outras<br />

escritas detalhadamente, por dois ou três dias, merecendo até revisão da datilografia.<br />

A respeito, concordamos que a correspondência não é mais apenas “um texto<br />

de onde se podiam simplesmente extrair informações, mas as cartas analisadas a partir<br />

de seu suporte material, dos códigos sociais utilizados e das formas lingüísticas<br />

empregadas” podem nos revelar pontos pouco contemplados em pesquisa.<br />

(VE<strong>NA</strong>NCIO, 2004, p. 113). Isso quer dizer que o suporte, articulado com o conteúdo<br />

e a forma como foi escrita, torna a correspondência uma fonte rica para a investigação<br />

histórica. Angela de Castro Gomes, no seu prólogo do livro Escrita de si; escrita da<br />

história, lembra-nos que o uso das fontes primárias (como objetos de estudo) está em<br />

franco pós-descobrimento. Elas estão situadas em “um novo espaço de investigação<br />

histórica — aquele do privado, de onde deriva a presença das mulheres e dos<br />

chamados homens ‘comuns’ — e os novos objetos, metodologias e fontes que se<br />

descortinam diante dele” (GOMES, 2004, p.9)<br />

A série Produção Intelectual do Titular reúne 2.431 documentos com 9.586<br />

folhas, totalizando 22.502 páginas, cobrindo o período que vai de 1948 a 1994. Os<br />

31 E que, após análise do conteúdo, talvez sejam completamente reservadas.<br />

77


documentos foram agrupados em subséries, levando-se em consideração os diferentes<br />

gêneros produzidos por Antonio Carlos Jobim: Artigo, Contracapa de disco, Letra de<br />

música, Memórias, Orelha de livro, Partitura, Poema 32 . Dentro de cada subsérie os<br />

documentos estão ordenados em ordem alfabética de título, destacando-se seus 33<br />

cadernos de anotações. Esse material será trabalhado, mais à frente, no capítulo 3.<br />

A série Produção Intelectual de Terceiros agrupa 161 trabalhos de outras<br />

pessoas, que foram reunidos por Antonio Carlos Jobim, contendo 1.093 folhas,<br />

totalizando 2.186 páginas. Os documentos estão arquivados em ordem alfabética pelo<br />

último sobrenome do autor, seguido do prenome e do nome. Nessa coleção não estão<br />

apenas os documentos que mencionam o maestro, mas também os documentos que<br />

foram dados, como presentes, por amigos poetas e músicos. Tom anotava tudo o que<br />

achava interessante, principalmente sobre o que produzia, mas, com a mesma atenção,<br />

acumulava tudo o que conseguia reunir das obras de outros compositores. Como<br />

exemplo: há o roteiro para Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e outros 92<br />

documentos que estão no fundo ACJ, só desse autor. Há onze letras de música de<br />

Chico Buarque, artigos de Lucio Costa e Sérgio Cabral, esboços de Johnny Alf, a<br />

inesquecível “Teresa da praia”, do parceiro Billy Blanco, além de documentos de Luis<br />

Bonfá, Cacaso, Lucio Cardoso, Eumir Deodato, Cacá Diegues, entre outros. Aqui<br />

estão: o poema “Time present and time past”, de T. S. Elliot, título propício para<br />

figurar no seu arquivo pessoal; Hamlet, de Shakespeare; “Clea”, letra de música de<br />

Alberto de Oliveira e outros.<br />

A série Produção Intelectual Não-identificada possui 22 documentos com 92<br />

folhas, totalizando 184 páginas. São poemas e extratos de textos que não puderam ter<br />

sua autoria identificada seguramente, e que só poderiam ter, e assim ganhar<br />

significado maior, na presença do autor. Várias elocubrações podem ser feitas,<br />

comparando caligrafias, datas, sentidos etc., mas não há meios seguros de<br />

identificação de alguns documentos.<br />

A série Diversos possui 122 documentos contendo 613 folhas, totalizando<br />

1.226 páginas. São outros tipos documentais, diferentes dos mencionados<br />

32<br />

Definimos a subsérie como “Poema” e não Poesia, pois, de acordo com Gilberto Mendonça Telles,<br />

esta é um estado de emoção, real, espiritual, imaginária ou onírica; e poema é o resultado físico dessa<br />

emoção, é essa emoção posta em linguagem. (Essa informação foi aprendida com o próprio, em<br />

conversas pessoais, mas esse discurso pode ser aprendido em seus livros.)<br />

78


anteriormente, sem que sejam destituídos de importância. Ou seja, mesmo que os<br />

fôlderes de peças, convites a eventos, listas dos prêmios recebidos pelo titular, crachás<br />

de seus shows e abaixo-assinados configurem uma documentação um pouco mais<br />

esparsa, são considerados fundamentais para uma pesquisa histórica.<br />

A série Documentação Complementar constitui-se de 280 documentos<br />

recebidos pelos familiares imediatamente após a morte do titular até um ano posterior,<br />

contendo 499 folhas, perfazendo um total de 998 páginas. Aqui encontram-se, por<br />

exemplo, os numerosos telegramas de pêsames à família Jobim, os livros de presença<br />

do velório e o registro das homenagens póstumas.<br />

A série Documentação Pessoal é integrada por trinta documentos relacionados<br />

à vida civil de Antonio Carlos Jobim, contendo 597 folhas, num total de 1.194<br />

páginas. Entre outros, encontram-se: carteiras de identificação, passaporte e contratos<br />

de edição de várias músicas e discos seus.<br />

A série Publicação na Imprensa abriga a seleção de jornais e revistas que Tom<br />

e suas esposas tiveram o cuidado de manter. Essa hemeroteca é composta por 6.432<br />

recortes de jornal, com tamanhos diferenciados, abrangendo um período que vai de<br />

1952 a 1994, e possuem, em maior quantidade, recortes do Jornal do Brasil, O Globo,<br />

O Cruzeiro e da revista Manchete. O primeiro recorte de jornal é um anúncio para o<br />

concurso de pianista do Coro do Teatro Municipal (provavelmente, uma sugestão de<br />

sua professora, Lucia Branco), e os últimos noticiam seu falecimento.<br />

O conjunto Documentos Iconográficos possui cerca de 10.000 fotografias e<br />

cromos, desenhos e esboços e cartazes de seus principais shows. Esta categoria<br />

abrange o período que vai de 1916 33 , com fotografias dos pais de Antonio Carlos<br />

Jobim ainda solteiros, passando por toda sua infância, até 1995, homenagens<br />

póstumas. Os desenhos são, na maioria, do próprio Tom e seus temas prediletos são os<br />

pássaros e as mulheres. Aparecem também esboços, desenhos e cálculos<br />

arquitetônicos feitos junto com seu filho Paulo Jobim, exercitando a outra carreira que<br />

ambos tinham em comum, a Arquitetura 34 . Entre os cartazes destaco, não pelo<br />

ineditismo, mas pelo carinho, o do show Antonio Carlos Jobim em Viena, de 1986 —<br />

33<br />

Data estimada.<br />

34<br />

Esses desenhos, cálculos e esboços são das duas casas de Tom, projetadas por pai e filho e serão<br />

melhores descritas no capítulo 3.<br />

79


que foi o primeiro grande show de gala da Banda Nova com a formação que perdurou<br />

até a morte de seu idealizador 35 .<br />

Os Documentos Audiovisuais abrangem várias de suas músicas, os filmes e<br />

os documentários para os quais o maestro compôs trilha sonora, e que foram<br />

guardados em VHS, K7, Beta, fitas de rolo e LPs. Além desses, o principal material<br />

guardado nas 126 fitas cassetes é o que diz respeito às composições feitas pelo próprio<br />

Tom, em sua casa. Diz Paulo Jobim à Camila Pires sobre o processo de criação de<br />

Tom:<br />

Meu pai ficava ao piano praticamente o dia todo. Ele ficava várias horas<br />

tocando e mudando de tom. Experimentando melodias, modulações, ligações de<br />

uma parte com a outra... Para mim, isso fazia parte do dia. Eu saía de casa,<br />

voltava e estavam aquelas músicas acontecendo, entrando pelo ouvido. No<br />

princípio, as músicas eram um rascunho meio aberto. Mas, ele escrevia a<br />

partitura na hora, ainda que só a melodia, para não esquecer. De vez em quando,<br />

a gente acha [no acervo guardado no IACJ] umas fitas de ele ainda fazendo a<br />

música e partituras incompletas, só com a melodia. Era um lembrete para ele,<br />

mas não conseguimos saber qual era a harmonia. (PIRES, 2007)<br />

E, nesta categoria também está previsto espaço de armazenamento e trabalho<br />

de descrição de toda sua musicografia atualizada, incluindo as versões e reedições de<br />

sua obra em CDs e DVDs e as milhares de gravações de outros músicos — ou seja,<br />

um trabalho hercúleo. Para que se tenha uma idéia, foram digitalizadas do acervo de<br />

Jobim cerca de trezentas horas de gravação (entre elas, 120 fitas cassetes com<br />

exercícios de composição), e ainda restam outras trezentas horas divididas em LPs,<br />

VHS e incontáveis regravações e versões de suas músicas, além dos produtos que<br />

foram fabricados através de pesquisa no acervo, sem terem sido exatamente feitos por<br />

Tom, mas que partiram de sua “outra obra”: seu arquivo. É o caso dos CD e DVD<br />

Jobim Sinfônico, de 2003; do CD Antonio Carlos Jobim em Minas, ao vivo, piano e<br />

voz, de 2005; e, mais recentemente, do DVD A casa do Tom, isso para citar apenas os<br />

que têm sua autoria direta.<br />

35<br />

Devo mencionar também que durante muito tempo esse cartaz esteve na minha sala, sobre minha<br />

mesa, como que fazendo parte do meu trabalho.<br />

80


Fonte de grande discussão, incluindo as fronteiras da carreira de arquivista, o<br />

acervo de Tom possui ainda cerca de 120 Documentos Museológicos doados até o<br />

início desta pesquisa, em 2007, e aceitos por se constituírem também em documentos<br />

da vida do titular. Entre os mais curiosos estão 37 óculos, duas caixas de charutos, que<br />

serviam para guardar, por exemplo, as notas fiscais da Churrascaria Plataforma<br />

assinadas (com a conta de toda a mesa) e uma maleta de luxo encomendada para<br />

acondicionar a coleção de apitos de passarinhos, além das 55 estátuas, medalhas de<br />

prêmios e homenagens. Mesmo se sentindo a ausência de alguns prêmios, quase<br />

todos estão lá.<br />

Algumas planilhas eletrônicas 36 foram confeccionadas para o trabalho de<br />

descrição, por conta da especificidade dos documentos, divididas pelas categorias do<br />

plano de arranjo: Documentos Textuais, Documentos Iconográficos e Documentos<br />

Audiovisuais. Vale ainda observar o rigor com a descrição dos documentos em cada<br />

planilha eletrônica do banco de dados:<br />

1) técnico: verificar se há campos previamente determinados para a inclusão dos<br />

dados que serão ressaltados. E verificar se a entrada dos dados nos campos é regida<br />

pela norma de descrição da AACR2.<br />

2) valorativo: verificar a relevância da informação em relação com o documento e<br />

com toda a coleção.<br />

3) corretivo: verificar se a digitação e os termos empregados estão de acordo com a<br />

nossa língua.<br />

4) imagens anexas: verificar o tamanho e qualidade de cada imagem postada junto<br />

com a planilha.<br />

2.5 ENTEN<strong>DE</strong>NDO O ARQUIVO<br />

“o que realmente persiste, e fica, é a música-papel.”<br />

(Tom Jobim apud MARTINS, 1981, p.44)<br />

Como podemos notar, pela descrição do seu acervo, Tom era um homem<br />

plural. Os estudos, textos e documentos que guardou, apontam para variadas áreas de<br />

36 A planilha referente à categoria Documentos Textuais pode ser conferida no Anexo B.<br />

81


interesses: ecologia, poesia, urbanismo, arquitetura, amor e, claro, música. Ele<br />

guardou o que produziu, o que conseguiu reunir dos amigos e autores que admirava.<br />

Acumulava com fins diversos: para registrar o que estava pronto; para voltar a<br />

trabalhar o que ainda não era do seu gosto (verifica-se que o esboço é um tipo de<br />

documento facilmente encontrado); para comprovar seus direitos; e também pelo<br />

orgulho daquilo que ganhou, fossem prêmios, produção de terceiros ou cartas de fãs.<br />

Entretanto, tal era o cuidado que lhe despertava seu próprio arquivo, que, em<br />

1981, contratou a amiga Vera de Alencar para planejarem juntos uma ordenação de<br />

acordo com o uso que então fazia dos documentos, como informado no artigo “Um<br />

arquivo muito especial para a obra de Tom Jobim”, da revista Amiga.<br />

O interesse pelo próprio arquivo é comum a outros ilustres colecionadores de<br />

sua própria obra. Priscila Fraiz pesquisou o arquivo de Gustavo Capanema,<br />

depositado na Fundação Getúlio Vargas, e verificou que, além do volume expressivo<br />

(duzentos mil documentos), que revela sua disposição em guardar, o titular deixou<br />

uma informação muito específica, que os pesquisadores do Centro de Pesquisa e<br />

Documentação em História Contemporânea (CPDOC) chamaram de meta-arquivo 37 .<br />

Trata-se de documentos de autoria do titular, referentes ao planejamento<br />

e à organização do próprio arquivo e, secundariamente, à classificação adotada<br />

para sua biblioteca particular. É raro que um arquivo pessoal chegue a uma<br />

instituição de memória com algum arranjo ou ordenamento prévios,<br />

determinado pelo próprio titular, por colaboradores ou mesmo por familiares;<br />

mais incomum ainda é encontrar um tipo de material que reflita e revele alguma<br />

ordem original ou primitiva, que possa nos dizer do arquivo e sobre o arquivo.<br />

(FRAIZ, 2002, p.16)<br />

Gustavo Capanema tinha, sem dúvida, um arquivo privilegiado, pois além de<br />

ser Ministro da Educação e Saúde, teve amigos igualmente importantes, com quem<br />

manteve uma correspondência intensa. Mas, mesmo sendo minoria, há outros<br />

exemplos desse tipo de documentação, deixado por quem cuidou do arquivo ainda em<br />

vida. Assim, encontram-se alguns planos de como organizar ou como gostariam que<br />

fossem organizados seus acervos. Podem ser citados como exemplos dessa prática:<br />

Darcy Ribeiro e Luiz Camillo de Oliveira Netto. O arquivo de Darcy Ribeiro, tratado<br />

37 Termo cunhado pelos pesquisadores Mauricio Lissovsky e Paulo Sergio Moares de Sá.<br />

82


na fundação que leva seu nome (Fundar, no bairro de Santa Teresa), possui 80.000<br />

documentos, incluindo aqueles também nomeados de meta-arquivo.<br />

A preocupação com a organização do próprio arquivo aparece também no<br />

fundo Luiz Camillo de Oliveira Neto, depositado no Arquivo-Museu de Literatura<br />

Brasileira 38 , e minunciosamente estudado por sua filha, Maria Luiza Penna. Embora<br />

seja o único caso de “arquivo público de arquivista” que eu conheça, ela ainda teve<br />

dificuldade com as lacunas e o vaivém das informações, peças de um quebra-cabeças:<br />

Retiro do arquivo de Luiz Camillo de Oliveira Netto muitas cartas, é<br />

verdade, mas, ao fazer isso, excluo outras. Revejo fotos. Ouço de novo as<br />

entrevistas, leio as transcrições. Trabalho não só com a memória dos outros,<br />

decerto já retalhada pelo tempo e pelas vivências, mas também com a minha<br />

própria memória. Tamanha inflação de lembranças pode se confundir com um<br />

máximo de esquecimento. A amnésia: um paradoxo e um perigo. (PEN<strong>NA</strong>,<br />

2006, p.71)<br />

O trabalho dos arquivistas é, assim, antes de tudo, manter-se atento e respeitar<br />

a ordem original do arquivo, impressa pelo titular, ou pela família. Enfim, estar atento<br />

ao que subsistiu e também à descrição e à transmutação de um documento, com dada<br />

linguagem, em outro (aquele meta-arquivo) com linguagem padronizada e<br />

inventariada. Faz-se necessário um estranhamento, que, não obstante saudável, não<br />

pode dar espaço a (pré)conceitos e maneirismos, quando do estudo do objeto<br />

escolhido. E escolhido o objeto, poder agora remontá-lo de diversas maneiras, se<br />

apropriando, em cada momento, de um olhar diferente. Gostaria de salientar que as<br />

características de um arquivo pessoal qualquer, embora não estanques, são a<br />

originalidade, a unicidade, mas também, as lacunas.<br />

Não se pode esquecer que o trabalho de pesquisa em arquivo é, antes de<br />

mais nada, um encontro com a morte, e o arquivo, não apenas um rico estoque,<br />

mas também uma coleção marcada pela falta. Essa condição dupla do registro<br />

arquival presentifica o ausente e recupera o vivido com o perigo de cristalizá-lo.<br />

(PEN<strong>NA</strong>, 2006, p. 70)<br />

38 AMLB, da Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo.<br />

83


Isso em parte se explica, porque uma pessoa não registra ou acumula como<br />

outra. Também há maior ou menor tempo passado entre a morte do titular e a abertura<br />

de seu acervo. Mas depende também de quantas pessoas, com toda parcimônia,<br />

julgaram as informações naquele arquivo. Pode parecer estranho o pequeno volume<br />

da correspondência entre Tom e Vinicius, amizade de quase trinta anos que gerou<br />

apenas treze cartas, sendo oito do Vinicius e cinco do Tom, trocadas no período de<br />

sete anos, de 1963 a 1970. Embora sejam bissextas, podem nos contar o diálogo entre<br />

os amigos e a necessidade de se fazer perto. Elas pontuam o diferente: marcam as<br />

datas em que eles estavam longe e não podiam se falar de outra maneira. Durante o<br />

ano de 1963, quando Tom partiu com a “rapaziada” da Bossa Nova para os Estados<br />

Unidos e Vinicius estava em Petrópolis e depois Roma, trocam quatro cartas. Em<br />

1965, são outras quatro cartas, já que Tom ainda morava em Nova York e Vinicius<br />

partia do Rio de Janeiro para a França. Outras três ocorrem em 1966 e a última,<br />

isolada, em 1970. O trabalho de pesquisa com fontes primárias pode ser<br />

consideravelmente ampliado se considerarmos as faltas. E manter, nos documentos<br />

presentes, as devidas precauções relativas à autenticidade do documento e à<br />

veracidade dos fatos — mesmo que tenham sido contados pelos próprios autores<br />

desses fatos.<br />

É bastante comum, em se tratando de arquivos, que não haja uma ordem muito<br />

facilmente rastreável. No caso do arquivo de Tom Jobim, a organização dada em<br />

1981, por ele e por Vera de Alencar, já tinha se perdido em 2001, quando do início do<br />

tratamento técnico. Isso porque, durante vinte anos de uso, novas produções e<br />

inclusões, feitas por Tom, podem ter alterado a organização feita em conjunto.<br />

Entretanto, o trabalho feito por Tom e Vera de Alencar, há 25 anos, ajudou<br />

muito na organização dos documentos, pois era dela a função de guardar todo o papel<br />

que ele produzisse, para que não se perdessem: “Eu preciso tomar cuidado com a<br />

Verinha, porque todas as vezes que eu faço algo novo ela pega e, quando procuro, já<br />

está no arquivo. Quer dizer, ela transforma o presente em passado num piscar de<br />

olhos!”, dizia Jobim (JOBIM apud MARTINS, 1981, p.44). Não seria, na verdade,<br />

ambos transformando, um através do outro, passado em futuro?<br />

Embora não tenha sido encontrado, no arquivo de Tom, um plano desse<br />

arranjo original, descritivo e padronizado, encontrou-se, ao menos, um único registro<br />

84


da interferência do titular. Vê-se, então, que a documentação foi assim dividida,<br />

segundo Vera de Alencar:<br />

[…] um arquivo inteiro de quatro gavetas só com música. Partituras, arranjos,<br />

edições. Tudo sobre música, melodia. Outro arquivo, também de quatro gavetas,<br />

está assim dividido: duas gavetas só com as letras. As letras em português e<br />

inglês (caso haja), esboços, estudos, textos de músicas que foram trocados,<br />

manuscritos dele ou de parceiros. A parte dos autores eruditos está numa terceira<br />

gaveta juntamente com uns álbuns que foram editados com músicas dele<br />

sozinho ou com outros autores. A quarta gaveta do arquivo está reservada para a<br />

parte de correspondência, que estou classificando em: família, amigos, fãs e<br />

outros. (ALENCAR apud MARTINS, 1981, p.44)<br />

A passagem nos comunica a maneira como o titular, primeiro usuário de seu<br />

arquivo pessoal, precisava da ordenação das gavetas e dos macro-assuntos, cabendo,<br />

nessa descrição, apenas uma consideração sobre o uso dos documentos que ele mais<br />

requisitava. Em seu arquivo pessoal, suas músicas, principal fonte de trabalho, de<br />

renda e de inspiração mereciam lugar de destaque. E, diga-se de passagem, mesmo<br />

aquelas sete gavetas não comportavam, confortavelmente, as 1700 grossas partituras e<br />

oitocentas letras de seu acervo musical. Neste ponto fica evidenciada a relação que<br />

Tom tinha com seus autores referenciais, quando ele mesmo copiava ou escrevia os<br />

arranjos de uma música importante de um outro autor 39 . Havia, pelo menos, dois<br />

móveis para acomodar o arquivo e acessar uma memória mais imediata, usada no<br />

cotidiano, fazendo consultas durante o trabalho e provando autorias. Existia<br />

concomitantemente, em relação ao conjunto, uma memória menos imediata, menos<br />

perceptível ao usuário, mas que completava seu acervo, agregando outras<br />

informações, constituindo seu legado artístico.<br />

O seu método de trabalho envolvia guardar seus escritos para voltar a trabalhar<br />

mais tarde em alguns, pois sempre repetia que, “segundo Stravinsky, o trabalho de<br />

composição é feito de 5% inspiração e 95% transpiração”. Ao mesmo tempo,<br />

arquivava o que já estava “pronto”, fosse para evitar erros de execução, fosse para<br />

garantir seu legado. O que fica claro é o desejo de Tom de “compor seu acervo”: ele<br />

acumulou, com ou sem ajuda, um conjunto de documentos porque sabia que apenas<br />

39<br />

Na série Partituras, subsérie Produção Intelectual de Terceiros, estão os arranjos aos quais me refiro.<br />

85


assim — fazendo obra dentro da obra — teria um acervo capaz de garantir uma<br />

memória sobre seu trabalho musical. Assim, Tom selecionava o que lhe era mais caro,<br />

acentuando esse ou aquele aspecto, dando ênfase mais a um do que a outro assunto.<br />

Tom também lastimava haverem-se perdido tantos documentos de outros autores,<br />

inclusive pela ausência de arquivamento dos mesmos. Isso ocorria, em boa parte,<br />

conforme atesta Paulo Jobim, porque era praxe, na década de 1950, os autores<br />

entregarem seus originais às gravadoras, intérpretes e orquestras. Faziam isso quando<br />

da execução de suas músicas e depois, em grande maioria, não conseguiam reavê-los.<br />

Eis uma boa explicação de por que os registros do início da carreira musical de Tom<br />

são raros. Mas, quando ele começou a ter a certeza de sua vocação e firmou sua<br />

intenção de ser um compositor, passou a guardar sua documentação, com cuidado e<br />

sistematicidade. Na gravação Documento para a posteridade, entrevista concedida a,<br />

entre outros, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Dori Caymmi, Tom ressaltou a<br />

importância de se mostrar publicamente:<br />

O brasileiro não assume o mundo. Ele dá uma fugida lá, pega o avião e<br />

volta. E isso é grave. Você tem que toda semana estar na televisão, pelo menos<br />

uma vez num grande show, seja o Andy Williams, seja o Dany Case… você não<br />

pode fazer como Alpert [Herb Alpert, vocalista do grupo Tijuana Brass]:<br />

aparece uma vez no ano e fica num quarto de hotel. Você não pode fazer um<br />

grande sucesso — “Garota”, “Desafinado” — desaparecer e [ir] pra Barra da<br />

Tjuca pegar anchova. (MIS, 1967, K7-127)<br />

Eis, portanto, como o rapaz tímido 40 sabia da necessidade de uma pessoa<br />

famosa se manter em evidência para a posteridade. Por isso, enfatizamos quão<br />

interessante é perceber a lógica da acumulação do arquivo de Tom Jobim, como uma<br />

forma de aproximação da identidade que ele queria construir para si, através da<br />

guarda de seus papéis e suas músicas. Os números expressivos do volume de<br />

documentos dizem muito do homem trabalhador, e convencido da importância de<br />

guardar, mas não são suficientes para revelar os seus textos curiosos, a irreverência de<br />

seus comentários e, principalmente, a beleza de suas composições — acessíveis<br />

através da consulta de seus documentos.<br />

40<br />

Em várias passagens de sua vida, Tom se declarou tímido, perdendo, inclusive, oportunidades de<br />

reger orquestras, fazer shows e viajar antes dos 36 anos para o exterior.<br />

86


CAPÍTULO 3: CA<strong>DE</strong>RNOS PARA LEMBRAR TOM<br />

— lembranças dele, com ele e para ele<br />

A manutenção de um acervo pessoal é uma feliz tarefa para seu titular. Tom<br />

Jobim pôde contar com essa satisfação e pôde também dividi-la com outras tantas<br />

pessoas que passaram pela suas casas. Suas duas esposas o ajudaram, assim como<br />

seus filhos, e a museóloga Vera Alencar, contratada especialmente para dar ordem a<br />

seu arquivo. Além desses, houve outros colaboradores, como sua irmã, Helena Jobim,<br />

e alguns fãs e pesquisadores, que, após sua morte, doaram alguns registros de Tom<br />

mais bem conservados.<br />

Conforme disse Ana Jobim 1 , não era uma premissa do casal a idéia de guardar<br />

documentos para constituir um arquivo, mas eram, ambos, sensíveis a esse<br />

movimento. Ao que lhe parece, narrando muitos anos depois, não estavam muito<br />

conscientes, nem da acumulação diária, nem das investidas técnicas que fizeram.<br />

Apenas sentiram a necessidade de profissionalizar o acervo, mesmo em dúvida do que<br />

realizavam:<br />

O arquivo começou sem intenção. A Thereza começou a guardar em<br />

envelopes pardos todos os recortes de jornais e documentos que tinha. Quando<br />

me mudei com Tom para a casa da rua Peri, aquilo tudo veio e não sabíamos<br />

muito bem o que tinha lá e o que fazer com eles [os envelopes]. Quem sugeriu a<br />

Verinha, foi a Thereza, porque era amiga dela. Ela começou a catalogar tudo<br />

aquilo e criou um sistema de cópias das letras para evitarmos o manuseio<br />

quando tinha show. Esse foi o início. Depois a Verinha sugeriu a Piedade<br />

Grinberg para trabalhar os jornais, fisicamente, e na parte do conteúdo também.<br />

Não sei se guardávamos para a História. Mas tudo tinha um valor. Não<br />

dava pra pegar um documento e jogar no lixo... Tinha lá nos cadernos,<br />

anotações importantes e outras nem tanto: lista de compras, número de passos<br />

que ele dava em volta da piscina, desenhos da Luiza... Não tinha a intenção, mas<br />

era uma necessidade! (JOBIM, 2008).<br />

1<br />

JOBIM, Ana Beatriz Lontra. Entrevista concedida à autora, 11 de junho de 2008, em sua residência.<br />

87


Apesar desse “acaso” (como os descritos no capítulo anterior), o arquivo foi<br />

reunido, estruturado e organizado. A colaboração de Vera Alencar durou,<br />

aproximadamente, sete anos, de 1978 a 1985. Esse momento foi chamado por Ana<br />

Jobim de “primeiro mergulho” no acervo. Logo após a Verinha dar por finda a<br />

organização, Ana e Tom começaram a idealizar o projeto de um livro que mostrasse<br />

seu cotidiano e algumas histórias da vida deles. Ana Jobim, fotógrafa por formação,<br />

iniciou o meticuloso trabalho de registrar novas cenas da vida de Tom, em casa, além<br />

de reunir e selecionar outras fotos tiradas anteriormente. Em sua entrevista, ela<br />

comenta que “tirar fotos dele e da família, sempre tirou”, mas com o intuito de<br />

fotografar para usar e guardar, só mesmo com o projeto desse livro. Cerca de um ano<br />

e meio depois, o livro — Ensaio poético — foi publicado, iniciando-se uma época<br />

muito produtiva na carreira do casal. Entre 1986 e 1987, nasceu sua filha mais nova,<br />

Maria Luisa; Tom fez sessenta anos; uma série de reportagens e programas<br />

comemorativos aconteceu; e terminou uma impressionante reforma na sua casa da rua<br />

Sara Vilela: o levantamento de todo o telhado da casa, de uma só vez, com macacos<br />

mecânicos.<br />

Provavelmente, por conta dessa euforia, houve um grande fluxo de<br />

composições, como “Bebel”, “Looks like December”, “Anos dourados” e os LPs Tom<br />

na Mangueira e Passarim, além de várias trilhas para filmes estrangeiros como<br />

Moments at play, do dinamarquês Jorgen Leth. Nesta época, aconteceu também a<br />

polêmica campanha “Águas de março”, para a The Coca-Cola Company: Tom<br />

compôs uma versão dessa música e terminava bebendo um gole do refrigerante 2 .<br />

Houve alguns comentários, na imprensa, alegando que a música de Tom deveria ser<br />

melhor usada e que, assim, ele estaria vendendo um bem nacional — o que o chateou<br />

bastante. Em 1987, ocorreu a turnê mais bem sucedida da Banda Nova, a do disco<br />

Passarim, com shows no Festival Internacional de Jazz de Montreal, vários meses no<br />

Canecão, no Palace, em São Paulo, e no Japão. Começaram também os preparativos<br />

para o documentário, inicialmente intitulado Ensaio poético, que permaneceu inédito<br />

até o ano passado, quando Ana Jobim voltou a se debruçar sobre as imagens feitas<br />

naquela época e editou-as no documentário A casa do Tom: mundo, monde, mondo.<br />

2<br />

Para maiores informações sobre esse assunto, conferir os documentos da série Publicação na Imprensa<br />

do Acervo ACJ.<br />

88


O Ensaio poético também fez Tom produzir vários textos, inclusive escrever<br />

algumas de suas memórias, e todas estão no seu acervo: “Ipanema”, “Onça no pau é<br />

passarinho”, “Jereba é um urubu importante...”, “Bossa Nova”, “Manhattan”, “No<br />

tardio oligoceno” e o “Aqui tenho essa extrema liberdade...” (Acervo ACJ, Pi982) do<br />

qual segue um trecho: “Aqui tenho essa última extrema liberdade de andar pela rua,<br />

como um total ilustre desconhecido, um vago senhor numa velha camisa [...] A<br />

camisa fininha, de manga curta, quasi [sic.] meio rota, modelo antiquado, moderno<br />

obsoleto, de cores superadas”.<br />

Na tentativa de organizar seus pensamentos, Tom manteve cadernos de<br />

anotações, desde que começou a compor, para evitar perder algo importante. Talvez<br />

só para quem teve a oportunidade de observar a quantidade de papéis que sempre<br />

esteve sobre seu piano, seja possível imaginar quão necessária e útil foi essa decisão.<br />

Mas como a maioria das pessoas não teve tal experiência, há nessa foto de Ana Jobim,<br />

uma amostra da mistura de documentos sobre seu piano, sendo todos trabalhados ao<br />

mesmo tempo. Esses cadernos são, portanto, um tipo de documento muito especial,<br />

quer pelo uso que deles fazia o maestro, quer pelo que nos dizem sobre sua prática<br />

memorial.<br />

Figura 3: Foto da bagunça sobre o piano de Tom Jobim p64f05<br />

89


Circulando nessa época por três casas ininterruptamente (Jardim Botânico,<br />

Poço Fundo e Nova York), os caderninhos de anotações de Tom andavam junto com<br />

ele, gerando documentos similares, seja em cadernos diferentes ou vários registros no<br />

mesmo caderno. Durante uma entrevista de Vera Alencar à autora, ela revela que a<br />

numeração inicial aplicada aos cadernos era tão aleatória quanto a maneira como iam<br />

aparecendo e se reunindo junto dela (ALENCAR, 2008). Tal numeração era,<br />

inicialmente, uma medida provisória, para que ela pudesse identificar quantos e quais<br />

já tinham passado sob seus olhos.<br />

Vera Alencar lembra-se que esses cadernos transitavam muito pela casa da<br />

Sara Vilela, saindo facilmente do mezanino, onde ela trabalhava, para o piano de<br />

Tom: “Se eu passasse por lá [pelo piano] e visse um documento que já tinha estado na<br />

gaveta, perguntava ‘Já usou? Vou guardar!’”. Segundo Vera de Alencar, o brinde de<br />

fim de ano (1987) da Companhia Brasileira de Projetos e Obras – CBPO, realizado<br />

pela Sabiá Produções Artísticas, transformou-se num dos melhores discos da Banda<br />

Nova e foi a coroação de seu trabalho. “O Tom pôde decidir tudo a respeito do projeto<br />

e isso também deu muita satisfação a ele e aos músicos da Banda [Nova]”. A<br />

embalagem de luxo continha um livro com textos biográficos e musicográficos<br />

inéditos de Sergio Cabral, da própria Vera de Alencar e de Jairo Severiano. E dois<br />

LPs com gravações históricas, e até mesmo raras, algumas feitas inclusive na casa do<br />

maestro. Entre as canções estão "Canta, canta mais", "Por causa de você", "Sucedeu<br />

assim", "Retrato em branco e preto", "Garota de Ipanema", "Chega de saudade",<br />

"Estrada do Sol", "Sabiá", "Modinha" e outras, além da única música em que Ana e<br />

Tom Jobim cantaram em dueto: "Eu não existo sem você". Estes discos foram<br />

lançados em CD, em 1995, sob o título de Tom inédito, quando deixaram de ser<br />

privilégio dos 3000 clientes da CBPO, para chegar ao grande público. Vera lembra<br />

também, envaidecida, que:<br />

Eu tinha uma pasta de pendências, que nunca se resolvia. Um dia, senteime<br />

com Tom e o “obriguei” a resolver algumas. Eu tinha juntado um monte de<br />

fragmentos que pareciam rimar. Ele olhou, folheou, e disse: “Deixa isso aqui<br />

comigo”. Tempos depois, a letra de “Bebel” estava pronta! (ALENCAR, 2008) 3<br />

3 Além dos exemplos dados, ela também pôde dar palpites na letra de “Luiza”.<br />

90


Esse é um dos muitos exemplos do potencial dos cadernos de anotações,<br />

sempre tão diversos quanto o próprio autor.<br />

3.1 CONHECENDO OS CA<strong>DE</strong>RNOS<br />

Esse conjunto documental é composto por 37 cadernos, escritos de 1948 a<br />

1994, com cerca de 1200 páginas válidas 4 . Desse total, cinco foram usados<br />

especificamente para esboços de melodias, considerados no tratamento técnico como<br />

Partituras, e, por isso, não serão aqui tratados. A maioria dos cadernos possui formato<br />

¼, ou seja, mede 14 x 20,5 cm, tem capa dura e folhas pautadas. Todas as espirais<br />

metálicas foram retiradas durante o processo de higienização e substituídas por<br />

costura com linha alcalina encerada. As folhas estão amarelecidas e, muitas vezes,<br />

manchadas e com marcas de copos, além de outras vezes, rasgadas. Há outros tipos<br />

nesta subsérie, como os blocos de tamanho A4, sem capa.<br />

Esses “caderninhos” de Tom guardam uma proximidade com os<br />

hypomnemata, mencionados por Foucault, mas apenas em acepção genérica já que<br />

estes “podiam ser livros de contabilidade, registros notariais, cadernos pessoais que<br />

serviam de agenda” (FOUCAULT, 1992, p. 134-35). A importância da prática desse<br />

tipo de escrita, defendida em vários momentos por Foucault, no livro O que é um<br />

autor?, é justificada pelo fato de ela tomar o papel do próximo, do ouvinte. Como, por<br />

exemplo, se ao registrar nossas faltas, evitássemos cometê-las, dispostos a não pecar e<br />

a combater o “poder demoníaco” que poderia nos enganar. Para Foucault, “a escrita<br />

constitui uma prova e como que uma pedra de toque: ao trazer à luz os movimentos<br />

do pensamento, dissipa a sombra interior onde se tecem as tramas do inimigo”<br />

(FOUCAULT, 1992, p. 131). Ou seria possível ainda, ao ler os pensamentos escritos,<br />

ter a oportunidade de revê-los e melhorar as práticas deles decorrentes. A escrita de si<br />

e para si mesmo é uma prática da askesis (significando adestramento de si), um<br />

exercício que se deve fazer para conhecermo-nos a nós mesmos e tornar rotineiro o<br />

nosso aperfeiçoamento. Esse exercício pode ser linear ou circular:<br />

4<br />

Esse número refere-se apenas às páginas em que há informação escrita ou desenhada. Excetuando-se,<br />

portanto, as páginas em branco, ainda que pudessem ser considerados em algum outro estudo.<br />

91


meditar escrever treinar trabalho do pensamento<br />

re<br />

meditar escrever<br />

ler<br />

O objeto caderno começou a ser usado na Europa da Idade Média, feito,<br />

prioritariamente, para os usos contábeis e mercantis. Consistiam em um amarrado de<br />

folhas soltas ou em uma grande folha de papel ou pergaminho dobrada em quatro e<br />

costurada com tiras na lombada. Daí se derivou o termo quaternio, para os primeiros<br />

comerciantes italianos. Essa costura, essa encadernação, poderia ser comprada pronta<br />

ou feita posteriormente à escrita, para melhor organização do que tinha sido<br />

registrado. Essa acepção foi a primeira, assumida por Antoine Furetière, no seu<br />

Dictionaire universel, impresso em Haia, Hotterdam, em 1690, e citado por Jean<br />

Hébrard. Mas havia outras significações, segundo o autor:<br />

O segundo sentido assinalado por Furetière remete à linguagem dos<br />

impressores (“Diz-se também das folhas mais ou menos amarradas que<br />

constituem o livro encadernado. Esse volume tem tantos cayers...”). O terceiro<br />

nos leva ao mundo das escrituras administrativas ou jurídicas, onde o termo<br />

designa uma unidade textual manuscrita que especifica seu conteúdo e lhe dá<br />

mais força: “Cayer significa ainda memoriais apresentados separadamente.<br />

Estes artigos estão em cayer à parte”. O último uso da palavra nos introduz às<br />

práticas do colégio e da universidade: “Cayers são também os escritos que os<br />

estudantes escrevem sob a orientação de seu mestre de filosofia, teologia ou<br />

qualquer outra ciência que se ensine nas escolas. Um estudante precisa<br />

reapresentar seus cayers a seu mestre para dele obter um atestado de seu tempo<br />

de estudo”. (HEBRARD, 2000, p. 36)<br />

Embora estejam registrados esses vários sentidos desde 1690, é muito<br />

provável que o termo “caderno” tenha começado a circular muitos séculos antes, por<br />

conta da premente necessidade (inclusive jurídica) de se escrever toda negociação<br />

feita dia a dia, detalhe por detalhe. Primeiro para que existissem maneiras de ser<br />

visitado e controlado pelas autoridades, e depois, porque ninguém poderia se furtar a<br />

92


escrever o que se passou no dia. Dessa forma, mantinha-se um “livro diário” com<br />

informações que extrapolavam o sentido comercial e financeiro, posto que “não se<br />

pode negligenciar que ‘o que se faz’ e ‘o que se passa’ num dia excede<br />

obrigatoriamente a esfera estrita das trocas monetárias” (HEBRARD, 2000, p. 38).<br />

Este uso permitiu que os cadernos fossem adotados por homens públicos e<br />

comerciantes para também escrever o que tinha ocorrido, aquilo de que se lembravam<br />

ao fim de um dia. Sobretudo, o que tinha acontecido, excedendo o valor mercantil do<br />

ocorrido e abarcando uma escrita de si e de seu negócio que se tornavam, cada vez<br />

mais, inseparáveis.<br />

Essa é a derivação que melhor se ampliou e a que mais nos interessa, pois os<br />

“cadernos” de Tom não são diários, pelo menos não como o modelo mais usual,<br />

descrevendo impressões e pensamentos, ora desordenados, ora cuidadosamente<br />

numerados. Seus cadernos, contudo, pontuam sua história de vida, e mesmo sem<br />

descrevê-la passo a passo, deixam vestígios e pistas importantes sobre seu fazer e suas<br />

inquietações. Portanto, são exemplos diferentes da principal acepção destacada por<br />

Foucault, mas podem ser pensados a partir dessas reflexões. Esse autor ressalta os<br />

cadernos como livros de vida ou guias de conduta:<br />

Neles eram consignadas citações, fragmentos de obras, exemplos e<br />

ações 5 de que se tinha sido testemunha ou cujo relato se tinha lido, reflexões ou<br />

debates que se tinham ouvido ou que tivessem vindo à memória. Constituíam<br />

uma memória material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas (FOUCAULT,<br />

1992, p. 135).<br />

Ou seja, baseado em textos gregos antigos, sugere o uso intermitente de um<br />

caderno, que pudesse estar o tempo todo com seu dono, embaixo do braço. Nele se<br />

anotava o que de bom se conseguiu ouvir, presenciar e peneirar do que foi<br />

presenciado. Afinal, não se devem anotar pensamentos sem que sejam trabalhados e<br />

fixados. Este exercício foi, na verdade, o início de vários produtos, como<br />

correspondências e tratados. Mas serviu também para o fortalecimento próprio, contra<br />

defeitos, ou para superar traumas e situações difíceis.<br />

Percebe-se então que, num primeiro momento da história dos cadernos, eles<br />

serviam para anotações diárias filosóficas, políticas ou comerciais, que auxiliassem o<br />

5<br />

A edição consultada é lisboense, mas em todas as citações foi preferida a grafia brasileira, quando<br />

diferente da portuguesa.<br />

93


trabalho de seu autor. Mais tarde, tornaram-se relatos espirituais, como os indicados<br />

por São Atanásio para evitar tentações e corrigir imperfeições da alma. Num terceiro<br />

momento, sobreviveram como diários íntimos (FOUCAULT, 1992), bastante comuns<br />

no século XVIII. Atualmente, é possível manter cadernos de anotações com todas as<br />

características anteriores e inventar outras tantas, como Tom Jobim fez livremente nos<br />

seus cadernos. Se lá não estão suas memórias, ao menos é abundante a vontade de se<br />

fazer presente durante a produção dos documentos.<br />

Le paradoxe autobiographique devient ici douloureux: si<br />

l´autobiographie sincère est ce qui doit offrir spontanément au lecteur la vérité<br />

intérieure du moi, l´écriture, instrument de méditation, fait écran au projet dans<br />

le même temps qu´elle le réalise. Tout ne peut se dire que dans l´écart<br />

scripturaire, dans ce double statut de l´écriture qui est instrument de la<br />

transparence et obstacle à la transparence (MIRAUX, 1996, p.83) 6 .<br />

Nesses cadernos, a maioria das datas não são precisas e uma parte da caligrafia<br />

também não pode ser identificada. Conforme descrito anteriormente e segundo<br />

Thereza Hermanny, os cadernos ficavam sobre o piano, a “mesa de trabalho” de Tom.<br />

Durante encontros e saraus realizados em sua casa, vários amigos eram convidados e<br />

vários apareciam como amigos dos amigos. A quem estivesse mais perto do caderno<br />

era dada a tarefa de escrever algum momento de inspiração ou um lembrete. Portanto,<br />

a tarefa hercúlea de identificação da autoria de todos os textos escritos nos cadernos<br />

foi executada, mas não a contento, tendo ficado alguns registros sem identificação de<br />

autoria.<br />

A numeração escrita numa etiqueta e colada na capa de cada caderno, pela<br />

museóloga Vera Alencar, não é linear, como podemos perceber na Tabela 1 abaixo,<br />

pois não obedeceram a um critério anterior ou estruturado. Esse código perdurou<br />

pelos anos, mas de forma não muito confiável, pois quando de sua indexação na base<br />

de dados do Instituto Antonio Carlos Jobim, algumas etiquetas tinham caído e outras<br />

estavam duplicadas. A revisão da numeração ia ser feita após o conhecimento de todo<br />

o conteúdo, mas até hoje essa tarefa ainda não foi levada a cabo. Entretanto, isso não<br />

6<br />

Tradução livre da autora: O paradoxo da autobiografia se torna aqui doloroso: se a autobiografia<br />

sincera é a que oferece espontaneamente ao leitor a verdade interior do eu, a escrita, instrumento de<br />

meditação, impede o projeto ao mesmo tempo em que o realiza. Tudo o que se pode dizer da diferença<br />

de escritura, deste duplo estatuto da escrita, que é instrumento da transparência e obstáculo à<br />

transparência.<br />

94


impede a recuperação da informação e a pesquisa nos documentos, mesmo que<br />

digitais. Essas etiquetas eram apenas uma medida de emergência para separar e<br />

diferenciar alguns cadernos de outros. Mas, a escrita dos cadernos mostra-nos um<br />

encadeamento muito interessante — uma ordem em que foram agrupados. São 37<br />

“caderninhos” que chegaram aos dias de hoje, e certamente contêm lacunas de tempo<br />

e espaço; percorrem toda a vida adulta de Tom (dos 25 aos 67 anos); tornam possível<br />

mostrar parte do cotidiano do maestro, suas relações com a família (mãe, filhos e<br />

esposas) e com os amigos; e até as angústias das obras nas casas em que exercitou<br />

seus conhecimentos como arquiteto.<br />

A seguir, há uma breve descrição dos 32 cadernos que foram considerados<br />

para esse trabalho, excetuando-se os cinco só de Partituras:<br />

Tabela 1: Descrição dos 32 cadernos<br />

CA<strong>DE</strong>RNO CÓDIGO PERÍODO 7 QTD <strong>DE</strong>STAQUES OBSERVAÇÕES<br />

Caderno<br />

1<br />

Caderno<br />

2<br />

Caderno<br />

3<br />

Pi1090 Sem<br />

data<br />

Pi1093 1959-<br />

60<br />

Pi1078 1958-<br />

61<br />

102<br />

fls.<br />

letras e esboços de "Vou te contar",<br />

"Soneto da separação" e "Tempo<br />

vadio", além da lista das suas 235<br />

músicas, com cada parceiro.<br />

72 fls. texto sobre sua iniciação musical;<br />

letras de músicas com Newton<br />

Mendonça, Aloysio de Oliveira,<br />

Vinicius de Moraes; esboços de<br />

"Samba de uma nota só" e "Olha<br />

pro céu"; roteiros e informações<br />

sobre o programa Bom Tom; artigo<br />

sobre o mercado fonográfico.<br />

53 fls. letra de "Frevo de Orfeu", letra<br />

inédita de Di Cavalcanti e Newton<br />

Mendonça, contracapa do disco Por<br />

7 Algumas datas foram atribuídas pela arquivista para facilitar a compreensão.<br />

Capa manchada e<br />

rasurada.<br />

Algumas músicas<br />

são inéditas.<br />

A capa está<br />

boleada por<br />

umidade.<br />

As páginas 145 e<br />

146 estão<br />

reservadas.<br />

Algumas músicas<br />

são inéditas.<br />

Nunca foi gravada<br />

nenhuma música<br />

em parceria com<br />

95


Caderno<br />

4<br />

Caderno<br />

5<br />

Caderno<br />

6<br />

Caderno<br />

7<br />

Caderno<br />

8<br />

Caderno<br />

9<br />

Caderno<br />

10<br />

Pi1422 10 fev.<br />

1957 a<br />

12 jan.<br />

1959<br />

toda minha vida, várias cópias de<br />

letras de músicas.<br />

58 fls. Poemas, desenhos, notas e letras de<br />

músicas passadas a limpo por<br />

Vinicius de Moraes, incluindo<br />

títulos trocados. Ex.: “O amor<br />

demais” x “Canção do amor<br />

demais” e a inédita: “Alguém em<br />

algum lugar”. Poema bestialógio<br />

“Vulvêmora”, assinado por Iktinius<br />

de Moraes.<br />

Pi1216 1958 40 fls. Texto de ACJ sobre sua família e a<br />

primeira versão de "A felicidade" e<br />

"Desafinado".<br />

Pi1221 1976 61 fls. Contracapa do disco Urubu e vários<br />

desenhos para a construção da casa<br />

em Poço Fundo.<br />

Pi1229 Sem<br />

data<br />

Pi1233 1970-<br />

79<br />

12 fls. Letra de "Two Kites", letra inédita<br />

"A chestnut tree in blossom…"<br />

40 fls. Repertórios de shows, listas dos<br />

discos Urubu e Elis & Tom,<br />

tentativa de versão para o inglês da<br />

letra de "Matita perê".<br />

Pi1234 1973 48 fls. Esboço da letra de "Lígia" escrito<br />

por Chico Buarque.<br />

Pi1247 1973 52 fls. Letras de "Ana Luiza", "Ângela",<br />

preparação para a construção da<br />

casa no sítio em Poço Fundo.<br />

Di Cavalcanti.<br />

Algumas músicas<br />

são inéditas.<br />

Algumas músicas<br />

são inéditas.<br />

Essa construção,<br />

cheia de paus e<br />

pedras, gerou a<br />

música “Águas de<br />

março”.<br />

A versão de<br />

“Matita perê”<br />

nunca foi<br />

terminada.<br />

A capa está solta.<br />

Caderno Pi1252 Sem 55 fls. Letra de "Pois é", com caligrafia de O título do<br />

96


11 data Chico Buarque.<br />

Caderno<br />

12<br />

Caderno<br />

13<br />

Caderno<br />

14<br />

Caderno<br />

15<br />

Caderno<br />

16<br />

Caderno<br />

17<br />

Caderno<br />

18<br />

Pi1255 1974 67 fls. Letras de música de ACJ e Chico<br />

Buarque, esboços para a construção<br />

da casa em Poço Fundo.<br />

Pi1256 Sem<br />

data<br />

Pi1095 1973-<br />

76<br />

Pi1423 1973-<br />

77<br />

Pi1105 1975-<br />

77<br />

48 fls. Contracapa do disco Miúcha e<br />

Antonio Carlos Jobim e esboço das<br />

versões de "Ligia", "Matita perê" e<br />

"Ana Luiza". Esboço de "Double<br />

rainbow" no verso da capa.<br />

65 fls. Plantas e croquis do sítio em Poço<br />

Fundo, trabalho de arquitetura de<br />

Paulo Jobim e desenho de Elizabeth<br />

Jobim.<br />

60 fls. Esboços de "Matita perê", tanto<br />

para a letra quanto para o disco, de<br />

"Bebel", além de carta a Frank<br />

Sinatra.<br />

57 fls. Descrição de orixás, estudos para o<br />

disco Urubu.<br />

Pi146 1962 48 fls. Repertório para The Composer of<br />

Desafinado plays; estudos de letras<br />

Pi1149 Sem<br />

data<br />

para “The Girl from Ipanema”,<br />

“Dreamer” e “The Jazz and samba”.<br />

38 fls. Esboço do poema "Chapadão", das<br />

músicas "Bebel", "Maria é dia" e "É<br />

eterno".<br />

Caderno Pi1151 1980- 58 fls. Letra de "Bebel", artigo de ACJ<br />

caderno, escrito<br />

na capa, está<br />

riscado.<br />

Há alguns<br />

documentos com<br />

caligrafia de<br />

Vinicius de<br />

Moraes e Chico<br />

Buarque.<br />

Esses desenhos<br />

datam do início<br />

da carreira de<br />

Beth Jobim como<br />

pintora.<br />

Algumas letras da<br />

parceria com<br />

Norman Gimble<br />

não foram usadas.<br />

Algumas músicas<br />

são inéditas.<br />

“Chapadão” é o<br />

maior poema de<br />

ACJ.<br />

97


19 89 elogioso sobre Villa-Lobos e<br />

desenho do Horácio, de Maurício de<br />

Souza.<br />

Caderno<br />

20<br />

Caderno<br />

21<br />

Caderno<br />

22<br />

Caderno<br />

23<br />

Caderno<br />

24<br />

Caderno<br />

25<br />

Pi1156 1983 52 fls. Esboço da letra da música<br />

"Gabriela".<br />

Pi1160 1987 110<br />

Pi1161 1970-<br />

79<br />

Pi1114 1950-<br />

59<br />

Pi1056 1950 a<br />

52<br />

Pi1180 Sem<br />

data<br />

fls.<br />

Esboço de "Chansong" e<br />

"Gabriela"; roteiro para o show no<br />

Palácio das Artes, letras de várias<br />

músicas e versão em francês de<br />

"Luiza".<br />

50 fls. Roteiros de ACJ para os filmes A<br />

casa assassinada e Tempo do mar,<br />

listas de afazeres pessoais,<br />

lembretes, telefones e crônica sobre<br />

José Carlos Oliveira.<br />

32 fls. Letras de músicas transcritas por<br />

Thereza Hermanny.<br />

27 fls. Relação das despesas domésticas da<br />

casa durante dois anos.<br />

100<br />

fls.<br />

Experiências com palavras em<br />

inglês, lista de problemas com seu<br />

Esse show saiu<br />

em CD em 2004,<br />

com o título de<br />

Tom Jobim em<br />

Minas, piano e<br />

voz.<br />

Tom fez trilha<br />

para os dois<br />

filmes<br />

mencionados.<br />

Quase todas estão<br />

copiadas com<br />

papel carbono e<br />

serviam uma para<br />

ser registrada<br />

como estava e a<br />

outra para ser<br />

modificada.<br />

98


Caderno<br />

26 8<br />

Caderno<br />

27<br />

Caderno<br />

28<br />

Caderno<br />

29<br />

Caderno<br />

30<br />

Caderno<br />

31<br />

Caderno<br />

32<br />

Pi1260 1950-<br />

52<br />

carro e repertórios de shows.<br />

46 fls. Relação de despesas domésticas e<br />

esboços de letras de música em<br />

parceria com Newton Mendonça.<br />

Pi1132 77 fls. Roteiros de shows; letras de<br />

músicas para a minissérie O Tempo<br />

e o vento; esboço de poema para<br />

Luma de Oliveira.<br />

Pi1158 1954 11 fls Esboços e letras de músicas<br />

contidas na Sinfonia do Rio de<br />

Pi1166 Sem<br />

data<br />

Pi1136 1980-<br />

89<br />

Pi1146 1990-<br />

94<br />

Janeiro.<br />

7 fls. Transcrição das letras de músicas<br />

"Não devo sonhar" e "A chuva<br />

caiu".<br />

13 fls. Esboços de músicas, repertório do<br />

show no Carnegie Hall e com Gal<br />

Costa.<br />

14 fls. Esboços de músicas, roteiros de<br />

shows e de figurinos para show.<br />

Pi1264 1950 18 fls. Esboços de letras de músicas<br />

3.2 OBSERVANDO COM MAIS ATENÇÃO<br />

inéditas e o poema "Triste<br />

romance".<br />

“Não devo<br />

sonhar”<br />

permaneceu<br />

inédita.<br />

Não há, nesses cadernos, muitas reflexões de foro íntimo, nem mesmo<br />

“retratos” minuciosos de sua vida diária ou de grandes acontecimentos — do que<br />

também sentiu falta Celso Castro quando pesquisou os diários de Bernardina Constant<br />

de Magalhães Serejo (CASTRO, 2004, p. 231). Mas ainda assim, são documentos<br />

8 Eis um exemplo de como os números se misturaram.<br />

Algumas folhas<br />

estão rasgadas.<br />

Um dos poucos<br />

poemas de ACJ.<br />

99


iográficos fundamentais da vida pessoal do homem público que era o maestro Jobim.<br />

E vale lembrar também que toda escrita representada nesses cadernos foi feita por<br />

Tom para ele mesmo. Normalmente, nesse tipo de escrita, equivalente ao journal dos<br />

franceses, o texto não é destinado a outros leitores. (MIRAUX, 1996, p. 13).<br />

Muitos documentos não puderam ser mais detalhadamente relacionados,<br />

porque não era tarefa para a equipe de indexação, mas para os pesquisadores da vida<br />

do titular, com conhecimentos específicos e mais profundos. Ou seja, é o caso de uma<br />

seqüência de listas de instrumentos, no caderno 4, que não se pode afirmar terem sido<br />

feitas para a gravação da “Sinfonia da Alvorada”, embora seja um dos poucos<br />

momentos em que Tom esteve à frente de uma orquestra.<br />

As tipologias mais comuns nos cadernos são: letras de música, inclusive<br />

algumas inéditas, e versões (43,37%), listas de, entre outras, compras de<br />

supermercados, de músicas gravadas e a gravar, de partituras emprestadas, de tarefas<br />

domésticas ou de consertos nas casas e carros (19,46%), artigos (2,71%), contas<br />

matemáticas (3,04%), poemas (2,93%), desenhos (12,5%) das casas que construiu<br />

(Poço Fundo e Sara Vilela), ou de seus filhos e arquitetos, sendo muitas vezes<br />

precedidos das contas matemáticas. Além desses, encontram-se ainda: contracapas<br />

(1,08%), como a que fez para o famoso disco Chega de saudade, bilhetes e rascunhos<br />

de cartas (1,84%), algumas assinaturas e frases onde Tom treinava a escrita com a<br />

mão esquerda, com duas canetas e ao contrário (1,56%), algumas recomendações<br />

médicas (0,54%), roteiros para seu breve programa de TV O bom Tom (0,54%),<br />

relatos de sonhos de Paulo Jobim (1,31%), melodias com a grade desenhada à mão<br />

livre (0,98%), recibos de pagamentos de funcionários, feitos por Tom ou por quem<br />

recebia (0,2%), notas (6,75%) de contatos e direções e lembretes esparsos (1,19%).<br />

Não entrou na porcentagem o único testamento encontrado nos cadernos, mas pelo<br />

tom jocoso, merece a citação. Tom afirma seu desejo de que tudo o que a ele pertencia<br />

deveria ficar para sua esposa (na época, Thereza Hermanny).<br />

100


Figura 4 – Percentual dos tipos de documentos encontrados nos 32 cadernos<br />

É interessante observar que essa tipologia também é uma tarefa complicada<br />

pois, numa mesma folha, facilmente havia mais de um tipo de documento. Nesses<br />

casos, houve necessidade de priorizar o que estivesse mais completo ou que mais se<br />

destacava. Por exemplo, Tom podia começar com uma letra, inserir um lembrete,<br />

fazer contas e voltar à letra. Ou, escrever numa direção um texto, tombar a página e<br />

escrever outro assunto em outra direção. Também era comum que essas anotações,<br />

registradas numa mesma folha, fossem escritas em datas diferentes. Mesmo que a<br />

grande maioria esteja sem data, é possível perceber como os assuntos foram separados<br />

através tempo. Outras vezes, o registro iniciado numa página, continuava em outras<br />

vinte páginas à frente. Uma observação cabe aqui: as páginas do intervalo são<br />

invariavelmente preenchidas antes e/ou depois desse registro saltado, forçando a<br />

memória do indexador. O que importa ressaltar é que Tom tinha total liberdade de<br />

“bagunçar” seus rascunhos; afinal, ele os compreendia e sempre os encontrava quando<br />

precisava.<br />

A seguir, uma das tantas páginas semelhantes, que contém um exemplo dessa<br />

licença que todo autor tem sobre seus escritos:<br />

101


Figura 5 – Vários tipos documentais numa mesma página. Caderno 4, Pi 1423, p. 3<br />

Figura 6 – Lista de temas para o filme Crônica da casa assassinada. Caderno 25, Pi<br />

1180 p. 4<br />

102


3.3 REFÚGIOS DO EU<br />

Nome: Antonio Carlos Jobim<br />

Naturalidade: Carioca<br />

Data de nascimento: Tenho 31 anos de Ipanema porém nasci na Tijuca<br />

(rua Conde de Bonfim) a 25 de janeiro de 1927<br />

Filiação: Pai gaúcho, falecido (o poeta Jorge Jobim) e mãe carioca<br />

(nascida Brasileiro de Almeida)<br />

Profissão: Músico<br />

Há músicos na família?<br />

Meu lado materno está cheio de gente musical e q praticava música mas,<br />

até onde sei, nenhum se profissionalizou. Minha avó tocando piano, tios tocando<br />

violão, mamãe cantando e tudo mais...<br />

Desde que me lembro de mim gosto de música. Minhas primeiras<br />

lembranças me levam às cantigas de ninar q. minha mãe cantava. Depois à<br />

calçada e às cantigas de roda. A família era grande e morávamos num casarão de<br />

2 andares ligados por aquela escada de madeira que range. Lembro-me dos meus<br />

tios tocando violão e de minha tia cantando. Vinham os choros, as valsas, os<br />

espanhóis, Bach e tudo mais até que me mandavam para (a) cama. Subia a<br />

escada, com medo do escuro, e ia me deitar. Na cama eu me consolava ouvindo<br />

os sons meio distantes do violão, doces, lá embaixo na sala e tudo se apagava.<br />

Dia de sábado chegavam outras pessoas que tocavam e cantavam em<br />

contracanto. Eu ficava bobo achando todo mundo craque. Depois veio a<br />

juventude, o estudo e, o pavor do estudo (acho que isto diz tudo).<br />

O professor queria as escalas mas eu achava a praia muito mais bonita –<br />

ia vivendo. Soprava numa gaita as musiquinhas que ia ouvindo, arranhava o<br />

violão e batucava misticamente (ergue os olhos para cima) o piano até o<br />

desespero da vizinhança.<br />

Nunca pensei em música como profissão. A música, se bem que objeto<br />

de minha paixão, era um prêmio que as horas de folga oferecem.<br />

Depois do futebol na praia, depois dos estudos, que eram as obrigações,<br />

só de música eu me ocupava. Me lembro da minha falta de gosto, da minha<br />

saúde, da minha violência, aos 16 anos, quando tocava aquele piano ininterrupto<br />

que era o desespero do quarteirão, numa obsessão inconsciente, obsessão na<br />

qual quem tocava não sabia que estava tocando. (Acervo ACJ, Pi1093)<br />

Percorri esse texto por entre 18 folhas, lançadas no caderno 2, espremido entre<br />

letras de músicas, bilhetes e várias anotações como se fosse um prêmio que as horas<br />

de trabalho ofereciam. Ao que parece, foi uma tentativa de currículo profissional,<br />

103


quando sua carreira começou a despontar, pois ele pedia que fosse colocada uma foto<br />

acima, antes do seu nome.<br />

Essas anotações ajudam Tom, em início de carreira, a se mostrar para a<br />

imprensa. Tudo indica que foram suportes para formar os roteiros para seu programa<br />

de televisão – que ficou menos de um ano no ar – chamado Bom Tom, mostrado na<br />

TV Tupi, no final dos anos 1950. Para lidar com essa rotina, ele criou textos<br />

igualmente rotineiros. No mesmo caderno 2, páginas à frente (p.52), ele começa a<br />

pensar sobre o mercado fonográfico, em plena expansão após o boom da Bossa Nova:<br />

“Com a melhoria do padrão do disco brasileiro (música, letra, orquestração, técnica de<br />

gravação) muita gente que só comprava música americana passou a comprar também<br />

música brasileira” (Acervo ACJ, Pi1093) 9 . Depois, ocupou várias páginas com letras<br />

de músicas inéditas que então preparava com Aloysio de Oliveira (“Dindi”, “Samba<br />

de uma nota só” e “Olha pro céu”). Há ainda várias notas sobre o que deveria ser<br />

mencionado em seu show na TV, croquis do palco e, na página 74, a descrição de um<br />

dia de gravação:<br />

Prefixo<br />

Comercial<br />

Prefixo – sem ritmo – vem Aluisio que é amigo e parceiro e q. se<br />

apresenta aqui, atrás desta barba. Aluizio pede e apresenta<br />

1) Esquecendo você.<br />

2) Demais Aluizio [sic.] e eu cantamos entra a Orq. e vem Sylvia com<br />

copos e cigarros e terminamos juntos.<br />

Sylvia pede para cantar:<br />

3) De você eu gosto<br />

Comercial<br />

Nós pedimos a Sylvia<br />

4) Dindi<br />

5) Fotografia<br />

6) Prefixo (AcervoACJ, Pi1193)<br />

Não há registros conhecidos desse programa ou show, além dos que estão nos<br />

caderninhos de Tom.<br />

9<br />

A íntegra desse artigo pode ser conferida no Anexo D.<br />

104


Curioso é perceber, ao folhear tais cadernos, que um registro poderia reafirmar<br />

outro ou modificá-lo, estivesse no mesmo caderno ou não. Na página 3 do caderno 3,<br />

Tom anota que precisa evitar demoras na viagem Montevidéu - Rio de Janeiro, e tirar<br />

visto de turista. Nas páginas seguintes encontram-se rascunhos de versos para “Eu<br />

preciso de você”. E, na página 8 do mesmo caderno, ele misturou os dois assuntos,<br />

num dos versos da música: “O turista tem seu passaporte / E eu preciso de v. / nossa<br />

produção pede transporte / E eu pr. de v.” (Acervo ACJ, Pi1078).<br />

Além de lembretes, existem nos caderninhos de Tom bilhetes ou pequenas<br />

cartas para ele mesmo – como nos lembra Foucault: uma memória material das coisas<br />

pensadas, vividas, por viver etc. Mas, essa prática não era nada comum. Ela aparece<br />

apenas em dois lugares em todo o acervo do maestro: uma delas no caderno 21, na<br />

página 165 (Pi1160) e outra, na série Correspondência Pessoal (Cp003).<br />

Figura 7 – Lista de lembretes para o próprio titular. Pi1160, p.29<br />

105


É muito gostoso e surpreendente, para um pesquisador, folhear os cadernos.<br />

Por isso, para facilitar sua leitura e pesquisa, foi decidido pela equipe do Instituto<br />

Antonio Carlos Jobim que haveria planilhas eletrônicas no banco de dados DSpace<br />

para cada um deles, como um todo.<br />

Em algumas páginas, de seus cadernos pessoais, ele tinha extrema liberdade<br />

para brincar com suas assinaturas e com alguns pseudônimos, talvez exercendo<br />

heterônimos que gostaria de ter. Na página 98 do caderno 17, Tom assina como David<br />

Zingg; na página 240 do mesmo caderno, assina como Anatão y João. Em uma carta a<br />

Paulo Jobim, na série Correspondência Familiar (Cf851), Tom assina como João. Em<br />

outras séries também aparecem outros pseudônimos curiosos, como Tom Joba, Tony<br />

Brazil, Walter Glauber e Tom-Tom. As páginas dos cadernos vão se estendendo para<br />

o dia-a-dia, revelando algumas brincadeiras que fazia com seus filhos: “O Papai é<br />

bom / O Papaizinho é muito bonzinho / O Papai gosta muito da Mamãe / A Mamãe<br />

gosta muito do Papai / O Papai gosta muito dos filhinhos / Gosta do Paulinho e da<br />

Betinha”. (Acervo ACJ, Pi1216, p.10). E ainda, recentemente, mostrando a atualidade<br />

do arquivo, a página 47 do caderno 17, assim como quase todo o caderno 29, ajudou a<br />

família Jobim a provar, judicialmente, a co-autoria das versões que Tom fez com<br />

Norman Gimble (Acervo ACJ, Pi1146).<br />

Principalmente usados para seu ofício de compositor, os caderninhos de<br />

anotações de Tom Jobim estão entre os mais preciosos documentos de seu acervo.<br />

Não apenas por constituírem uma explícita escrita de si dentro do arquivo, mas porque<br />

eram companheiros diários, sendo instrumentos de trabalho para o maestro. Por isso<br />

mesmo, estão ali vários pensamentos, fragmentos de músicas ou esboços de desenhos.<br />

Porém, tais inscrições são múltiplas e concisas. Os textos dos cadernos contêm quase<br />

todos os tipos documentais do arquivo, abrigando, portanto, imensa diversidade, toda<br />

ela num mesmo lugar e com uma mesma capa.<br />

106


Figura 8 – Lista de consertos necessários no carro. Caderno 25, Pi 1180, p. 14<br />

107


Figura 9 – Lista de acessórios para levar em caçada. Caderno 28, Pi 1158, p. 12<br />

3.4 AS CASAS <strong>DE</strong> TOM<br />

O endereço de uma pessoa não é importante.<br />

Sobretudo depois de uma certa idade.<br />

Tom Jobim in A casa do Tom<br />

108


Tom sempre se mudou muito. Na infância, morou na Tijuca, em Copacabana e<br />

Ipanema. Desde que pôde sair da casa dos pais (na verdade, mãe e padrasto), morou<br />

com Thereza Hermanny e os filhos Elizabeth e Paulo, na rua Nascimento Silva<br />

(Ipanema), na rua Codajás (Leblon) e na rua Peri (Jardim Botânico). Depois, com a<br />

família de Ana Beatriz e os filhos João Francisco e Maria Luiza, permaneceu na rua<br />

Peri até a casa da rua Sara Vilela (Jardim Botânico) ficar pronta. Claro, acrescentemse<br />

nessas contas, o apartamento próprio em Nova York, o sítio Poço Fundo e o<br />

apartamento alugado em Los Angeles, no início dos anos 1970.<br />

Embora tenha cursado apenas por um ano a Faculdade de Arquitetura, Tom<br />

participou ativamente do planejamento e reformas das duas casas que construiu: a<br />

casa no sítio chamado Poço Fundo, no município de São José do Vale do Rio Preto, e<br />

a casa na rua Sara Vilela, no Jardim Botânico. Os cadernos abrigam muitos rascunhos,<br />

desenhos e cálculos para as obras nas quais Tom participou. Embora em grande<br />

quantidade, são itens pouco precisos e sobre a maioria dos desenhos não se pode<br />

afirmar à qual casa se refere.<br />

Figura 10 – Esboço para a construção da casa em Sara Vilela. Pi 1095, p. 20<br />

Figura 11 – Esboço para a construção da casa em Sara Vilela. Pi 1247, p. 49<br />

109


A primeira casa construída foi o sítio em Poço Fundo, por volta de 1972. Na<br />

verdade, é uma reserva particular da Mata Atlântica, localizada em São José do Vale<br />

do Rio Preto, que fica entre Petrópolis e Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro.<br />

Tom pôde comprar um grande terreno, bastante irregular, quando retornou ao Brasil,<br />

em fins da década de 1960. Tinha conseguido juntar dinheiro suficiente por conta de<br />

seus trabalhos nos Estados Unidos e queria aplicá-lo. Contou com a ajuda da sua mãe,<br />

Nilza Brasileiro de Almeida, e destinou uma parte do terreno para a casa de Helena,<br />

sua irmã, e outra para Elizabeth, sua filha. Quando começaram as obras de<br />

terraplanagem do terreno e as da casa, Tom fez vários rabiscos nos cadernos e muitos<br />

pedidos ao arquiteto Wilfred Cordeiro, seu amigo de infância, pois gostava de<br />

exercitar suas idéias. Ana Jobim comenta em seu filme, A casa do Tom:<br />

O sol da manhã deveria bater nas janelas dos quartos; a parede sul devia<br />

ser cega, por causa dos ventos e das chuvas de verão; os quartos isolados do<br />

chão, para evitar umidade; telhas coloniais grandes em teto sem forro; pé-direito<br />

de sete metros de altura; degraus nas portas de entrada, para evitar cobras. Tom<br />

era obcecado pela arquitetura de morar, cuidava de cada detalhe, não dos<br />

detalhes do interior, mas da luz, da posição do sol, de dormir com a cabeça<br />

voltada para o Norte absoluto, da vista, da paisagem que gostava de contemplar.<br />

(JOBIM, 2007, folheto, p. 12).<br />

Foi nessa época, e em pleno canteiro de obras, que teve inspiração para a<br />

música “Águas de março”, durante uma caminhada/inspeção matinal. Além dessa,<br />

tantos outros sucessos de sua carreira foram inspirados pela natureza do lugar, como<br />

“Dindi” (nome derivado do “Caminho do Dirindi”, que passa pela propriedade de<br />

Tom) e “Chovendo na roseira” (devido aos roseirais à beira da janela do seu quarto).<br />

Esse era o refúgio da família Jobim e eram comuns almoços festivos,<br />

comemorações e cantoria. Tom gostava da mata ao redor, e apelidou de “vento<br />

redondo”, o que circulava pela propriedade. Passeava por lá, piando passarinhos,<br />

observando os urubus (muito importantes na sua obra), conversando com os mateiros<br />

e as pessoas simples da região. Recentemente, foi publicada no DVD A casa de Tom,<br />

uma cena gravada por Ana Jobim e Luiz Eduardo Lerina, na qual Tom conversa com<br />

Narciso Silva, caseiro de Poço Fundo. Nela, Narciso contava, eriçado, seu encontro<br />

com o lobisomem. E Tom balançava a cabeça concordando com tudo.<br />

110


O apartamento em Manhattan foi comprado por causa da vista. Ana tinha<br />

escolhido um apartamento, no sexto andar, com o dobro do tamanho e a metade do<br />

preço do que acabaram adquirindo, no 22º andar. Todos tentaram demovê-lo da idéia<br />

de comprar esse apartamento, incluindo seu contador, mas Tom disse à Ana: “Eu<br />

quero esse. Eu vou comprar esse apartamento”. Ele era completamente indevassável,<br />

com vista de boa parte da cidade: “a view with the room”. Depois, o contador, disse<br />

“Ah, ele tinha razão, vai ver eu gosto mais de dinheiro do que ele” (JOBIM, 2007).<br />

A outra casa ficava na rua Sara Vilela, no alto Jardim Botânico, no “sovaco do<br />

Cristo”, apelido que ele consolidou 10 . Esse projeto começou em 1979 e durou quatro<br />

anos: até 1982. Ana Jobim lembra que o poema “Chapadão” (transcrito integralmente<br />

no Anexo C) começou junto com a obra, mas levou oito anos para ser terminado,<br />

tendo sido publicado no livro Ensaio poético¸ dela e de Tom Jobim, em 1986.<br />

Os arquitetos foram Paulo Jobim e Maria Elisa Costa 11 , mas não sem os vários<br />

retoques de Tom – cliente exigente e “criativo”. Paulo narra à jornalista Camila Pires,<br />

como começou a obra:<br />

Eu fiz o projeto da casa junto com a Maria Elisa Costa. Eu trabalhei por<br />

muitos anos com ela e alguns projetos tinham consultoria do Lucio Costa, uma<br />

figura maravilhosa. A casa era separada do chão para não entrar umidade e para<br />

poder passar vento embaixo. Havia toda uma preocupação com o sol e as telhas<br />

eram de vidro para a luz entrar. A posição da casa acabou ficando totalmente<br />

norte, sul, leste, oeste.<br />

Meu pai gostou do negócio de pegar a bússola e calcular a posição do<br />

sol. Então, a gente descobriu como fazer a conta de que horas era realmente<br />

meio-dia (porque o meio-dia do relógio não é a hora exata em que o sol passa<br />

verticalmente em cima de nossas cabeças). Parece que é quando o sol passa<br />

meio-dia em Ubatuba. E a gente fez essa conta para saber a hora em que o sol<br />

estaria passando reto no terreno. O sujeito lá da obra colocou um fio de prumo<br />

pendurado numa madeirinha (aquele chumbinho pendurado com uma corda) e,<br />

quando chegou meio-dia e dezesseis ou dezesseis para o meio-dia, a gente riscou<br />

a sombra do sol, que fica exatamente ao norte. A gente riscou no chão e a casa<br />

toda ficou marcada. Isso era uma curtição maluca. (PIRES, 2007)<br />

10<br />

“Suvaco [sic.] do Cristo” é o nome de um dos mais famosos blocos de Carnaval da Zona Sul carioca.<br />

Um de seus fundadores, o médico João Carlos Avelleira, contou à autora que ele batizou o bloco<br />

quando leu uma entrevista em que Tom falava que morava no “sovaco do Cristo”. Também no poema<br />

“Chapadão” (Anexo C), Tom menciona o “sovaco cristão”.<br />

11<br />

Filha de Lucio Costa e Julieta Guimarães Costa. Dirigiu o IPHAN de 2004 a 2006 e, atualmente,<br />

mantém a Casa Lucio Costa, no Jardim Botânico, em parceria com sua única filha, Julieta Sobral.<br />

111


Como já mencionado, os caderninhos de anotações serviram para várias<br />

reuniões, contendo desenhos de todos os lados e cálculos de vigas, paredes e telhado.<br />

Mesmo com tantos ajustes, depois de terminada a casa, os novos moradores tiveram<br />

uma infeliz surpresa: o segundo andar ficou com o pé-direito muito curto, provocando<br />

em Tom, uma enorme angústia. Por isso, com bom-humor, ele escreveu uma carta ao<br />

seu filho-arquiteto datada de 2 de setembro de 1983, em que comenta cada defeito (Cf<br />

807). Essa longa carta virou um artigo em tom irônico e engraçado: “O baixo<br />

rebaixado”, Pi921:<br />

12<br />

Todos os aposentos são baixos. O pior é que além das lajes serem baixas,<br />

elas sofrem incríveis rebaixamentos. [...] Pular, num dia frio, embaixo do<br />

chuveiro, nem pensar! Quebraria a cabeça. [...] Felizmente já botei o banheiro<br />

abaixo. Para q. servem as lajes próximas e rebaixadas? Não sei. Acho q.<br />

morrerei sem saber. [...] Serve para q. tudo fique escuro. Quanto mais se<br />

aproxima o chão do teto, mais escuro fica o aposento, mesmo q. todas as<br />

paredes sejam de vidro! [...]<br />

Na minha casa nova toda a vez q. eu tento tirar o rebaixo para tentar me<br />

adaptar à baixa laje encontro mil coisas ocultas pelo rebaixo, os esgotos passam<br />

sempre sobre nossas cabeças. [...] O quarto tem 2,50m de pé-direito e no lugar<br />

do ex-corredor tem menos, aprox. 2,42; e isto depois q. arrancamos o rebaixo e<br />

botamos os canos por cima da laje e as vigas também passamos porque antes o<br />

ex-banheiro tinha a altura de +- 2,10m. (Me lembra o Hotel Marina, opresso,<br />

opressor, oprimente). [...] O telhado também não tem pé direito nem espaço<br />

entre o telhado e a laje q. permitisse arejamento do sótão. [...]<br />

O Sergio Dourado tem suas razões para diminuir a altura, the height of<br />

the room, sus intenciones son bien conocidas $ mas nós, tínhamos sobre nossas<br />

cabeças o céu e as estrelas! Podíamos ter feito a igreja, a gaiola do jereba, mas<br />

não, fizemos os buracos das gavetas. [...] La Cave.<br />

Perguntei ao Jopper 12 pelas máquinas, para suspender, erguer, separar as<br />

lajes, ele disse q é impossível. Sugeri quebrar, ele me diz q é melhor fazer outra<br />

casa, despesa etc... Mas entre essas lajes vou ter q. viver eu!<br />

Talvez o q. tenha levado o Paulim a tais baixezas tenham sido motivos<br />

estéticos. Mas ele se esquece q. a fachada, q. ele viu na prancheta, ninguém vê.<br />

Só de helicóptero, sobre a lagoa, de binóculos, assim mesmo só com aquela<br />

suspensão q. os americanos usam para filmar sem trepidação. [...]<br />

Dr. Jorge Jopper, engenheiro e mestre-de-obras da construção da casa na rua Sara Vilela.<br />

112


Esta casa era pra ser uma casa de verão carioca. [...] ou vendê-la para o<br />

Nelson Ned 13 . Ele poderia, montado num poney, empunhando o espadim, ou o<br />

espeto do churrasco, ou a faca da cozinha dar vivas à República. E tirar o suéter.<br />

Tentarei o q. puder para melhorar, minorar as condições. Telhas de<br />

respiração, cobrir a laje de isopor etc... mas na minha experiência o q. resolve é<br />

pé direito, muito melhor do q. ar condicionado versus laje.<br />

Tenho dito<br />

Tom Joba<br />

Rio, 28.set.83<br />

[...]<br />

P.S 14 . O parapeito é um parapinto.<br />

P.P.S. Em música, quando a gente erra, a gente apaga e escreve certo; se<br />

está gravado, a gente regrava, grava de novo mas, no caso, o meu problema é<br />

muito concreto, armado.<br />

O telhado foi corrigido, numa operação arriscada e ímpar: todo o telhado foi<br />

levantado, de uma só vez, com a ajuda de macacos hidráulicos. Essa tarefa foi tão<br />

impressionante que mereceu ficar registrada em vídeo 15 pelo primo de Ana Jobim,<br />

Luiz Eduardo Lerina.<br />

Foi nessa casa que o casal Jobim criou seus dois filhos, fez festa para seus<br />

animados aniversários em volta do piano, e onde Tom escreveu os poemas<br />

“Chapadão” (sobre a própria casa) e “Meu querido Jardim Botânico” (sobre seu<br />

querido “quintal”).<br />

Tom era um homem absolutamente normal na vida doméstica. Nos<br />

últimos anos acordava muito cedo. Comprava pão, depois sentava ao piano e<br />

Luiza ficava desenhando. Ou passeavam juntos no Jardim Botânico. Ele ia<br />

diariamente à churrascaria Plataforma [...], freqüentava a Padaria Século XX, a<br />

banca Piauí, a farmácia, o florista. Lá pelas 3 ou 4 horas da tarde voltava pra<br />

casa e à noite sentava para compor. Muitas vezes, acordava de madrugada e<br />

ficava ao piano. [...] Sempre atendia ao telefone. As pessoas do outro lado da<br />

linha não acreditavam que era o Tom Jobim que estava atendendo. (JOBIM,<br />

2007, folheto, p. 20-21)<br />

13<br />

Nelson Ned é cantor. Aqui, no contexto, Tom brinca com o fato de ele ser anão.<br />

14<br />

Esse artigo não foi publicado, mas foi distribuído aos arquitetos e amigos da família. Várias partes<br />

foram suprimidas, mas há duas outras assinaturas no documento: Tony Brazil e Antonio Brasileiro.<br />

15<br />

Esse vídeo encontra-se no acervo ACJ, D01.<br />

113


Esta foi sua última morada aqui no Brasil, de onde partiu, para ser operado nos<br />

Estados Unidos, em meados de 1994, falecendo a 8 de dezembro do mesmo ano.<br />

***<br />

O exercício extremamente benéfico de escrever para si, levou Tom à produção<br />

de seus “caderninhos de anotações”. Essa era uma maneira de se fazer a si mesmo, de<br />

se (re-)descobrir, podendo alterar, consertar e impulsionar sua carreira, sua<br />

personalidade. E esses benefícios não são exatamente privilégios de quem está<br />

“destinado” ao sucesso. Só há um requisito para alcançá-los: o exercício do<br />

pensamento. Escrever e reler, como se fôssemos um novo continente em uma nova<br />

época – é esta a magia da literatura. (LECARME, 1999, p. 12)<br />

114


CONCLUSÃO<br />

O patrimônio cultural de um país está representado nos seus costumes, leis e<br />

na sua produção artística. Essas manifestações se materializam nos arquivos,<br />

bibliotecas, museus, donde se justifica dizer que esses centros de informação são<br />

repositórios da cultura de um povo, lugares de sua memória 1 . Donde se justifica dizer<br />

que a forma final do conjunto dos acervos será determinada diretamente pelo<br />

profissional que se responsabiliza pela formação, guarda e distribuição das<br />

informações neles contidas. Além do arquivista, outros dois agentes podem alterar o<br />

volume de dados que entram ou saem do acervo: o pesquisador e o titular/acumulador.<br />

O filtro, que se torna o olhar e o foco de cada pesquisador, desvenda vertentes<br />

novas em um mesmo arquivo. E da mesma maneira que somos plurais nos gostos e<br />

nos gestos, nossa produção também terá vários caminhos possíveis. O motivo — ou<br />

sua ausência — que levou o titular de um fundo a guardar determinado documento<br />

reconstitui as inquietações por que passou. O eixo dessa hipótese gira em torno da<br />

idéia de que os arquivos são, sempre, uma construção consciente sobre a realidade<br />

vivida, seja ela institucional ou particular; e sendo particular, seja privada ou pública.<br />

Os entraves e limitações do ser humano estarão sempre presentes – o que pode se<br />

tornar um problema ou um desafio.<br />

A História até o século XIX só dava conta do espaço público e contou as<br />

histórias dos homens, e especialmente os da classe dominante — excetuando-se<br />

mulheres. Ora, se podemos perceber que essa História (e a sociedade que a cercava)<br />

era uma construção, o que nos impediria de ver a mesma construção, agora mais<br />

explícita, na sociedade atual? Os registros históricos são formados e escolhidos pelo<br />

indivíduo com poder para tal, mas que responde a diversos estímulos externos. O<br />

partido político, as regras da economia, guerras, enfim, a situação de quem é<br />

dominante interfere na escolha do que se quer perpetuar.<br />

Num mundo plural como este em que vivemos, não há espaço para conceitos<br />

herméticos, completos ou estagnados. Não se pode estabelecer um padrão, um<br />

conceito que consiga abarcar todas as intenções de cada indivíduo que pretende usá-<br />

lo. Pode-se revisitar os conceitos de outras épocas, agregar valores atuais, tentando<br />

1 Referência ao conceito de Pierre Nora, no Les lieux de mémoire.<br />

115


caminhar para algo moderno, sempre maleável, ou para usar o termo de Bauman 2 ,<br />

fluido. Essa possibilidade de misturar e adaptar os conceitos para um determinado uso<br />

momentâneo com certeza traz maiores opções e liberdade; entretanto, a insegurança<br />

também aumenta na mesma proporção, pois essa maneira atual de pensar o mundo<br />

cria frágeis conceitos. Talvez por esse motivo, percebemos a necessidade premente de<br />

afirmação da identidade, de determinar as pequenas diferenças entre os grupos<br />

tangentes, mas de estruturar a cultura do país como a mais ampla possível. Porque<br />

mesmo com toda a liberdade benfazeja, todos querem se sentir fazendo parte de algo<br />

coeso, estruturado, por mais “modular” que seja essa estrutura.<br />

Com todas as potencialidades que nos cercam, esse trabalho não é estanque,<br />

pretende-se um eterno gerúndio para ir atualizando os conceitos e definindo que os<br />

arquivos pessoais estão ganhando terreno neste momento que está acontecendo<br />

(flexões verbais intencionais). A minha experiência em mais de dez anos de trabalho<br />

em arquivos privados pessoais me faz perceber que eles são objeto de pesquisas<br />

atuais, livros os mais diversos, temas de números de revistas e congressos<br />

internacionais, disciplinas em faculdades e que por tudo isso podem se ver finalmente<br />

reconhecidos pela comunidade acadêmica.<br />

Outro fato interessante é que nunca vi tantas instituições sendo criadas para<br />

manter um acervo. Para citar poucos, o Instituto Moreira Salles nasceu em 1990, o<br />

Instituto Antonio Carlos Jobim foi criado há cinco anos, o Tempo Glauber teve sede<br />

há seis anos e vejo ainda a criação de outros centros parecidos assim como<br />

preocupação crescente de artistas em garantir, sim, seus direitos autorais, mas, mais<br />

que isso, divulgar suas obras ao maior número de pessoas possível que se<br />

interessarem.<br />

A importância de acervos pessoais demonstra uma necessidade que urge<br />

solução: fontes de pesquisa tão delicadas e raras não podem continuar à mercê do<br />

descaso público (tanto institucional quanto acadêmico). Essa “matéria-prima” precisa<br />

ser lapidada. Para isso, é necessário que as instituições agilizem o processo de<br />

identificação e organização de seus acervos, e que os pesquisadores, ávidos por fatos<br />

inéditos e abordagens novas, “garimpem” os acervos privados pessoais.<br />

A riqueza das fontes primárias pode e deve ser melhor aproveitada.<br />

2 Defendido em alguns de seus livros, mas principalmente, no Modernidade líquida.<br />

116


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117


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122


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Fotografia Ana Jobim. Textos Tom Jobim. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2001.<br />

264 p.<br />

JOBIM, Antonio Carlos. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Fotos: Zeka Araujo. Rio<br />

de Janeiro: Expressão e Cultura, 1988. 2 ed. 1991.<br />

_____. Cancioneiro Jobim: arranjos para piano. Coord. Paulo Jobim. Texto Sergio<br />

Augusto. Il. Elizabeth Jobim. Versão para o inglês: Paulo Henriques Britto. Rio<br />

de Janeiro: Jobim Music, Casa da Palavra, 2000. 5v.<br />

JOBIM, Helena. Antonio Carlos Jobim: um homem iluminado. Rio de Janeiro:<br />

Editora Nova Fronteira, 1996.<br />

KON<strong>DE</strong>R, Leandro. A história dos intelectuais nos anos 50. In: FREITAS, Marcos<br />

César de (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto,<br />

2000, p. 355-74.<br />

LECARME, Jacques; LECARME-TABONE, Éliane. Qu´est-ce que<br />

l´autobiographie?. In: L´autobiographie. Paris: Armand Colin, 1999. p. 19-26.<br />

LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, René (org.).<br />

Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, FGV, 1996. p. 141-185.<br />

LISSOVSKY, Maurício, SÁ, Paulo Sérgio Moraes de, VIAN<strong>NA</strong>, Aurélio. A vontade<br />

de guardar: lógica da acumulação em arquivos privados. Arquivo &<br />

Administração, Rio de Janeiro, v. 10-14, n. 2, p. 62-76, jul./dez. 1986.<br />

LOPES, Luís Carlos. A informação e os arquivos. Teorias e práticas. Niterói (RJ):<br />

Eduff, 1996. 142 p.<br />

LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de<br />

escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998. p. 225-<br />

251.<br />

LOYOLA, Gualter; LEITE, Thales. Tom Jobim em ritmo de Brasília. In: Revista<br />

Brasília, jul.-set. 1988. p. 37-40.<br />

LUCCHESI, Claudio. O jato inesquecível. In: A Revista, Editora Takano, n. 6, abr.<br />

2002, p.13.<br />

MALHEIROS, Armando. Arquivística: teoria e prática de uma ciência da<br />

informação. Porto: Afrontamento, 1999.<br />

MARTINS, Marília, ABRANTES, Paulo Roberto (org). Três Antônios e um Jobim:<br />

histórias de uma geração – o encontro de Antonio Callado, Antonio Candido,<br />

Antônio Houaiss, Antonio Carlos Jobim. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.<br />

123


MAUAD, Ana Maria; MUAZE, Mariana. A escrita da intimidade: história e memória<br />

no diário da viscondessa do Arcozelo. In: GOMES, Angela de Castro, org.<br />

Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p.197-228.<br />

MAYRINK, Geraldo. Juscelino Kubitschek; nosso presidente Bossa Nova. In: A<br />

Revista, Editora Takano, n. 6, abr. 2002, p. 4-9.<br />

_____. Anos dourados: a lendária era JK. In: A Revista, Editora Takano, n. 6, abr.<br />

2002, p. 46-55.<br />

MELO, Ricardo Moreno de. Mestrado em Musicologia - Universidade Federal do<br />

Estado do Rio de Janeiro. Cultura popular: pequena discussão teórica.<br />

Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos/cultura-popular/culturapopular.shtml<br />

Acesso em 9 jan. 2007<br />

MICELI, Sérgio. SPHAN: refrigério da cultura oficial. In: Revista do Patrimônio,<br />

SPHAN, n. 22, 1987, p.44-47.<br />

MIRAUX, Jean-Philippe. L´autobiographie: écriture de soi et sincérité. Paris:<br />

Éditions Nathan, 1996.<br />

MORAES, Laetitia Cruz de. Vinicius, meu irmão. In: MORAES, Vinicius de.<br />

Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. FERRAZ, Eucanaã, org. 4. ed. Rio<br />

de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 25-49.<br />

MORAES, Vinicius de. O maestro Antonio Carlos Jobim: a música é uma só. Jornal<br />

não identificado, 1956. Acervo ACJ, Pim 047.<br />

_____. Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Organização de Eucanaã Ferraz.<br />

4. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 25-49.<br />

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: Neurose. Rio de Janeiro: Forense<br />

Universitária, 1997.<br />

MULLER, Samuel; FEITH, Johan Adriaan; FRUIN, Robert. Manual de arranjo e<br />

descrição de arquivos. Trad. Manuel Adolpho Wanderley. Rio de Janeiro:<br />

Arquivo Nacional, 1960. 145p.<br />

OLIVEIRA, Lucia Lippi. Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema<br />

e rádio. In: FERREIRA, Jorge e <strong>DE</strong>LGADO, Lucília e Almeida Neves (orgs). O<br />

tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado<br />

Novo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p 323-49. (Col. O Brasil<br />

republicano; v.2)<br />

PEN<strong>NA</strong>, Maria Luiza. Luiz Camillo; perfil intelectual. Belo Horizonte: Editora<br />

UFMG, 2006. 708p.<br />

124


POLLACK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos Históricos, Rio<br />

de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p.3-15.<br />

ROSSI, Fred. Anotações com Arte: Tom Jobim. São Paulo: Fred Rossi, 2006.<br />

SCHELLENBERG, Teodore Roosevelt. Arquivos modernos: princípios técnicos.<br />

Trad. Nilza Teixeira Soares. 2 tir. Rio de Janeiro: FGV, 1974.<br />

SEMPRINI, Andrea. Espaço público e espaço multicultural; O multiculturalismo e a<br />

crise da modernidade. In: _____. Multiculturalismo. Baruru: Edusc, 1999. p. 129-<br />

169.<br />

SEVERIANO, Jairo, MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de<br />

músicas brasileiras. São Paulo: Editora 34, 1997. 2 v.<br />

TELLES, Gilberto Mendonça. Tia Menina: o canto da costura. In: Terra branca, terra<br />

vermelha. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, [2000].<br />

THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete<br />

Operária. São Paulo: Polis, 1982.<br />

TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: ideologia e política na conjuntura do golpe de<br />

1964. In: _____. (org.) Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB.<br />

Rio de Janeiro: Revan, 2005.<br />

VASCONCELLOS, Eliane. Carta-missiva. Arquivo & Administração, Rio de Janeiro,<br />

v. 1, n. 1, p. 7-14, 1998.<br />

VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.<br />

137.<br />

125


Anexos<br />

126


Anexo A - Plano de arranjo do arquivo pessoal de Antonio Carlos Jobim<br />

DOCS TEXTUAIS DOCS AUDIOVISUAIS DOCS ICONOGRÁFICOS DOCS MUSEOLÓGICOS<br />

Correspondência Pessoal (Cp) Áudio caseiro (K7) Cartazes Bandeiras<br />

Correspondência Familiar (Cf) Álbum Desenhos Medalhas<br />

Correspondência de Terceiros (Ct) Vídeo Fotos Prêmios<br />

Documentação pessoal (Dp)<br />

Documentos diversos (Dv)<br />

Produção Intelectual do Titular (Pi)<br />

Produção Intelectual de Terceiros (Pit)<br />

Produção Não Identificada (Pini)<br />

Publicação na Imprensa (Pim)<br />

127


Anexo B – Planilha dos Documentos Textuais do Instituto Antonio Carlos Jobim<br />

Modelo de planilha dos cadernos(Pi)<br />

610 Assunto (P. jurídica):ˆa<br />

611 Assunto Evento:<br />

651 Assunto Geográfico:<br />

653 Termo candidato:<br />

700 Assunto (P. física):<br />

740 Títulos das partes:<br />

773 Documento fonte:ˆt título<br />

ˆh descrição física<br />

ˆd imprenta<br />

787 Doc. Relacionado: ˆi descrição<br />

ˆa entrada principal<br />

ˆt título<br />

ˆd emprenta ˆh descrição física<br />

040 Código da Instituição: IACJ<br />

091 Tipo de peça: Documentos textuais Gênero e tipo de doc.:<br />

092 Coleção ou fundo: Antonio Carlos Jobim Código:<br />

093 Série:<br />

100 Autor (Pessoa Física):<br />

240 Título uniforme:<br />

245 Título principal do documento:<br />

246 Título variante:<br />

260 Local: Data:<br />

300 Nº doc.: 1 doc. Técnica gráfica:<br />

Dimensão: Nº folhas:<br />

500 Observações:<br />

610 Assunto (pessoa jurídica): Â<br />

611 Assunto Evento:<br />

580 Nota de ligação:ˆa entrada principal<br />

651 Assunto Geográfico:<br />

520 Resumo:<br />

653 Termo candidato:<br />

700 Assunto (P. física):<br />

546 Idioma do texto:<br />

740 Títulos das partes:<br />

562 Ident. cópias e versões:ˆa<br />

773 Documento fonte:ˆt título<br />

590 Notas de pesquisa:<br />

ˆh descrição física<br />

ˆd imprenta<br />

787 Doc. Relacionado: ˆi descrição<br />

592 Estado de conservação:<br />

ˆa entrada principal<br />

600 Assunto (P. física):<br />

ˆa autor ˆt título da obra<br />

ˆt título<br />

ˆd emprenta<br />

ˆh descrição física<br />

128


Anexo C – Poema “Chapadão”<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO ALTO DO CHAPADÃO<br />

VOU LEVAR O MEU PIANO<br />

QUE FICOU NO CANECÃO.<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO ALTO DO CHAPADÃO<br />

VOU LEVAR A DON'ANINHA<br />

PRA ME DAR INSPIRAÇÃO.<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO ALTO <strong>DE</strong> UMA QUIMERA<br />

VOU CRIAR UM MUNDO NOVO,<br />

INVENTAR NOVA MEGERA.<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

COM LARGURA E COMPRIMENTO<br />

E PEÇO AO PAULO UMA SALA<br />

PRA BOTAR ANINHA <strong>DE</strong>NTRO<br />

VOU BOTAR MINHA BIRUTA<br />

NO TAQUARUÇU <strong>DE</strong> ESPINHO<br />

VOU FAZER CAMA MACIA<br />

PRA TE AMAR <strong>DE</strong>VAGARINHO<br />

SEREMOS DOIS BELEZUDOS<br />

NESTE MUNDO <strong>DE</strong> FEIOSOS<br />

AS NOITES SERÃO TRANQÜILAS<br />

E OS DIAS TÃO RADIOSOS<br />

QUERO MINHA CASA FEITA<br />

COM RÉGUA PRUMO E ESMERO<br />

QUERO TUDO BEM TRAÇADO<br />

QUERO TUDO COMO EU QUERO<br />

QUERO TUDO BEM MEDIDO<br />

<strong>DE</strong> LARGURA E COMPRIMENTO<br />

NÃO QUERO QUE MINHA CASA<br />

ME TRAGA ABORRECIMENTO<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

DO ALTO <strong>DE</strong> UMA CANÇÃO<br />

E AGRA<strong>DE</strong>CER A <strong>DE</strong>US PAI<br />

A SOBRANTE INSPIRAÇÃO<br />

SOB A AXILA DO CRISTO<br />

NESTE SOVACO CRISTÃO<br />

129


VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO ALTO DO CHAPADÃO<br />

E VOU DAR FESTA BONITA<br />

COM BEBIDA E COM GARÇON<br />

E AO LUFA QUE FOI AMIGO<br />

DOU CHAMPAGNE COM BOMBOM<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO CENTRO DO RIBEIRÃO<br />

QUERO MUITA ÁGUA LIMPA<br />

PRA LAVAR MEU CORAÇÃO<br />

MINHA CASA NÃO TERÁ<br />

NEM SÁBADO, NEM DOMINGO<br />

TODO DIA É DIA SANTO<br />

TODO DIA É DIA LINDO<br />

TODO DIA É SEXTA-FEIRA<br />

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO<br />

VOU CONVIDAR ALBERICO<br />

PARA O PEIXE COM PIRÃO<br />

E <strong>DE</strong>NTRO DA MINHA CASA<br />

NUNCA VAI JUNTAR POEIRA<br />

PELO MEIO <strong>DE</strong>LA PASSA<br />

UMA ENORME CACHOEIRA<br />

QUERO ÁGUA COM FARTURA<br />

QUERO TODO O RIACHÃO<br />

QUERO QUE NO MEU BANHEIRO<br />

PASSE INTEIRO O RIBEIRÃO<br />

QUERO A CASA EM LUGAR ALTO<br />

VENTILADO E SOALHEIRO<br />

QUERO DA MINHA VARANDA<br />

CONTEMPLAR O MUNDO INTEIRO<br />

VOU FAZER O MEU RETIRO<br />

<strong>NA</strong> GROTA DO CHORORÃO<br />

A MINHA CASA SERÁ<br />

UMA CASA <strong>DE</strong> ORAÇÃO<br />

VOU ME ESQUECER DO PECADO<br />

ENTRAR EM MEDITAÇÃO<br />

E NÃO SAIO MAIS <strong>DE</strong> CASA<br />

SÓ SAIO <strong>DE</strong> RABECÃO<br />

VOU ENTRAR PRA ACA<strong>DE</strong>MIA<br />

VOU COMER MUITO FEIJÃO<br />

130


E ACORDAR À MEIA-NOITE<br />

PRA VESTIR O MEU FARDÃO<br />

MAS <strong>NA</strong> MINHA ACA<strong>DE</strong>MIA<br />

SEM CHAZINHO E SEM GARÇON<br />

SÓ ENTRA MARIO QUINTA<strong>NA</strong><br />

SÓ ENTRA CARLOS DRUMMOND<br />

QUE JÁ CHEGA <strong>DE</strong> BESTEIRA<br />

JÁ BASTA <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>COREBA<br />

QUE A CULTURA VERDA<strong>DE</strong>IRA<br />

TÁ <strong>NA</strong> ASA DO JEREBA<br />

PORQUE TEM URUBU-REI<br />

E TEM URUBU MINISTRO<br />

DOIS <strong>DE</strong> CABEÇA AMARELA<br />

E UM PRETO QUE REGISTRO<br />

REGISTRO NESTE <strong>DE</strong>BUXO<br />

OS DOIS CONDORES TAMBÉM<br />

EMBORA URUBUS <strong>DE</strong> LUXO<br />

TÊM DIREITOS NO ALÉM<br />

SOB A AXILA CRISTÃ<br />

NESTE SOVACO CRISTÃO<br />

VOU FAZER <strong>DE</strong> TELHA-VÃ<br />

A CASA DO CHAPADÃO<br />

VOU DORMIR MEU SONO VELHO<br />

NESTE SOVACO DO CRISTO<br />

VOU COMPRAR MUITO SOSSEGO<br />

VOU REGAR O MEU HIBISCO<br />

VOU VIVER <strong>NA</strong> MINHA CASA<br />

VOU VIVER COM A MINHA GENTE<br />

VOU VIVER VIDA COMPRIDA<br />

PRA NÃO MORRER <strong>DE</strong> REPENTE<br />

VOU CONTEMPLAR GRAN<strong>DE</strong>S PEDRAS<br />

VAZIO <strong>DE</strong> COMPREENSÃO<br />

VOU ESQUECER O MEU NOME<br />

NO ALTO DO CHAPADÃO<br />

VOU PLANTAR UM ROSEIRAL<br />

VOU CHEIRAR MANJERICÃO<br />

VOU SER <strong>DE</strong> NOVO MENINO<br />

VOU COMPRAR O MEU CAIXÃO<br />

E VOU DORMIR <strong>DE</strong>NTRO <strong>DE</strong>LE<br />

BEM RELAX, TRANQÜILÃO<br />

131


DORMIR <strong>DE</strong> BANHO TOMADO<br />

JÁ PRONTO PRA EXTREMA-UNÇÃO<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO ALTO DO CEMITÉRIO<br />

VOU VESTIR A BECA NEGRA<br />

E EXERCER O MAGISTÉRIO<br />

VOU VESTIR A ROUPA LENTA<br />

QUE LEVA AO <strong>DE</strong>SCONHECIDO<br />

E EIS QUE CHEGO AOS SESSENTA<br />

COMO UM HOMEM SEM PARTIDO<br />

NESTA PASSAGEM <strong>DE</strong> VENTO<br />

NESTA ETER<strong>NA</strong> VIRAÇÃO<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

COM AS PEDRAS DO RIBEIRÃO<br />

VOU FAZER A MINHA TOCA<br />

NO BICO D'URUBUTINGA<br />

NO PICO DA MARAMBAIA<br />

LÁ <strong>NA</strong> PONTA DA RESTINGA<br />

SERÁ NO RASTRO DAS ANTA<br />

<strong>NA</strong> TRILHA DA SAPATEIRA<br />

QUE É PRAS ONÇA DO TELHADO<br />

CAIR <strong>DE</strong>NTRO DA FOGUEIRA<br />

QUE EU GOSTO <strong>DE</strong> ONÇA ASSADA<br />

MAS <strong>NA</strong> BRASA DA LAREIRA<br />

CONVERSANDO AO PÉ DO FOGO<br />

A CONVERSA ROTINEIRA<br />

DAS QUEIXADAS, DOS MACUCOS<br />

CONVERSA PRA NOITE INTEIRA<br />

DA MEMÓRIA DAS CAÇADAS<br />

<strong>NA</strong> FLORESTA BRASILEIRA.<br />

<strong>DE</strong>STE PLA<strong>NA</strong>LTO CENTRAL<br />

ESTE PROJETO CRISTÃO<br />

A NINGUÉM FALTARÁ TETO<br />

A NINGUÉM FALTARÁ PÃO<br />

<strong>DE</strong>STA PRANCHETA I<strong>DE</strong>AL<br />

<strong>NA</strong> LUMINOSA MANHÃ<br />

DR. LUCIO FAZ O RISCO<br />

DO PROJETO TELHA-VÃ<br />

NESTA OFICI<strong>NA</strong> SERE<strong>NA</strong><br />

CARPINTARIA CRISTÃ<br />

132


DR. LUCIO MAIS OSCAR<br />

NO PROJETO TELHA-VÃ<br />

NESTE CANTEIRO <strong>DE</strong> OBRAS<br />

ON<strong>DE</strong> MANDA MESTRE ADÃO<br />

OS MILHARES <strong>DE</strong> OPERÁRIOS<br />

COLOCAR AS TELHAS VÃO<br />

NESTE <strong>DE</strong>SVÃO PRINCIPAL<br />

NESTA BRANCA E AZUL MANHÃ<br />

VOU ERGUER A MINHA CASA<br />

<strong>DE</strong> VERMELHA TELHA-VÃ<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

NO MEIO DA CONFUSÃO<br />

QUE O JEREBA SE ALEVANTA<br />

NO <strong>OLHO</strong> DO FURACÃO<br />

VOU FAZER A MINHA CASA<br />

<strong>NA</strong> ASA D'URUBU PEBA<br />

QUE CASA SÓ É SEGURA<br />

FEITA EM ASA <strong>DE</strong> JEREBA<br />

VAI SER <strong>NA</strong> VERTENTE SECA<br />

<strong>NA</strong> VIRADA DA CHAPADA<br />

ON<strong>DE</strong> O PEBA SE SUSPEN<strong>DE</strong><br />

<strong>NA</strong> FUMAÇA DA QUEIMADA<br />

NÃO QUERO MAIS TER GALINHA<br />

VENDO TODA A CAPOEIRA<br />

VOU MANDAR CORTAR O MATO<br />

E VEN<strong>DE</strong>R TODA A MA<strong>DE</strong>IRA<br />

MAS QUEM PÔS FOGO NO MATO?<br />

É ESPONTÂNEA A COMBUSTÃO?<br />

ESSE FOGO VEM <strong>DE</strong> LONGE<br />

ESSE FOGO É <strong>DE</strong> BALÃO<br />

INDA QUE MAL LHE PERGUNTE<br />

ESSE FÓSFORO AÍ GRANDÃO<br />

O COMPADRE ME <strong>DE</strong>SCULPE<br />

É SÓ <strong>DE</strong> ACEN<strong>DE</strong>R BALÃO?<br />

VOU BOTAR FOGO NO MATO<br />

COMANDAR REBELIÃO<br />

INCENDIAR A FLORESTA<br />

TACAR FOGO NO SERTÃO<br />

133


Anexo D – Artigo de Tom Jobim sobre a expansão do mercado<br />

fonográfico, Pi1093 p.52 a 55<br />

1959 - 1960<br />

O mercado de discos de 59 se mostrou bastante concorrido. Apesar da<br />

inflação, da carne e do feijão muita gente deu Cr$570,00 por um L.P. O rock e a<br />

música brasileira chamada de bossa-nova tiveram grande vendagem; o que vem<br />

provar que os teen agers têm alto poder aquisitivo. (Pedem dinheiro aos pais e<br />

compram discos modernos. Conclusão: “velho”, percentualmente, não compra disco.<br />

Resulta disto que a música chamada anticomercial está se tornando altamente<br />

comercial.<br />

Com a melhoria do padrão do disco brasileiro (música, letra, orquestração,<br />

técnica de gravação) muita gente que só comprava música americana passou a<br />

comprar também música brasileira.<br />

Em 1960 deverão as gravações melhorar mais ainda. Em 59, no terreno da<br />

música erudita, o Brasil perde Villa-Lobos. Os poucos que procuram seus discos não<br />

encontraram.<br />

134

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