FUNDAÇÀO GETULIO VARGAS DE OLHO NA ETERNIDADE: a ...
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FUNDAÇÃO <strong>GETULIO</strong> <strong>VARGAS</strong><br />
CENTRO <strong>DE</strong> PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO <strong>DE</strong> HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA – CPDOC<br />
PROGRAMA <strong>DE</strong> PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS<br />
CURSO <strong>DE</strong> MESTRADO PROFISSIO<strong>NA</strong>LIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS<br />
<strong>DE</strong> <strong>OLHO</strong> <strong>NA</strong> ETERNIDA<strong>DE</strong>:<br />
a construção do arquivo privado de Antonio Carlos Jobim<br />
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro de Pesquisa<br />
e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC –<br />
para obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos<br />
Sociais<br />
Rio de Janeiro<br />
Julho de 2008<br />
GLEISE ANDRA<strong>DE</strong> CRUZ
CRUZ, Gleise Andrade.<br />
De olho na eternidade: a construção do arquivo privado de<br />
Antonio Carlos Jobim. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio<br />
Vargas, 2008. 133 p. : il<br />
Dissertação (Mestrado Profissionalizante), Fundação<br />
Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2008.<br />
Orientadora: Profª Drª Angela de Castro Gomes<br />
1. Arquivos pessoais 2. Tom Jobim 3. Antonio Carlos Jobim –<br />
Biografia 4. Brasil – História.<br />
CDD 927
FUNDAÇÃO <strong>GETULIO</strong> <strong>VARGAS</strong><br />
CENTRO <strong>DE</strong> PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO <strong>DE</strong> HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA – CPDOC<br />
CURSO <strong>DE</strong> MESTRADO PROFISSIO<strong>NA</strong>LIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS<br />
<strong>DE</strong> <strong>OLHO</strong> <strong>NA</strong> ETERNIDA<strong>DE</strong>:<br />
a construção do arquivo privado de Antonio Carlos Jobim<br />
Trabalho de conclusão de curso apresentado por<br />
GLEISE ANDRA<strong>DE</strong> CRUZ<br />
E APROVADO EM ____________________ PELA BANCA EXAMI<strong>NA</strong>DORA<br />
____________________________________________________<br />
Profª Drª ANGELA <strong>DE</strong> CASTRO GOMES (Orientadora)<br />
____________________________________________<br />
Profª Drª MARIETA FERREIRA<br />
____________________________________________<br />
Profª Drª REBECA GONTIJO<br />
____________________________________________<br />
Profª Drª LETÍCIA NE<strong>DE</strong>L (Suplente)<br />
2
Resumo:<br />
O arquivo de Antonio Carlos Jobim, assim como todo arquivo pessoal, foi colecionado e<br />
mantido para satisfazer o desejo de um homem que sempre se preocupou com sua imagem.<br />
Este trabalho demonstra a história da construção e organização desse acervo, além de<br />
fortalecer a hipótese de que o arquivo, em sua integridade, configura-se como uma escrita<br />
autobiográfica. Abordo a organização arquivística do fundo Antonio Carlos Jobim, dentro do<br />
Instituto que leva seu nome, e dou ênfase na subsérie Cadernos de anotações, da série<br />
Produção Intelectual do Titular. Esses cadernos são um tipo de documento singular, quer pelo<br />
uso que deles fazia o maestro, quer pela sua prática memorial. O estudo destas fontes<br />
primárias nos permite inferir a imagem construída pelo próprio titular, e também evidencia o<br />
plano dos guardiões dessa memória em perpetuá-la: Jobim decidiu manter um arquivo pessoal<br />
com o claro propósito de preservar sua obra e projetá-la para o futuro. Esse cuidado foi<br />
transmitido para seus herdeiros, que além das obras musicais, cuidam, hoje, de seu legado<br />
arquivístico dentro do Instituto Antonio Carlos Jobim.<br />
Abstract:<br />
Antonio Carlos Jobim archive as well as his personal archive was collected and arranged to<br />
fulfill the desire of a man concerned with his image. This work reveals the history underneath<br />
the organization of his private documents. Also, it presents proofs of an autobiographical<br />
intent. I approach the construction of Jobim archives at Instituto Antonio Carlos Jobim and I<br />
emphasize the sub series Caderno de Anotações —Notebooks— in the serie Produção<br />
Intelectual do Titular; those notebooks can be considered unique documents and they are an<br />
important evidence of his daily use and memorial practice. The study of primary sources of<br />
this nature allows us to infer the image constructed by Jobim as well as the plans of the<br />
guardians of his legacy. The maintenance of his personal and musical archive highlights the<br />
composer's purpose of preserving his works to future generations. Jobim´s musical and<br />
personal archives are under his family responsibility at Instituto Antonio Carlos Jobim in Rio<br />
de Janeiro.<br />
3
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
À força que me move em direção ao aprimoramento: seja Deus, seja Ele em mim, seja apenas<br />
eu. Por ela, me dispus contra toda a adversidade por que passei no processo de confecção<br />
dessa dissertação. Mas, por conta disso também, acredito que estou melhor hoje do que antes,<br />
melhor preparada para o mercado de trabalho, mais determinada — e mais cansada!<br />
À minha orientadora, Professora Doutora Angela de Castro Gomes, que num primeiro<br />
momento pensei austera e rígida, para logo depois descobrir uma pesquisadora tão preocupada<br />
quanto eu e extremamente inteligente e coerente. Confesso que, em muitos momentos de<br />
fraqueza, pensei nela como modelo e percebi minha admiração crescente.<br />
Aos amigos da turma do Mestrado do Cpdoc de 2006. Sempre seremos a melhor turma do<br />
programa: muito unidos, embora muito ocupados, muito amigos, embora agora afastados.<br />
Vocês deram a ajuda e o apoio que meu trabalho precisava.<br />
Ao meu filho, João Pedro Cruz Serpa, para quem tento ser exemplo, mãe, amiga e professora.<br />
Ele não entendeu ou mesmo percebeu minhas aflições, mas sempre chegava com uma palavra<br />
de carinho enquanto eu estudava e escrevia: “Ah, mãe, deixa eu jogar?”<br />
Ao meu marido, Pedro da Costa Pereira, que nunca me deixou desanimar e nunca esmoreceu<br />
seu amor por mim, até quando nem eu mesma me aturava.<br />
Aos queridos amigos do Instituto Antonio Carlos e da Jobim Music, sem os quais não teria<br />
chegado ao fim: Paulinho Jobim, Eliane Vasconcellos, Gabriel Caymmi, Clay Protasio,<br />
Clarice e Isabel Nicioli, Bernardo Krivochein, Patricia Helena Fuentes, Patricia Lima,<br />
Jacqueline Barbosa, Avelina Oliveira, Christina Costa, Dona Luiza e Suria Braga Alves.<br />
Especialmente, aos entrevistados Vera de Alencar, Ana Jobim e Thereza Hermanny.<br />
Muito obrigada também a toda a família Jobim.<br />
4
Toda vez que uma árvore é cortada aqui na Terra, eu acredito que ela<br />
cresça outra vez em outro lugar — em algum outro mundo. Então,<br />
quando eu morrer, este é o lugar para onde quero ir:<br />
onde as florestas vivam em paz.<br />
TOM JOBIM<br />
(JOBIM, A CASA <strong>DE</strong> TOM, 2007)<br />
“Não sou imortal, sou altamente mortal.”<br />
Tom Jobim<br />
(Acervo ACJ, E14)<br />
5
Introdução, p. 9<br />
ÍNDICE<br />
Capítulo 1: Tom Jobim, compositor de si mesmo, p. 18<br />
1.1 Biografias e autobiografias: um preâmbulo, p. 19<br />
1.2 Um Brasil Bossa Nova, p. 22<br />
1.3 Conceituação de Cultura popular, p. 25<br />
1.3.1 O popular massificado, p. 27<br />
1.4 Uma História Biográfica de Tom Jobim, p. 30<br />
1.4.1 Os primeiros anos de uma vida, p. 30<br />
1.4.2 Ainda os primeiros: casamento, emprego..., p. 31<br />
1.4.3 Compositor de si mesmo, p. 33<br />
1.4.4 Alguns encontros importantes, p. 38<br />
1.5 A criação da Bossa Nova, p. 45<br />
1.5.1 Tom e a Bossa Nova, p. 49<br />
1.6 Últimos tempos, p. 51<br />
Capítulo 2: O arquivo Tom Jobim, sua maior composição, p. 54<br />
2.1 Os guardiões da memória, p. 54<br />
2.2 A criação de uma instituição: o Instituto Antonio Carlos Jobim, p. 58<br />
2.3 Considerações sobre Arquivos e Arquivos pessoais, p. 61<br />
2.3.1 Acumulação e Avaliação, p. 67<br />
6
2.3.2 Classificação e Descrição, p. 69<br />
2.4 O acervo de Tom Jobim, p. 70<br />
2.4.1 Higienização, p. 72<br />
2.4.2 Digitalização, p. 73<br />
2.4.3 Divulgação e acesso, p. 74<br />
2.4.4 Descrição e indexação, p. 76<br />
2.5 Entendendo o arquivo, p. 81<br />
Capítulo 3: Cadernos para lembrar Tom – lembranças dele, com ele e para ele, p. 87<br />
3.1 Conhecendo os cadernos, p. 91<br />
3.2 Observando com mais atenção, p. 99<br />
3.3 Refúgios do eu, p. 103<br />
3.4 As casas de Tom, p. 108<br />
Conclusão, p. 115<br />
Anexo A – Plano de arranjo do arquivo, p. 117<br />
Anexo B – Planilha dos Documentos Textuais do Instituto Antonio Carlos Jobim, p. 118<br />
Anexo C – Poema “Chapadão”, p. 119<br />
Anexo D – Artigo de Tom Jobim sobre a expansão do mercado fonográfico, Pi1093, p. 124<br />
Bibliografia, p. 125<br />
7
LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES E TABELAS<br />
Figura1 – Primeira correspondência de Frank Sinatra a Tom Jobim, Cp489<br />
Figura 2 – Primeiro esboço para “Garota de Ipanema”. Pi 1216 p. 54<br />
Figura 3 – Foto da bagunça sobre o piano de Tom Jobim, p64f05<br />
Figura 4 – Percentual das tipologias encontradas nos 32 cadernos<br />
Figura 5 – Vários tipos documentais numa mesma página. Caderno 4, Pi 1423 p. 3<br />
Figura 6 – Lista de temas para o filme Crônica da casa assassinada. Caderno 25, Pi 1180 p. 4<br />
Figura 7 – Lista de lembretes para o próprio titular. Pi1160 p.29<br />
Figura 8 – Lista de consertos necessários no carro. Caderno 25, Pi 1180 p. 14<br />
Figura 9 – Lista de acessórios para levar em caçada. Caderno 28, Pi 1158 p. 12<br />
Figura 10 – Esboço para a construção da casa na rua Sara Vilela. Pi 1095 p. 20<br />
Figura 11 – Esboço para a construção da casa na rua Sara Vilela. Pi 1247 p. 49<br />
Tabela 1: Descrição dos 32 cadernos<br />
8
INTRODUÇÃO<br />
Durante a faculdade de Arquivologia, tive oportunidade de conhecer as idades<br />
dos arquivos e me aproximar do estudo e prática em arquivos permanentes 1 . Além da<br />
predisposição pessoal para lidar com esse tipo de acervo, os programas de estágios<br />
(extremamente necessários, em todos os sentidos) me foram conduzindo para esse<br />
campo. Após trabalhar em várias instituições de guarda de acervos, como Fundação<br />
Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional e Academia Brasileira de Letras, iniciei o<br />
trabalho de organização do acervo pessoal de Tom Jobim, junto à equipe do Instituto<br />
Antonio Carlos Jobim, em 2002.<br />
Tive outras experiências em arquivos; como Carlos Drummond de Andrade,<br />
Pedro Nava, Vinicius de Moraes, Helio Pelegrino, Antonio Salles ou Miguel Paiva.<br />
Contudo, nenhuma foi tão agradável no conjunto, com a do arquivo de Tom Jobim.<br />
Até porque, a produção artística de Tom arrebatou a admiração de uma multidão de<br />
fãs em todo o mundo, colaborando para colocar a música brasileira no hall of fame<br />
dos Estados Unidos e, de lá, para ser reconhecida em outros circuitos internacionais.<br />
A trajetória de Tom sempre vai passar pela sua grandiosidade como letrista e<br />
sua genialidade como compositor. Mas seu arquivo pessoal chama a atenção<br />
justamente por permitir acesso ao lado mais íntimo do maestro. Seus documentos<br />
revelam o perfil de um homem simples, que conversava com os passarinhos e<br />
“visitava” árvores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; que andava de chinelos na<br />
rua; que foi pai-avô completamente apaixonado pela família, e que defendia<br />
ferrenhamente os amigos, mesmo em público. A possibilidade de conhecer essa outra<br />
face do maestro, que sem se despir de sua importância pública, cultivou as identidades<br />
de marido, pai e amigo com bastante carinho, é muito proveitosa. Eis, portanto,<br />
porque desenvolvi esse encantamento com o músico (sua face pública), depois que me<br />
apaixonei por seu acervo (sua face privada). Na verdade, não conhecia muito mais<br />
sobre Tom antes disso. Um percurso que deve ser a contramão do que acontece com a<br />
maioria dos fãs.<br />
1<br />
Concordo apenas parcialmente com o cânone arquivístico de separar os acervos em correntes,<br />
intermediários e permanentes — penso que a freqüência de uso é apenas um dos componentes para a<br />
classificação de arquivos. Discordo mais vigorosamente de que não se justificariam ferramentas de<br />
avaliação num arquivo permanente. Entretanto, não cabe aqui essa discussão, pretendia apenas<br />
mencionar minha posição.<br />
9
O trabalho técnico em um arquivo privado é normalmente mais complexo do<br />
que parece aos leitores desavisados ou aos administradores que o julgam como um<br />
conjunto de gavetas. Muitas vezes o titular do arquivo registra um fato, outras não;<br />
muitas vezes, o registro pode ter sido perdido e outras, simplesmente apagado, pois<br />
quando existe o documento, existem, também, lacunas e incertezas. Um arquivo<br />
privado é, na verdade, ele mesmo, um documento biográfico. Nele está reunido um<br />
conjunto de registros sobre a própria vida: cartas, agendas, cadernos de anotações,<br />
depoimentos ou diários. Mas, mesmo em arquivos pessoais, nem sempre é comum a<br />
existência de documentos autobiográficos, isto é, vestígios da vida de uma pessoa, que<br />
ela mesma tenha produzido: uma escrita autobiográfica.<br />
Tom Jobim nunca se preocupou em escrever sua autobiografia 2 , e também não<br />
chegou a ver as publicações que Helena Jobim e Sérgio Cabral fizeram sobre ele.<br />
Mesmo sendo bastante interessado em guardar relatos e fotos de sua família e de ter,<br />
inclusive, pesquisado a origem do nome da família Jobim, Tom não conseguiu, pelo<br />
menos sozinho, reunir essas informações 3 . Pedro Nava, por exemplo, teve sua vida<br />
literária alicerçada em sua memória (sete livros ao todo, o último interrompido por<br />
seu suicídio). Ele guardava todo tipo de papel (rótulos, mapas, fotos) e anotava em<br />
pequenas tiras, tudo o que se lembrava e que poderia servir de “ganchos” nos seus<br />
capítulos, montando uma espécie de quebra-cabeças literário ou um hypomnemata 4<br />
picotado. Tom não foi um literato, mas um músico, e, como ele mesmo disse, em<br />
várias oportunidades, era a música que o movia para a vida. Ele cuidou de guardar em<br />
seu arquivo, registros de sua vida profissional/musical, sem perder os vínculos que o<br />
mantinham, assim como qualquer ser humano, com suas raízes em vários outros<br />
campos: familiar, pessoal, carreira pública. Tom foi, portanto, um mediador entre<br />
mundos.<br />
Esses mediadores […] desenvolvem a capacidade de lidar com dois ou<br />
mais códigos. Seu sucesso profissional e pessoal depende de seu desempenho<br />
2<br />
Vale lembrar que Ana Jobim, no filme A casa de Tom; mundo, monde, mondo, considera o poema<br />
“Chapadão” como uma autobiografia, pois Tom lança, em versos, cenas de sua vida cotidiana. Esse<br />
poema está transcrito no Anexo C desse trabalho.<br />
3<br />
Tom teve ajuda de suas esposas Thereza Hermanny (1949-1977) e Ana Lontra Jobim (1978-1994)<br />
para reunir seu arquivo. Além delas, colaboraram Vera Alencar, museóloga contratada para organizar<br />
seu arquivo e Helena Jobim, irmã de Tom, que herdou os documentos da mãe.<br />
4<br />
Caderno de anotações pesquisado e definido por Foucault como guia de bolso a ser portado por uma<br />
pessoa para que pudesse anotar tudo o que de importante se passava durante o dia, contribuindo para<br />
um engrandecimento pessoal. O capítulo 3 oferecerá maiores detalhes sobre esse tipo de caderno.<br />
10
como intermediários. Em uma sociedade complexa e heterogênea, papéis como<br />
esses, nem sempre explícitos e conscientes, fazem parte da própria lógica do<br />
processo interativo. (VELHO, 2003, p. 82)<br />
Eis, portanto, a justificativa de Tom como mediador: ele teve o privilégio de circular<br />
pelos campos da harmonia clássica e popular, transcrevendo seu potencial criador em<br />
notas musicais, legíveis para outros; pelo campo lírico também, onde passeia todo<br />
escritor/compositor, entre o mundo da poesia e o da inspiração; e o mundo dos<br />
homens, pois escreveu em (duas) línguas os sentimentos que tinha, via e imaginava.<br />
Ele usava seu potencial de metamorfose, mediador que era, como nos termos<br />
de Gilberto Velho:<br />
O potencial de metamorfose permite, em geral, aos indivíduos<br />
transitarem entre diferentes domínios e situações, sem maiores danos ou custos<br />
psicológico-sociais, ao contrário do que se poderia esperar, a partir de uma visão<br />
mais estática da identidade. (VELHO, 2003, p. 82)<br />
Assim, através do acervo acumulado pelo titular do arquivo, pode-se descobrir<br />
a versão dos acontecimentos que ele sustenta: sua visão do mundo, seus anseios em se<br />
fazer perpetuar como parte de uma sociedade que lhe permite assumir várias faces<br />
identitárias. A identidade preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior" — entre o<br />
mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas<br />
identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e<br />
valores, tornando-os "parte de nós" contribui para alinhar nossos sentimentos<br />
subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A<br />
identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os<br />
mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e<br />
predizíveis. (HALL, 2005, p.7)<br />
A identidade está estritamente ligada à memória consciente que se pretende<br />
sustentar. Memória é a capacidade de elaborar informações, fatos e experiências do<br />
passado e reconstruí-los no presente, retransmitindo-os a outros ou não. Há a<br />
possibilidade de rememorar fatos que dizem respeito apenas a um indivíduo (memória<br />
individual), a um grupo, como uma comunidade ou organização (memória coletiva)<br />
ou mesmo ao Estado e todas as instituições da esfera pública (memória nacional)<br />
(HALBWACHS, 1990, p. 35). Talvez não seja possível, nem desejável, hierarquizar<br />
11
esses conceitos, mas é possível observar como eles se interpõem e se completam.<br />
Embora existam vários estímulos para a memória em uma pessoa, ela sempre<br />
precisará se coligar a outros estímulos, coletivos, para efetivamente se lembrar do<br />
fato. Ou seja, a memória é sempre individual e coletiva, a um só tempo. É necessário<br />
entender o limite que a memória individual pode trazer; uma memória que possa nos<br />
tornar únicos. Sempre que selecionamos o que lembrar e, por extensão, o que<br />
esquecer, fazemos escolhas que nos diferenciam dos outros, inclusive dos que<br />
viveram os mesmos fatos conosco (HALBWACHS, 1990, p. 37). Essas escolhas<br />
compõem nosso discurso, que exibe o que pensamos, o que queremos enfatizar ou o<br />
que queremos esconder (CHAGAS, 2002, p.35). A construção da identidade de um<br />
povo, grupo ou indivíduo passa necessariamente pelo que ele selecionou de seu<br />
passado e como ele quer se mostrar no presente. Segundo Jacques Le Goff, “a<br />
memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou<br />
coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das<br />
sociedades de hoje” (LE GOFF apud MAGALHÃES, 2006, p.4). E a memória é base<br />
essencial da escrita, que remonta lugares, combina textos e ordena as idéias no papel.<br />
Nessa hora, quanto maior a bagagem, maior o embaralho na produção do texto e, ao<br />
contrário, se há falta de memória, o texto ganha lacunas. (GONTIJO, 2004, p.187)<br />
Desde o século XVIII 5 , os homens comuns ganharam espaço na vida pública e<br />
foram “descobertos” pelos pesquisadores abrindo caminhos para novas coleções em<br />
museus, novos cursos nas faculdades, estudos e práticas mercadológicas na sociedade<br />
em geral. Eis, então, o início da luz sobre os registros do cotidiano. Embora não seja<br />
imparcial, como nenhuma fonte é, os documentos pessoais se destacam por uma certa<br />
informalidade com o que se registra, pela intimidade dos conteúdos dos registros e<br />
pelo caráter, muitas vezes, inusitado do que se registra. Por esse motivo, histórias<br />
como a do marinheiro bordador, João Cândido, durante a Revolta da Chibata 6 , e de<br />
Anne Frank no Holocausto, não passaram despercebidas. O que passa a importar é a<br />
versão do fato, como o autor percebeu o que aconteceu.<br />
5<br />
Segundo Angela de Castro Gomes, datação difícil, mas segura.<br />
6<br />
Contada por José Murilo de Carvalho: o comandante João Cândido bordou, em toalhas de mão, seu<br />
sofrimento pelos maus-tratos e pela partida de amigos — ato pouco pensado para homens, e ainda mais<br />
nessas circunstâncias! (CARVALHO, 2006, p.26)<br />
12
Embora seja uma tarefa proveitosa, pesquisar e falar de arquivos de famosos,<br />
de mitos 7 como Tom Jobim, é preciso sempre ter em mente dois fatores: o primeiro<br />
diz respeito à privacidade do titular e familiares e o segundo à veracidade dos fatos. A<br />
pesquisadora Eliane Vasconcellos nos lembra da disposição que tem o autor de um<br />
documento de caráter pessoal de se mostrar despido frente ao destinatário. As cartas, e<br />
por extensão, os documentos de arquivos pessoais servem ao propósito de fazer-se<br />
presentes quando não é possível a presença e de contar confidências, lembranças e<br />
detalhes em quem se confia, um amigo próximo.<br />
A correspondência permaneceu durante muito tempo sepultada nos<br />
arquivos públicos ou privados, só recentemente passou a ter valor como<br />
documento de maior importância. Os pesquisadores têm-se conscientizado de<br />
que podem encontrar nela dados relevantes: a missiva funciona como<br />
testemunho vivo de uma época, pode documentar uma história pessoal, registrar<br />
situações, ações e reflexões. [...]<br />
Por se tratar de um discurso informal, na carta se expõem idéias e<br />
sentimentos que são reduzidos e interpretados por um terceiro — o leitor. Por este<br />
motivo, nós, que trabalhamos com correspondências encontradas em arquivos<br />
privados, devemos ter em mente alguns problemas de ordem ética e jurídica, que<br />
de certa forma encontram suas raízes nas observações feitas por Bandeira ao<br />
publicar as cartas de Mário. (VASCONCELLOS, 1998, p.8)<br />
Carlos Drummond de Andrade também se mostrou preocupado com a guarda<br />
e o uso dos seus arquivos (e de seus amigos próximos). Em vários momentos de seus<br />
textos lembra do cuidado necessário com as “coisas domésticas”, como mencionado<br />
na crônica "O quarto violado do poeta", publicada no Jornal do Brasil, de 2 fevereiro<br />
de 1978, onde se compadece de Manuel Bandeira que recebeu uma “homenagem”,<br />
sob forma de documentário, onde seu quarto de hotel foi filmado, sem autorização.<br />
Mas, em nenhum outro texto Drummond se empolga tanto como no “Museu-<br />
fantasia”, em que sugere a criação de um lugar que possa abrigar, organizar, tratar e<br />
divulgar corretamente os arquivos dos escritores brasileiros como ele.<br />
Outro ponto importante é o cuidado em não podermos admitir como<br />
verdadeiro tudo o que está escrito em um documento privado. Nem mesmo<br />
7<br />
Segundo Edgard Morin, são astros de cinema, ídolos da música, ícones da realeza convertidos pela<br />
cultura de massa em “olimpianos” da atualidade, com cada momento das suas vidas rasgados nos<br />
cotidianos da imprensa.<br />
13
documentos oficiais, criados por governos, com formato e suporte padronizados, nos<br />
eximem de tais considerações. Entretanto, é sempre interessante observar a seleção<br />
realizada e a versão que o arquivo produz da vida de seu titular.<br />
O titular de um arquivo não precisa pensar da mesma maneira durante sua<br />
vida; ou mesmo se manter “coerente” na guarda de seus documentos ou ainda<br />
conseguir distinguir entre o que é real e o que é ficção em sua memória. Tom Jobim<br />
manteve fotos suas durante uma de suas caçadas a aves na mata (cerca de 1950), junto<br />
a artigos sobre ecologia e apreciação de pássaros (desde 1986). O titular se constrói e<br />
a seu texto/ seu arquivo, como parte de um discurso que se quer perpetuar, enquanto<br />
esse mesmo discurso o empurra para a confirmação do personagem construído. Essas<br />
forças não se combatem, mas buscam certo equilíbrio na “produção de si”, que se<br />
configura como lugar de experimentação e ajuste. (GOMES, 2004, p.17)<br />
Durante sua vida, Tom fez várias escolhas e não as lamentou, embora tivesse<br />
lamentado suas conseqüências. Constantemente, por exemplo, reclamava da imprensa,<br />
na própria imprensa:<br />
[…] a imprensa do Rio, que sempre fala mal dos artistas — fala mal do Chico,<br />
fala mal do Caetano — vem e malha. O Brasil é de cabeça para baixo, persegue<br />
a quem trabalha. Se você trabalhar, aparece fiscal, vem a polícia. Os bandidos,<br />
não […] as moças bonitas se apaixonam por eles. Parece coisa de Mário de<br />
Andrade, Macunaíma… Sempre que o Brasil vai mal, eles dizem que eu estou<br />
me mudando para os Estados Unidos. Quando o país melhora, dizem que eu<br />
estou voltando. Mas não é nada disso. […] Sempre essa besteirada. Dizem que<br />
eu saí daqui para fugir do Imposto de Renda, como se lá não fosse pior. […]<br />
Aqui é que tem esse negócio, negócio de procedência maligna. Depois que eu<br />
fiz meia dúzia de modinhas, ficaram falando mal de mim, porque eles não têm<br />
mais o que falar. (in LOYOLA, 1988, p. 39)<br />
Pensava que seu trabalho nem sempre era reconhecido como o era em outros<br />
países por onde passou. A campanha de 1988 que fez para a The Coca-Cola<br />
Company, por exemplo, repercutiu efeitos indesejados aqui no Brasil:<br />
São multinacionais que estão aqui. E se você vai negar espaço para elas,<br />
dará o direito de, lá fora, negarem para a Varig, Vale do Rio Doce […] A Coca-<br />
Cola dá emprego a milhares de brasileiros — o xarope é brasileiro, a água é<br />
brasileira. Então, na hora em que aparece o anúncio, essas pessoas que tomam<br />
14
Coca-Cola querem destruir o anúncio. Acusam-me de ter vendido um<br />
patrimônio nacional, “Águas de março”. Você não pode vender música. Na<br />
época de Noel Rosa, vendia-se música, mas escondido, por baixo do pano, e<br />
quem pagava aparecia como autor, como dono da música. Quando um<br />
compositor vendia uma música, todo mundo ficava do seu lado. Sinal de que ele<br />
não estava conseguindo viver de direito autoral. (LOYOLA, 1988, p. 39)<br />
Os homens, seres plurais por natureza, passam por momentos que determinam<br />
seu caráter, sua personalidade e constroem seu futuro. Nenhuma pessoa que vive em<br />
sociedade, que também é um organismo plural e dinâmico, consegue volver sua<br />
atenção a um assunto apenas. Regina Marques, ao catalogar os livros da biblioteca de<br />
Oscar Niemeyer, constatou que 59% são sobre Artes, 19% sobre Ciências Humanas,<br />
2% sobre Ciência e Tecnologia e apenas 12% tratam de sua área mais estreita,<br />
Arquitetura e Urbanismo. O mesmo se pode aplicar ao arquivo de Tom Jobim, pois<br />
nos seus documentos há vários macro-assuntos como política, história, teatro,<br />
ecologia e natureza, literatura além, claro, de música. Isto pode evidenciar seu<br />
interesse não só em aperfeiçoar sua arte, mas em manter-se informado com o que<br />
ocorria no mundo ao seu redor.<br />
O catalogador trabalha procurando determinar os principais assuntos,<br />
ressaltar o diferencial e perceber os detalhes que estão no documento.<br />
Freqüentemente, há documentos de difícil leitura, uma vez que a maioria é manuscrita<br />
e quem escreve para si, costuma entender a própria letra — o que muitas vezes não<br />
acontece quando da intervenção técnica. Outros documentos apresentam contextos<br />
culturais, socioeconômicos e políticos de difícil investigação e fazem referências a<br />
pessoas e obras pouco conhecidas. Em quaisquer desses casos, sempre se faz<br />
necessária extensa pesquisa e em fontes diversas. O trabalho do catalogador<br />
caracteriza-se, assim, como o de um pesquisador especialista.<br />
O capítulo a seguir deverá descrever o arquivo como um todo, desde a<br />
acumulação feita por Tom Jobim, passando pela ordem e colaboração de sua primeira<br />
esposa até a completa estrutura e organização dentro do Instituto Antonio Carlos<br />
Jobim, feita por seus filhos e viúva. Logo depois, devemos nos debruçar sobre a Bossa<br />
Nova, época mais frutífera da carreira de Tom, dando voz ao próprio titular, através<br />
dos vários fragmentos “autobiográficos” encontrados em seu acervo. O último<br />
capítulo deverá apresentar os 32 cadernos de anotações de que Tom escreveu durante<br />
15
sua vida adulta, ressaltando os documentos que melhor traduziram seu cotidiano em<br />
casa.<br />
DIFICULDA<strong>DE</strong>S ENCONTRADAS<br />
A seguir, descrevemos algumas dificuldades encontradas durante a pesquisa<br />
e o trabalho, ou melhor dizendo, no trabalho de pesquisa do acervo de Tom Jobim.<br />
Identificar as assinaturas das correspondências. Houve casos de letra<br />
ilegível, nomes em outras línguas e apelidos. Na Correspondência Pessoal, por<br />
exemplo, o autor de uma carta se assina como Cabinha; somente após a<br />
pesquisa descobriu-se que se tratava de Isnaldo Khrockatt de Sá, grande amigo<br />
de Tom; o mesmo aconteceu com Bituca, que é Milton Nascimento, entre<br />
outros tantos exemplos. Além, claro, dos apelidos familiares presentes na<br />
Correspondência Familiar.<br />
Identificar os pseudônimos que Antonio Carlos Jobim utilizava. Por<br />
exemplo: Tom Joba, Tony Brazil, Tão, Antonio Carlos Brasil etc.<br />
Determinar datas e períodos nos Cadernos, já que muitos documentos<br />
raramente apresentavam data precisa. Entretanto, a pesquisa possibilitou<br />
determinar uma data aproximada – seja pela composição da música, seja pelos<br />
temas descritos.<br />
Reconhecer as diferentes caligrafias presentes nos Cadernos. Através de<br />
entrevista com Thereza Hermanny 8 , descobriu-se que estes costumavam ficar<br />
sobre o piano ou sobre alguma mesa de fácil acesso, na sala de estar. A cada<br />
sarau com os amigos ou mesmo trabalhando só, Antonio Carlos Jobim pedia<br />
ajuda a quem estivesse por perto para anotar o que ele dizia, pois não queria<br />
perder o momento da inspiração. Como ninguém assinava o documento, o<br />
reconhecimento da caligrafia tornou-se uma tarefa intrincada e minuciosa. Para<br />
conseguir identificar algumas, recorreu-se à Série Correspondência e a<br />
familiares de Tom Jobim.<br />
8<br />
D. Thereza foi a primeira esposa de Tom Jobim e presenciou muitos momentos registrados nos<br />
primeiros caderninhos de anotações.<br />
16
Determinar o ineditismo das letras. O trabalho de composição de Antonio<br />
Carlos Jobim era descrito por ele mesmo como “95% de transpiração e 5% de<br />
inspiração”. Por isso, os versos encontrados nos Cadernos ora apareciam em<br />
uma, ora em outra letra. Ele realocava versos e estrofes, mudava o sentido da<br />
letra, da rima, da métrica. Algumas letras encontradas nos Cadernos pareciam,<br />
num primeiro momento, inéditas. Entretanto, com maior conhecimento das<br />
músicas do compositor, verificou-se tratarem-se apenas de primeiras versões. É<br />
o caso de “Garota de Ipanema”. Inicialmente, a rima e os versos eram<br />
totalmente diferentes, assim como o título: “A menina que passa”. Todas essas<br />
diferenças poderiam configurar uma outra composição, mas nem a letra<br />
abandonada é uma música inédita, nem a letra gravada é outra totalmente nova.<br />
Pesquisar os termos técnicos em inglês, presentes na correspondência com<br />
advogados e músicos estrangeiros. As dificuldades foram sanadas com<br />
consultas a dicionários, biografia especializada e consultas à família Jobim e a<br />
outras famílias, como a do maestro Radamés Gnattali.<br />
17
CAPÍTULO 1: TOM JOBIM, COMPOSITOR <strong>DE</strong> SI MESMO<br />
O mundo é grande e bello [sic.],<br />
vamos fazer música, para viver! Esqueça o baixo Astral.<br />
Bilhete de Tom Jobim, ao próprio, s.d. 1<br />
Tom Jobim nasceu a 27 de janeiro de 1927, no bairro da Tijuca, Rio de<br />
Janeiro, e faleceu a 8 de dezembro de 1994, em Nova York. Seu pai, Jorge Jobim,<br />
morreu quando ele ainda era criança, em 1935, tendo sido diplomata, poeta, escritor e<br />
professor. Sua mãe, Nilza Brasileiro de Almeida Jobim, falecida em 1989, fundou o<br />
Colégio Brasileiro de Almeida, em Ipanema, e se casou, pela segunda vez, com Celso<br />
Frota Pessoa, em 1936. Sua única irmã, Helena Jobim, é escritora premiada, e foi<br />
quem lhe deu o apelido de Tom Tom. Como sabemos que uma brilhante carreira não<br />
se conquista sem investimentos, selecionamos alguns fatos de sua trajetória pessoal e<br />
profissional, que se fundem com a própria história mais recente da música popular<br />
brasileira 2 .<br />
Pretende-se, neste capítulo, lembrar fatos da vida privada do maestro, que<br />
foram a público ou não, mas que apresentam como característica comum o fato de<br />
terem registros em seu arquivo pessoal. Isto porque, como já assinalamos, os arquivos<br />
privados pessoais são repositórios de informação sobre o titular e a época em que<br />
viveu, e mais ainda, são indicações de seus anseios e escolhas, do caminho trilhado.<br />
Dessa forma, estamos propondo, através desse trabalho, não apenas contribuir para a<br />
afirmação de que os arquivos pessoais são, também, arquivos (como os<br />
administrativos) e não coleções inorgânicas, como também evidenciar que o arquivo<br />
de Tom Jobim permite redescobertas sobre sua vida e obra. É claro que estamos<br />
conscientes da amplitude dessa possibilidade e de que o que fazemos é apenas um<br />
pequeno exemplo. De toda forma, o que se buscará fazer é um exercício biográfico, a<br />
partir de fragmentos existentes no arquivo construído por Tom.<br />
1<br />
Esse bilhetinho encontra-se na série Correspondência Pessoal do acervo ACJ, Cp003.<br />
2<br />
Os dados apresentados se basearam principalmente na biografia Um homem iluminado, de Helena<br />
Jobim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996 e na gravação do MIS, Depoimento para a posteridade, de<br />
1967, ambos constantes de seu acervo.<br />
18
1.1 BIOGRAFIAS E AUTOBIOGRAFIAS: UM PREÂMBULO<br />
Os historiadores da Antiguidade, desde 500 d.C., começaram a usar o termo<br />
biografia para identificar os relatos sobre a vida de alguém, normalmente famoso. A<br />
prática de escrever biografias percorreu os séculos, voltando-se para os “grandes<br />
homens”. Eram sempre elogiosas, visando mais ao legado político ou religioso do<br />
biografado, como os panegíricos gregos ou os exempla europeus da Idade Média, sem<br />
qualquer preocupação de se fundamentarem no uso de documentos. Apenas no século<br />
XIII, Boccaccio escreveu a vida de Dante, apoiando-se em um certo tipo de pesquisa<br />
documental e introduzindo uma concepção mais moderna de biografia (BORGES,<br />
2005, p. 226).<br />
Entretanto, o marco da biografia moderna é a publicação, em 1791, de James<br />
Boswell, Life of Samuel Johnson LL.D., ainda sem edição brasileira. Pelo método<br />
empregado, que além da pesquisa documental, produziu entrevistas com personagens<br />
variados, inaugurou uma nova fase para a escrita biográfica 3 . Baseando-se em uma<br />
extensa pesquisa de vinte anos, que demandou mais seis para escrever a biografia, seu<br />
objetivo era contar a “verdade” sobre os fatos da vida de Samuel Johnson —<br />
jornalista, crítico e romancista. A partir do livro de Boswell, as obras desse tipo<br />
procuravam alcançar a completude da vida do biografado, mas é possível considerar a<br />
biografia também uma rápida incursão pela trajetória de alguém, passando apenas por<br />
datas e fatos mais relevantes. Vavy Borges (2005, p. 213), seguindo a literatura<br />
especializada, enumera três tipos de escrita biográfica, segundo a finalidade e o grau<br />
de elaboração:<br />
artigo de dicionário biográfico: um breve resumo da vida de uma pessoa<br />
pública, por vezes famosa;<br />
monografia de circunstância: como elogios fúnebres ou ligados a uma<br />
circunstância particular (breves, muitas vezes presentes na imprensa<br />
escrita); e<br />
biografia científica ou literária: obras maiores, com finalidade histórica,<br />
que trabalham com documentação numerosa e variada.<br />
3<br />
Um exemplo da importância desta obra é demonstrado pelas dez edições que teve em trinta anos.<br />
(BORGES, 2005, p. 205).<br />
19
O estudo e sobretudo a escrita de biografias passou por altos e baixos através<br />
do tempo. Eis, grosso modo, as três fases delineadas por Daniel Madelénat 4 : 1)<br />
clássica, da Antiguidade até o século XVIII, praticada, principalmente, pelos gregos;<br />
2) romântica, do século XIX ao início do século XX; e 3) moderna, a partir<br />
principalmente da década de 1970, relacionada à Psicanálise, Ética e História.<br />
O movimento ocorrido a partir do Renascimento, transformou as formas<br />
medievais de relacionamento interpessoal, econômico e político. Mais ainda, a partir<br />
do século XVIII, com o progressivo avanço das chamadas sociedades individualistas,<br />
tornou-se possível a constituição de “arquivos”, também pela acumulação dos<br />
“homens comuns”. O indivíduo passou a se perceber como célula de uma sociedade<br />
complexa, mas como célula única, podendo sua memória ser interessante para si e<br />
para os outros.<br />
Devido à necessidade de, no século XIX, estabelecerem-se e/ou firmarem-se<br />
conceitos que justificassem a nação e o governo, e grandes feitos de homens<br />
públicos, as “idiossincrasias pessoais” 5 desapareceram e acabaram produzindo uma<br />
derrocada pelo interesse na biografia. Como irá ressaltar Sabina Loriga, não parecia<br />
óbvio que o “destino individual dos homens ilustres permitia compreender as escolhas<br />
de uma nação” (LORIGA, 1998, p.229). Mas essa situação se altera e, com o passar<br />
do tempo, as mudanças da historiografia, sobretudo a partir do fim dos anos 1970,<br />
produzem uma “nova História”, com destaques para o olhar individualizado e todos os<br />
olhares possíveis dentro de um mesmo fato.<br />
Em 1985, o assunto biografia mereceu um congresso na Sorbonne, mas,<br />
mesmo assim, foi admitida apenas como “uma modesta ferramenta, que ajuda a<br />
melhor observar ou a ilustrar as tendências longas, as estruturas, as forças de peso; em<br />
hipótese alguma ela poderia pretender tornar-se uma alavanca intelectual” 6 .<br />
Entretanto, a atenção que faltou aos historiadores sempre foi dada pela<br />
Literatura, que manteve o interesse na “história de vida” 7 , mesmo sendo ainda dos<br />
“grandes homens”. Talvez, vindo por esse caminho, seja plausível entender a<br />
4<br />
Informação transcrita por Vavy Borges encontrada em MA<strong>DE</strong>LENÁT, Daniel. La biographie. Paris:<br />
PUF, 1984.<br />
5<br />
BUCKLE, Henry T. History of civilization in England. (London, 1857-61) apud LORIGA, 1998,<br />
p.231).<br />
6<br />
BONIN, Hubert. “La biographie peut-elle jouer un rôle en histoire économique contemporaine?” apud<br />
LORIGA, 1998, p. 227.<br />
7<br />
Termo adquirido da Sociologia.<br />
20
proliferação das biografias escritas por jornalistas desde a década de 1980,<br />
impulsionando um retorno que enche as prateleiras das livrarias, deixando claro que<br />
muitos historiadores ainda têm ressalvas com este tipo de trabalho. Um exemplo dessa<br />
relação de amor e ódio dos historiadores para com a biografia é o exemplo do grande<br />
medievalista Jacques Le Goff. Vavy Borges, em seu texto sobre biografia, seleciona<br />
quatro situações: 1) na década de 1970 teve duas chances de mencionar o termo<br />
biografia e não o fez: na coletânea Faire l’histoire, em parceria com Pierre Nora, e na<br />
enciclopédia La nouvelle histoire, em parceria com Roger Chartier e Jacques Revel<br />
2) já em 1989, comentou “[a biografia é] um complemento indispensável da análise<br />
das estruturas sociais e dos comportamentos coletivos” 8 3) dez anos depois, elogia<br />
veementemente: “a biografia é o ápice do trabalho do historiador” 9 , 4) tendo ele<br />
mesmo se dedicado por anos a escrever São Luís, evita a ligação com a biografia<br />
afirmando: “nem meu São Luís, nem meu São Francisco de Assis são, na verdade,<br />
biografias. São Luís é a tentativa de contar, mostrar e explicar tudo que podemos<br />
saber sobre um personagem enquanto indivíduo” 10 .<br />
A biografia encontrou ainda favorecimento no advento da História Oral, que<br />
desde 1948 11 vem oferecendo voz e vez aos homens comuns, que sem terem sido<br />
grandes governantes ou religiosos, participaram dos acontecimentos históricos. Uma<br />
metodologia que está ligada a toda uma renovação historiográfica, pela qual vimos<br />
passando nas últimas décadas, e que procura retomar o papel do sujeito na história<br />
seja o “grande homem” ou não.<br />
O interesse da História pelos arquivos privados/pessoais está ligada a essa<br />
transformação maior. Os arquivos pessoais seriam, portanto, a principal fonte para o<br />
estudo da vida privada de um indivíduo — as “‘vozes’ que nos chegam do passado,<br />
[os] fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja, [as] chamadas<br />
fontes documentais” (BORGES, 2005, p. 212). Sejam cartas, cadernos de anotações,<br />
diários ou entrevistas, memórias ou relatos de amigos e parentes, enfim, o importante<br />
é que registrem uma parcela do que o titular do arquivo quis perpetuar.<br />
8<br />
LE GOFF, Jacques. Revue Le Débat, n. 54, 1989 apud BORGES, 2005, p.209.<br />
9<br />
_____. Libération (jornal), 7 out. 1999. apud BORGES, 2005, p.209.<br />
10<br />
_____. Jornal do Brasil, 19 maio 2001. apud BORGES, 2005, p.229.<br />
11<br />
Em 1918, a publicação de William Thomas e Florian Znaniecki, sobre os imigrantes poloneses nos<br />
Estados Unidos, causou efervescêcia no campo da pesquisa biográfica. Entretanto, o marco oficial é<br />
1948, com a invenção do gravador a fita. (ALBERTI, 2005, p. 156)<br />
21
Cabe ainda ressaltar que cada um desses documentos são vestígios do que<br />
aconteceu na vida do biografado. E, claro, nunca irão registrar a totalidade dos<br />
acontecimentos, que por sua vez geraram decisões que vão impactar outras pessoas e<br />
seus outros arquivos. Escrever sobre a vida de alguém significa fazer resumos,<br />
seleções de tudo o que viveu, partilhou, pensou… Não se devem buscar nunca a<br />
totalidade e a homogeneidade de uma vida, pois elas não existem: todas as vidas são<br />
fragmentadas e permeadas de conflitos.<br />
Admitir essa característica (não é uma limitação) torna a pesquisa e o texto<br />
mais eficiente. Todo esse debate sobre a biografia e o papel do indivíduo nas Ciências<br />
Sociais, Filosofia, História e Psicanálise ensina como trabalhar nessa perspectiva é<br />
algo arriscado: trata-se de iluminar uma vida, inserida em um contexto enorme e<br />
complexo. A biografia seria para Philippe Levillain, em resumo:<br />
(...) o melhor meio, (...) de mostrar as ligações entre passado e presente,<br />
memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o tempo como<br />
prova da vida. Seu método, como seu sucesso, devem-se à insinuação da<br />
singularidade nas ciências humanas, que durante muito tempo não souberam o<br />
que fazer dela. A biografia é o lugar por excelência da pintura da condição<br />
humana em sua diversidade, se não isolar o homem ou não exaltá-lo às custas de<br />
seus dessemelhantes. (LEVILLAIN, 1996, p. 176)<br />
E os arquivos, nessa concepção, são os melhores exemplos da consciência e intenção<br />
do autor em “arquivar a própria vida”, segundo expressão de Phillipe Artiéres.<br />
1.2 UM BRASIL BOSSA NOVA<br />
[A “Sinfonia da Alvorada” é contemporânea da Bossa<br />
Nova]. Ela foi feita e gravada em 1959, mas o disco saiu<br />
com data de 1960. A Bossa Nova começou por volta de 1956<br />
e foi até o começo dos anos 60. (JOBIM in LOYOLA, 1988,<br />
p. 38)<br />
A esta altura percebe-se a necessidade de discorrer um pouco sobre o panorama<br />
da sociedade cultural brasileira nos anos 1950, para contextualizar esse momento na<br />
22
vida de Tom. Não nos propomos abranger todos os aspectos, fatos e momentos (a<br />
bibliografia sobre o tema é vastíssima, sob todos os pontos de vista), mas somente<br />
fornecer alguns elementos para entender em que contexto Tom chegou a ser um<br />
grande músico.<br />
Os anos 1950 são considerados “anos dourados” e datam dessa década: as<br />
primeiras televisões que foram fabricadas no Brasil, da marca Invictus; o Maracanã,<br />
inaugurado em 16 de junho de 1950; o Brasil conquistando três Copas do Mundo<br />
(1950, 1954 e 1958); e a I Bienal de São Paulo, inaugurada a 20 de outubro de 1951.<br />
Nessa época também houve importante modernização na imprensa, podendo-se citar o<br />
lançamento da revista Manchete e da Editora Abril. Além disso, novas cores e<br />
matérias-primas foram introduzidas na propaganda, vindas do plástico, o Museu de<br />
Arte Moderna, aberto em 1958, tinha linhas modernas e jardins projetados por Burle<br />
Marx; e ainda havia os glamourosos concursos de miss e desfiles da Casa Canadá.<br />
Após a crise política que o suicídio de Getúlio Vagas provocou no país,<br />
Juscelino Kubitschek foi eleito e assumiu a presidência do Brasil, no ano de 1956. Seu<br />
governo foi marcado por importantes realizações para alavancar ainda mais o<br />
movimento de modernização que começara nos anos 1930. Bastante diferente do<br />
último governo de Vargas, os anos JK começaram com euforia. Uma das suas<br />
primeiras ações foi criar o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CND) para<br />
colaborar na montagem do Plano de Metas. Logo, emcampou a idéia visionária de<br />
construir a capital do país no Centro-oeste, e prometeu avançar “50 anos de progresso<br />
em 5 anos de governo”.<br />
A construção de Brasília foi mesmo o maior feito da vida política dos anos<br />
1950. A primeira Constituição Republicana, de 1891, já previa a construção da<br />
capital para promover a ocupação do interior do país, mas esta foi sendo posta de lado<br />
a cada governo. Mesmo descrente, o Congresso aprovou a Lei n° 2874, sancionada<br />
por JK em 19 de setembro de 1956, determinando a mudança da Capital Federal e<br />
criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital — Novacap. Projetada por Lucio<br />
Costa e Oscar Niemeyer, suas obras começaram em fevereiro de 1957, com turnos<br />
ininterruptos de 300 mil operários, por 41 meses. O Plano Piloto e a urbanização,<br />
estruturados por Lucio Costa, e os prédios, desenhados por Oscar Niemeyer, foram<br />
considerados, à época, grandes inovações urbanísticas e arquitetônicas. Em entrevista<br />
à revista Manchete, em [dez. 1981], Oscar Nyemeyer lembrou dos pedidos de JK:<br />
23
Disse-me JK, no primeiro encontro que tivemos: ‘você vai projetar o<br />
bairro mais bonito do mundo: uma igreja, um cassino, um clube e um<br />
restaurante, diante de uma grande represa. Mas eu preciso do projeto do cassino<br />
para amanhã’. […] E Brasília surgiu, praticamente uma continuação da obra da<br />
Pampulha. E lá fomos nós, convocados por JK, para aquele fim de mundo onde,<br />
com a colaboração eficiente de Israel Pinheiro, construiu a nova capital do nosso<br />
país. Foram três anos e meio de angústias e esperanças, de trabalho sol a sol,<br />
naquela solidão do cerrado onde um pouco de nós mesmos ficou, com certeza.<br />
Depois… depois vieram a ditadura, os imprevistos da vida, esse rir e chorar que<br />
o destino nos impõe. (MAYRINK, 2002, p.53)<br />
A inauguração, bastante pomposa, aconteceu a 21 de abril de 1960, data<br />
escolhida por JK, em homenagem à Inconfidência Mineira. Para dar mais glamour a<br />
esse feito, principalmente na inauguração, Juscelino convidou os dois mais famosos<br />
compositores da época para conceberem uma sinfonia para Brasília, contando a<br />
heróica marcha rumo ao oeste e ao futuro promissor do país: Vinicius de Moraes e<br />
Tom Jobim.<br />
Há quem diga que foram os anos dourados – imagem que busca traduzir a<br />
agitação política e a efervescência cultural dos anos 1950. Logo no início da década, o<br />
povo brasileiro se entretinha com o rádio e o cinema nacional. Com os investimentos<br />
financeiros nas indústrias de base, durante os governos Vargas e JK (1951-1961), foi<br />
possível ampliar o consumo dos bens duráveis, como carros e os eletrodomésticos,<br />
como geladeira, radiovitrolas e secadores de cabelos, além de se poder viajar no<br />
primeiro avião comercial do Brasil, o Caravelle (LUCCHESI, 2002, p.13).<br />
Em meio a esse otimismo, o cenário da cultura estava a franco vapor. Os jornais<br />
anunciavam o êxito da música popular brasileira. Num recorte de 1956, com título<br />
“As cem melhores músicas brasileiras de 1955”, da seção Disco-tocando 12 , está<br />
escrito:<br />
Aqui está a prova definitiva de que o ano de 1955 foi um dos melhores<br />
para a música popular brasileira. Reparem que apesar do número incrível de<br />
versões que apareceu, nossa música se distinguiu e vendeu muito bem. Isto<br />
12 Não foi possível identificar a revista que publicou o recorte.<br />
24
demonstra que não é a versão que atrapalha. Existe até a necessidade de fazer<br />
versões. Das boas músicas, é claro. O que precisávamos era reagir de maneira<br />
inteligente, ou seja, gravando coisas realmente boas. Dando oportunidade aos<br />
bons compositores (Acervo ACJ, Pim 031).<br />
E seis músicas de Tom foram contempladas na lista. “Se é por falta de adeus”,<br />
em parceria com Dolores Duran, ocupou o 79° lugar. Outras canções, em parceria<br />
com Billy Blanco, ocuparam do 95° ao 99° lugar: “Matei-me no trabalho” (95°), “O<br />
Morro” (96°), “Hino ao Sol” (97°), “Arpoador” (98°) e “Descendo o Morro” (99°).<br />
Além de mencionar o Sinfonia do Rio de Janeiro como um dos três melhores discos<br />
da Continental lançados no ano de 1955.<br />
1.3 CONCEITUAÇÃO <strong>DE</strong> CULTURA POPULAR 13<br />
O conceito de cultura popular é, como tantos outros, abstrato e dicotômico.<br />
Embora esteja se formando há muito tempo, ainda pode significar opostos extremos:<br />
dependendo da conotação que se quer dar, se mostra positivo (Tom Jobim é um ícone<br />
da cultura popular!) ou pejorativo (O funk também o é) (ABREU, 2003, p.83). No seu<br />
texto Cultura popular na idade moderna, Peter Burke começa a ampliar o conceito de<br />
cultura, usado por Herder como o fluxo da comunidade 14 para referir-se à arte,<br />
literatura e música [...] hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os<br />
historiadores e outros usam o termo "cultura" muito mais amplamente, para referir-se<br />
a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber,<br />
andar, falar, silenciar e assim por diante (BURKE apud MELO, 2007)<br />
De uma maneira ou de outra, a cultura popular reflete a produção artística (e<br />
por que não tecnológica) do povo (sendo povo todos os participantes de uma nação)<br />
sobre a percepção de seu meio, com as diferentes técnicas de que dispõe para fazê-lo.<br />
13 Cabe ressaltar que não devemos comentar a discussão entre erudito e popular, nem situar Tom numa<br />
das duas áreas, mas apenas situar o leitor sobre alguns questionamentos da autora sobre o assunto.<br />
14<br />
O conceito de cultura saltou, completamente aramado, da cabeça de Johann Gottfried Herder, nos<br />
meados do século XVIII, e tem andado envolvido em batalhas desde então. Para Herder, Kultur é o<br />
próprio sangue vital das pessoas, o fluxo da energia moral que mantém intacta a sociedade. Em<br />
contraste, a Zivilisation é o verniz das maneiras, a lei e técnica. As nações podem partilhar a<br />
civilização; mas serão sempre distintas na sua cultura, uma vez que a cultura define o que elas são<br />
(SCRUTON, R, 1989).<br />
25
Para uns, a cultura popular equivale ao folclore […] para outros,<br />
inversamente, o popular desapareceu na irresistível pressão da cultura de<br />
massa […] e não é mais possível saber o que é original ou essencialmente do<br />
povo e dos setores populares. Para muitos, […] o conceito ainda consegue<br />
expressar um certo sentido de diferença, alteridade e estranhamento cultural<br />
em relação a outras práticas culturais (ditas eruditas, oficiais ou mais<br />
refinadas) em uma mesma sociedade, embora estas diferenças possam ser<br />
vistas como um sistema simbólico coerente e autônomo, ou inversamente,<br />
como dependente e carente em relação à cultura dos grupos ditos dominantes.<br />
(ABREU, 2003, p. 83)<br />
Só a tentativa de fechar toda a diversidade e a imaterialidade dos modos de<br />
fazer um tipo de cultura popular, já traz consigo o limite de outros conceitos também<br />
feitos pelo povo e para o povo. A produção popular sempre houve; os intelectuais é<br />
que ainda não tinham desenvolvido o interesse por elas. A partir do século XVIII, por<br />
causa do movimento de formação das nações européias, o resgate da cultura popular<br />
nacional foi a opção natural para agregar o povo e dar-lhes uma identidade comum.<br />
Esse resgate trouxe também a oportunidade de o povo se mostrar no espaço público,<br />
político e econômico.<br />
Não podemos restringir as opções, e por isso, talvez, não devêssemos sequer<br />
nomear, rotular, de uma maneira ou de outra. Talvez fosse mais coerente apenas<br />
aceitar as misturas ocorridas em tantos séculos de convívio social do que precisar<br />
onde começaram, quem as juntou ou por que mudaram. Pois os interesses de<br />
momentos diferentes, ou de grupos diferentes, carregam os rótulos para uma corrente<br />
(popular) ou para outra (erudita) ao sabor do vento.<br />
Não vou resistir ao exemplo do concerto Jobim Sinfônico. Sempre considerado<br />
popular, pelos músicos eruditos, e elitista, pelas camadas populares, Tom Jobim<br />
circula livremente nos dois mundos. O trabalho de seleção das suas obras e resgate<br />
dos arranjos sinfônicos, para apresentação do concerto, agradaram aos dois grupos<br />
que pôde ouvir, por exemplo, “Se todos fossem iguais a você”, música popular escrita<br />
para a peça Orfeu da Conceição, tocada pelas melhores orquestras do Brasil e dos<br />
Estados Unidos.<br />
Para este trabalho, vamos considerar principalmente a cultura popular<br />
massivamente representada: rádio, jornais, cinema e televisão.<br />
26
1.3.1 O POPULAR MASSIFICADO<br />
as pessoas, as culturas, a música comunicam-se umas com as outras. Há<br />
influências sempre novas, como disse Radamés Gnattali, pois de outro modo a<br />
única música brasileira mesmo seria a dos tupis e guaranis, que por sua vez,<br />
dizem os antropólogos, tem sua origem na Oceania. O uso de instrumentos<br />
como o violino, a harpa, o oboé, a trompa, etc., na nossa música é tão lícito<br />
quanto o do violão, do cavaquinho e da flauta que, por sua vez, não são<br />
instrumentos inventados no Brasil. (Acervo ACJ, Pim 047)<br />
No campo do cinema, Nelson Pereira dos Santos deslanchou problemas sociais<br />
no seu engajado Rio 40º (1955), inaugurando o Cinema Novo. Segundo Cacá<br />
Diegues: “no caso do Cinema Novo, o projeto era muito simples — tinha só três<br />
pontos: mudar o cinema, mudar a história do Brasil e mudar a história do planeta”<br />
(DIRECTV, 2006). Outros grandes autores formaram o grupo: Glauber Rocha, Paulo<br />
Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade e Ruy Guerra tendo<br />
todo o ideário […] baseado na discussão do nacional, na controvérsia e na<br />
negação da versão oficial. Produto de jovens cinéfilos, intelectuais, leitores da<br />
Cahiers du Cinema, que queriam e conseguiram marcar a época com o diálogo<br />
entre a agenda política e a inserção dos oprimidos em um sistema onde a<br />
exclusão era negada e escondida. (CINEMANDO (II), 2007)<br />
Eram oposição ferrenha a tudo o que vinha da Companhia Vera Cruz paulista,<br />
tida como interessada apenas no mercado externo, tentando rodar filmes em estúdio,<br />
como o padrão norte-americano, com técnicos e equipamentos importados. A idéia era<br />
abolir a produção inviável — caríssima — da Vera Cruz e com “uma idéia na cabeça<br />
e uma câmera na mão”, procurar aproveitar a luz e o belo cenário natural do Rio de<br />
Janeiro, trazendo formas e conteúdos novos.<br />
Outro “inimigo” a combater era a chanchada da Atlântida. Atuando<br />
basicamente com paródias, ridicularizando filmes estrangeiros (leia-se<br />
hollywoodianos), a chanchada foi acusada de alienante por não se preocupar com as<br />
questões sociais apresentadas no Brasil.<br />
27
Os anos do crescimento da chanchada, entre 1930 e 1940, foram<br />
marcados por golpes, contra-golpes, censura e uma Guerra Mundial. Getúlio<br />
Vargas, populismo, Estado Novo, Revolução de 32, UNE, ditadura, Filinto Muller<br />
e DIP são alguns dos personagens destes anos tão movimentados e que traçaram o<br />
futuro do país de forma dura e permanente. Isto sem contar a 2ª Grande Guerra e a<br />
participação brasileira nas forças aliadas. (CINEMANDO (II), 2007).<br />
O Cinema Novo se propôs então a criar um outro cinema: diferente do<br />
anterior, mas condizente com as produções estrangeiras, embora engajado com as<br />
questões sociais 15 . A maioria desses filmes tinha trilha sonora composta por<br />
integrantes do movimento chamado Bossa Nova. Tom compôs trilha para, entre<br />
outros filmes, Orfeu negro (1959), do diretor Marcel Camus, Arquitetura de morar,<br />
de Antonio Carlos Fontoura, Porto das Caixas, de Paulo Cesar Saraceni e Gabriela,<br />
de Bruno Barreto.<br />
No teatro, e com grande aceitação do público da época, a peça de Vinicius de<br />
Moraes, Orfeu da Conceição, escrita entre 1955-1956, também queria dar vez ao<br />
morro. O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e A Escola de Arte Dramática (EAD) 16<br />
tentavam ter maior alcance do público. O TBC modernizou o prédio do teatro,<br />
contratou equipe fixa, com técnicos estrangeiros e importou equipamentos. Depois,<br />
expandiu para a Companhia Vera Cruz de cinema e fechou as portas dos dois por<br />
conta dos altos investimentos à Vera Cruz sem retorno. Grandes atores surgiram<br />
destas companhias como Tonia Carrero, Cacilda Becker, Paulo Autran, Fernanda<br />
Montenegro e Walmor Chagas.<br />
O rádio foi introduzido no Brasil em 1922, na Exposição do Centenário da<br />
Independência, montado no Corcovado. Uma estação transmitiu o discurso do<br />
presidente Epitácio Pessoa e a ópera “O guarani”, de Carlos Gomes. A primeira<br />
emissora surgiu em 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, organizada por Edgar<br />
Roquette Pinto e Henrique Morize. Até 1930, o país contava com dezesseis emissoras<br />
que funcionavam como associações recolhendo contribuição de seus associados para<br />
oferecer o acesso ao som. A legislação de 1931-32 consolidou o rádio permitindo a<br />
15<br />
Os filmes e criadores mais importantes do Cinema Novo são: Quand le soleil dort, 1954, de Ruy<br />
Guerra; O grande momento, 1957, de Roberto Santos; Couro de Gato, 1960, de Joaquim Pedro de<br />
Andrade; Porto das Caixas, 1962, de Paulo Cesar Saraceni; Ganga Zumba, 1963, de Cacá Diegues;<br />
Deus e o Diabo na terra do sol, 1964, de Glauber Rocha.<br />
16<br />
O TBC foi criado em 1948 e a Cia. Vera Cruz em 1949, ambos por Franco Zampari. A EAD foi<br />
criada por Alfredo Mesquita, também em 1948.<br />
28
veiculação de publicidade sem autorização prévia do governo, o que garantiu a<br />
geração de recursos, dispensando a contribuição dos associados. A partir daí o rádio<br />
vai se tornando popular, se convertendo na melhor opção de informação do<br />
trabalhador que podia aprender como escovar os dentes, ouvir a narração das partidas<br />
de futebol e o valor do salário mínimo! A Rádio Nacional foi inaugurada por Vargas<br />
em 1940 e realizava um trabalho fundamental de propaganda do governo e de<br />
informação que abrangia todo o território nacional. Tom Jobim teve seu primeiro<br />
emprego nessa instituição e teve o apoio de profissionais como Radamés Gnattalli,<br />
maestro Guaraná, Lindolfo Gaya, Léo Perachi e Lírio Panicalli, “que era muito<br />
ciumento dos segredos da orquestra. Ele tinha medo de que alguém roubasse alguma<br />
idéia. ‘Tom, a gente leva tanto tempo para aprender essas coisas...’, dizia. Flauta,<br />
clarinete ou oboé. Se mudasse essa ordem já não funcionava mais. Não tem esse som.<br />
Lírio, paulista de Guaratinguetá, era amigo de Villa-Lobos. [...] Aquilo era uma<br />
espécie de família da Rádio Nacional, que era uma espécie de TV Globo da época” 17 .<br />
Com o legado positivo dos programas de notícias dos anos 1940, como o<br />
Repórter Esso, a Rádio Bandeirantes montou a grade ainda mais intensa de<br />
informações a cada quinze minutos. O radiojornalismo era o principal formato, mas os<br />
programas musicais também tiveram sua vez – programas de auditório e as<br />
radionovelas eram a sensação do momento. Com as primeiras transmissões da TV<br />
Tupi, de São Paulo, em 1950, o rádio perdeu espaço, mas se transformou, modernizou<br />
e completou a TV, que ainda tinha aparelhos enormes e precários e imagens de baixa<br />
qualidade.<br />
Os sucessos do rock norte-americano e o começo da Bossa Nova foram<br />
transmitidos pelas ondas do rádio. Celly Campello, Dolores Duran, Ataulfo Alves,<br />
Aracy de Almeida foram apenas alguns intérpretes consagrados nessa época.<br />
17<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
29
1.4 UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA <strong>DE</strong> TOM JOBIM<br />
1.4.1 OS PRIMEIROS ANOS <strong>DE</strong> UMA VIDA<br />
Tom gostava de falar sobre seu nascimento. Em várias oportunidades, pôde<br />
nos dizer que nasceu em casa, num 25 de janeiro, em que faltava água no bairro da<br />
Tijuca. Seu tio e padrinho, “Marcello Brasileiro de Almeida, corria ao vizinho<br />
trazendo bacias d’água que o Doutor [Graça Mello] 18 mandava ferver. O Doutor<br />
pedia café incessantemente até que acabou o pó. Minha tia Yolanda recolheu os<br />
restos dos cafezinhos, botou-os numa panela, requentou-os e conseguiu servir ao<br />
médico o derradeiro cafezinho” (Acervo ACJ, pi979). Sua mãe, D. Nilza, era muito<br />
jovem na época (apenas dezesseis anos) e “brincava de boneca” com ele. (Acervo<br />
ACJ, E14).<br />
A Tijuca era um bairro de classe média alta e, por causa das dificuldades em<br />
manter financeiramente a família, ela acabou se mudando para Copacabana e depois<br />
para Ipanema, no decorrer do ano de 1929. Embora tivesse orgulho de nascer na<br />
Tijuca, perto da floresta que tanto amava, gostou muito de passar a infância numa<br />
“Ipanema selvagem, dunas de areia branca, vegetação típica de restinga, lagoa cheia<br />
de peixe, camarão, siri, muita gaivota branca, atobá (mergulhão), tesourão (joão<br />
grande, carapira, urubu do mar, fragata magnífica), marreca irerê, muito socó”<br />
(Acervo ACJ, Pi979).<br />
O céu ainda era um viveiro de estrelas, e a cidade silenciava à noite. O<br />
contato com a natureza durante esses anos iniciais talvez o tenha impelido a ser um<br />
“ecólogo, antes mesmo de falarem nessas coisas” (Acervo ACJ, K7-147). A natureza<br />
foi, sem dúvida, um dos assuntos recorrentes de Tom em várias músicas e entrevistas:<br />
“eu devo ser a pessoa, sem máscara, que mais conhece passarinhos no Brasil. Não<br />
sou ornitólogo, mas sou amador. Sou amador porque eu amo” (Acervo ACJ, E14).<br />
Entretanto, pouca gente o ouviu dizer que, quando jovem, costumava caçar os<br />
passarinhos. Inclusive, para aliviar todas essas preocupações, aceitou o convite do<br />
amigo Tico Soledade e ficou quinze dias numa caçada pelas matas de Petrópolis 19 .<br />
18 Médico obstetra também responsável pelo nascimento de Noel Rosa.<br />
http://www.clickfulano.com/camaleao.php?id=0400<br />
19 Há dois documentos, no arquivo ACJ, que provavelmente se completam: no texto “Onça no pau é<br />
passarinho”, Pi979, Tom conta como foi uma de suas caçadas com o amigo Tico Soledade e a foto<br />
p11f14 é o registro de uma delas.<br />
30
Nada contraditório, pois para ser bem-sucedido na caça, teve de aprender sobre os<br />
passarinhos, o que acabou despertando sua paixão: “Passarinho em gaiola é loucura,<br />
os pássaros foram feitos para voar. Detesto bicho preso. Somente um homem poderia<br />
pensar em botar um passarinho na cadeia” (Acervo ACJ, Pi979).<br />
1.4.2 AINDA OS PRIMEIROS: CASAMENTO, EMPREGO…<br />
Após um namoro com muitas idas e vindas, Tom se casa em 1949, com<br />
Thereza Hermanny, amiga de Helena, sua irmã e companheira de praia. Ele tinha 22<br />
anos, ela apenas dezenove. Esse casamento lhe deu dois filhos: Paulo (nascido em<br />
1950) e Elizabeth Hermanny Jobim (nascida em 1956).<br />
Como ganhava muito pouco, aceitou as condições impostas pela família da<br />
noiva, e assinou um contrato pré-nupcial, abrindo mão de qualquer participação nos<br />
bens da esposa. Embora não fossem abastados, o Sr. Arthur Hermanny (o<br />
Alemãozão) não quis arriscar suas economias com um menos estudante de<br />
Arquitetura 20 e mais aspirante a músico. Foi por isso que seu padrasto, Celso Frota<br />
Pessoa, preferiu ele mesmo garantir o sustento da nova família, e estimulou-o a<br />
dedicar-se à música, ainda que isso significasse que, por algum tempo, tivesse de<br />
sustentar o enteado e sua mulher. No entanto, exatos nove meses depois do<br />
casamento, nasceu Paulo; e Tom se aflige com sua situação financeira.<br />
Através de um pedido do seu padrinho Marcello Brasileiro de Almeida,<br />
emprega-se como pianista na Rádio Clube e depois em casas noturnas. Essa situação<br />
era desconfortante, pois desconsiderava sua formação clássica. Poucas pessoas,<br />
evidentemente, prestavam atenção às músicas que ele tocava, e muito menos ainda<br />
ele tinha chance de apresentar suas composições. Como gostava do que fazia e queria<br />
aprender cada vez mais, passou a se dedicar aos estudos de orquestração e harmonia.<br />
Logo percebeu que sua sobrevivência econômica dependia do seu desenvolvimento<br />
como músico, e que não poderia permanecer por muito tempo na rotina de notívago.<br />
Além de pôr em risco sua saúde, já afetada pelas noites mal dormidas, pela bebida e<br />
pelo cigarro, essa rotina o irritava profundamente: era sempre obrigado a cantar o que<br />
20<br />
Tom Jobim cursou apenas um ano de Arquitetura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e<br />
abandonou a faculdade e o emprego no escritório do famoso Lucio Costa pela música.<br />
31
o público e o dono do bar queriam ouvir. Já nessa época, Tom costumava andar com<br />
uma pastinha debaixo do braço, cheia de suas composições, e de vez em quando<br />
mostrava para um ou outro amigo. Sempre recebia comentários elogiosos, mas não<br />
tinha coragem nem chance de gravá-las. “Ia todo dia à avenida Rio Branco, com<br />
aquela pastinha. Ia ao Veloso com aquela pastinha. O pessoal me gozava: ‘o que é<br />
que você tem aí dentro da pastinha?’ Tinha arranjos... Lembro que uma vez eu fiquei<br />
ali no Veloso com a pastinha. Tomei uns vinte chopes. Quando fui para casa, senti a<br />
maleta pesada. Os caras tinham enchido de pedra e de terra, a pasta com os arranjos!<br />
Eu pensei: ‘Esse pessoal não presta mesmo...’” 21 .<br />
Ciente de que precisava de um emprego regular, e cada vez mais<br />
amargurado por depender excessivamente da boa vontade do padrasto, em 1954<br />
emprega-se na gravadora Discos Continental. Uma casa que seria fundamental para<br />
sua trajetória, pois tinha entre seus contratados, músicos do naipe de Dorival<br />
Caymmi, Pixinguinha, Ary Barroso e Jacob do Bandolim — todos nomes<br />
consagrados nacionalmente. Este seria um período de intenso aprendizado. Encanta-<br />
se com o fato de grandes peças musicais serem compostas por artistas que não sabiam<br />
ler uma partitura, mas que eram capazes de produzir pequenas jóias musicais. Na<br />
Continental, inclusive, torna-se o responsável por colocar nos pentagramas as<br />
músicas dos autores que não conheciam teoria musical. De certa forma, Tom tem a<br />
experiência de escrever a melodia/vida dos “outros”, de ser um mediador para esse<br />
tipo de registro e arquivamento. Não casualmente, torna-se um músico preocupado<br />
em “escrever e guardar”. É desse tempo sua parceria com Billy Blanco 22 , com quem<br />
dividiu seus primeiros grandes sucessos “Thereza da praia” e a “Sinfonia do Rio de<br />
Janeiro”.<br />
Em 1956, aceita um convite para ser diretor artístico da gravadora Odeon,<br />
mas permanece por pouco tempo no cargo. Reclama que as atribuições diárias lhe<br />
roubam o tempo para compor. Aposta que pode obter reconhecimento e sucesso com<br />
sua música 23 , e decide não ter mais nenhum emprego formal. Quando desiste do<br />
21<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
22<br />
William Blanco Abrunhosa Trindade nasceu em Belém do Pará, a 8 de maio de 1924 e reside no Rio<br />
de Janeiro. É arquiteto, músico, compositor e escritor. Foi parceiro de Tom e lançou com ele o primeiro<br />
disco de suas carreiras em 1956, Sinfonia do Rio de Janeiro.<br />
23<br />
Seu primeiro sucesso foi em 1953, com “Incerteza”, na voz de Mauricy Moura.<br />
32
cargo da Odeon, anuncia o fato ao seu superior, Harold Morris, que tenta demovê-lo<br />
da idéia.<br />
Eu disse: “Mr. Morris, não dá para ficar aqui, quero escrever arranjos”.<br />
Mr. Morris disse assim: “Quando você quiser um arranjo, você pega o telefone.<br />
Tem aqui quatro telefones na sua mesa”. Naquele tempo, o cara que tinha<br />
quatro telefones era um assombro. Eu me lembro que meu ordenado era um<br />
absurdo de 15 mil cruzeiros. Era tanto dinheiro que me mudei logo para um<br />
apartamento maior. Quando saí do cargo de diretor artístico da Odeon, Mr.<br />
Morris disse que não se podiam mudar as pintas do leopardo. Eu me senti<br />
maravilhoso – me senti “O Leopardo” 24 .<br />
Produzir sua obra — compô-la, pensá-la, executá-la — torna-se então seu<br />
único trabalho. Embora com um início difícil e conflituoso, Tom conseguiu gravar<br />
algumas músicas no início dos anos 1950:<br />
1.4.3 COMPOSITOR <strong>DE</strong> SI MESMO<br />
Algumas das minhas primeiras músicas foram gravadas pelo Ernani<br />
Filho, que era o cantor do Ary Barroso. Eu não tinha coragem de escrever uma<br />
música e entregar para um cantor. Certamente, ele jogaria fora, não valeria a<br />
pena... Mas a primeira música gravada foi “Incerteza”, pelo Mauricy Moura,<br />
um santista que morou em São Paulo. Ele gostou e gravou. Sempre me<br />
convidaram para gravar. Paulo Serrano, lá da Sinter, queria que eu fizesse um<br />
disco meu. Eu fugia do Paulo, apavorado: “Esse cara quer que eu seja cantor!”.<br />
Ernani gravou duas músicas minhas: “Pensando em você” e “Faz uma semana”,<br />
num mesmo 78 rotações, com arranjos muito bonitos do Lírio Panicalli. Eu fiz<br />
um foxtrote que está perdido por aí, chamado “Manhattan” em parceria com o<br />
Aloísio de Oliveira, num disco que ele mandou para os Estados Unidos.<br />
(Acervo ACJ, E14)<br />
Tom disse, em entrevista a Roberto D’Ávila para a Tv Manchete, em 1981,<br />
que sua aptidão musical não foi obra do destino, mas de “sucessivos acasos” (Acervo<br />
ACJ, E14). Talvez ele não percebesse, na época, mas todos os acasos aos quais se<br />
24<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
33
eferia, mais parecem escolhas realizadas para compor sua trajetória rumo ao sucesso<br />
que pretendia.<br />
Um desses primeiros acasos de que Tom se lembrava foi como começou a<br />
se interessar pelo piano, e por extensão, pela música. Por volta de 1942, tinha ido<br />
parar um piano de armário Eisenholder preto e velho (faltavam algumas teclas e o<br />
revestimento de outras) na garagem de sua casa. Era para as aulas de Helena, sua<br />
irmã, e para seu desagrado. Para sorte de Tom, as atividades de menino eram bastante<br />
diferentes das de menina e ele se permitia ser íntimo do mar, das pescarias, e das<br />
brincadeiras de então: nadar na praia, correr na areia, soltar pipa. Quando começou a<br />
ter obrigações da vida adulta, e para impressionar os pais de Thereza Hermanny,<br />
começou a trabalhar, foi acometido de uma “doença inexplicável” que o prostrou na<br />
cama durante duas semanas — fez exames de “todos os caldos do corpo”, mas ficou<br />
sem prognóstico e solução (Acervo ACJ, K7-147).<br />
Segundo sua teoria “inconseqüente”, todos os pianistas são aleijados:<br />
“ninguém troca uma praia azul, uma moça bonita, uma peteca, uma bola, por um<br />
quarto escuro, um cubo de trevas, e vai tocar piano. Nenhum garoto sadio faz isso, a<br />
não ser que tenha algo muito forte” (Acervo ACJ, E14). Portanto, Tom passou a<br />
ouvir as aulas da irmã deitado no chão; já que sua mãe o proibia de ficar em seu<br />
quarto durante o dia todo, convalescendo-se da “doença inexplicável”.<br />
De repente, percebia que um som combinava com outro, e que gostaria de<br />
misturar isso. Mas só quando seu padrasto, Celso Frota Pessoa, convenceu-o de que o<br />
“piano não era negócio de menininha” (Acervo ACJ, E14), passou a ter as aulas<br />
destinadas inicialmente à irmã. “Eu teria ferido meu padrasto se fosse me dedicar à<br />
Literatura, para ser igual ao meu pai. Ele fazia gosto que eu fosse músico. Então,<br />
quando manifestei essa tendência para a música, ele apoiou: me deu um piano, com<br />
grande sacrifício, porque era um pobre funcionário público. [...] Fui músico porque<br />
achei que ele ficaria mais contente. Mas, não sou aquele músico que só fala em<br />
música. Isso é chato”. 25 Tinha apenas quinze anos quando começou a compor:<br />
fazia aquelas musiquinhas e chegavam pra mim e diziam: ‘Você não<br />
pode fazer isso. Você está privando o Brasil de escutar isso’. Mas eu botava na<br />
25<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
34
gaveta. Aí, aparecia aquele editor de charuto grande e aí você assinava aquele<br />
contrato que transferia seus direitos até para o sistema solar. Agora, estou<br />
tentando inclusive recuperar algumas dessas músicas. Mas isso existiu no<br />
tempo de Noel Rosa, Dorival Caymmi, Silvio Caldas, Ary Barroso; existiu no<br />
meu tempo, continua existindo. O Chico Buarque tem um bocado de músicas<br />
que deu para o editor. Caetano também, Gil também, Francis Hime… É uma<br />
coisa que vem de longe. (JOBIM in LOYOLA, 1988, p. 39)<br />
Seu primeiro professor foi Hans Joachim Köellreuter, um alemão que veio<br />
ao Brasil fugindo da Segunda Guerra. Tom era um aluno aplicado, mesmo que<br />
sempre dissesse à sua mãe que tomava as aulas apenas como uma distração. Com sua<br />
segunda professora, Lúcia Bravo, recebeu estímulos para compor. Sua vontade de se<br />
tornar concertista fez com que tivesse aulas de harmonia com outro professor, Paulo<br />
Silva 26 .<br />
Tom cursou pouco mais de um ano da Faculdade de Arquitetura da<br />
Universidade Federal do Rio de Janeiro e abandonou todos os empregos nessa área.<br />
Algumas pessoas lhe sugeriam ser “cantor, fazer cinema e eu só queria fazer música”<br />
(Acervo ACJ, E14). “Estava desesperado com aquela vida. Fui para Arquitetura,<br />
gostava muito de desenhar. Fiz o primeiro ano, mas depois aquilo tudo deixou de me<br />
interessar e eu me enfiei na música. Eu queria escrever para orquestra, achava muito<br />
bonito” 27 . No entanto, não pretendia ser maestro — pois não queria se mostrar no<br />
palco — e era assumidamente tímido, e como ele mesmo dizia, “era mais<br />
background”. Essa timidez também o impediu de dirigir, mesmo com a insistência de<br />
Vinicius de Moraes, a orquestra na peça Orfeu da Conceição. Convite que só foi<br />
aceito em três raras oportunidades, todas em estúdio: a primeira, em 1956, com sua<br />
“Sinfonia do Rio de Janeiro”, em parceria com Billy Blanco, para o LP homônimo,<br />
sendo este considerado seu primeiro LP na carreira; outra vez, em 1961, na gravação<br />
de “Brasília: sinfonia da Alvorada”, e a terceira, para o programa da Rádio Nacional,<br />
Quando os maestros se encontram, por força de Radamés Gnattalli, quando incluiu<br />
uma homenagem a seu pai, com a única execução de “Lenda”: “quem me deu o nome<br />
26<br />
Existe em seu arquivo um recorte para o concurso de pianista do Theatro Municipal do Rio de<br />
Janeiro, datado de 1952. (Acervo ACJ, Pim001)<br />
27<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
35
foi o Rudolf Hermanny, irmão da Thereza. Essa música se perdeu, virou mesmo uma<br />
lenda” 28 . Devido a essa insistência de Radamés, “pra escrever o primeiro arranjo eu<br />
quase morri! Fiz um arranjo, depois fiz outro. O Radamés ajudou muito” (Acervo<br />
ACJ, K7-147).<br />
Embora domada mais tarde, a timidez ainda estava presente quando, num<br />
show intimista, em Belo Horizonte, em 1984, ele fala que<br />
eu tava muito nervoso porque eu não sou muito de fazer show. Quem me levou<br />
pra fazer essa coisa de show foi o Vinicius mais o Toquinho e a Miúcha. E foi<br />
aquele show escorado em amigos, parceiros, orquestra grande… Mas nós<br />
preferimos fazer algo mais íntimo mesmo. A gente não pode continuar sendo<br />
aquele garoto tímido a vida toda, né? A gente tem que se dar um pouco mais,<br />
chegar mais perto do público, sem aquela armadura toda. (JOBIM, Tom em<br />
Minas, 2004)<br />
Provavelmente, nenhum autor conseguiria explicar, em palavras, como se dá<br />
seu processo de criação. Tom também não se julgava capaz dessa descrição: “vem de<br />
um jeito, depois fica de outro [...] e, de repente, tá lá um troço que faz sentido”.<br />
(Acervo ACJ, E14). Tom sempre lembrava a frase de Stravinsky “a composição é<br />
feita de 5% de inspiração e 95% de transpiração”. Mas constatar a dificuldade no<br />
processo de transpor para algum registro material uma idéia não é prerrogativa dos<br />
músicos. Todas as tentativas de concretizar um pensamento são sofridas e solitárias,<br />
pois, quase sempre intermináveis, são freqüentemente vãs — mesmo após todo o<br />
esforço mental, a frase não combina com o pensamento original.<br />
Tom reclamou, na mesma entrevista a Roberto D´Ávila, que tudo tolhia seu<br />
pensamento — também o teclado o prendia e o fato de ser canhoto. E que por ter essa<br />
“estranheza”, julgava sua habilidade musical prejudicada, não conseguindo muitas<br />
vezes expressar exatamente o que ouvia dentro de si. Ou melhor, o que via, pois<br />
como ele tentou descrever, num grande esforço, seu processo de criação tentava<br />
transformar “em passado uma imagem da minha cabeça. Aquilo fica estático. Você<br />
morre, eu morro, e aquilo fica”. Como era “um perfeccionista, e sempre me choquei<br />
28<br />
Depois dessa, a partitura “Lenda” só foi executada em 8 e 9 de dezembro de 2001, no show Jobim<br />
Sinfônico. Esse show foi o resultado do resgate de vários arranjos originais no acervo de Tom por seu<br />
filho Paulo Jobim e o músico Mario Adnet. Esse show resultou em CD e DVD gravados ao vivo.<br />
36
contra as impossibilidades […] na necessidade de voar” (Acervo ACJ, E14), não se<br />
deu por satisfeito em várias músicas suas. Tanto que, quando morreu, tinha sobre o<br />
piano cerca de treze músicas em processo de composição e deixou em seu arquivo<br />
outras 181 partituras inéditas. Alguns pesquisadores que tiveram contato com esses<br />
documentos relataram que as músicas pareciam prontas, mas como disse Paulo Jobim<br />
em diversas oportunidades: “se ele não gravou era porque não achou que estava<br />
terminada”. Esse conjunto de documentos sempre aguça a atenção dos pesquisadores<br />
e jornalistas, que preferem começar a pesquisa pelas “inéditas de sucesso” 29 .<br />
Tom Jobim encarava a composição como um trabalho regular. Gostava de ter<br />
rotina: acordar, tomar café com a família e sentar ao piano. Ficava aborrecido quando<br />
outras ocupações tomavam o tempo do piano. Era importante que ele procurasse<br />
produzir sempre para fazer jus às demandas, quase sempre inatingíveis, enquanto<br />
figura pública. O público das músicas de Tom é composto por pessoas de todos os<br />
tipos 30 , classes sociais, idades e religiões, portanto, difícil de satisfazer. Entre outras<br />
reclamações que fez, em várias entrevistas, Tom se incomodava em ser, mas também<br />
em ver seus amigos serem alvos de críticas, muitas vezes infundadas ou perniciosas,<br />
feitas pelos jornalistas.<br />
O Brasil é de cabeça para baixo. A América do Sul é muito estranha:<br />
aqui a água, a Lua, nascem ao contrário… ausência de mamíferos… tudo é<br />
importado. Quer dizer: quanto mais eu me dedico à coisa brasileira, à lontra, à<br />
ariranha, a fazer a ‘Matita perê’, a fazer ‘Águas de março’, mais eles te acusam<br />
de ser estrangeiro, mais eles dançam o rock, mais eles se dedicam aos deboches.<br />
[…] Incomoda ter que fazer música pra rádio, fazer por encomenda. “Música é<br />
um negócio que serve para você fazer ginástica, pra você fazer amor, fazer a<br />
guerra, como os hinos patrióticos, serve pra você se intoxicar, pra você dançar,<br />
pra você correr, pra se aproximar de Deus… música é um assunto muito vasto<br />
(Acervo ACJ, E14).<br />
Embora tenha louvado as belezas do nosso país, lembra que, na composição, a língua<br />
portuguesa pode ser um entrave para quem pretende se lançar no mercado<br />
29 Comentário de Paulo Jobim em conversas informais no ambiente de trabalho do IACJ.<br />
30<br />
Esse dado está sedimentado sobre os pesquisadores atendidos pela autora durante o período de<br />
trabalho no IACJ.<br />
37
internacional: “quando um homem escreve em português ele já está em desvantagem.<br />
Se você escrever em russo, nos EUA, vai ser melhor traduzido. As versões são uma<br />
tragédia: tem os problemas comerciais, editoriais e no fim, você nem chega a<br />
encontrar o versionista” (Acervo ACJ, K7-147). Mesmo assim, acompanhar as<br />
mudanças da língua natal, até em outro país, era premissa do seu trabalho. Mas não se<br />
furtava a um saudosismo, vez por outra:<br />
Saudades do w, do k, do y. Saudade do kg do kilo, do km, do whisky,<br />
dos cigarros Yolanda e dos Jockey Club, saudades da kitchenette, e a falta que<br />
faz o sh, oh!, o sheik, o shampoo, o short, o shopping center, o shantung,<br />
Sanghai, show, Shakespeare, saudades do Villa e do valle, do Pae, e do Vae, do<br />
Christo Redemptor para nos redimir, da rua Redemptor, saudades intensas de<br />
Pery e Cecy, saudades do matão, do alto sertão, do Grande Sertão Veredas<br />
[sic.], saudades do yawara (tupi-guaranipara jaguar) do yawaretê (onça<br />
verdadeira), yawaretê oixuma (onça preta), da yawatirika, jaguatirica, Saudades<br />
do Brasil (Arquivo ACJ, pi979, p.6)<br />
E, mesmo sobre um assunto tão sério, brincava, justificando: “Se antes eu era<br />
uma pessoa revolucionária, hoje estou me transformando num clássico, num obsoleto.<br />
Mas, isso acontece nas melhores famílias…” (Acervo ACJ, E14).<br />
1.4.4 ALGUNS ENCONTROS IMPORTANTES<br />
Não houve um encontro. Pelo menos não apenas um. Aquele encontro tão<br />
conhecido no bar Veloso, em início de 1956, foi apenas o principal. Mas antes dele,<br />
Tom e Vinicius já tinham se encontrado algumas vezes no Clube da Chave 31 , por<br />
volta de 1953. Ali, Tom podia tocar sem os insistentes pedidos do público dos bares.<br />
Sentia-se à vontade para mostrar suas composições, e conhecia grandes compositores<br />
e músicos de seu tempo: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Braguinha, Antonio<br />
Maria, Lúcio Alves, Luiz Bonfá, entre outros. Vinicius lembra a Tom, na gravação do<br />
31<br />
Associação idealizada por Humberto Teixeira. Humberto Cavalcanti Teixeira foi advogado e<br />
deputado federal. Nasceu em Iguatu (CE), filho de João Euclides Teixeira e Lucíola Cavalcante<br />
Teixeira, a 5 jan. 1915 e faleceu no Rio de Janeiro a 3 out. 1979. No entanto, é nacionalmente<br />
conhecido como parceiro de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Um grande sucesso da dupla é a<br />
composição “Asa Branca”, lançada em 1947.<br />
38
Depoimento para a posteridade, que quando o ouviu tocar numa dessas reuniões, se<br />
impressionou: “Nunca ouvi ninguém tocar assim. Um som que parecia um som<br />
diferente que estava se fazendo com ‘Foi a noite’ e ‘Outra vez’. Fiquei<br />
impressionado”. (Acervo ACJ, K7-147).<br />
A parceria de Tom e Vinicius começou exatamente num aperto de mão no<br />
bar Villarino, em 1956, quando Lucio Rangel os apresentou. Vinicius contava ao<br />
Lucio que pretendia encontrar um compositor calouro para compor sua peça Orfeu da<br />
Conceição. Vinicius disse que “não queria nenhum ‘monstro sagrado’. Achava que<br />
precisava de sangue jovem” (Acervo ACJ, K7-147). Vinicius explicou seu projeto e<br />
entregou o roteiro a Tom. Tom precisava manter sua casa, chefe de família que era,<br />
com esposa e filho pequeno, e por esse motivo, cometeu uma pequena gafe<br />
perguntando “Tem um dinheirinho nisso aí? Como todo mundo, eu já tinha entrado<br />
pelo cano. Já tinha feito música para aqueles filmes de chanchada. O sujeito leva um<br />
ano para fazer o filme e quando vai gravar a música o orçamento está estourado e<br />
dizem ‘vamos gravar amanhã’” (Acervo ACJ, K7-147). Estranhamentos à parte, a<br />
conversa fluiu e a parceria mais ainda. Não foi só Lucio Rangel e a necessidade<br />
financeira que os uniram, mas a empatia de ambos, a competência de Tom e a<br />
inventividade de Vinicius. A possibilidade criativa desse encontro foi noticiada em<br />
uma coluna de jornal 32 com os simples dizeres: “Vai ser formada em breve uma dupla<br />
sensacional: Tom e Vinicius de Morais [sic.]. Sabem lá o que é isso?” (Acervo ACJ,<br />
Pim 038).<br />
Mesmo que não tenha sido o primeiro, o encontro informal no bar Veloso foi<br />
realmente marcante e iniciou sua mais produtiva e intensa parceria musical. Se todos<br />
fossem iguais a você foi a primeira música que compuseram juntos. Embora não tenha<br />
sido de pronto, pois Tom comentou, em diversas entrevistas, que no início, eles<br />
fizeram uma meia dúzia de “musiquinhas sem graça”. No Depoimento para a<br />
posteridade, ao Museu da Imagem e do Som, ele declara: “no princípio fizemos uns<br />
três ou quatro sambas ruins. Eu disse ‘vamos fazer mais desses ruins que depois<br />
solta’, [Vinicius] ‘tava meio preso.’ ‘Ou seja, faltavam uns dois ou três uísques’”.<br />
(Acervo ACJ, K7-147).<br />
32 Notícia de autor e jornal não-identificados.<br />
39
Esse é um exemplo da ansiedade de ambos, pois Tom já tinha emplacado<br />
algumas boas canções no rádio e gravado em disco a “Sinfonia do Rio de Janeiro”, em<br />
parceria com Billy Blanco. De outro lado, Vinicius já era o poetinha que em 1933,<br />
lançou seu primeiro livro, O caminho para a distância 33 . Tinha na bagagem oito<br />
livros com boa aceitação, duas peças, As feras e Cordélia e o peregrino e era o<br />
diplomata mais excêntrico de seu tempo.<br />
A convivência com Vinicius foi maravilhosa. Aquela amizade, a gente<br />
ria, a gente saía, comia umas coisinhas, “comidinha de bêbado”, como dizia ele.<br />
Uns camarõezinhos e aquele uísque todo. Antes de me conhecer, ele bebia<br />
chope no Alcazar. Depois, com a ida para o Itamaraty, foi levando a vida no<br />
uísque. Vinicius me levou para aquelas casas bonitas do Cosme Velho, aquelas<br />
mulheres bonitas, cheirosas. Ele conhecia a alta sociedade do Rio, esse pessoal<br />
tradicional 34 .<br />
Foi com essa bagagem que começou a produção de Orfeu da Conceição,<br />
primeira peça com o elenco inteiramente de negros. A peça trazia como Orfeu o<br />
famoso cantor Haroldo Costa, e a iniciante Daisy Paiva no papel de Eurídice. Como a<br />
Morte, ou melhor, a Dama negra, o campeão olímpico do salto triplo Adhemar<br />
Ferreira da Silva. A direção era de Leo Jusi, figurinos de Lila de Moraes, coreografia<br />
de Lina de Luca e cenários de ninguém menos que Oscar Niemeyer. A peça estreou a<br />
25 de setembro de 1956 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Críticas a favor e<br />
contra, o certo é que a peça conseguiu muita repercussão e que, mais tarde, foi<br />
adaptada para o cinema. O filme ganhou a Palma de Ouro, em Cannes. Durante a<br />
entrevista de Tom no Depoimento para a posteridade, Vinicius de Moraes denuncia a<br />
implicância de alguns por esse pioneirismo da peça e lembra que ouviu:<br />
Por que vocês não filmam coisas bonitinhas? Copacabana Palace?<br />
[pausa] Inclusive essas coisas devem ser ditas porque as pessoas precisam saber<br />
33<br />
Livro de estréia de Vinicius de Moraes, onde reuniu seus primeiros poemas. Substituindo o prefácio,<br />
ele escreve: “São quarenta poemas intimamente ligados num só movimento, vivendo e pulsando juntos,<br />
isolando-se no ritmo e prolongando-se na continuidade, sem que nada possa contar em separado. Há<br />
um todo comum indivisível.” (MORAES, 2004, p. 165)<br />
34<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
40
delas mais tarde: o Embaixador Alves de Souza lutou fortemente pro filme não<br />
ser mandado pro Festival de Cannes porque é de negros. (Acervo ACJ, K7-147).<br />
Foi a partir desse grande sucesso que Tom pôde escolher os lugares onde<br />
queria tocar, e se tornou a atração principal da noite, começando a mostrar em público<br />
suas próprias composições. Teve reconhecimento de todos os músicos da época, até<br />
mesmo de Villa-Lobos, por quem Tom mantinha especial admiração. Tom teve a<br />
oportunidade de, em 1957, visitar a casa do maestro junto de Leo Perachi, seu amigo e<br />
professor de piano. Esse encontro o marcou tanto que, cerca de trinta anos mais tarde,<br />
escreveu um artigo elogioso ao Villa-Lobos e publicou no seu livro Ensaio poético.<br />
Tom declara:<br />
Villa era moleque, fazia sempre molecagem. Quando estreou o Orfeu da<br />
Conceição, ele estava vendo aquilo tudo, morava ao lado do Municipal. Eu<br />
perguntei se conhecia o Orfeu da Conceição. Villa disse que sim e começou:<br />
“Conceição, eu me lembro muito bem...”, citando o sucesso do Cauby Peixoto.<br />
Villa sabia de tudo, inclusive ele falou com o Claudio Santoro: “Olha, eu estou<br />
partindo, mas os dois que podem me seguir: um é você, o outro é o Tom Jobim.<br />
Cuidado com o Tom na canção de câmara, ele sabe escrever, é um perigo 35 .<br />
Anos depois, em 1963, já desfrutando de grande fama nacional, Tom viaja<br />
para os Estados Unidos, com alguns músicos jovens, lá permanecendo por oito<br />
meses. Essa viagem foi um pedido do Itamaraty, ao qual Tom não pôde evitar. Aos<br />
36 anos fez sua primeira viagem internacional, mas disse que<br />
35 Idem.<br />
A Bossa Nova, realmente, deu grandes frutos: o encontro com Vinicius,<br />
com João Gilberto, com Newton Mendonça, Dolores Duran... a gente acabou<br />
fazendo uma porção de músicas. E acabamos sendo mandados para os Estados<br />
Unidos pelo Itamaraty. Eu não queria ir. Queria ficar aqui no Brasil e coisa...<br />
mas tive de ir. Eu nunca tinha saído do Brasil. Quando me vi lá, disse “peraí,<br />
não adianta querer correr pra casa”, o que era muito tentador, por causa daquela<br />
neve toda. (JOBIM, 2007).<br />
41
Mais do que ninguém, ele sabia da necessidade de estar presente,<br />
principalmente para que as versões em inglês de suas músicas não as desfigurassem,<br />
mas também para lançar sua carreira. No final de 1964, parte para Los Angeles, desta<br />
vez com a família, e prepara seu primeiro disco solo, The wonderful world of Antonio<br />
Carlos Jobim. Trabalhos e parcerias não lhe faltavam e sua casa tornou-se ponto de<br />
encontro de vários músicos brasileiros de passagem pelos Estados Unidos.<br />
Por conta do reconhecimento que Tom obteve durante sua estada nos EUA,<br />
recebeu, no bar Villarino, um breve telefonema de Frank Sinatra. Ele tinha enviado<br />
um telegrama, assinando como Francis Albert, pouco tempo antes, solicitando o<br />
telefone de Tom e fornecendo seu endereço.<br />
Figura1 – Primeira correspondência de Frank Sinatra com Tom Jobim, Cp489<br />
42
Tom ainda tinha dificuldades de se comunicar em inglês, mas ouviu<br />
atentamente o convite para ir aos Estados Unidos tocar no programa A man and his<br />
music, com o próprio Frank Sinatra, e aceitou. O programa foi ao ar a 1 de outubro de<br />
1967 e contou com outra brilhante participação: a da cantora de jazz, Ella Fitzgerald.<br />
Sinatra interpretou com ACJ "Quiet nights", "Change partners", "I concentrate on<br />
you" e "The girl from Ipanema", numa divertida versão, onde Tom faz brincadeiras<br />
com a letra e com a maneira de cantar (Acervo ACJ, E02). A versão da letra para o<br />
inglês e o contato com o Sinatra realmente despertaram a atenção do mundo para esse<br />
movimento do homem que olha uma moça bonita a caminho do mar. A praia e o<br />
nome Ipanema eram desconhecidos e o versionista americano, Normam Gimble, não<br />
queria colocar esta palavra porque se aproximava de uma marca de pasta de dentes.<br />
Tom insistiu e o convenceu: afinal, “o local é importante. É onde passa a garota! E<br />
tem aquele sentimento universal, que é de você estar sentado e aquela garota linda que<br />
passa. Talvez por isso a canção tenha furado o tempo, tenha continuado. Porque as<br />
moças continuam indo à praia e estão cada vez mais lindas” (JOBIM, 2007 ou Acervo<br />
ACJ, D12)<br />
43
Figura 2 – Primeiro esboço para “Garota de Ipanema”, Pi 1216 p. 54<br />
Diz Paulo Jobim, em entrevista a Alex Solnik, ainda inédita:<br />
O sucesso de “Garota” foi surpresa para qualquer pessoa. Até pro meu<br />
pai. Até o ponto de, um pouco, ele cansar de tocar. [...] Não me lembro do meu<br />
44
pai contando como ela foi feita. Mas tem a história de que ela foi feita para uma<br />
peça de teatro que o Vinicius queria fazer. Provavelmente, uma letra<br />
completamente diferente, que não tinha nada a ver com isso. [...] Tem um<br />
rascunho 36 dele ainda falando de gaivota, de pássaro... tem uns rascunhos do<br />
meu pai e uns rascunhos do Vinicius, que vão e voltam até virar a letra final. Ela<br />
deu um bocado de voltas. (SOLNIK, 2007)<br />
Após esse frutífero contato inicial, Tom e Sinatra ficaram bastante amigos e<br />
projetaram o disco Albert Francis Sinatra e Antonio Carlos Jobim. A boa acolhida<br />
nos Estados Unidos gera em Tom um sentimento especial de gratidão com relação a<br />
esse país. Nunca escondeu de ninguém a sua grande admiração pelos Estados Unidos,<br />
ainda que nunca tenha se tornado um americanista ou, como muitos fizeram,<br />
americanizado sua música. Como Tom passou a morar nos EUA, para trabalhar sua<br />
carreira internacional, é bastante bissexta a correspondência entre ambos. Apenas dois<br />
documentos 37 a registram brevemente: o telegrama-convite, de 19 de julho de 1968,<br />
apresentado anteriormente; e dois rascunhos de carta de Tom Jobim, de janeiro de<br />
1977, referindo-se a Frank Sinatra como “Dear (brother) Francis” (Acervo ACJ,<br />
Pi1423 23 e 24).<br />
1.5 A CRIAÇÃO DA BOSSA NOVA<br />
Na apreciação do que foi a Bossa Nova, toda reflexão nunca pode se restringir<br />
apenas ao seu elemento musical, ainda que a sua face mais visível tenha sido de fato<br />
as mudanças ocorridas na música popular. Isso porque, paralelamente à atividade<br />
musical, o tempo de surgimento da Bossa Nova foi também um tempo de<br />
transformação histórico-cultural, cujos desdobramentos chegam-nos até hoje.<br />
Todos aqueles acontecimentos dos anos 1950 permitiram que se sonhasse com<br />
uma nova era para o Brasil. O ímpeto desenvolvimentista parecia ser a base sobre a<br />
qual todos os equívocos do passado poderiam ser de uma vez suplantados em prol de<br />
uma era de prosperidade e valorização do brasileiro. O estrangeiro exalta a<br />
36<br />
Há vários rascunhos da música na série Produção Intelectual do Titular, incluindo alguns registros na<br />
subsérie Cadernos de anotações.<br />
37<br />
Há também uma correspondência oficial da Sinatra Enterprises, assinada por Serge Weiss, de 16 de<br />
fevereiro de 1973.<br />
45
criatividade brasileira: a criatividade musical, futebolística, arquitetônica. O Brasil é<br />
agora o Brasil de um Pelé e de um Garrincha, de um Tom Jobim e de um João<br />
Gilberto, variações de um mesmo matiz: a potencialidade do homem brasileiro. Para<br />
Nelson Motta, essa foi “uma época de liberdade, de democracia, de entusiasmo. O<br />
governo JK, a construção de Brasília, indústria automobilística… era um clima<br />
maravilhoso. Além de todas as coisas naturais do Rio, as praias… A Bossa Nova foi a<br />
trilha sonora perfeita para aquele momento.” (DIRECTV, 2006)<br />
O termo “Bossa Nova” sempre ultrapassou o cenário musical, possuindo<br />
utilizações das mais variadas, retratando, em cada uma delas, especialmente um<br />
estado de espírito. Assim é que um presidente da República podia ser, ao seu modo, o<br />
“presidente Bossa Nova”. A bossa, gíria jovial há muito usada na linguagem<br />
coloquial, significava uma moda, uma onda. Se é verdade que foi a cena musical que<br />
elevou o termo Bossa Nova até o ponto dele se tornar uma referência de toda uma<br />
época, cumpre um breve registro da origem desse termo. Quando se dizia, “fulano tem<br />
bossa para isso ou aquilo”, ainda que hoje este emprego tenha sido diminuído, se<br />
queria dizer: ele tem uma inclinação especial para isso que se propõe a fazer; possui<br />
uma maneira ou uma qualidade especiais para tal. Assim, Bossa Nova, do ponto de<br />
vista musical, surge como o cotejamento entre jeitos diversos de fazer música, sendo<br />
ela, um jeito novo. O novo aí não quer dizer ruptura absoluta, mas sim incorporação<br />
do antigo da cena musical anterior à Bossa Nova. Segundo Zuza Homem de Mello,<br />
havia dois gêneros musicais que conviviam nessa época: “um mais ligado aos rádios,<br />
que imperava, era o baião. E o outro, era o samba-canção, principalmente no Rio”<br />
(DIRECTV, 2006). Os grandes cantores do rádio (Emilinha, Silvio Caldas, Marlene,<br />
Orlando Silva) não se importavam com aqueles garotos, que se sentiam “modernos”,<br />
que queriam modificar tudo e procurar novidades. A música norte-americana também<br />
estava cheia de novidades: Gerry Mulligan, Gizzy Gillespie, Duke Ellington… O jazz<br />
atraía essa rapaziada. Os primeiros foram: Johnny Alf, Dick Farney e Lúcio Alves,<br />
que serviram de inspiração para começar uma grande revolução na história da música<br />
brasileira. Segundo o próprio Johnny Alf, todo o movimento foi despretensioso,<br />
seguindo apenas a inspiração de cada um: “a inspiração que eu tive, talvez, foi por um<br />
modo de ver diferente. Eu não sabia que era um negócio que ia marcar, porque a<br />
inspiração […] vem de repente. Não posso dizer: vou fazer isso, fazer aquilo. E, de<br />
repente, você faz um negócio que vai marcar…” (DIRECTV, 2006).<br />
46
Desde o fechamento dos cassinos, no Rio de Janeiro, em 1946, as boates<br />
(Hotel Plaza, Beco das Garrafas) se tornaram opção para a classe média. As músicas<br />
feitas dessa época até 1956 foram específicas para esse público e estabelecimento: era<br />
a música romântica tocada por grupos recentes: Namorados da Lua, Os Cariocas e Os<br />
Anjos do Inferno.<br />
Há contradições no que diz respeito ao marco inicial da Bossa Nova no âmbito<br />
musical: alguns apontam o disco de Sylvia Telles, A revelação de 1955 canta “Foi a<br />
noite” e “Menino”; outros, o LP Canção do amor demais (1958), de Elizeth Cardoso,<br />
com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes; ou ainda o disco Chega de<br />
saudade, de 1959, o primeiro de João Gilberto. Entretanto, importa dizer que eles<br />
criaram, definitivamente, a ponte pela qual o samba tradicional é incorporado por uma<br />
nova marcação rítmica, um novo tom para dizê-lo. Elizeth também participou do<br />
Chega de saudade, mas João Gilberto lhe pediu que ajustasse o ritmo que ela usava à<br />
batida do violão que ia dar. E gravaram perto de vinte vezes a mesma música! O<br />
impacto do LP foi enorme — ficaram registrados pequenos depoimentos no conjunto<br />
que a TV Directv reuniu para homenagear o movimento, em 2002: Zuza Homem de<br />
Mello disse que “nunca tinha ouvido aquilo. Parecia um som extraterrestre”; já para<br />
Nelson Motta, o LP do João Gilberto<br />
está para minha geração de músicos e poetas brasileiros como para os americanos<br />
estava ‘onde você estava no dia em que mataram Kennedy?’. Para nós, é ‘onde você ouviu<br />
Chega de saudade pela primeira vez?’. Ele combinou a sua voz ao violão perfeitamente. E<br />
ficou constituído o tripé da Bossa Nova, a santíssima trindade. E o João Gilberto é o espírito<br />
santo! (DIRECTV, 2006).<br />
As críticas, como sempre, também vieram: para o acompanhamento especial<br />
da bateria, que necessitava da caixeta, um instrumento criado pelo músico Guarany;<br />
para a voz desafinada de João Gilberto, e para a necessidade de regravação. Além<br />
disso, André Midani relata que na hora de apresentar o disco para os dirigentes da<br />
Odeon, eles ouviram e disseram: “mas isso é música para homossexual, rapaz”! Os<br />
críticos Antonio Maria e José Ramos Tinhorão também fizeram campanhas<br />
sistemáticas contra o movimento.<br />
A diversificação da economia, promovida pelo governo de Juscelino<br />
Kubitschek, com o implemento de novos meios de produção, alcança a ainda<br />
47
incipiente indústria de bens culturais. A produção musical e a veiculação das músicas,<br />
cada vez mais, pertencem agora ao mundo da técnica. É nesse cenário que a Bossa<br />
Nova surge e encontra terreno fértil para sua propagação.<br />
Em 1962, a Bossa Nova já era um fenômeno internacional. O show do<br />
Carnegie Hall, em Nova York, se destaca como o momento em que a bandeira<br />
brasileira da Bossa Nova é hasteada na América. Tom Jobim, João Gilberto, Luís<br />
Bonfá, Carlos Lyra, entre outros, participam do evento, que lota a prestigiosa casa de<br />
espetáculos nova-iorquina e é transmitido, ao vivo, pelo rádio. O sucesso<br />
internacional, a fama de seus principais representantes, o vigor extraordinário da<br />
música, tudo isso já colocava a Bossa Nova à frente de quaisquer modismos. As<br />
propagandas disseminaram slogans para óculos e sapatos, além de “Bossa Nova em<br />
máquina de lavar e refrigeradores”, etc. Essas utilizações buscavam chamar atenção<br />
para a originalidade e inovação dos produtos que eram então apresentados.<br />
Mesmo que antes da década de 1950 outros compositores fossem jovens bem<br />
formados culturalmente e fizessem sambas 38 , seu jeito de agir não configurou um<br />
movimento. A Bossa Nova foi uma revolução dos jovens que queriam fazer música<br />
para jovens como eles. Segundo Tárik de Sousa:<br />
Eu acho que a Bossa Nova trouxe um questionamento. Quer dizer, ela<br />
pensa a música brasileira ao mesmo tempo em que ela faz a música brasileira —<br />
ela pratica e teoriza sobre ela e instala o pensamento reflexivo sobre a arte de<br />
fazer música. Eram músicos e pessoas bem-humoradas. Por exemplo,<br />
“Desafinado” é uma música perfeitamente harmônica, que torna impossível a<br />
desafinação. É uma música divertida, sutil, traz bem-estar, leveza, suavidade…<br />
Não é pra pensar em nada, só aproveitar. (DIRECTV, 2006).<br />
Os convites de gravadoras rivais começaram a separar os grupos e parceiros.<br />
Além disso, o Brasil passou por outras grandes transformações políticas em apenas<br />
três anos: renúncia de Jânio Quadros, posse de João Goulart, referendo<br />
parlamentarista, agitação política, criação dos CPCs, e finalmente, instalação da<br />
ditadura. A maioria dos artistas debandou do país e aos que ficaram, restava mascarar<br />
sua insatisfação.<br />
38 Noel Rosa era médico; Ary Barroso e Mario Reis, advogados.<br />
48
1.5.1 TOM E A BOSSA NOVA<br />
A Bossa Nova começou por volta de 1956<br />
e foi até o começo dos anos 60.<br />
Tom Jobim (LOYOLA, 1988, p. 38)<br />
O termo “bossa” sempre foi usado no sentido de onda, moda. Embora o<br />
termo possa ser requisitado por muitos outros pais, desde que Tom escreve na<br />
contracapa do LP Chega de saudade o elogio a João Gilberto, “esse baiano Bossa<br />
Nova”, e a expressão cai no gosto da imprensa, que a populariza como sinônimo de<br />
todo um movimento musical: “muita gente se intitula pai do termo Bossa Nova, mas<br />
isso era comum, estava no ar. E isso você deve a Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ary<br />
Barroso, Noel Rosa, claro” (Acervo ACJ, K7-147). Vale lembrar que o termo “bossa<br />
nova” ampliou-se para todos os segmentos da sociedade que puderam ser<br />
aproveitados pela propaganda e que nas palavras de Tom: “muitas vezes dar nome às<br />
coisas provoca uma imensa confusão. Tinha advogado bossa nova, geladeira bossa<br />
nova… perdeu o sentido, se tornou uma palavra praticamente imprestável” (Acervo<br />
ACJ, K7-147).<br />
Em 1958, Tom conhece João Gilberto e logo propõe que façam um disco<br />
juntos. Convite aceito, durante meses trabalham naquele que seria o disco inaugural<br />
da Bossa Nova: Chega de saudade. O importante aqui não é exatamente marcar o<br />
início desse movimento, mas as mudanças que o movimento trouxe para o cenário da<br />
música e, mais amplamente, para a sociedade. As músicas de então falavam de uma<br />
musa inatingível ou eram paródias sobre mulheres ingratas, “amores bandidos”,<br />
cantados em sambas-canções ou boleros e valsas. A Bossa Nova implicou uma nova<br />
visão sobre o amor, novos acordes dentro de uma batida mais leve e diferente, e uma<br />
voz mais suave, propostos por João Gilberto naquele seu primeiro LP, visto que<br />
a modificação não foi só na batida. Você encontra aquela batida em<br />
outros lugares anteriores a João Gilberto. Mas quem fez o negócio funcionar foi o<br />
João. Ele trouxe também a maneira de cantar, a maneira de emitir uma outra<br />
concepção pro negócio todo. E aquilo se desenvolveu. […] A música brasileira<br />
sofria de excessos de acompanhamentos: na regional tem três violões… funciona ao<br />
49
vivo, num bloco, mas a Bossa Nova viu que não podia gravar assim. […] Hoje<br />
estamos tendendo para uma música mais barulhenta (Acervo ACJ, K7-147).<br />
Percebeu-se a necessidade de menos instrumentos e menos banda, pois os<br />
músicos queriam viabilizar suas gravações e tinham que “limpar um pouco” a<br />
melodia, diminuir os grupos: “um banquinho, um violão”, como na letra de<br />
“Corcovado”. Tom dizia que a Bossa Nova tinha “raízes seríssimas” no samba (e não<br />
no jazz), e que influenciou muito mais o jazz que o contrário, por conta da nossa<br />
maior “variedade de temas. Mas, nós temos a cultura do ‘deixa pra lá’ e os EUA, a<br />
cultura do ‘venha a nós’”. (Acervo ACJ, K7-147). Segundo Tom, a Bossa Nova<br />
nunca foi classista, como alguns críticos determinaram: aqueles jovens queriam<br />
mostrar sua leitura dos sambas do morro, falando sobre os temas que viviam: “não<br />
sabíamos que estávamos fazendo música para Zona Sul ou Zona Norte. Só queríamos<br />
fazer música!” (Acervo ACJ, K7-147).<br />
Essas músicas que eu fiz eram músicas locais. Nunca pensei que fossem<br />
tocar lá fora. Eu vivia aquela vida na fila do lotação. A fila dava a volta no<br />
quarteirão ali na Graça Aranha e a gente para voltar para casa era aquele cheiro<br />
no ônibus, aquele ar poluído. Depois do ônibus vieram os lotações. Não havia<br />
entre nós, eu e Vinicius, uma preocupação de elite. Nada disso. Pelo contrário.<br />
A preocupação era buscar o samba do preto, da Bahia, de Dorival Caymmi, de<br />
tudo o que fosse uma coisa ligada à terra. Se você faz direito a coisa local, ela<br />
vai embora. Agora, se você ficar tentando copiar o foxtrote americano, você será<br />
sempre um copista 39 .<br />
Em 1960, foi escolhido pelo presidente Bossa Nova, Juscelino Kubitschek,<br />
junto com Vinícius de Moraes, para compor Brasília: sinfonia da Alvorada, por conta<br />
da inauguração da cidade.<br />
Pouco tempo depois, participou do III FIC, com a música “Sabiá”, em parceria<br />
com Chico Buarque. O Festival Internacional da Canção (FIC) foi concebido por<br />
Augusto Marzagão e exibido pela TV Rio, no ano de 1966, e pela TV Globo durante<br />
os anos de 1967 a 1972, totalizando sete edições. As gravações eram feitas no<br />
39<br />
Essa citação foi colhida num dos painéis biográficos da exposição Nas trilhas do Tom, realizada no<br />
Rio Design Barra, em 2002, para comemorar a inauguração do Instituto Antonio Carlos Jobim. Não foi<br />
possível localizar a fonte inicial.<br />
50
Maracanãzinho e reuniam multidões. A canção classificada na fase nacional<br />
representaria o Brasil na fase internacional merecendo o prêmio Galo de Ouro<br />
(ALBIN, 2008) 40 . O público de 25 mil pessoas do III FIC passava pela segunda<br />
ditadura militar e conseguia ver nas músicas concorrentes, um meio de se manifestar<br />
contra o regime vigente. Por causa disso, a 29 de setembro de 1968, a música “Sabiá”<br />
foi vaiada durante 23 minutos. Era sua segunda parceria com Chico Buarque, e foi<br />
interpretada por Cinara e Cibele. Embora Tom estivesse sozinho no dia da vaia, pediu<br />
ajuda ao amigo, por telegrama, que partiu de Veneza na mesma hora. O dia seguinte<br />
era de concorrência internacional: “Sabiá” venceu e foi finalmente aplaudida, tendo<br />
sido a primeira das duas únicas vezes 41 que uma canção brasileira venceu a parte<br />
internacional. Tom e Chico estavam, juntos, assistindo. Anos mais tarde ele comenta<br />
“Eu não acredito muito na multidão. […] O que foi mais duro naquele festival foi<br />
ganhar a parte nacional — duro é você ser Garrincha, duro é você ser Pelé porque lá<br />
fora você ganha fácil. Aqui, as vaias se repetem.” (Acervo ACJ, E14). O que Tom<br />
Jobim só compreendeu anos depois foi que as vaias nada tinham a ver com a letra ou<br />
melodias perfeitas da música. O problema foi a concorrente, “Pra não dizer que não<br />
falei de flores”, de Geraldo Vandré, que tinha cunho político, muito mais próximo do<br />
que os jovens da época queriam dizer. Inclusive, logo após, a música teve sua<br />
execução proibida, acusada de ofender a instituição pública, principalmente nos<br />
versos: “Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na<br />
mão / Nos quartéis lhes ensinam antigas lições / de morrer pela pátria e viver sem<br />
razão”.<br />
1.6 ÚLTIMOS TEMPOS<br />
Poucos anos mais tarde, Tom, como fez com todo o seu arquivo, criou uma<br />
empresa que pudesse reunir e controlar seus direitos autorais. Através da Corcovado<br />
Music, em funcionamento desde 1970, pôde desfrutar de um período de calmaria<br />
financeira. Aproveitando a vida econômica organizada e a fama internacional,<br />
40<br />
O prêmio foi desenhado por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern.<br />
41<br />
A outra vez foi no ano seguinte, 1969, com “Cantiga por Luciana”, de Paulo Tapajós e Edmundo<br />
Souto.<br />
51
começa a engendrar a construção do seu tão esperado sítio. Localizado em uma<br />
espécie de vale, na serra fluminense, no município de São José do Vale do Rio Preto,<br />
o sítio ganhou o nome de Poço Fundo. Várias composições suas foram inspiradas na<br />
natureza desse lugar, como por exemplo “Águas de Março”, composta durante os<br />
paus e pedras da construção; “Dindi”, riacho dentro de sua propriedade e “Chovendo<br />
na roseira”, trazida pela chuva caída no seu jardim de sua primeira esposa, Thereza<br />
Hermanny.<br />
Em 1977, vive dias atribulados, por causa do fim de seu casamento com D.<br />
Thereza. Bebe demais, fuma demais — passa tempo demais nos bares, chega a dormir<br />
em alguns — e sua saúde dá os primeiros sinais de debilidade. Apega-se com fervor a<br />
um curandeiro chamado Lourival, que recomenda, de pronto, parar de beber e de<br />
fumar para recuperar a saúde e o viço perdidos.<br />
Neste mesmo ano, foi apresentado pelo pintor Ângelo de Aquino a Ana Beatriz<br />
Lontra, estudante de fotografia da PUC-Rio. Tendo se encantado com Ana, fez várias<br />
investidas românticas para que ela, então com dezenove anos, o aceitasse, já com<br />
cinqüenta anos. A companhia de Ana lhe dá novo ânimo, ajudando-o a superar a<br />
tristeza pela distância dos filhos. Teve com a segunda esposa mais dois filhos: João<br />
Francisco Lontra Jobim (falecido em 1998) e Maria Luiza Helena Lontra Jobim.<br />
A década de 1980 foi a mais produtiva da carreira de Tom. Embora tenha<br />
começado de maneira muito triste, quando morreu seu grande amigo e parceiro,<br />
Vinícius de Moraes, a 9 de julho de 1981. Por meses a fio, Tom lamenta essa<br />
dolorosa perda: “Não pensava na morte até Vinícius morrer” (JOBIM, 1995, p. 218).<br />
As solicitações de shows eram intermitentes e para colaborar com ele, Tom monta a<br />
Banda Nova. A banda foi formada em 1982 para um show em Viena (Acervo ACJ,<br />
S12). O convite foi feito, inicialmente, para Tom tocar com a Orquestra ORF-<br />
Sinfonietta, regida por Peter Guth, entretanto, ele decidiu levar toda a banda. No<br />
início de sua formação, a Banda Nova foi composta por seus filhos Paulo, no violão e<br />
Beth, no coro; sua esposa Ana Jobim, também no coro; seu amigo Danilo Caymmi na<br />
flauta; a esposa deste, Simone Caymmi, como a terceira cantora; no baixo, Tião Neto;<br />
e na bateria, Paulo Braga. Apenas as coristas Paula Morelenbaum e Maucha Adnet<br />
(“as profissionais”, como Tom costumava dizer) entraram a partir do segundo show<br />
de gala, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, para convidados estrangeiros<br />
(Acervo ACJ, K7-134). E, por último, entrou o contrabaixista Jacques Morelenbaum,<br />
52
formando assim o terceiro casal da banda composta por onze pessoas. Após o sucesso<br />
destes shows de estréia, outros convites apareceram e a Banda Nova se apresentou<br />
por mais de dez anos, até a morte de seu idealizador. Sempre assumia o nepotismo,<br />
inclusive para sua platéia, ao que era coroado com gargalhadas.<br />
Embora seu prestígio aumentasse a cada dia42 , sentia-se cada vez mais<br />
exausto pelas viagens e pelos inúmeros compromissos em sua agenda. Em 1994,<br />
recebe a notícia de que está gravemente doente, com câncer na bexiga. No mesmo<br />
ano, foi para Los Angeles, ser operado no Mount Sinai Hospital. Demonstrando a<br />
terna preocupação de pai, pouco antes da viagem, disse à sua irmã, Helena Jobim:<br />
“Preciso criar Luiza e orientar Joãozinho. Ele já vai fazer quinze anos” (JOBIM,<br />
1995). Mesmo sentindo a obrigação de criar seus quatro filhos jovens, não resiste às<br />
complicações da cirurgia e, na presença de seu filho Paulo, morre no quarto, após três<br />
paradas respiratórias.<br />
Tomando-se a citação atribuída a Jorge Luiz Borges — “um homem não<br />
está totalmente morto até que o último homem que o conheceu também esteja” — e<br />
conhecendo o poder transformador de sua música, do carinho de uma legião de fãs,<br />
do amor que permanece de sua família e amigos, pode-se afirmar que a morte de Tom<br />
Jobim ainda não o alcançou.<br />
42<br />
“Garota de Ipanema” era a segunda música mais executada de todos os tempos, perdendo apenas<br />
para “Yesterday”, dos Beatles. Sobre esse fato, Tom sempre dizia: “Mas eles eram quatro” (JOBIM,<br />
1995). Em 2004 “The girl from Ipanema”, com voz de Astrud Gilberto, entrou para a coleção 50<br />
Recordings to the National Recording Registry, canções escolhidas pela Library of Congress, com a<br />
intenção de registrar os sucessos musicais mais importantes da história da humanidade.<br />
53
CAPÍTULO 2: O ARQUIVO TOM JOBIM, sua maior composição<br />
O que gostaria de fazer mesmo é escrever minha obra. É preciso<br />
escrever essas quinhentas obras, porque senão posso morrer e ninguém<br />
mais vai saber o que era aquilo tudo, com as alterações impostas pelos<br />
meios de divulgação. […] Na verdade, já escrevi todas minhas<br />
músicas, mas aos poucos elas foram emprestadas ou perdidas.<br />
Antigamente não havia xerox e, perdido o original, perdia-se tudo.<br />
TOM JOBIM<br />
Ainda que muitas pessoas sejam fãs inveteradas da obra de um músico, ainda<br />
que existam muitos estudiosos dessa mesma obra, que conheçam detalhes de sua vida<br />
profissional, nuances de suas melodias, e saibam de cor e salteado as letras, ainda há<br />
muito a ser pesquisado sobre ele. Um exemplo disso é o estudo que um acervo pessoal<br />
nos permite: se por um lado nos aproxima dos motivos que levaram o titular a<br />
acumular toda sua documentação, ou seja, o tipo de imagem construída por ele mesmo<br />
através dos seus papéis privados por outro lado, evidencia o plano dos guardiões dessa<br />
memória em perpetuar o projeto de construção daquela imagem.<br />
Este capítulo procura mostrar a maneira como Tom Jobim acumulou e tratou<br />
cuidadosamente de seu arquivo privado durante 52 anos de sua vida profissional. Tom<br />
decidiu manter um arquivo pessoal com o claro propósito de preservar sua obra e<br />
projetá-la para o futuro. Esse cuidado foi transmitido para seus herdeiros, que além<br />
das obras musicais, cuidam, hoje, de seu legado arquivístico.<br />
2.1 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA<br />
Tom Jobim foi colecionador de sua própria obra/vida, pois registrou de várias<br />
maneiras, e em vários suportes, as passagens que melhor a ilustravam, segundo ele<br />
mesmo. Nem sempre é fácil depreender seus critérios, mas o que queremos enfatizar é<br />
que eles existiram no arquivo de Tom e existem em todos os arquivos pessoais.<br />
Desde o início de sua carreira como músico, por volta de 1942 (apenas com<br />
quinze anos), Tom Jobim acumulava documentos no intuito de manter o registro das<br />
54
letras e melodias que acreditava poder um dia gravar, com o afinco de quem tinha a<br />
esperança de se tornar famoso. Durante muitos anos teve de se contentar em andar<br />
com uma pasta cheia de composições próprias e mostrá-las apenas aos amigos. Isto<br />
porque os responsáveis pelos bares onde se apresentava exigiam que ele tocasse<br />
apenas os hits americanos ou os clássicos franceses. Na preciosa gravação da série<br />
Depoimentos para a posteridade 1 , Tom diz: “Comecei a guardar as músicas na<br />
gaveta. Não mostrava pra ninguém; tinha medo” (MIS, 1967, K7-127). Mas, quando,<br />
em 1956, conseguiu gravar e orquestrar seu primeiro disco, Sinfonia do Rio de<br />
Janeiro, junto com Billy Blanco, e constituiu parceria com Vinicius de Moraes para a<br />
peça Orfeu da Conceição, Tom resolveu guardar suas composições (e versões) com<br />
um cuidado que já indicava o projeto de ser e de se manter famoso.<br />
Como fica claro pela epígrafe deste capítulo, Tom pretendia reescrever os<br />
arranjos que se haviam perdido com o tempo 2 . Embora esse trabalho só fosse levado a<br />
cabo por seu filho Paulo Jobim, em 2001, com a publicação Cancioneiro Jobim, era<br />
esse o seu desejo, desde 1967, quando menciona: “Outro dia encontrei com a Elizeth<br />
[Cardoso] que tem um Saci pra me dar há quatro anos! Eu quero todos os prêmios pra<br />
colocar lá em casa. Senão, a coleção fica desfalcada” (MIS, 1967, K7-127). Desde o<br />
início de sua carreira, portanto, ele procurava manter os documentos e objetos que<br />
comprovassem o resultado do seu trabalho ou que informassem sobre seu processo de<br />
criação musical. Longe de parecer um capricho, tal fato mostra que Tom tentava, com<br />
cuidado, preencher lacunas abertas, reescrever sua obra e reuni-la num corpo único –<br />
sempre no seu arquivo pessoal.<br />
A preocupação de Tom em acumular seus documentos foi herdada pelos filhos<br />
e viúva. Algum tempo depois de sua morte (8 de dezembro de 1994), a família tinha a<br />
obrigação de cumprir o principal projeto de Tom, antes de morrer: publicar seu<br />
cancioneiro, que ele havia começado com Paulinho tempos antes. Ao longo desse<br />
“primeiro mergulho no acervo” (JOBIM, 2008), outros projetos inacabados deveriam<br />
seguir em frente, como por exemplo:<br />
a edição de toda a sua obra musical, corrigida por ele mesmo;<br />
1<br />
Museu da Imagem e do Som. Depoimentos para a posteridade: Tom Jobim. Rio de Janeiro, 1967.<br />
Documento acessado no arquivo pessoal de Tom, no Instituto Antonio Carlos Jobim, K7-127.<br />
2<br />
Várias razões contribuíram para esse desaparecimento: além de condições ambientais, perdas e<br />
mudanças impostas pelas gravadoras, algumas partituras foram entregues a intérpretes e músicos e não<br />
foram devolvidas.<br />
55
a confecção do material que idealizou para sensibilizar crianças para a<br />
preservação da natureza e a introdução à música;<br />
a compilação e repaginação de suas obras sinfônicas;<br />
a revisão de alguns álbuns e a edição de novos;<br />
a gravação de músicas inéditas, que preparava e que inclusive, deixou sobre o<br />
piano, antes de seguir para o hospital onde faleceu.<br />
Muitos dos documentos necessários para a concretização desses projetos<br />
estavam guardados no seu arquivo pessoal, que até então, só ele conhecia. Isso,<br />
mesmo que, vez por outra, sua segunda esposa, Ana Jobim, o ajudasse a organizar<br />
alguns documentos e que durante um bom período, a amiga Vera de Alencar tivesse<br />
sido contratada também para esse fim.<br />
O arquivo começou sem intenção. A Thereza começou a guardar em<br />
envelopes pardos todos os recortes de jornais e documentos que tinha. Quando<br />
me mudei com Tom para a casa da rRua Peri, aquilo tudo veio e não sabíamos<br />
muito bem o que tinha lá e o que fazer com eles. Quem sugeriu a Verinha foi a<br />
Thereza, porque era amiga dela. Ela começou a catalogar tudo aquilo e criou um<br />
sistema de cópias para evitarmos o manuseio. Esse foi o início. Depois a<br />
Verinha sugeriu a Piedade Grinberg para trabalhar os jornais fisicamente e a<br />
parte do conteúdo também. (JOBIM, 2008)<br />
Como Vera Alencar tinha várias outras ocupações, e tendo dado por findo o<br />
trabalho no arquivo de Tom, ele voltou a ser acumulador e organizador de seu próprio<br />
acervo, organizando seu passado através desses documentos, e tendo como projeto 3<br />
deixar, por meio desse conjunto documental, seu principal legado.<br />
A solução encontrada pela família para levar a cabo tal projeto foi a reunião<br />
desse arquivo, que estava dividido entre as três casas de Tom 4 , e, também, nas casas<br />
de seus dois filhos mais velhos, Paulinho e Beth. Esse foi o primeiro passo para tomar<br />
3<br />
Definição de projeto, segundo Alfred Schultz e Helmut Wagner citados por Gilberto Velho em<br />
Projeto e metamorfose: ação deliberada para atingir um objetivo. “A ação deliberada resulta de<br />
planejamento, do estabelecimento de um objeto e de imaginá-lo sendo realizado, e ainda da intenção de<br />
realizá-lo, independente do plano ser vago” (VELHO, 2003, p. 103).<br />
4<br />
As casas de Tom onde estavam seus documentos eram: na rua Sara Vilela, no bairro do Jardim<br />
Botânico (Rio de Janeiro), no seu apartamento, onde morava parte do ano em Nova York, e o sítio<br />
Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, cidade próxima de Petrópolis (Rio de Janeiro).<br />
56
conhecimento de seu volume documental, localizar quais documentos poderiam<br />
auxiliar a concluir aquele projeto e juntar informações e idéias para o lançamento de<br />
outros. Aos poucos, a família reuniu, na casa do filho mais velho, os baús e armários<br />
para então perceber, pelo volume e diversidade – próprio a todo arquivo pessoal –,<br />
que essa era a maior obra que Tom lhes tinha deixado. Portanto, faziam-se<br />
imperativas a institucionalização do arquivo e a profissionalização de seu trabalho de<br />
organização. A partir dessa iniciativa, os principais projetos de vida de Tom puderam<br />
ser concluídos. De forma esquemática, os resultados foram:<br />
os cinco volumes do Cancioneiro Jobim, livro póstumo que reúne sua obra<br />
musical, com as correções nos arranjos, que Tom tanto queria. As correções<br />
foram feitas, em parte pelo próprio Tom e terminadas por Paulo Jobim. Esses<br />
livros motivaram, inclusive, a criação do selo Jobim Music Editora.<br />
a primeira edição do Tom da Mata 5 , em 1998, desenvolvido, mantido e<br />
distribuído pela parceria entre Furnas Centrais Elétricas, Eletrobrás,<br />
Eletronorte, Instituto Antonio Carlos Jobim e Fundação Roberto Marinho.<br />
Consiste em um projeto de educação ambiental e musical que capacita<br />
professores da rede pública a usarem, de forma criativa, os itens distribuídos,<br />
gratuitamente no kit: cinco fitas VHS, uma fita cassete, dois livros didáticos,<br />
um mapa, várias sementes de árvores nativas e um jogo de estratégia. Esse<br />
projeto deu bons frutos e estimulou, até agora, outras duas versões: Tom do<br />
Pantanal, em 2002, e Tom da Amazônia, em 2006, além da reedição do Tom<br />
da Mata, em 2007.<br />
o projeto Jobim Sinfônico, realizado por Paulo Jobim e Mario Adnet, que<br />
pesquisaram, reuniram e adaptaram os arranjos sinfônicos escritos do maestro<br />
(“Brasília: sinfonia da Alvorada”, “Orfeu da Conceição”, “Se todos fossem<br />
iguais a você”, “Lenda” e “Prelúdio”, inéditos) e escreveram outros, que ele<br />
não teve oportunidade de aprontar (“Saudade do Brasil”, “Imagina”,<br />
“Modinha”, “A casa assassinada”, “A felicidade”, “Matita Perê”, “Gabriela”,<br />
“Canta, canta mais”, “Meu amigo Radamés”, “Garota de Ipanema” e<br />
“Bangzália”). O show do projeto foi realizado na Sala São Paulo, nos dias 9 e<br />
5 Indicamos a visita ao site http://www.tomdaamazonia.org.br<br />
57
11 de dezembro de 2002, sob a regência de Roberto Minczuk. Posteriormente,<br />
foi lançado em CD duplo e DVD.<br />
a remasterização dos álbuns “Tom Jobim ao vivo em Montreal”, “Tom na<br />
Mangueira”.<br />
a edição de Tom Jobim em Minas. Ao vivo, piano e voz, e de dois volumes de<br />
Tom Jobim: Perfil.<br />
e mais recentemente, em 2007, a edição do DVD A casa do Tom; mundo,<br />
monde mondo, um filme de Ana Jobim sobre fragmentos, memórias e registros<br />
de Tom. Segundo a autora, “uma biografia de quinze anos”.<br />
2.2 A CRIAÇÃO <strong>DE</strong> UMA INSTITUIÇÃO: O INSTITUTO ANTONIO CARLOS JOBIM<br />
Dando continuidade a essa preocupação evidenciada por Tom — a de zelar<br />
por seu próprio acervo — e deparando-se com demandas de pesquisadores com a falta<br />
de condições de trabalho e com um volume de documentos que não permitia o acesso<br />
manual, a família decidiu criar uma instituição que pudesse inventariar, preservar,<br />
proteger e divulgar os documentos de Tom.<br />
Desde 1999, uma tentativa embrionária nesse sentido já ocupava cômodos da<br />
casa do filho Paulo Jobim. Foi quando Vanda Maria Mangia Klabin, amiga da família<br />
e diretora do Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro, foi convidada a<br />
organizar o acervo. Consciente do que tinha em mãos, estruturou a sede e<br />
providenciou a legalização do órgão. Como precisava de uma equipe para ajudá-la na<br />
empreitada, contactou sua amiga pessoal e então diretora do Museu-Casa da Fundação<br />
Casa de Rui Barbosa, Magaly Cabral. Ela explicou que as necessidades do acervo de<br />
Tom eram mais próximas ao trabalho que a equipe do Arquivo-Museu de Literatura<br />
Brasileira (AMLB) desenvolvia. Foi então que a chefe do setor, Eliane Vasconcellos,<br />
começou a trabalhar para levantar fundos e manter a equipe de organização,<br />
higienização e digitalização do acervo de Tom Jobim.<br />
O Instituto Antonio Carlos Jobim (IACJ), criado oficialmente em 8 de agosto<br />
de 2001, e comandado por seus herdeiros e pela diretora Vanda Klabin, é o principal<br />
detentor do acervo pessoal do maestro. Seus objetivos são, de acordo com seu<br />
estatuto:<br />
58
a) preservar e divulgar no Brasil e no exterior, a obra de Antonio Carlos<br />
Jobim, assim como os valores culturais manifestados em vida pelo<br />
compositor;<br />
b) promover o acesso público à obra e aos materiais biográficos do<br />
compositor;<br />
c) desenvolver e/ou promover projetos, exposições, festivais e espetáculos<br />
nas áreas de arte, música, cultura , comunicação ecologia, educação e<br />
outras afins;<br />
d) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar obras literárias,<br />
artísticas ou científicas e outras relativas às ciências humanas, às letras e às<br />
artes, inclusive na forma de livros, fonogramas, compact disc, vídeos, CD-<br />
Rom’s, DVDs e audiovisuais, bem como outras formas de mídia eletrônica<br />
ou digital;<br />
e) editar e produzir home pages e sites na Internet;<br />
f) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar obras fotográficas e as<br />
produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;<br />
g) editar, produzir, publicar, distribuir e comercializar as coletâneas ou<br />
compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e<br />
outras obras, que por sua seleção, organização ou disposição de seu<br />
conteúdo constituam criação intelectual.<br />
Além destes, é importante frisar que o IACJ deve também tornar disponível,<br />
especialmente para pesquisadores, toda a produção do artista, assim como<br />
desenvolver e/ou promover projetos e pesquisas nas áreas de educação, música, arte e<br />
ecologia.<br />
Inicialmente, o Instituto funcionou dentro da sede de uma empresa da família,<br />
fundada por Tom e Ana Jobim, a Jobim Music 6 , em um prédio comercial no bairro<br />
carioca do Jardim Botânico. Depois de ocupar por cinco anos essa sala comercial, o<br />
Instituto adaptou um dos prédios do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), dentro<br />
6<br />
Fundada em 1990, a Jobim Music é também uma iniciativa do maestro de reunir sua obra musical, e<br />
comercial, garantindo a arrecadação de seus direitos autorais.<br />
59
do Espaço Tom Jobim (ETJ) 7 , para criar as condições ideais de controle do ambiente e<br />
acesso ao acervo. Nesse sentido, foi adotado um sistema de climatização, de acordo<br />
com as normas do Conarq (Conselho Nacional de Arquivos) e com alguns casos<br />
reconhecidamente de sucesso, como o da Fundação Casa de Rui Barbosa e da<br />
Fundação Getúlio Vargas. O sistema está estruturado sobre o programa Sistrad 8 , para<br />
plataforma Windows que mede, em tempo real, a umidade e a temperatura da antecâmara<br />
e da sala do arquivo, ligando e desligando automaticamente os<br />
condicionadores de ar, os dutos de ventilação e os desumidificadores sendo<br />
monitorado 24 horas por dia, via web.<br />
Como o ambiente informacional, também inovador, requeria termos muito<br />
específicos, foi necessária a ajuda dos especialistas que trabalharam para adaptá-lo 9 .<br />
Um pouco da sofisticada configuração da rede de computadores será descrita mais à<br />
frente, mas é baseada em três fundamentos essenciais àquilo que o trabalho exigia:<br />
todos os programas são gratuitos, seguros e atualizados, o que levou o Instituto a ser<br />
considerado case em desenvolvimento de banco de dados voltados para arquivos<br />
pessoais 10 .<br />
A instituição foi custeada pela própria família nos primeiros seis anos de<br />
existência, tamanha era a dedicação e o interesse pelo projeto. Até o início de nossa<br />
pesquisa, em 2007, o IACJ era mantido pela construtora Camargo Correa<br />
Desenvolvimento Imobiliário, de São Paulo, através de doação para custear seus<br />
principais gastos. A equipe de pesquisadores só é reunida quando há possibilidade de<br />
trabalho temporário. Atualmente, está em desenvolvimento o projeto de organização<br />
do acervo Dorival Caymmi, amigo querido de Tom, pois sua família solicitou esse<br />
apoio.<br />
O Instituto Antonio Carlos Jobim tornou-se um “lugar de memória”, que<br />
guarda o legado de seu patrono. Dessa forma, um confere legitimidade ao outro, como<br />
observou Luciana Heymann em relação ao arquivo e Fundação Darcy Ribeiro:<br />
7<br />
O ETJ está situado no Centro de Visitantes do JBRJ, criado pelo Termo de Cessão de Uso Processo<br />
N. 02011000123/22123599 para a Associação de Cultura e Meio Ambiente (ACMA) dar melhor uso a<br />
quatro prédios e uma praça, realizar manifestações culturais e atrair público para aquela área antes<br />
pouco usada.<br />
8<br />
Este sistema foi desenvolvido pela empresa Full Gauge, que também forneceu os sensores de<br />
temperatura e umidade.<br />
9<br />
Marcelo Carius e Tiago Ferreira, ambos da Carius Informática, a quem agradeço efusivamente.<br />
10<br />
E era o primeiro caso no mundo a usar o Dspace, voltado para acervos pessoais; pelo menos até o<br />
início de nossa pesquisa.<br />
60
a legitimidade dentro do campo de instituições de memória depende, em<br />
grande parte, da capacidade de abrigar acervos, de reunir peças e documentos<br />
inéditos — que funcionam como manifestação material do legado — ou, ao<br />
menos, de produzir um discurso convincente e documentado na apresentação do<br />
personagem e de sua trajetória. (HEYMANN, 2005, p. 53)<br />
A instituição depende do arquivo, pois certamente, as pessoas que estão à sua<br />
frente têm consciência do “forte capital simbólico” (HEYMANN, 2005, p. 52) que ele<br />
representa dentro de uma cada vez mais crescente vertente de pesquisadores, que<br />
mantêm interesse nos documentos pessoais como fonte primária e no arquivo como<br />
objeto de pesquisa.<br />
2.3 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES SOBRE ARQUIVOS E ARQUIVOS PESSOAIS<br />
Finalmente, antes de prosseguir no exame do arquivo de Tom, faz-se<br />
necessário relatar alguns termos e discussões no interior da Arquivística, pois nos<br />
darão alguma medida para compreendermos como foi tratado o acervo de Tom Jobim.<br />
Segundo Shellemberg, o termo “arquivo” foi conferido aos acervos pessoais<br />
somente a partir do século XX, mais precisamente em 1928, quando o arquivista<br />
Eugênio Casanova escreveu seu Archivistica. (CASANOVA apud<br />
SCHELLEMBERG, 1973, p.15). Esses acervos eram, até então, considerados pelos<br />
profissionais mais destacados da área, apenas como “coleções de manuscritos” e, no<br />
máximo, como “arquivos de família”, como a citação abaixo tão bem ilustra:<br />
Constituem estes, por via de regra, um aglomerado de papéis e escritos,<br />
que os vários membros de determinada família, ou os habitantes de uma casa ou<br />
castelo, na qualidade de pessoas privadas ou a títulos diversos, algumas vezes<br />
mesmo como colecionadores de curiosidades, reuniram e conservaram. Os<br />
documentos de um arquivo de família não formam “um todo”; foram, não raro,<br />
agrupados segundo os mais estranhos critérios e falta-lhes a conexão orgânica<br />
de um arquivo no sentido em que o define o presente Manual. As regras para o<br />
arquivo em sua acepção própria não se aplicam, pois, aos arquivos de família.<br />
(MULLER; FEITH; FRUIN. 1960, p. 13)<br />
61
Mas, é preciso lembrar que há arquivo mesmo sem arquivistas, pois, como<br />
vimos, o acervo de Tom começou e se estruturou sem receber tratamento técnicoarquivístico<br />
adequado por quase 57 anos: desde 1944, aproximadamente o ano em que<br />
Tom começou a escrever suas letras e músicas, até 2001, ano do início do trabalho no<br />
IACJ. Embora, a pesquisa histórica usasse as fontes arquivísticas, ao menos desde o<br />
século XVIII, só haverá maior interesse pela documentação de arquivos pessoais no<br />
fim do século XX 11 .<br />
Comparada com outras ciências, a Arquivologia 12 é relativamente recente.<br />
Depois do século XVIII, quando a “modernidade no Ocidente [foi] associada ao<br />
desenvolvimento de ideologias individualistas” (VELHO, 2003, p.39), a Arquivologia<br />
ganhou terreno para florescer. Ainda hoje, no entanto, o arquivista muitas vezes é<br />
confundido com um “detetive”, alguém que “caça” um documento em meio ao caos,<br />
ou com aquele funcionário que “tem o arquivo na cabeça” (e, provavelmente, apenas<br />
lá). Desconhece-se que o arquivista é também um pesquisador, um estudioso de fontes<br />
de primeira mão, alguém que vai criar planos para nortear a organização do arquivo,<br />
ferramentas para dialogar com os usuários, atender ao pesquisador, criando uma<br />
metodologia para atender a seu trabalho de pesquisa no acervo.<br />
No entanto, isso não significa que o arquivista se conduza por um prisma<br />
“utilitarista”. A respeito, cabe o alerta feito por Thiollent, sobre o risco de, sob o<br />
argumento da eficiência, do utilitarismo nas decisões, confundir-se prática científica<br />
com prática administrativa. Se é correto afirmar que os dias de hoje solicitam do<br />
arquivista uma visão utilitária em sua atuação junto ao arquivo, o predomínio dessa<br />
visão pode torná-lo um mero administrador do arquivo, quando não um seu<br />
“agenciador” no pleito de patrocínios junto a órgãos públicos e privados, e na busca<br />
de “visibilidade” (maior exposição do arquivo) com o fim de torná-lo viável<br />
comercialmente, esquecendo-se talvez de pensar a obra arquivada. Pensar-se a obra<br />
arquivada é também tarefa do arquivista; a prevalência da lógica da eficiência e do<br />
utilitarismo significa, cada vez mais, a morte desse pensamento científico. Se o<br />
objetivo teórico do arquivista — aquele que lida mais própria e essencialmente com<br />
11<br />
Lembro também que no fim de 1997, quando terminei a faculdade de Arquivologia, fui a única a<br />
apresentar monografia sobre arquivos pessoais.<br />
12<br />
Alguns autores, mais ligados à corrente canadense, disseminaram o termo Arquivística, como<br />
sinônimo.<br />
62
os arquivos, por também pensar a obra arquivada — for deixado de lado, põe-se em<br />
risco aquilo em que se funda a própria Arquivologia: o seu método.<br />
Muitos planejadores de pesquisa confundem ciência com eficiência. Em<br />
nome desta última, as pesquisas são conduzidas em função da maior<br />
acessibilidade dos dados. Assim, independentemente de qualquer objetivo<br />
teórico, recai-se em vãos cruzamentos de opiniões com categorias de idade, sexo<br />
ou profissão. [...] Ora, o argumento da eficiência não permite nenhuma<br />
demarcação entre prática científica e simples prática administrativa.<br />
(THIOLLENT, 1982, p. 128)<br />
Assim é que o arquivista deve afastar-se de uma simples “lógica da eficiência”<br />
se quiser compreender e trabalhar com a lógica de acumulação que orientou a<br />
construção do arquivo sobre o qual está debruçado. Entender os objetivos da coleção<br />
produzida pelo titular, a função dos documentos e o mecanismo da acumulação é<br />
ponto primordial para a organização de todo arquivo privado por um profissional da<br />
área.<br />
Mais que organizar e administrar um arquivo, o arquivista preserva a memória,<br />
articulando, em sua atuação, passado, presente e futuro. No texto de José Maria<br />
Jardim, “A invenção da memória nos arquivos públicos”, o autor cita vários<br />
estudiosos que chamam a atenção para o tema. No discurso do XII Congresso<br />
Internacional de Arquivos, em 1992, disse Jean Favier: “somos arquivistas, não somos<br />
homens do passado. Nós temos a responsabilidade da memória comum dos homens e<br />
uma responsabilidade na construção do futuro”. Para Carol Couture: “o arquivista tem<br />
o mandato de definir o que constituirá a memória de uma instituição” e, para Maria<br />
João Pires de Lima: “um país sem arquivistas é um país sem arquivos; e um país sem<br />
arquivos é um país sem memória, sem cultura, sem direitos” (JARDIM, 1995, p. 4-5).<br />
Arquivista e titular do arquivo são, assim, em momentos distintos,<br />
responsáveis pela seleção dos documentos do acervo, pois se o titular seleciona o<br />
conjunto inteiro de seu arquivo, o arquivista, munido de método, aparatos técnicos e<br />
também intimistas, seleciona o conjunto-parte do arquivo que poderá ser exibido e<br />
acessado. Mas, a liberdade permitida e buscada na sociedade atual, também chega às<br />
práticas arquivísticas, ensejando mudanças até em documentos controlados pela<br />
63
Diplomática 13 (ofício, cartas, atas e outros tipos, ditos oficiais). Não é exclusividade<br />
da Arquivologia, entre outras ciências, ter alguns de seus primeiros pilares<br />
desconstruídos, enquanto outros adquirem novos sentidos. Pode-se imaginar quão<br />
pesada era a idéia de manter a custódia dos documentos na instituição que os gerou,<br />
trazendo importantes conflitos quando de sua extinção ou da impossibilidade de<br />
manutenção. Também valiosa foi a desconstrução do conceito de fixar o formato de<br />
cada documento, indiferente ao suporte ou meio sobre o qual estivesse registrado. Os<br />
ajustes nesses e em outros ideais são bem-vindos e, mais ainda, imperiosos, para<br />
melhor seguir os anos que correm.<br />
É evidente que o pensamento até hoje hegemônico torna-se de difícil<br />
aceitação, que a classificação pelo suporte do documento (mapas, partituras, fotos)<br />
não mais determina a classificação arquivística, e os fundos podem ser transferidos<br />
e/ou absorvidos por outras instituições, quando há casos de extinções ou expansões. O<br />
mais apropriado seria o uso das tipologias documentais, formadas pelo tipo do<br />
documento e sua função (exemplo: correspondência pessoal, produção intelectual do<br />
titular) abrigados pelos gêneros ou categorias (audiovisuais, cartográficos,<br />
iconográficos, textuais etc.).<br />
Quando o termo “público” foi usado em relação ao arquivo de Tom Jobim, o<br />
que se tinha em vista não era o sentido de arquivos subordinados à administração<br />
pública, mas o de se tratar de um conjunto documental de acesso público. Assim,<br />
aqueles arquivos, que mesmo acumulados por particulares, permitem o acesso do<br />
público, acabam também por receber o status de “arquivo público”.<br />
Os arquivos empresariais e administrativos têm sua organização fundamentada<br />
nas atividades, funções, estrutura e descrição do órgão estudado. Ainda que de outra<br />
maneira, os arquivos privados pessoais são a eles aproximados, baseando sua<br />
organização no acompanhamento da vida do seu titular. Os arquivos pessoais, em<br />
certo sentido, nascem como permanentes, pois têm por finalidade a preservação dos<br />
documentos de valor cultural, jurídico ou íntimo de uma pessoa. São repositórios de<br />
fontes, atualmente e cada vez mais, valorizadas pelos pesquisadores de História,<br />
Ciências Sociais, Antropologia etc. Tais fontes são documentos produzidos para<br />
13<br />
Ciência que estuda e normatiza os tipos de documentos, incluindo o texto que ele carrega. Teve seu<br />
uso consideravelmente diminuído, mas ainda encontra importância nos dias de hoje, principalmente em<br />
situações oficiais.<br />
64
comprovar alguma ação do titular do acervo e podem, posteriormente, ser usadas para<br />
pesquisas históricas, desde que resguardadas sua fidedignidade e autenticidade<br />
(DURANTI, 1994, p. 49).<br />
Outros dois pontos que devem ser levados em consideração são os princípios<br />
da Arquivologia de respeito à ordem original e o da proveniência.<br />
O primeiro foi estabelecido pelos franceses durante o século passado, e<br />
determina a manutenção da ordem dos documentos como foram organizados pelo<br />
titular ou pela família. Essa prática, não totalmente abolida atualmente, deve ser<br />
relativizada. Ela não deve impedir que os fundos arquivísticos 14 tenham uma<br />
organização mais “racional” ou científica (LOPES, 1996, p. 68). É que, levado ao<br />
extremo, o princípio poria em risco o trabalho técnico-científico de descrição e<br />
organização do arquivo, principal função dos arquivistas; além do risco de cristalizar<br />
uma ordenação às vezes reconhecida como incipiente pelos próprios<br />
usuários/titulares 15 .<br />
O segundo princípio básico da Arquivologia, o da proveniência (respects des<br />
fonds), determina que os documentos gerados por uma instituição ou pessoa não<br />
devem ser misturados aos de outros geradores. Esse é um conceito extremamente útil<br />
para o objetivo desse capítulo, ficando claro, contudo, que o arquivo de Tom Jobim é<br />
o único depositado no Instituto que leva seu nome. O princípio da proveniência,<br />
desenvolvido também na França, aplica-se no sentido de ordenar os acervos de<br />
instituições que possuem vários arquivos, na acepção de fundo. Aliás, este é o início<br />
do significado de fundo arquivístico, pois permite, que num mesmo<br />
arquivo/instituição, vários arquivos/fundos coexistam, sem que se misturem ou que se<br />
perca o modo de acumulação do titular. Além disso, tornar possível, mesmo após o<br />
emprego relativo do princípio anterior, apreender como o titular do fundo formulou a<br />
consciente “política de acumulação” de seu acervo, pois mantém todos os documentos<br />
guardados por ele, ao longo do tempo, no mesmo grupo.<br />
14<br />
Fundo é a coleção de documentos que tem a mesma origem, organicidade ou composição. Equivale<br />
ao termo “arquivo”.<br />
15<br />
Em várias oportunidades, durante minha experiência profissional, ouvi dos titulares ou doadores que<br />
a organização dada era “provisória” ou a que melhor conseguiram naquele momento e que depois se<br />
“acostumaram” com a forma que tomou.<br />
65
Os momentos de criação do arquivo podem ter sujeitos diversos. O<br />
processo de acumulação é dinâmico comportando revisões de articulação e<br />
remanejamento de peças, o que dificulta, ainda que não impeça, surpreender seu<br />
movimento, sua trajetória: sua vontade de guardar. (LISSOVSKY et al., 1986, p.<br />
68)<br />
Ou seja, o que o colecionador pretende com seus registros, com sua produção<br />
documental, levando-se em conta o que deseja que chegue ao conhecimento do<br />
público no futuro, isto é, a lógica de acumulação de todo arquivo. Dito de outra forma,<br />
essa lógica perdura durante toda a trajetória do titular e incide diretamente sobre o<br />
modus como ele acumula, quais documentos ele irá guardar e o uso que lhes dará. A<br />
lógica de acumulação deve ser observada no fundo e não apenas sobre as informações<br />
que um documento fornece, num primeiro olhar. É o sentido do conjunto que traz de<br />
volta o movimento ou a intenção diária de acumulação.<br />
A intenção do colecionador ao construir seu arquivo aparece, por exemplo,<br />
pela quantidade e por quais documentos acumulou, pelas ligações entre documentos<br />
diferentes: uma carta que acompanha uma fita cassete enviada a alguém e que resulta<br />
numa partitura. Às vezes, como no caso dos arquivos de Gustavo Capanema e Luiz<br />
Camillo de Oliveira Netto, a descrição que o próprio titular faz de sua maneira de<br />
ordenar está presente, de forma mais ou menos incisiva. Agindo dessa forma, o titular<br />
é, por assim dizer, o centro de gravidade do arquivo: os documentos são colecionados<br />
e se organizam segundo as visões de mundo do titular ao longo do tempo — visões<br />
sobre os “outros” e principalmente sobre si mesmo.<br />
Se, numa perspectiva mais ampla, se justifica dizer que o conjunto de arquivos<br />
(privados e da administração pública) compõe o patrimônio cultural de um país,<br />
juntamente com bibliotecas e museus, a forma pela qual esse patrimônio será<br />
apresentado ao público — variável ao longo do tempo —, também sofrerá a<br />
intervenção direta dos “guardiões da memória”, pessoas físicas ou instituições, que se<br />
responsabilizam pela formação, guarda e distribuição das informações neles contidas.<br />
Essa interferência fica evidente em duas fases bastante distintas: na seleção e na<br />
avaliação dos documentos.<br />
Mas, as considerações que se seguem, sobre seleção e avaliação, estarão<br />
sempre referenciadas aos arquivos pessoais permanentes. De acordo com a teoria das<br />
66
três idades, bastante controversa em Arquivologia, os arquivos podem ser divididos de<br />
acordo com seu uso, grosso modo, em: correntes (de uso freqüente, diário),<br />
intermediários (menos usual) e permanentes (praticamente em desuso) 16 . Entretanto,<br />
essa divisão não se aplica aos arquivos pessoais — que “nascem” permanentes e têm<br />
freqüência de uso equivalente ou não, durante ou depois da morte do titular. O valor<br />
do documento é que pode mudar de administrativo ou comprobatório para informativo<br />
e histórico. Assim, pode-se, por exemplo, conceber os diferentes usos de notas fiscais,<br />
recibos, cartas e testamentos antes e depois da morte do titular.<br />
2.3.1 ACUMULAÇÃO E AVALIAÇÃO<br />
O que chamamos de acumulação é a seleção feita enquanto o proprietário dos<br />
documentos decide como construir seu acervo, enquanto o fundo ainda é aberto 17 . Ele<br />
guarda seus documentos para registrar, comprovar, informar, lembrar e ser lembrado.<br />
Como dito anteriormente, Tom Jobim atuou diretamente na organização de seu<br />
acervo, sobretudo quando ficou claro, para ele mesmo, que poderia ter uma carreira e<br />
uma importância no cenário musical. A partir daí, Tom preocupou-se em guardar<br />
todos os tipos de documentos comprobatórios referentes a seus direitos autorais, às<br />
várias versões das letras que compunha, e às partituras de quase todas as suas<br />
músicas. Preencheu, ao lado dessa produção, 32 cadernos com anotações freqüentes<br />
sobre seu cotidiano.<br />
Essa preocupação, em maior ou menor grau, persegue a humanidade, mas está<br />
há pouco tempo voltada para os arquivos pessoais. Assim ocorreu com o poeta Carlos<br />
Drummond de Andrade, que, contemporâneo à criação de grandes instituições e<br />
fundador de tantas outras, manifestou o desejo de criar uma que pudesse abrigar o seu<br />
arquivo e o de outros literatos: “um órgão especializado, o museu vivo que preserve a<br />
tradição escrita brasileira, constante não só de papéis como de objetos relacionados<br />
com a criação e a vida dos escritores” (ANDRA<strong>DE</strong>, 1972). Esse desejo foi realizado<br />
16<br />
Apenas para registrar, e de acordo com Marilena Leite Paes, os equivalentes nas empresas e órgãos<br />
públicos seria: correntes são aqueles que ficam próximo à mesa de trabalho; arquivos intermediários<br />
estariam em um depósito na mesma empresa, e os permanentes ficam armazenados em galpões<br />
externos próprios ou alugados.<br />
17<br />
Fundo aberto é a designação para acervos em processo de acumulação.<br />
67
por seus amigos Plínio Doyle e Américo Jacobina Lacombe, resultando no mesmo<br />
ano dessa crônica, 1972, na criação do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da<br />
Fundação Casa de Rui Barbosa. O contrário ocorreu com Vinicius de Moraes, que<br />
mesmo antes de se tornar diplomata, estabelecer moradias de curto prazo e ter nove<br />
esposas, resignou-se com o interesse da irmã, Laetitia da Cruz Moraes, de acumular<br />
seus papéis. Conforme ela lembra, no artigo “Vinicius, meu irmão”, ele mesmo<br />
reconhecia que seu acervo era “cuidadosamente guardado, até hoje, por minha irmã,<br />
que mantém – ai de nós! – os ‘arquivos implacáveis’ da família” (MORAES, 1987, p.<br />
21). Certamente, um exemplo paradigmático do guardião da memória.<br />
Mesmo na “era da informação” e com a crescente popularização da internet,<br />
onde diários de anotações e agendas são públicos, a maioria dos arquivos pessoais<br />
ainda é constituída sobre alicerces íntimos, nunca impessoais. O fato de se querer<br />
manter privado, íntimo, conferindo importância ao fato de selecionar, em casa, o que<br />
vai constituir um arquivo pessoal, possivelmente no futuro, com acesso público. E é<br />
necessário que assim seja, porque o arquivo guarda todas as identidades que o homem<br />
público tem na vida privada (pai, avô, amigo, filho, esposo). No fundo ACJ, por<br />
exemplo, além das partituras e letras de músicas, há desenhos dos netos, plantas de<br />
suas casas, correspondência com amigos, fotos dos filhos etc.<br />
Se o reconhecimento que um artista obtém está ligado à sua intervenção sobre<br />
sua obra, dentre outras intervenções possíveis, a formação de um arquivo pessoal é,<br />
cada vez mais, decisiva para a obtenção daquele reconhecimento, por produzir uma<br />
visão de conjunto da obra, feita pelo próprio autor. Isto é, o titular de um arquivo<br />
percebe que sua construção é fator importante para o reconhecimento futuro de sua<br />
obra, numa “via de mão dupla”: primeiro, o estimula a manter, no seu arquivo, um<br />
discurso coerente com o personagem que pretende ser ou é; e em segundo lugar,<br />
afirma esse personagem público, determinado dentro de seu arquivo. Essas forças<br />
buscam um equilíbrio justamente na autobiografia e no arquivo (GOMES, 2004, p.<br />
16). Tom Jobim enxergava isso com clareza, e sua preocupação em reunir, num<br />
arquivo, sua obra, revela o quanto considerava fundamental “guardar”. Ou seja,<br />
produzir uma memória de seu trabalho como forma de preservá-lo, permitindo o<br />
acesso a essa documentação a todos os interessados, fossem músicos ou não. Assim,<br />
toda a obra estaria reunida num grande arquivo inédito, como muitos registros<br />
pessoais e profissionais.<br />
68
Sendo um arquivo pessoal, o arquivo de Tom Jobim tem como objetivo<br />
principal a perpetuação de sua memória e legado, através de um olhar que se volta do<br />
presente para o passado, orientado por um projeto para o futuro. Um projeto pessoal<br />
que associa “memórias fragmentadas” (passados) com vontades e anseios (futuros)<br />
(VELHO, 2003, p. 101). Daí que os documentos que não puderem se relacionar com<br />
eventos acontecidos na vida do titular do arquivo correm risco de perder sentido e<br />
função. Correm esse risco, em grande parte, porque a seqüência que um documento<br />
empresta a outro, no arquivo, encontra razão, muitas vezes, apenas na memória do<br />
colecionador. Foi ele, e só ele, quem diferenciou e selecionou determinado documento<br />
para sua coleção, em meio a tantos outros. É a memória que ele quer construir e<br />
projetar de si, no tempo, através de seu arquivo, que deverá permanecer como aquilo<br />
que lhe foi mais caro, amigável e prioritário.<br />
A seleção é talvez a mais importante das ações do indivíduo sobre os arquivos.<br />
E Tom a exerceu como poucos, tomando pessoalmente a condução do seu acervo,<br />
levando em conta suas necessidades e não deixando que a passagem do tempo o<br />
desanimasse. Ainda que imprescindível, a seleção deve ser considerada com<br />
parcimônia, pois não se pode exigir que um titular, por exemplo, doe seu arquivo<br />
completamente organizado, assim como tampouco censurar o fato de uma hemeroteca<br />
não estar completa, lamentar a falta de provas sobre alguns fatos etc.<br />
2.3.2 CLASSIFICAÇÃO E <strong>DE</strong>SCRIÇÃO<br />
O procedimento de classificação nos arquivos privados é baseado em um<br />
plano de arranjo do acervo (ver Anexo A). Normalmente, a divisão é feita em séries,<br />
que têm por base a vida do proprietário do acervo. Assim o arquivo privado consegue<br />
manter a organicidade fundamental em todo o arquivo e mais facilmente encontrada<br />
nas divisões de uma empresa. Toda intervenção no fundo tem como objetivo controlálo,<br />
primeiramente — seja para evitar um crescimento “selvagem” (BELLOTTO,<br />
2007, p.47), ou para reduzir perdas de vários tipos. Concomitantemente, a<br />
classificação ainda deve suprir os objetivos de ordenar esse acervo de modo que se<br />
possa acessá-lo, através da descrição dos documentos em ferramentas técnicas, e de<br />
69
modo padronizado 18 . Por isso, a classificação precisa estar sempre integrada à<br />
descrição arquivística, a qual, hoje em dia, está muito relacionada às tecnologias da<br />
informação, como banco de dados. Porém, vale lembrar que esse é apenas um dos<br />
caminhos possíveis para indexar e dar acesso ao acervo.<br />
O diagnóstico, a indexação e as outras operações da fase de classificação<br />
servem para fundamentar a ordenação intelectual das informações contidas nos<br />
documentos. Obviamente, o conhecimento da teoria arquivística e de suas relações<br />
com as ciências administrativas, o Direito e a História, possibilita que os<br />
arquivistas/avaliadores tenham condições de tomar decisões mais acertadas sobre o<br />
assunto. Entretanto, os diálogos com aquelas ciências não devem ser considerados<br />
sem uma investigação profunda sobre o produtor/acumulador, os interesses dos<br />
pesquisadores aos quais se destinam o trabalho, e a política da instituição que o<br />
abriga. Essas são, portanto, variáveis anteriores à classificação e à descrição, mas não<br />
se esgotam nessa fase. Na verdade, essas relações interdisciplinares permeiam todas<br />
as etapas do ofício de arquivista.<br />
Vale ressaltar ainda que, mesmo que a etapa de classificação de documentos<br />
tenha aparatos técnicos precisos 19 para limitar a subjetividade do profissional, sempre<br />
haverá em outras etapas 20 a possibilidade de enfatizar um ou outro detalhe, exibir o<br />
discurso necessário para perpetuar os ideais de quem detém o “poder” de descrevêlos,<br />
e conferir maior ou menor grau de importância a dado documento (CHAGAS,<br />
2002, p.44). Assim é que, se podemos admitir a parcialidade do titular na constituição<br />
de seu arquivo, poderemos admitir a parcialidade do arquivista no seu arranjo. Esta<br />
parcialidade nada mais é do que pensar o arquivo como obra.<br />
2.4 O ACERVO <strong>DE</strong> TOM JOBIM<br />
Eu gosto muito do clima seco de Brasília.<br />
Vivo num clima molhado, que é o do Rio de Janeiro.<br />
Não se pode ter um arquivo, não se pode conservar nada, nem um piano.<br />
Tom Jobim (LOYOLA, 1988, p. 38)<br />
18<br />
Em acervos correntes e intermediários, a classificação, conjugada com a tabela de temporalidade,<br />
ajuda também a manter o controle sobre o volume de documentos produzidos.<br />
19 Sejam eles: tabela de temporalidade, thesaurus, modelo de arranjo ou outras ferramentas.<br />
20 Triagem, descrição ou definição das ferramentas de arquivo.<br />
70
Retomando o ponto anterior, desde a criação do Instituto Antonio Carlos<br />
Jobim, ficou evidente para a família e para todos, o importante legado que Tom tinha<br />
deixado.<br />
O acervo pessoal de Tom Jobim foi doado ao IACJ, aos poucos, em grandes e<br />
pequenas levas. Durante seu processo de constituição, foi mantido pelo próprio titular<br />
em suas residências. Depois de sua morte, começaram as doações esparsas de quase<br />
todos os membros da família, que completaram e aumentaram consideravelmente<br />
aquele acervo. Há que se fazer uma ressalva de fundo prático: todos os documentos<br />
produzidos por Tom ou a ele dirigidos, mesmo que não acumulados por ele, foram<br />
incorporados a seu arquivo pessoal. Afinal, os documentos se conectam e completam<br />
no banco de dados, embora fossem sempre devidamente anotadas as condições da<br />
doação em cada planilha individual. Por exemplo: algumas fitas VHS estavam em<br />
mau estado e não foi possível recuperar o programa de TV feito para a extinta Rede<br />
Manchete, A música segundo Tom Jobim, pois se havia perdido uma das camadas de<br />
cor da fita magnética e a imagem estava esverdeada. Uma doação do mesmo material<br />
foi recebida, com melhor qualidade, e substituiu o documento prejudicado. Dessa<br />
forma, a planilha carrega o nome do doador e a data da doação. Exemplos assim<br />
aconteceram outras vezes, o que não é comum em acervos pessoais, pois, como disse<br />
Tom, “perdendo-se o original, perdia-se tudo”. Mas é importante lembrar que a<br />
separação física não deve sobrepujar a coesão da informação, nem prejudicar a<br />
organização desenhada no plano de arranjo.<br />
A doação foi um processo sistemático e ao mesmo tempo esparso,<br />
fragmentado em várias etapas: normalmente, quando o titular do arquivo morre,<br />
entende-se que esse seu arquivo não poderá mais crescer em quantidade. É o que<br />
chamamos, na Arquivologia, de fundo fechado. Entretanto, o fundo ACJ 21 , mesmo<br />
depois de treze anos de sua morte, ainda não pode ser assim considerado. Creio que o<br />
ambiente familiar mantido ao redor do Instituto Antonio Carlos Jobim e de seu<br />
21<br />
De acordo com o Dicionário brasileiro de terminologia arquivística, os dois termos se equivalem, na<br />
acepção de arquivo como conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade<br />
coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente<br />
da natureza do suporte; e entendendo fundo unicamente como conjunto de documentos de uma mesma<br />
proveniência. Entretanto, o termo “arquivo” significa também instituição, serviço, prédio e móvel.<br />
Portanto, emprega-se fundo para diferenciar arquivos dentro de uma instituição arquivística.<br />
(ARQUIVO <strong>NA</strong>CIO<strong>NA</strong>L, 2005, p. 26 e 97).<br />
71
arquivo aumentou a confiança de outros familiares que, vez por outra, doavam as<br />
respostas às cartas que tínhamos no acervo, folhas de músicas esparsas, recortes,<br />
documentos inéditos ou ainda, coleções inteiras. Assim procedeu a irmã de Tom,<br />
Helena Jobim, que em fins de 2004, entregou todos os papéis que D. Nilza Brasileiro<br />
de Almeida 22 , mãe de ambos, guardou sobre seu filho, desde sua infância. Lá estão<br />
desenhos de criança, cartas para a avó materna Emilia Brasileiro de Almeida, e um<br />
“Livro do bebê”, com medidas e o desenvolvimento de Antonio Carlos Brasileiro de<br />
Almeida Jobim.<br />
O acervo possui mais de 30.000 documentos inventariados 23 , ou o equivalente<br />
a 112 caixas-arquivo, ou ainda 1,7 km lineares 24 . A maioria já está descrita no site<br />
http://www.antoniocarlosjobim.org. O arquivo é muito rico, havendo partituras<br />
manuscritas e impressas; letras de músicas; correspondência; cadernos de anotações<br />
com detalhes de sua rotina profissional e pessoal; blocos de estudos; fitas magnéticas,<br />
contendo seu processo de criação musical; desenhos, discos, fotos e objetos.<br />
De acordo com a determinação da “Lei dos arquivos”, a Lei 8.159/91, toda<br />
instituição que se responsabilizar pela guarda de arquivos deve reparar a<br />
documentação que estiver danificada e ainda, obrigatoriamente, fornecer acesso de<br />
modo a preservar a integridade documental, por meio da microfilmagem e/ou da<br />
digitalização. Sintetizaremos a seguir as etapas do trabalho técnico por que passou o<br />
arquivo de Tom Jobim até 2007 para o cumprimento da lei mencionada: conservação,<br />
digitalização, indexação e divulgação deste acervo.<br />
2.4.1 HIGIENIZAÇÃO<br />
O maior volume de documentos do acervo estava, sem dúvida, registrado em<br />
papel. A higienização começou por esse suporte e está dividida em etapas assim<br />
resumidas: higienização de todos os documentos, folha a folha, e tratamento de<br />
conservação preventiva. Na primeira etapa, são retirados dos documentos clipes ou<br />
22<br />
A coleção de D. Nilza, por ter sido mais recentemente doada ao IACJ, ainda não foi organizada.<br />
23<br />
A última leva ainda não foi trabalhada ou contada; mas estima-se que lá estejam mais ou menos<br />
10.000 documentos.<br />
24<br />
Medida arquivística que equivale aos documentos dispostos lado a lado.<br />
72
grampos metálicos e fitas adesivas, estas, com uso de produtos químicos. Logo após,<br />
cada verso da folha era limpo, com trincha de crina de cavalo, e, naqueles em boas<br />
condições físicas, esfrega-se uma boneca de pó de borracha confeccionada no próprio<br />
IACJ. Após essas tarefas, passa-se à conservação preventiva, que desfaz dobras,<br />
planifica o papel em prensas, e reconstitui todas as áreas perdidas, rasgadas e<br />
perfuradas por insetos (ou não) com polpa fibrosa. Nesse ponto, procede-se à limpeza<br />
de todo o mobiliário e à confecção de invólucros de papel de ph neutro, de acordo<br />
com os documentos previamente mensurados. O acondicionamento final foi feito em<br />
local apropriado, segundo os padrões internacionais de construção e conservação de<br />
acervos 25 (CARVALHO, 1998).<br />
Na última etapa, houve o treinamento do pessoal de limpeza, que deve manter<br />
o ambiente livre de poeira e gases poluentes, usando apenas produtos neutros e pano<br />
limpo pouco úmido. A maioria das pequenas instituições conta com equipe<br />
terceirizada nessa área, por conferir mais facilidade e por julgarem ser mais<br />
econômico. Entretanto, por política do Instituto, nenhum documento podia sair do<br />
arquivo e a melhor opção foi o treinamento de uma técnica para cuidar de todas essas<br />
tarefas dentro do IACJ. A experiência se justificou pela meticulosidade da<br />
higienizadora, Suria Braga Alves, que freqüentemente ultrapassava os limites do seu<br />
trabalho, colaborando na pesquisa diária, através dos documentos que passavam pelas<br />
suas mãos e olhos.<br />
2.4.2 DIGITALIZAÇÃO<br />
A digitalização é uma importante ferramenta para garantir o acesso aos<br />
pesquisadores que não conseguem estar fisicamente no IACJ, além de conferir rapidez<br />
no atendimento das demandas de jornalistas e outros interessados, e garantir a<br />
preservação do arquivo físico, uma vez que restringe o manuseio dos originais.<br />
A organização e descrição deste acervo numa frente de trabalho, e a<br />
duplicação, através da digitalização, em outra, mantêm duas equipes em tarefas<br />
distintas mas num fim indissociável: o livre acesso às informações através da exibição<br />
25<br />
Para maiores informações a respeito das recomendações para construção de arquivos indicadas pelo<br />
Conarq, verificar http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm<br />
73
das imagens virtuais dos documentos. O inventário resultante dessas etapas pode ser<br />
consultado na internet, através do site http://www.antoniocarlosjobim.org/.<br />
2.4.3 DIVULGAÇÃO E ACESSO<br />
É reconhecida a importância de descrever os documentos, de maneira técnica,<br />
estruturada e concisa numa ferramenta de indexação, como o banco de dados. Porém,<br />
não basta descrevê-lo. É preciso escolher o que e como descrever, através do uso de<br />
metalinguagens (termos escolhidos para nortear a indexação), para que o usuário<br />
possa verter sua linguagem em outra (própria à instituição, ao banco de dados ou<br />
mesmo a quem a criou), com um mínimo de interferência. Maria Nélida González de<br />
Gómez lembra que todas as etapas de trabalho no arquivo estão completamente<br />
relacionadas, e mais ainda, se interdependem:<br />
A escolha de uma estrutura para uma base de dados e a seleção dos<br />
conteúdos informacionais digitalizados serão fatores decisivos para a<br />
recuperação e a busca da informação, inseparáveis ao mesmo tempo das fases<br />
específicas do tratamento da informação, como o uso de metadados ou<br />
linguagem de indexação. (GÓMEZ, 2004, p.61)<br />
Segundo a autora, é como se houvesse três estratos de linguagem de<br />
indexação: o estrato semântico-pragmático (camada da linguagem, que cabe às<br />
pessoas envolvidas: pesquisador e arquivista), o estrato regulatório (camada dos<br />
metadados, que cabe somente ao arquivista) e o estrato infra-estrutural (camada<br />
tecnológica, que cabe aos técnicos de Informática).<br />
No que diz respeito ao estrato infra-estrutural do acervo do IACJ, toda a rede<br />
de computadores é construída sobre modelos MAC, atualmente usando o sistema<br />
MAC OSX 10.4. O software de acervos, Dspace, está na versão 1.4, criado, alterado e<br />
visualizado pela web 26 , e foi desenvolvido pelo MIT (Massachussets Institute of<br />
26<br />
É possível verificar algumas discussões sobre o uso da Internet nos arquivos. Se por um lado,<br />
prescinde de tradução e ferramentas para verter linguagem técnica em usual, por outro, facilita o<br />
acesso, reúne bases de instituições antes impossíveis e democratiza a pesquisa aos documentos de<br />
interesse público. Não acredito, portanto, que a Internet seja incômoda em nenhuma parte do ofício de<br />
arquivista.<br />
74
Technology) e HP (Hewlett Packard), em Java 27 , usando o banco de dados<br />
PostgreSQL 8.12. O software é de código aberto, como se diz no jargão<br />
informacional, o que significa dizer que sustenta a possibilidade de ser aperfeiçoado<br />
por todos os programadores do mundo, já que seu código-fonte é distribuído<br />
gratuitamente, assim como o programa, pela Internet 28 . O software que possibilita a<br />
publicação do Dspace na web é o Apache Tomcat 5, servidor que implementa Java<br />
Servlet e JavaServer Pages (JSP).<br />
Uma outra ferramenta utilizada é o Manakin 1.1, desenvolvida pela<br />
Universidade do Texas, que faz uso das linguagens de transformação XSL e XSLT,<br />
flexibilizando a apresentação dos recursos do repositório digital. Os vídeos e áudios<br />
podem ser conferidos no site do IACJ através de um servidor de Streaming (Darwin<br />
Streaming Server, versão de código aberto da tecnologia QuickTime Streaming<br />
Server, da Apple) que possibilita a transmissão de mídia pela Internet através dos<br />
protocolos RTP e RTSP.<br />
Longe de ser uma solução perfeita, o Dspace, sigla para Digital Space, é um<br />
sistema digital de armazenamento de dados, e desde sua gênese, tem sido adotado por<br />
instituições de vários países. Ele foi escolhido pelo fato de suprir, com maior<br />
abrangência, as necessidades que se apresentavam no IACJ no momento, além do fato<br />
de ser amigável à plataforma Linux, sendo ambos gratuitos. Apesar dos campos<br />
básicos da planilha do DSpace serem compatíveis com o sistema Marc21, o sistema<br />
de descrição dos campos é o Dublin Core 29 . Dentre as muitas facilidades que o<br />
Dspace apresenta, destacam-se: campos ilimitados em quantidade e com tamanho<br />
satisfatório; possibilidade de múltiplos usuários simultâneos; divisão em coleções e<br />
subcoleções; permissão para fazer upload da imagem ou áudio correspondente à<br />
planilha descrita; atualização diretamente no site. Apesar de ser recente, o Dspace já<br />
vem sendo utilizado em diversas instituições do mundo, tendo sido traduzido para o<br />
português pela Universidade do Minho, em Portugal, e conta com uma boa<br />
comunidade de usuários para suporte técnico através de listas de discussão, inclusive<br />
no Brasil. Originalmente criado para catalogar livros e material bibliográfico, ele é<br />
27 Linguagem de programação orientada a objetos.<br />
28 Para mais informações, consultar http://www.dspace.org.<br />
29 Para mais informações, consultar http://dublincore.org/ .<br />
75
perfeitamente adaptável para arquivos e o Instituto Antonio Carlos Jobim foi a<br />
primeira instituição brasileira a utilizá-lo para esse fim.<br />
A divisão do banco de dados é feita por comunidades e coleções, o que<br />
permitiu abrigar a divisão do modelo de arranjo arquivístico, feito em séries e<br />
subséries 30 . Embora o modelo de arranjo seja um pouco mais elaborado, a<br />
organização das comunidades no site ficou bastante satisfatória, mesmo que<br />
simplificada. Esse fator, inclusive, facilitou o atendimento aos pesquisadores da obra<br />
de Tom Jobim. Procura-se ajustar a linguagem para que atenda ao público misto do<br />
web space, que se constitui desde crianças em idade escolar, passando por jornalistas<br />
e escritores, até pesquisadores de pós-doutorado em línguas estrangeiras.<br />
2.4.4 <strong>DE</strong>SCRIÇÃO E IN<strong>DE</strong>XAÇÃO<br />
Não há como determinar uma única maneira de trabalhar um documento de<br />
arquivo. Entretanto, podem-se demonstrar os fundamentos que orientaram a maneira<br />
correta para cada arquivo em particular, de modo que a mesma metodologia possa ser<br />
empregada em outros arquivos, desde que se levem em conta as especificidades do<br />
acervo em questão, de seu uso, das “respostas” que buscamos nos documentos. Essa<br />
quantidade de opções não é muito comum em outras carreiras, mas é o que confere<br />
dificuldade, desafio e maior satisfação na organização desse tipo de documento: “o<br />
curador de arquivos pessoais tem total liberdade para organizá-los de forma a atender<br />
às demandas da pesquisa (CAMARGO, 2007, p.10).<br />
Embora ainda esteja em processo de organização, o plano de arranjo<br />
arquivístico para o acervo do IACJ foi definido e está dividido em três grandes<br />
categorias: Documentos Iconográficos, Audiovisuais e Textuais. Essas categorias<br />
subdividem-se em séries e subséries. Essa subdivisão, considerando os diferentes<br />
gêneros musicais e literários produzidos pelo titular do arquivo, vem sendo feita nas<br />
seguintes séries, por categoria:<br />
30 Conferir o Anexo A: gráfico do modelo de arranjo utilizado no IACJ.<br />
76
Documentos Textuais: Correspondência Pessoal, Correspondência Familiar,<br />
Correspondência de Terceiros, Produção Intelectual de Terceiros, Produção<br />
Intelectual do Titular, Documentação Pessoal, Diversos, Publicação na Imprensa e<br />
Documentação Complementar.<br />
Documentos Iconográficos: Desenhos, Fotos e Cartazes.<br />
Documentos Audiovisuais: Fitas magnéticas, Álbuns (CDs e LPs) e Vídeos.<br />
Na categoria Documentos Textuais, a série Correspondência (pessoal,<br />
familiar e de terceiros) é constituída de 890 documentos, num total de 1.371 folhas,<br />
totalizando 2.752 páginas. São cartas, cartões, bilhetes e telegramas enviados para e<br />
por Tom Jobim. Todos os documentos foram arquivados em ordem alfabética por<br />
remetente, formando a menor unidade no arquivo (dossiê) e, dentro deste, os<br />
documentos foram ordenados cronologicamente, ficando os sem data no final. Toda<br />
essa série já se encontra ordenada, medida, classificada e revisada, mas ainda não<br />
foram consideradas as cartas de e para os advogados de Tom 31 . Algumas cartas foram<br />
escritas rapidamente, à saída do correio, com rasuras e breves informações; e outras<br />
escritas detalhadamente, por dois ou três dias, merecendo até revisão da datilografia.<br />
A respeito, concordamos que a correspondência não é mais apenas “um texto<br />
de onde se podiam simplesmente extrair informações, mas as cartas analisadas a partir<br />
de seu suporte material, dos códigos sociais utilizados e das formas lingüísticas<br />
empregadas” podem nos revelar pontos pouco contemplados em pesquisa.<br />
(VE<strong>NA</strong>NCIO, 2004, p. 113). Isso quer dizer que o suporte, articulado com o conteúdo<br />
e a forma como foi escrita, torna a correspondência uma fonte rica para a investigação<br />
histórica. Angela de Castro Gomes, no seu prólogo do livro Escrita de si; escrita da<br />
história, lembra-nos que o uso das fontes primárias (como objetos de estudo) está em<br />
franco pós-descobrimento. Elas estão situadas em “um novo espaço de investigação<br />
histórica — aquele do privado, de onde deriva a presença das mulheres e dos<br />
chamados homens ‘comuns’ — e os novos objetos, metodologias e fontes que se<br />
descortinam diante dele” (GOMES, 2004, p.9)<br />
A série Produção Intelectual do Titular reúne 2.431 documentos com 9.586<br />
folhas, totalizando 22.502 páginas, cobrindo o período que vai de 1948 a 1994. Os<br />
31 E que, após análise do conteúdo, talvez sejam completamente reservadas.<br />
77
documentos foram agrupados em subséries, levando-se em consideração os diferentes<br />
gêneros produzidos por Antonio Carlos Jobim: Artigo, Contracapa de disco, Letra de<br />
música, Memórias, Orelha de livro, Partitura, Poema 32 . Dentro de cada subsérie os<br />
documentos estão ordenados em ordem alfabética de título, destacando-se seus 33<br />
cadernos de anotações. Esse material será trabalhado, mais à frente, no capítulo 3.<br />
A série Produção Intelectual de Terceiros agrupa 161 trabalhos de outras<br />
pessoas, que foram reunidos por Antonio Carlos Jobim, contendo 1.093 folhas,<br />
totalizando 2.186 páginas. Os documentos estão arquivados em ordem alfabética pelo<br />
último sobrenome do autor, seguido do prenome e do nome. Nessa coleção não estão<br />
apenas os documentos que mencionam o maestro, mas também os documentos que<br />
foram dados, como presentes, por amigos poetas e músicos. Tom anotava tudo o que<br />
achava interessante, principalmente sobre o que produzia, mas, com a mesma atenção,<br />
acumulava tudo o que conseguia reunir das obras de outros compositores. Como<br />
exemplo: há o roteiro para Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e outros 92<br />
documentos que estão no fundo ACJ, só desse autor. Há onze letras de música de<br />
Chico Buarque, artigos de Lucio Costa e Sérgio Cabral, esboços de Johnny Alf, a<br />
inesquecível “Teresa da praia”, do parceiro Billy Blanco, além de documentos de Luis<br />
Bonfá, Cacaso, Lucio Cardoso, Eumir Deodato, Cacá Diegues, entre outros. Aqui<br />
estão: o poema “Time present and time past”, de T. S. Elliot, título propício para<br />
figurar no seu arquivo pessoal; Hamlet, de Shakespeare; “Clea”, letra de música de<br />
Alberto de Oliveira e outros.<br />
A série Produção Intelectual Não-identificada possui 22 documentos com 92<br />
folhas, totalizando 184 páginas. São poemas e extratos de textos que não puderam ter<br />
sua autoria identificada seguramente, e que só poderiam ter, e assim ganhar<br />
significado maior, na presença do autor. Várias elocubrações podem ser feitas,<br />
comparando caligrafias, datas, sentidos etc., mas não há meios seguros de<br />
identificação de alguns documentos.<br />
A série Diversos possui 122 documentos contendo 613 folhas, totalizando<br />
1.226 páginas. São outros tipos documentais, diferentes dos mencionados<br />
32<br />
Definimos a subsérie como “Poema” e não Poesia, pois, de acordo com Gilberto Mendonça Telles,<br />
esta é um estado de emoção, real, espiritual, imaginária ou onírica; e poema é o resultado físico dessa<br />
emoção, é essa emoção posta em linguagem. (Essa informação foi aprendida com o próprio, em<br />
conversas pessoais, mas esse discurso pode ser aprendido em seus livros.)<br />
78
anteriormente, sem que sejam destituídos de importância. Ou seja, mesmo que os<br />
fôlderes de peças, convites a eventos, listas dos prêmios recebidos pelo titular, crachás<br />
de seus shows e abaixo-assinados configurem uma documentação um pouco mais<br />
esparsa, são considerados fundamentais para uma pesquisa histórica.<br />
A série Documentação Complementar constitui-se de 280 documentos<br />
recebidos pelos familiares imediatamente após a morte do titular até um ano posterior,<br />
contendo 499 folhas, perfazendo um total de 998 páginas. Aqui encontram-se, por<br />
exemplo, os numerosos telegramas de pêsames à família Jobim, os livros de presença<br />
do velório e o registro das homenagens póstumas.<br />
A série Documentação Pessoal é integrada por trinta documentos relacionados<br />
à vida civil de Antonio Carlos Jobim, contendo 597 folhas, num total de 1.194<br />
páginas. Entre outros, encontram-se: carteiras de identificação, passaporte e contratos<br />
de edição de várias músicas e discos seus.<br />
A série Publicação na Imprensa abriga a seleção de jornais e revistas que Tom<br />
e suas esposas tiveram o cuidado de manter. Essa hemeroteca é composta por 6.432<br />
recortes de jornal, com tamanhos diferenciados, abrangendo um período que vai de<br />
1952 a 1994, e possuem, em maior quantidade, recortes do Jornal do Brasil, O Globo,<br />
O Cruzeiro e da revista Manchete. O primeiro recorte de jornal é um anúncio para o<br />
concurso de pianista do Coro do Teatro Municipal (provavelmente, uma sugestão de<br />
sua professora, Lucia Branco), e os últimos noticiam seu falecimento.<br />
O conjunto Documentos Iconográficos possui cerca de 10.000 fotografias e<br />
cromos, desenhos e esboços e cartazes de seus principais shows. Esta categoria<br />
abrange o período que vai de 1916 33 , com fotografias dos pais de Antonio Carlos<br />
Jobim ainda solteiros, passando por toda sua infância, até 1995, homenagens<br />
póstumas. Os desenhos são, na maioria, do próprio Tom e seus temas prediletos são os<br />
pássaros e as mulheres. Aparecem também esboços, desenhos e cálculos<br />
arquitetônicos feitos junto com seu filho Paulo Jobim, exercitando a outra carreira que<br />
ambos tinham em comum, a Arquitetura 34 . Entre os cartazes destaco, não pelo<br />
ineditismo, mas pelo carinho, o do show Antonio Carlos Jobim em Viena, de 1986 —<br />
33<br />
Data estimada.<br />
34<br />
Esses desenhos, cálculos e esboços são das duas casas de Tom, projetadas por pai e filho e serão<br />
melhores descritas no capítulo 3.<br />
79
que foi o primeiro grande show de gala da Banda Nova com a formação que perdurou<br />
até a morte de seu idealizador 35 .<br />
Os Documentos Audiovisuais abrangem várias de suas músicas, os filmes e<br />
os documentários para os quais o maestro compôs trilha sonora, e que foram<br />
guardados em VHS, K7, Beta, fitas de rolo e LPs. Além desses, o principal material<br />
guardado nas 126 fitas cassetes é o que diz respeito às composições feitas pelo próprio<br />
Tom, em sua casa. Diz Paulo Jobim à Camila Pires sobre o processo de criação de<br />
Tom:<br />
Meu pai ficava ao piano praticamente o dia todo. Ele ficava várias horas<br />
tocando e mudando de tom. Experimentando melodias, modulações, ligações de<br />
uma parte com a outra... Para mim, isso fazia parte do dia. Eu saía de casa,<br />
voltava e estavam aquelas músicas acontecendo, entrando pelo ouvido. No<br />
princípio, as músicas eram um rascunho meio aberto. Mas, ele escrevia a<br />
partitura na hora, ainda que só a melodia, para não esquecer. De vez em quando,<br />
a gente acha [no acervo guardado no IACJ] umas fitas de ele ainda fazendo a<br />
música e partituras incompletas, só com a melodia. Era um lembrete para ele,<br />
mas não conseguimos saber qual era a harmonia. (PIRES, 2007)<br />
E, nesta categoria também está previsto espaço de armazenamento e trabalho<br />
de descrição de toda sua musicografia atualizada, incluindo as versões e reedições de<br />
sua obra em CDs e DVDs e as milhares de gravações de outros músicos — ou seja,<br />
um trabalho hercúleo. Para que se tenha uma idéia, foram digitalizadas do acervo de<br />
Jobim cerca de trezentas horas de gravação (entre elas, 120 fitas cassetes com<br />
exercícios de composição), e ainda restam outras trezentas horas divididas em LPs,<br />
VHS e incontáveis regravações e versões de suas músicas, além dos produtos que<br />
foram fabricados através de pesquisa no acervo, sem terem sido exatamente feitos por<br />
Tom, mas que partiram de sua “outra obra”: seu arquivo. É o caso dos CD e DVD<br />
Jobim Sinfônico, de 2003; do CD Antonio Carlos Jobim em Minas, ao vivo, piano e<br />
voz, de 2005; e, mais recentemente, do DVD A casa do Tom, isso para citar apenas os<br />
que têm sua autoria direta.<br />
35<br />
Devo mencionar também que durante muito tempo esse cartaz esteve na minha sala, sobre minha<br />
mesa, como que fazendo parte do meu trabalho.<br />
80
Fonte de grande discussão, incluindo as fronteiras da carreira de arquivista, o<br />
acervo de Tom possui ainda cerca de 120 Documentos Museológicos doados até o<br />
início desta pesquisa, em 2007, e aceitos por se constituírem também em documentos<br />
da vida do titular. Entre os mais curiosos estão 37 óculos, duas caixas de charutos, que<br />
serviam para guardar, por exemplo, as notas fiscais da Churrascaria Plataforma<br />
assinadas (com a conta de toda a mesa) e uma maleta de luxo encomendada para<br />
acondicionar a coleção de apitos de passarinhos, além das 55 estátuas, medalhas de<br />
prêmios e homenagens. Mesmo se sentindo a ausência de alguns prêmios, quase<br />
todos estão lá.<br />
Algumas planilhas eletrônicas 36 foram confeccionadas para o trabalho de<br />
descrição, por conta da especificidade dos documentos, divididas pelas categorias do<br />
plano de arranjo: Documentos Textuais, Documentos Iconográficos e Documentos<br />
Audiovisuais. Vale ainda observar o rigor com a descrição dos documentos em cada<br />
planilha eletrônica do banco de dados:<br />
1) técnico: verificar se há campos previamente determinados para a inclusão dos<br />
dados que serão ressaltados. E verificar se a entrada dos dados nos campos é regida<br />
pela norma de descrição da AACR2.<br />
2) valorativo: verificar a relevância da informação em relação com o documento e<br />
com toda a coleção.<br />
3) corretivo: verificar se a digitação e os termos empregados estão de acordo com a<br />
nossa língua.<br />
4) imagens anexas: verificar o tamanho e qualidade de cada imagem postada junto<br />
com a planilha.<br />
2.5 ENTEN<strong>DE</strong>NDO O ARQUIVO<br />
“o que realmente persiste, e fica, é a música-papel.”<br />
(Tom Jobim apud MARTINS, 1981, p.44)<br />
Como podemos notar, pela descrição do seu acervo, Tom era um homem<br />
plural. Os estudos, textos e documentos que guardou, apontam para variadas áreas de<br />
36 A planilha referente à categoria Documentos Textuais pode ser conferida no Anexo B.<br />
81
interesses: ecologia, poesia, urbanismo, arquitetura, amor e, claro, música. Ele<br />
guardou o que produziu, o que conseguiu reunir dos amigos e autores que admirava.<br />
Acumulava com fins diversos: para registrar o que estava pronto; para voltar a<br />
trabalhar o que ainda não era do seu gosto (verifica-se que o esboço é um tipo de<br />
documento facilmente encontrado); para comprovar seus direitos; e também pelo<br />
orgulho daquilo que ganhou, fossem prêmios, produção de terceiros ou cartas de fãs.<br />
Entretanto, tal era o cuidado que lhe despertava seu próprio arquivo, que, em<br />
1981, contratou a amiga Vera de Alencar para planejarem juntos uma ordenação de<br />
acordo com o uso que então fazia dos documentos, como informado no artigo “Um<br />
arquivo muito especial para a obra de Tom Jobim”, da revista Amiga.<br />
O interesse pelo próprio arquivo é comum a outros ilustres colecionadores de<br />
sua própria obra. Priscila Fraiz pesquisou o arquivo de Gustavo Capanema,<br />
depositado na Fundação Getúlio Vargas, e verificou que, além do volume expressivo<br />
(duzentos mil documentos), que revela sua disposição em guardar, o titular deixou<br />
uma informação muito específica, que os pesquisadores do Centro de Pesquisa e<br />
Documentação em História Contemporânea (CPDOC) chamaram de meta-arquivo 37 .<br />
Trata-se de documentos de autoria do titular, referentes ao planejamento<br />
e à organização do próprio arquivo e, secundariamente, à classificação adotada<br />
para sua biblioteca particular. É raro que um arquivo pessoal chegue a uma<br />
instituição de memória com algum arranjo ou ordenamento prévios,<br />
determinado pelo próprio titular, por colaboradores ou mesmo por familiares;<br />
mais incomum ainda é encontrar um tipo de material que reflita e revele alguma<br />
ordem original ou primitiva, que possa nos dizer do arquivo e sobre o arquivo.<br />
(FRAIZ, 2002, p.16)<br />
Gustavo Capanema tinha, sem dúvida, um arquivo privilegiado, pois além de<br />
ser Ministro da Educação e Saúde, teve amigos igualmente importantes, com quem<br />
manteve uma correspondência intensa. Mas, mesmo sendo minoria, há outros<br />
exemplos desse tipo de documentação, deixado por quem cuidou do arquivo ainda em<br />
vida. Assim, encontram-se alguns planos de como organizar ou como gostariam que<br />
fossem organizados seus acervos. Podem ser citados como exemplos dessa prática:<br />
Darcy Ribeiro e Luiz Camillo de Oliveira Netto. O arquivo de Darcy Ribeiro, tratado<br />
37 Termo cunhado pelos pesquisadores Mauricio Lissovsky e Paulo Sergio Moares de Sá.<br />
82
na fundação que leva seu nome (Fundar, no bairro de Santa Teresa), possui 80.000<br />
documentos, incluindo aqueles também nomeados de meta-arquivo.<br />
A preocupação com a organização do próprio arquivo aparece também no<br />
fundo Luiz Camillo de Oliveira Neto, depositado no Arquivo-Museu de Literatura<br />
Brasileira 38 , e minunciosamente estudado por sua filha, Maria Luiza Penna. Embora<br />
seja o único caso de “arquivo público de arquivista” que eu conheça, ela ainda teve<br />
dificuldade com as lacunas e o vaivém das informações, peças de um quebra-cabeças:<br />
Retiro do arquivo de Luiz Camillo de Oliveira Netto muitas cartas, é<br />
verdade, mas, ao fazer isso, excluo outras. Revejo fotos. Ouço de novo as<br />
entrevistas, leio as transcrições. Trabalho não só com a memória dos outros,<br />
decerto já retalhada pelo tempo e pelas vivências, mas também com a minha<br />
própria memória. Tamanha inflação de lembranças pode se confundir com um<br />
máximo de esquecimento. A amnésia: um paradoxo e um perigo. (PEN<strong>NA</strong>,<br />
2006, p.71)<br />
O trabalho dos arquivistas é, assim, antes de tudo, manter-se atento e respeitar<br />
a ordem original do arquivo, impressa pelo titular, ou pela família. Enfim, estar atento<br />
ao que subsistiu e também à descrição e à transmutação de um documento, com dada<br />
linguagem, em outro (aquele meta-arquivo) com linguagem padronizada e<br />
inventariada. Faz-se necessário um estranhamento, que, não obstante saudável, não<br />
pode dar espaço a (pré)conceitos e maneirismos, quando do estudo do objeto<br />
escolhido. E escolhido o objeto, poder agora remontá-lo de diversas maneiras, se<br />
apropriando, em cada momento, de um olhar diferente. Gostaria de salientar que as<br />
características de um arquivo pessoal qualquer, embora não estanques, são a<br />
originalidade, a unicidade, mas também, as lacunas.<br />
Não se pode esquecer que o trabalho de pesquisa em arquivo é, antes de<br />
mais nada, um encontro com a morte, e o arquivo, não apenas um rico estoque,<br />
mas também uma coleção marcada pela falta. Essa condição dupla do registro<br />
arquival presentifica o ausente e recupera o vivido com o perigo de cristalizá-lo.<br />
(PEN<strong>NA</strong>, 2006, p. 70)<br />
38 AMLB, da Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo.<br />
83
Isso em parte se explica, porque uma pessoa não registra ou acumula como<br />
outra. Também há maior ou menor tempo passado entre a morte do titular e a abertura<br />
de seu acervo. Mas depende também de quantas pessoas, com toda parcimônia,<br />
julgaram as informações naquele arquivo. Pode parecer estranho o pequeno volume<br />
da correspondência entre Tom e Vinicius, amizade de quase trinta anos que gerou<br />
apenas treze cartas, sendo oito do Vinicius e cinco do Tom, trocadas no período de<br />
sete anos, de 1963 a 1970. Embora sejam bissextas, podem nos contar o diálogo entre<br />
os amigos e a necessidade de se fazer perto. Elas pontuam o diferente: marcam as<br />
datas em que eles estavam longe e não podiam se falar de outra maneira. Durante o<br />
ano de 1963, quando Tom partiu com a “rapaziada” da Bossa Nova para os Estados<br />
Unidos e Vinicius estava em Petrópolis e depois Roma, trocam quatro cartas. Em<br />
1965, são outras quatro cartas, já que Tom ainda morava em Nova York e Vinicius<br />
partia do Rio de Janeiro para a França. Outras três ocorrem em 1966 e a última,<br />
isolada, em 1970. O trabalho de pesquisa com fontes primárias pode ser<br />
consideravelmente ampliado se considerarmos as faltas. E manter, nos documentos<br />
presentes, as devidas precauções relativas à autenticidade do documento e à<br />
veracidade dos fatos — mesmo que tenham sido contados pelos próprios autores<br />
desses fatos.<br />
É bastante comum, em se tratando de arquivos, que não haja uma ordem muito<br />
facilmente rastreável. No caso do arquivo de Tom Jobim, a organização dada em<br />
1981, por ele e por Vera de Alencar, já tinha se perdido em 2001, quando do início do<br />
tratamento técnico. Isso porque, durante vinte anos de uso, novas produções e<br />
inclusões, feitas por Tom, podem ter alterado a organização feita em conjunto.<br />
Entretanto, o trabalho feito por Tom e Vera de Alencar, há 25 anos, ajudou<br />
muito na organização dos documentos, pois era dela a função de guardar todo o papel<br />
que ele produzisse, para que não se perdessem: “Eu preciso tomar cuidado com a<br />
Verinha, porque todas as vezes que eu faço algo novo ela pega e, quando procuro, já<br />
está no arquivo. Quer dizer, ela transforma o presente em passado num piscar de<br />
olhos!”, dizia Jobim (JOBIM apud MARTINS, 1981, p.44). Não seria, na verdade,<br />
ambos transformando, um através do outro, passado em futuro?<br />
Embora não tenha sido encontrado, no arquivo de Tom, um plano desse<br />
arranjo original, descritivo e padronizado, encontrou-se, ao menos, um único registro<br />
84
da interferência do titular. Vê-se, então, que a documentação foi assim dividida,<br />
segundo Vera de Alencar:<br />
[…] um arquivo inteiro de quatro gavetas só com música. Partituras, arranjos,<br />
edições. Tudo sobre música, melodia. Outro arquivo, também de quatro gavetas,<br />
está assim dividido: duas gavetas só com as letras. As letras em português e<br />
inglês (caso haja), esboços, estudos, textos de músicas que foram trocados,<br />
manuscritos dele ou de parceiros. A parte dos autores eruditos está numa terceira<br />
gaveta juntamente com uns álbuns que foram editados com músicas dele<br />
sozinho ou com outros autores. A quarta gaveta do arquivo está reservada para a<br />
parte de correspondência, que estou classificando em: família, amigos, fãs e<br />
outros. (ALENCAR apud MARTINS, 1981, p.44)<br />
A passagem nos comunica a maneira como o titular, primeiro usuário de seu<br />
arquivo pessoal, precisava da ordenação das gavetas e dos macro-assuntos, cabendo,<br />
nessa descrição, apenas uma consideração sobre o uso dos documentos que ele mais<br />
requisitava. Em seu arquivo pessoal, suas músicas, principal fonte de trabalho, de<br />
renda e de inspiração mereciam lugar de destaque. E, diga-se de passagem, mesmo<br />
aquelas sete gavetas não comportavam, confortavelmente, as 1700 grossas partituras e<br />
oitocentas letras de seu acervo musical. Neste ponto fica evidenciada a relação que<br />
Tom tinha com seus autores referenciais, quando ele mesmo copiava ou escrevia os<br />
arranjos de uma música importante de um outro autor 39 . Havia, pelo menos, dois<br />
móveis para acomodar o arquivo e acessar uma memória mais imediata, usada no<br />
cotidiano, fazendo consultas durante o trabalho e provando autorias. Existia<br />
concomitantemente, em relação ao conjunto, uma memória menos imediata, menos<br />
perceptível ao usuário, mas que completava seu acervo, agregando outras<br />
informações, constituindo seu legado artístico.<br />
O seu método de trabalho envolvia guardar seus escritos para voltar a trabalhar<br />
mais tarde em alguns, pois sempre repetia que, “segundo Stravinsky, o trabalho de<br />
composição é feito de 5% inspiração e 95% transpiração”. Ao mesmo tempo,<br />
arquivava o que já estava “pronto”, fosse para evitar erros de execução, fosse para<br />
garantir seu legado. O que fica claro é o desejo de Tom de “compor seu acervo”: ele<br />
acumulou, com ou sem ajuda, um conjunto de documentos porque sabia que apenas<br />
39<br />
Na série Partituras, subsérie Produção Intelectual de Terceiros, estão os arranjos aos quais me refiro.<br />
85
assim — fazendo obra dentro da obra — teria um acervo capaz de garantir uma<br />
memória sobre seu trabalho musical. Assim, Tom selecionava o que lhe era mais caro,<br />
acentuando esse ou aquele aspecto, dando ênfase mais a um do que a outro assunto.<br />
Tom também lastimava haverem-se perdido tantos documentos de outros autores,<br />
inclusive pela ausência de arquivamento dos mesmos. Isso ocorria, em boa parte,<br />
conforme atesta Paulo Jobim, porque era praxe, na década de 1950, os autores<br />
entregarem seus originais às gravadoras, intérpretes e orquestras. Faziam isso quando<br />
da execução de suas músicas e depois, em grande maioria, não conseguiam reavê-los.<br />
Eis uma boa explicação de por que os registros do início da carreira musical de Tom<br />
são raros. Mas, quando ele começou a ter a certeza de sua vocação e firmou sua<br />
intenção de ser um compositor, passou a guardar sua documentação, com cuidado e<br />
sistematicidade. Na gravação Documento para a posteridade, entrevista concedida a,<br />
entre outros, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Dori Caymmi, Tom ressaltou a<br />
importância de se mostrar publicamente:<br />
O brasileiro não assume o mundo. Ele dá uma fugida lá, pega o avião e<br />
volta. E isso é grave. Você tem que toda semana estar na televisão, pelo menos<br />
uma vez num grande show, seja o Andy Williams, seja o Dany Case… você não<br />
pode fazer como Alpert [Herb Alpert, vocalista do grupo Tijuana Brass]:<br />
aparece uma vez no ano e fica num quarto de hotel. Você não pode fazer um<br />
grande sucesso — “Garota”, “Desafinado” — desaparecer e [ir] pra Barra da<br />
Tjuca pegar anchova. (MIS, 1967, K7-127)<br />
Eis, portanto, como o rapaz tímido 40 sabia da necessidade de uma pessoa<br />
famosa se manter em evidência para a posteridade. Por isso, enfatizamos quão<br />
interessante é perceber a lógica da acumulação do arquivo de Tom Jobim, como uma<br />
forma de aproximação da identidade que ele queria construir para si, através da<br />
guarda de seus papéis e suas músicas. Os números expressivos do volume de<br />
documentos dizem muito do homem trabalhador, e convencido da importância de<br />
guardar, mas não são suficientes para revelar os seus textos curiosos, a irreverência de<br />
seus comentários e, principalmente, a beleza de suas composições — acessíveis<br />
através da consulta de seus documentos.<br />
40<br />
Em várias passagens de sua vida, Tom se declarou tímido, perdendo, inclusive, oportunidades de<br />
reger orquestras, fazer shows e viajar antes dos 36 anos para o exterior.<br />
86
CAPÍTULO 3: CA<strong>DE</strong>RNOS PARA LEMBRAR TOM<br />
— lembranças dele, com ele e para ele<br />
A manutenção de um acervo pessoal é uma feliz tarefa para seu titular. Tom<br />
Jobim pôde contar com essa satisfação e pôde também dividi-la com outras tantas<br />
pessoas que passaram pela suas casas. Suas duas esposas o ajudaram, assim como<br />
seus filhos, e a museóloga Vera Alencar, contratada especialmente para dar ordem a<br />
seu arquivo. Além desses, houve outros colaboradores, como sua irmã, Helena Jobim,<br />
e alguns fãs e pesquisadores, que, após sua morte, doaram alguns registros de Tom<br />
mais bem conservados.<br />
Conforme disse Ana Jobim 1 , não era uma premissa do casal a idéia de guardar<br />
documentos para constituir um arquivo, mas eram, ambos, sensíveis a esse<br />
movimento. Ao que lhe parece, narrando muitos anos depois, não estavam muito<br />
conscientes, nem da acumulação diária, nem das investidas técnicas que fizeram.<br />
Apenas sentiram a necessidade de profissionalizar o acervo, mesmo em dúvida do que<br />
realizavam:<br />
O arquivo começou sem intenção. A Thereza começou a guardar em<br />
envelopes pardos todos os recortes de jornais e documentos que tinha. Quando<br />
me mudei com Tom para a casa da rua Peri, aquilo tudo veio e não sabíamos<br />
muito bem o que tinha lá e o que fazer com eles [os envelopes]. Quem sugeriu a<br />
Verinha, foi a Thereza, porque era amiga dela. Ela começou a catalogar tudo<br />
aquilo e criou um sistema de cópias das letras para evitarmos o manuseio<br />
quando tinha show. Esse foi o início. Depois a Verinha sugeriu a Piedade<br />
Grinberg para trabalhar os jornais, fisicamente, e na parte do conteúdo também.<br />
Não sei se guardávamos para a História. Mas tudo tinha um valor. Não<br />
dava pra pegar um documento e jogar no lixo... Tinha lá nos cadernos,<br />
anotações importantes e outras nem tanto: lista de compras, número de passos<br />
que ele dava em volta da piscina, desenhos da Luiza... Não tinha a intenção, mas<br />
era uma necessidade! (JOBIM, 2008).<br />
1<br />
JOBIM, Ana Beatriz Lontra. Entrevista concedida à autora, 11 de junho de 2008, em sua residência.<br />
87
Apesar desse “acaso” (como os descritos no capítulo anterior), o arquivo foi<br />
reunido, estruturado e organizado. A colaboração de Vera Alencar durou,<br />
aproximadamente, sete anos, de 1978 a 1985. Esse momento foi chamado por Ana<br />
Jobim de “primeiro mergulho” no acervo. Logo após a Verinha dar por finda a<br />
organização, Ana e Tom começaram a idealizar o projeto de um livro que mostrasse<br />
seu cotidiano e algumas histórias da vida deles. Ana Jobim, fotógrafa por formação,<br />
iniciou o meticuloso trabalho de registrar novas cenas da vida de Tom, em casa, além<br />
de reunir e selecionar outras fotos tiradas anteriormente. Em sua entrevista, ela<br />
comenta que “tirar fotos dele e da família, sempre tirou”, mas com o intuito de<br />
fotografar para usar e guardar, só mesmo com o projeto desse livro. Cerca de um ano<br />
e meio depois, o livro — Ensaio poético — foi publicado, iniciando-se uma época<br />
muito produtiva na carreira do casal. Entre 1986 e 1987, nasceu sua filha mais nova,<br />
Maria Luisa; Tom fez sessenta anos; uma série de reportagens e programas<br />
comemorativos aconteceu; e terminou uma impressionante reforma na sua casa da rua<br />
Sara Vilela: o levantamento de todo o telhado da casa, de uma só vez, com macacos<br />
mecânicos.<br />
Provavelmente, por conta dessa euforia, houve um grande fluxo de<br />
composições, como “Bebel”, “Looks like December”, “Anos dourados” e os LPs Tom<br />
na Mangueira e Passarim, além de várias trilhas para filmes estrangeiros como<br />
Moments at play, do dinamarquês Jorgen Leth. Nesta época, aconteceu também a<br />
polêmica campanha “Águas de março”, para a The Coca-Cola Company: Tom<br />
compôs uma versão dessa música e terminava bebendo um gole do refrigerante 2 .<br />
Houve alguns comentários, na imprensa, alegando que a música de Tom deveria ser<br />
melhor usada e que, assim, ele estaria vendendo um bem nacional — o que o chateou<br />
bastante. Em 1987, ocorreu a turnê mais bem sucedida da Banda Nova, a do disco<br />
Passarim, com shows no Festival Internacional de Jazz de Montreal, vários meses no<br />
Canecão, no Palace, em São Paulo, e no Japão. Começaram também os preparativos<br />
para o documentário, inicialmente intitulado Ensaio poético, que permaneceu inédito<br />
até o ano passado, quando Ana Jobim voltou a se debruçar sobre as imagens feitas<br />
naquela época e editou-as no documentário A casa do Tom: mundo, monde, mondo.<br />
2<br />
Para maiores informações sobre esse assunto, conferir os documentos da série Publicação na Imprensa<br />
do Acervo ACJ.<br />
88
O Ensaio poético também fez Tom produzir vários textos, inclusive escrever<br />
algumas de suas memórias, e todas estão no seu acervo: “Ipanema”, “Onça no pau é<br />
passarinho”, “Jereba é um urubu importante...”, “Bossa Nova”, “Manhattan”, “No<br />
tardio oligoceno” e o “Aqui tenho essa extrema liberdade...” (Acervo ACJ, Pi982) do<br />
qual segue um trecho: “Aqui tenho essa última extrema liberdade de andar pela rua,<br />
como um total ilustre desconhecido, um vago senhor numa velha camisa [...] A<br />
camisa fininha, de manga curta, quasi [sic.] meio rota, modelo antiquado, moderno<br />
obsoleto, de cores superadas”.<br />
Na tentativa de organizar seus pensamentos, Tom manteve cadernos de<br />
anotações, desde que começou a compor, para evitar perder algo importante. Talvez<br />
só para quem teve a oportunidade de observar a quantidade de papéis que sempre<br />
esteve sobre seu piano, seja possível imaginar quão necessária e útil foi essa decisão.<br />
Mas como a maioria das pessoas não teve tal experiência, há nessa foto de Ana Jobim,<br />
uma amostra da mistura de documentos sobre seu piano, sendo todos trabalhados ao<br />
mesmo tempo. Esses cadernos são, portanto, um tipo de documento muito especial,<br />
quer pelo uso que deles fazia o maestro, quer pelo que nos dizem sobre sua prática<br />
memorial.<br />
Figura 3: Foto da bagunça sobre o piano de Tom Jobim p64f05<br />
89
Circulando nessa época por três casas ininterruptamente (Jardim Botânico,<br />
Poço Fundo e Nova York), os caderninhos de anotações de Tom andavam junto com<br />
ele, gerando documentos similares, seja em cadernos diferentes ou vários registros no<br />
mesmo caderno. Durante uma entrevista de Vera Alencar à autora, ela revela que a<br />
numeração inicial aplicada aos cadernos era tão aleatória quanto a maneira como iam<br />
aparecendo e se reunindo junto dela (ALENCAR, 2008). Tal numeração era,<br />
inicialmente, uma medida provisória, para que ela pudesse identificar quantos e quais<br />
já tinham passado sob seus olhos.<br />
Vera Alencar lembra-se que esses cadernos transitavam muito pela casa da<br />
Sara Vilela, saindo facilmente do mezanino, onde ela trabalhava, para o piano de<br />
Tom: “Se eu passasse por lá [pelo piano] e visse um documento que já tinha estado na<br />
gaveta, perguntava ‘Já usou? Vou guardar!’”. Segundo Vera de Alencar, o brinde de<br />
fim de ano (1987) da Companhia Brasileira de Projetos e Obras – CBPO, realizado<br />
pela Sabiá Produções Artísticas, transformou-se num dos melhores discos da Banda<br />
Nova e foi a coroação de seu trabalho. “O Tom pôde decidir tudo a respeito do projeto<br />
e isso também deu muita satisfação a ele e aos músicos da Banda [Nova]”. A<br />
embalagem de luxo continha um livro com textos biográficos e musicográficos<br />
inéditos de Sergio Cabral, da própria Vera de Alencar e de Jairo Severiano. E dois<br />
LPs com gravações históricas, e até mesmo raras, algumas feitas inclusive na casa do<br />
maestro. Entre as canções estão "Canta, canta mais", "Por causa de você", "Sucedeu<br />
assim", "Retrato em branco e preto", "Garota de Ipanema", "Chega de saudade",<br />
"Estrada do Sol", "Sabiá", "Modinha" e outras, além da única música em que Ana e<br />
Tom Jobim cantaram em dueto: "Eu não existo sem você". Estes discos foram<br />
lançados em CD, em 1995, sob o título de Tom inédito, quando deixaram de ser<br />
privilégio dos 3000 clientes da CBPO, para chegar ao grande público. Vera lembra<br />
também, envaidecida, que:<br />
Eu tinha uma pasta de pendências, que nunca se resolvia. Um dia, senteime<br />
com Tom e o “obriguei” a resolver algumas. Eu tinha juntado um monte de<br />
fragmentos que pareciam rimar. Ele olhou, folheou, e disse: “Deixa isso aqui<br />
comigo”. Tempos depois, a letra de “Bebel” estava pronta! (ALENCAR, 2008) 3<br />
3 Além dos exemplos dados, ela também pôde dar palpites na letra de “Luiza”.<br />
90
Esse é um dos muitos exemplos do potencial dos cadernos de anotações,<br />
sempre tão diversos quanto o próprio autor.<br />
3.1 CONHECENDO OS CA<strong>DE</strong>RNOS<br />
Esse conjunto documental é composto por 37 cadernos, escritos de 1948 a<br />
1994, com cerca de 1200 páginas válidas 4 . Desse total, cinco foram usados<br />
especificamente para esboços de melodias, considerados no tratamento técnico como<br />
Partituras, e, por isso, não serão aqui tratados. A maioria dos cadernos possui formato<br />
¼, ou seja, mede 14 x 20,5 cm, tem capa dura e folhas pautadas. Todas as espirais<br />
metálicas foram retiradas durante o processo de higienização e substituídas por<br />
costura com linha alcalina encerada. As folhas estão amarelecidas e, muitas vezes,<br />
manchadas e com marcas de copos, além de outras vezes, rasgadas. Há outros tipos<br />
nesta subsérie, como os blocos de tamanho A4, sem capa.<br />
Esses “caderninhos” de Tom guardam uma proximidade com os<br />
hypomnemata, mencionados por Foucault, mas apenas em acepção genérica já que<br />
estes “podiam ser livros de contabilidade, registros notariais, cadernos pessoais que<br />
serviam de agenda” (FOUCAULT, 1992, p. 134-35). A importância da prática desse<br />
tipo de escrita, defendida em vários momentos por Foucault, no livro O que é um<br />
autor?, é justificada pelo fato de ela tomar o papel do próximo, do ouvinte. Como, por<br />
exemplo, se ao registrar nossas faltas, evitássemos cometê-las, dispostos a não pecar e<br />
a combater o “poder demoníaco” que poderia nos enganar. Para Foucault, “a escrita<br />
constitui uma prova e como que uma pedra de toque: ao trazer à luz os movimentos<br />
do pensamento, dissipa a sombra interior onde se tecem as tramas do inimigo”<br />
(FOUCAULT, 1992, p. 131). Ou seria possível ainda, ao ler os pensamentos escritos,<br />
ter a oportunidade de revê-los e melhorar as práticas deles decorrentes. A escrita de si<br />
e para si mesmo é uma prática da askesis (significando adestramento de si), um<br />
exercício que se deve fazer para conhecermo-nos a nós mesmos e tornar rotineiro o<br />
nosso aperfeiçoamento. Esse exercício pode ser linear ou circular:<br />
4<br />
Esse número refere-se apenas às páginas em que há informação escrita ou desenhada. Excetuando-se,<br />
portanto, as páginas em branco, ainda que pudessem ser considerados em algum outro estudo.<br />
91
meditar escrever treinar trabalho do pensamento<br />
re<br />
meditar escrever<br />
ler<br />
O objeto caderno começou a ser usado na Europa da Idade Média, feito,<br />
prioritariamente, para os usos contábeis e mercantis. Consistiam em um amarrado de<br />
folhas soltas ou em uma grande folha de papel ou pergaminho dobrada em quatro e<br />
costurada com tiras na lombada. Daí se derivou o termo quaternio, para os primeiros<br />
comerciantes italianos. Essa costura, essa encadernação, poderia ser comprada pronta<br />
ou feita posteriormente à escrita, para melhor organização do que tinha sido<br />
registrado. Essa acepção foi a primeira, assumida por Antoine Furetière, no seu<br />
Dictionaire universel, impresso em Haia, Hotterdam, em 1690, e citado por Jean<br />
Hébrard. Mas havia outras significações, segundo o autor:<br />
O segundo sentido assinalado por Furetière remete à linguagem dos<br />
impressores (“Diz-se também das folhas mais ou menos amarradas que<br />
constituem o livro encadernado. Esse volume tem tantos cayers...”). O terceiro<br />
nos leva ao mundo das escrituras administrativas ou jurídicas, onde o termo<br />
designa uma unidade textual manuscrita que especifica seu conteúdo e lhe dá<br />
mais força: “Cayer significa ainda memoriais apresentados separadamente.<br />
Estes artigos estão em cayer à parte”. O último uso da palavra nos introduz às<br />
práticas do colégio e da universidade: “Cayers são também os escritos que os<br />
estudantes escrevem sob a orientação de seu mestre de filosofia, teologia ou<br />
qualquer outra ciência que se ensine nas escolas. Um estudante precisa<br />
reapresentar seus cayers a seu mestre para dele obter um atestado de seu tempo<br />
de estudo”. (HEBRARD, 2000, p. 36)<br />
Embora estejam registrados esses vários sentidos desde 1690, é muito<br />
provável que o termo “caderno” tenha começado a circular muitos séculos antes, por<br />
conta da premente necessidade (inclusive jurídica) de se escrever toda negociação<br />
feita dia a dia, detalhe por detalhe. Primeiro para que existissem maneiras de ser<br />
visitado e controlado pelas autoridades, e depois, porque ninguém poderia se furtar a<br />
92
escrever o que se passou no dia. Dessa forma, mantinha-se um “livro diário” com<br />
informações que extrapolavam o sentido comercial e financeiro, posto que “não se<br />
pode negligenciar que ‘o que se faz’ e ‘o que se passa’ num dia excede<br />
obrigatoriamente a esfera estrita das trocas monetárias” (HEBRARD, 2000, p. 38).<br />
Este uso permitiu que os cadernos fossem adotados por homens públicos e<br />
comerciantes para também escrever o que tinha ocorrido, aquilo de que se lembravam<br />
ao fim de um dia. Sobretudo, o que tinha acontecido, excedendo o valor mercantil do<br />
ocorrido e abarcando uma escrita de si e de seu negócio que se tornavam, cada vez<br />
mais, inseparáveis.<br />
Essa é a derivação que melhor se ampliou e a que mais nos interessa, pois os<br />
“cadernos” de Tom não são diários, pelo menos não como o modelo mais usual,<br />
descrevendo impressões e pensamentos, ora desordenados, ora cuidadosamente<br />
numerados. Seus cadernos, contudo, pontuam sua história de vida, e mesmo sem<br />
descrevê-la passo a passo, deixam vestígios e pistas importantes sobre seu fazer e suas<br />
inquietações. Portanto, são exemplos diferentes da principal acepção destacada por<br />
Foucault, mas podem ser pensados a partir dessas reflexões. Esse autor ressalta os<br />
cadernos como livros de vida ou guias de conduta:<br />
Neles eram consignadas citações, fragmentos de obras, exemplos e<br />
ações 5 de que se tinha sido testemunha ou cujo relato se tinha lido, reflexões ou<br />
debates que se tinham ouvido ou que tivessem vindo à memória. Constituíam<br />
uma memória material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas (FOUCAULT,<br />
1992, p. 135).<br />
Ou seja, baseado em textos gregos antigos, sugere o uso intermitente de um<br />
caderno, que pudesse estar o tempo todo com seu dono, embaixo do braço. Nele se<br />
anotava o que de bom se conseguiu ouvir, presenciar e peneirar do que foi<br />
presenciado. Afinal, não se devem anotar pensamentos sem que sejam trabalhados e<br />
fixados. Este exercício foi, na verdade, o início de vários produtos, como<br />
correspondências e tratados. Mas serviu também para o fortalecimento próprio, contra<br />
defeitos, ou para superar traumas e situações difíceis.<br />
Percebe-se então que, num primeiro momento da história dos cadernos, eles<br />
serviam para anotações diárias filosóficas, políticas ou comerciais, que auxiliassem o<br />
5<br />
A edição consultada é lisboense, mas em todas as citações foi preferida a grafia brasileira, quando<br />
diferente da portuguesa.<br />
93
trabalho de seu autor. Mais tarde, tornaram-se relatos espirituais, como os indicados<br />
por São Atanásio para evitar tentações e corrigir imperfeições da alma. Num terceiro<br />
momento, sobreviveram como diários íntimos (FOUCAULT, 1992), bastante comuns<br />
no século XVIII. Atualmente, é possível manter cadernos de anotações com todas as<br />
características anteriores e inventar outras tantas, como Tom Jobim fez livremente nos<br />
seus cadernos. Se lá não estão suas memórias, ao menos é abundante a vontade de se<br />
fazer presente durante a produção dos documentos.<br />
Le paradoxe autobiographique devient ici douloureux: si<br />
l´autobiographie sincère est ce qui doit offrir spontanément au lecteur la vérité<br />
intérieure du moi, l´écriture, instrument de méditation, fait écran au projet dans<br />
le même temps qu´elle le réalise. Tout ne peut se dire que dans l´écart<br />
scripturaire, dans ce double statut de l´écriture qui est instrument de la<br />
transparence et obstacle à la transparence (MIRAUX, 1996, p.83) 6 .<br />
Nesses cadernos, a maioria das datas não são precisas e uma parte da caligrafia<br />
também não pode ser identificada. Conforme descrito anteriormente e segundo<br />
Thereza Hermanny, os cadernos ficavam sobre o piano, a “mesa de trabalho” de Tom.<br />
Durante encontros e saraus realizados em sua casa, vários amigos eram convidados e<br />
vários apareciam como amigos dos amigos. A quem estivesse mais perto do caderno<br />
era dada a tarefa de escrever algum momento de inspiração ou um lembrete. Portanto,<br />
a tarefa hercúlea de identificação da autoria de todos os textos escritos nos cadernos<br />
foi executada, mas não a contento, tendo ficado alguns registros sem identificação de<br />
autoria.<br />
A numeração escrita numa etiqueta e colada na capa de cada caderno, pela<br />
museóloga Vera Alencar, não é linear, como podemos perceber na Tabela 1 abaixo,<br />
pois não obedeceram a um critério anterior ou estruturado. Esse código perdurou<br />
pelos anos, mas de forma não muito confiável, pois quando de sua indexação na base<br />
de dados do Instituto Antonio Carlos Jobim, algumas etiquetas tinham caído e outras<br />
estavam duplicadas. A revisão da numeração ia ser feita após o conhecimento de todo<br />
o conteúdo, mas até hoje essa tarefa ainda não foi levada a cabo. Entretanto, isso não<br />
6<br />
Tradução livre da autora: O paradoxo da autobiografia se torna aqui doloroso: se a autobiografia<br />
sincera é a que oferece espontaneamente ao leitor a verdade interior do eu, a escrita, instrumento de<br />
meditação, impede o projeto ao mesmo tempo em que o realiza. Tudo o que se pode dizer da diferença<br />
de escritura, deste duplo estatuto da escrita, que é instrumento da transparência e obstáculo à<br />
transparência.<br />
94
impede a recuperação da informação e a pesquisa nos documentos, mesmo que<br />
digitais. Essas etiquetas eram apenas uma medida de emergência para separar e<br />
diferenciar alguns cadernos de outros. Mas, a escrita dos cadernos mostra-nos um<br />
encadeamento muito interessante — uma ordem em que foram agrupados. São 37<br />
“caderninhos” que chegaram aos dias de hoje, e certamente contêm lacunas de tempo<br />
e espaço; percorrem toda a vida adulta de Tom (dos 25 aos 67 anos); tornam possível<br />
mostrar parte do cotidiano do maestro, suas relações com a família (mãe, filhos e<br />
esposas) e com os amigos; e até as angústias das obras nas casas em que exercitou<br />
seus conhecimentos como arquiteto.<br />
A seguir, há uma breve descrição dos 32 cadernos que foram considerados<br />
para esse trabalho, excetuando-se os cinco só de Partituras:<br />
Tabela 1: Descrição dos 32 cadernos<br />
CA<strong>DE</strong>RNO CÓDIGO PERÍODO 7 QTD <strong>DE</strong>STAQUES OBSERVAÇÕES<br />
Caderno<br />
1<br />
Caderno<br />
2<br />
Caderno<br />
3<br />
Pi1090 Sem<br />
data<br />
Pi1093 1959-<br />
60<br />
Pi1078 1958-<br />
61<br />
102<br />
fls.<br />
letras e esboços de "Vou te contar",<br />
"Soneto da separação" e "Tempo<br />
vadio", além da lista das suas 235<br />
músicas, com cada parceiro.<br />
72 fls. texto sobre sua iniciação musical;<br />
letras de músicas com Newton<br />
Mendonça, Aloysio de Oliveira,<br />
Vinicius de Moraes; esboços de<br />
"Samba de uma nota só" e "Olha<br />
pro céu"; roteiros e informações<br />
sobre o programa Bom Tom; artigo<br />
sobre o mercado fonográfico.<br />
53 fls. letra de "Frevo de Orfeu", letra<br />
inédita de Di Cavalcanti e Newton<br />
Mendonça, contracapa do disco Por<br />
7 Algumas datas foram atribuídas pela arquivista para facilitar a compreensão.<br />
Capa manchada e<br />
rasurada.<br />
Algumas músicas<br />
são inéditas.<br />
A capa está<br />
boleada por<br />
umidade.<br />
As páginas 145 e<br />
146 estão<br />
reservadas.<br />
Algumas músicas<br />
são inéditas.<br />
Nunca foi gravada<br />
nenhuma música<br />
em parceria com<br />
95
Caderno<br />
4<br />
Caderno<br />
5<br />
Caderno<br />
6<br />
Caderno<br />
7<br />
Caderno<br />
8<br />
Caderno<br />
9<br />
Caderno<br />
10<br />
Pi1422 10 fev.<br />
1957 a<br />
12 jan.<br />
1959<br />
toda minha vida, várias cópias de<br />
letras de músicas.<br />
58 fls. Poemas, desenhos, notas e letras de<br />
músicas passadas a limpo por<br />
Vinicius de Moraes, incluindo<br />
títulos trocados. Ex.: “O amor<br />
demais” x “Canção do amor<br />
demais” e a inédita: “Alguém em<br />
algum lugar”. Poema bestialógio<br />
“Vulvêmora”, assinado por Iktinius<br />
de Moraes.<br />
Pi1216 1958 40 fls. Texto de ACJ sobre sua família e a<br />
primeira versão de "A felicidade" e<br />
"Desafinado".<br />
Pi1221 1976 61 fls. Contracapa do disco Urubu e vários<br />
desenhos para a construção da casa<br />
em Poço Fundo.<br />
Pi1229 Sem<br />
data<br />
Pi1233 1970-<br />
79<br />
12 fls. Letra de "Two Kites", letra inédita<br />
"A chestnut tree in blossom…"<br />
40 fls. Repertórios de shows, listas dos<br />
discos Urubu e Elis & Tom,<br />
tentativa de versão para o inglês da<br />
letra de "Matita perê".<br />
Pi1234 1973 48 fls. Esboço da letra de "Lígia" escrito<br />
por Chico Buarque.<br />
Pi1247 1973 52 fls. Letras de "Ana Luiza", "Ângela",<br />
preparação para a construção da<br />
casa no sítio em Poço Fundo.<br />
Di Cavalcanti.<br />
Algumas músicas<br />
são inéditas.<br />
Algumas músicas<br />
são inéditas.<br />
Essa construção,<br />
cheia de paus e<br />
pedras, gerou a<br />
música “Águas de<br />
março”.<br />
A versão de<br />
“Matita perê”<br />
nunca foi<br />
terminada.<br />
A capa está solta.<br />
Caderno Pi1252 Sem 55 fls. Letra de "Pois é", com caligrafia de O título do<br />
96
11 data Chico Buarque.<br />
Caderno<br />
12<br />
Caderno<br />
13<br />
Caderno<br />
14<br />
Caderno<br />
15<br />
Caderno<br />
16<br />
Caderno<br />
17<br />
Caderno<br />
18<br />
Pi1255 1974 67 fls. Letras de música de ACJ e Chico<br />
Buarque, esboços para a construção<br />
da casa em Poço Fundo.<br />
Pi1256 Sem<br />
data<br />
Pi1095 1973-<br />
76<br />
Pi1423 1973-<br />
77<br />
Pi1105 1975-<br />
77<br />
48 fls. Contracapa do disco Miúcha e<br />
Antonio Carlos Jobim e esboço das<br />
versões de "Ligia", "Matita perê" e<br />
"Ana Luiza". Esboço de "Double<br />
rainbow" no verso da capa.<br />
65 fls. Plantas e croquis do sítio em Poço<br />
Fundo, trabalho de arquitetura de<br />
Paulo Jobim e desenho de Elizabeth<br />
Jobim.<br />
60 fls. Esboços de "Matita perê", tanto<br />
para a letra quanto para o disco, de<br />
"Bebel", além de carta a Frank<br />
Sinatra.<br />
57 fls. Descrição de orixás, estudos para o<br />
disco Urubu.<br />
Pi146 1962 48 fls. Repertório para The Composer of<br />
Desafinado plays; estudos de letras<br />
Pi1149 Sem<br />
data<br />
para “The Girl from Ipanema”,<br />
“Dreamer” e “The Jazz and samba”.<br />
38 fls. Esboço do poema "Chapadão", das<br />
músicas "Bebel", "Maria é dia" e "É<br />
eterno".<br />
Caderno Pi1151 1980- 58 fls. Letra de "Bebel", artigo de ACJ<br />
caderno, escrito<br />
na capa, está<br />
riscado.<br />
Há alguns<br />
documentos com<br />
caligrafia de<br />
Vinicius de<br />
Moraes e Chico<br />
Buarque.<br />
Esses desenhos<br />
datam do início<br />
da carreira de<br />
Beth Jobim como<br />
pintora.<br />
Algumas letras da<br />
parceria com<br />
Norman Gimble<br />
não foram usadas.<br />
Algumas músicas<br />
são inéditas.<br />
“Chapadão” é o<br />
maior poema de<br />
ACJ.<br />
97
19 89 elogioso sobre Villa-Lobos e<br />
desenho do Horácio, de Maurício de<br />
Souza.<br />
Caderno<br />
20<br />
Caderno<br />
21<br />
Caderno<br />
22<br />
Caderno<br />
23<br />
Caderno<br />
24<br />
Caderno<br />
25<br />
Pi1156 1983 52 fls. Esboço da letra da música<br />
"Gabriela".<br />
Pi1160 1987 110<br />
Pi1161 1970-<br />
79<br />
Pi1114 1950-<br />
59<br />
Pi1056 1950 a<br />
52<br />
Pi1180 Sem<br />
data<br />
fls.<br />
Esboço de "Chansong" e<br />
"Gabriela"; roteiro para o show no<br />
Palácio das Artes, letras de várias<br />
músicas e versão em francês de<br />
"Luiza".<br />
50 fls. Roteiros de ACJ para os filmes A<br />
casa assassinada e Tempo do mar,<br />
listas de afazeres pessoais,<br />
lembretes, telefones e crônica sobre<br />
José Carlos Oliveira.<br />
32 fls. Letras de músicas transcritas por<br />
Thereza Hermanny.<br />
27 fls. Relação das despesas domésticas da<br />
casa durante dois anos.<br />
100<br />
fls.<br />
Experiências com palavras em<br />
inglês, lista de problemas com seu<br />
Esse show saiu<br />
em CD em 2004,<br />
com o título de<br />
Tom Jobim em<br />
Minas, piano e<br />
voz.<br />
Tom fez trilha<br />
para os dois<br />
filmes<br />
mencionados.<br />
Quase todas estão<br />
copiadas com<br />
papel carbono e<br />
serviam uma para<br />
ser registrada<br />
como estava e a<br />
outra para ser<br />
modificada.<br />
98
Caderno<br />
26 8<br />
Caderno<br />
27<br />
Caderno<br />
28<br />
Caderno<br />
29<br />
Caderno<br />
30<br />
Caderno<br />
31<br />
Caderno<br />
32<br />
Pi1260 1950-<br />
52<br />
carro e repertórios de shows.<br />
46 fls. Relação de despesas domésticas e<br />
esboços de letras de música em<br />
parceria com Newton Mendonça.<br />
Pi1132 77 fls. Roteiros de shows; letras de<br />
músicas para a minissérie O Tempo<br />
e o vento; esboço de poema para<br />
Luma de Oliveira.<br />
Pi1158 1954 11 fls Esboços e letras de músicas<br />
contidas na Sinfonia do Rio de<br />
Pi1166 Sem<br />
data<br />
Pi1136 1980-<br />
89<br />
Pi1146 1990-<br />
94<br />
Janeiro.<br />
7 fls. Transcrição das letras de músicas<br />
"Não devo sonhar" e "A chuva<br />
caiu".<br />
13 fls. Esboços de músicas, repertório do<br />
show no Carnegie Hall e com Gal<br />
Costa.<br />
14 fls. Esboços de músicas, roteiros de<br />
shows e de figurinos para show.<br />
Pi1264 1950 18 fls. Esboços de letras de músicas<br />
3.2 OBSERVANDO COM MAIS ATENÇÃO<br />
inéditas e o poema "Triste<br />
romance".<br />
“Não devo<br />
sonhar”<br />
permaneceu<br />
inédita.<br />
Não há, nesses cadernos, muitas reflexões de foro íntimo, nem mesmo<br />
“retratos” minuciosos de sua vida diária ou de grandes acontecimentos — do que<br />
também sentiu falta Celso Castro quando pesquisou os diários de Bernardina Constant<br />
de Magalhães Serejo (CASTRO, 2004, p. 231). Mas ainda assim, são documentos<br />
8 Eis um exemplo de como os números se misturaram.<br />
Algumas folhas<br />
estão rasgadas.<br />
Um dos poucos<br />
poemas de ACJ.<br />
99
iográficos fundamentais da vida pessoal do homem público que era o maestro Jobim.<br />
E vale lembrar também que toda escrita representada nesses cadernos foi feita por<br />
Tom para ele mesmo. Normalmente, nesse tipo de escrita, equivalente ao journal dos<br />
franceses, o texto não é destinado a outros leitores. (MIRAUX, 1996, p. 13).<br />
Muitos documentos não puderam ser mais detalhadamente relacionados,<br />
porque não era tarefa para a equipe de indexação, mas para os pesquisadores da vida<br />
do titular, com conhecimentos específicos e mais profundos. Ou seja, é o caso de uma<br />
seqüência de listas de instrumentos, no caderno 4, que não se pode afirmar terem sido<br />
feitas para a gravação da “Sinfonia da Alvorada”, embora seja um dos poucos<br />
momentos em que Tom esteve à frente de uma orquestra.<br />
As tipologias mais comuns nos cadernos são: letras de música, inclusive<br />
algumas inéditas, e versões (43,37%), listas de, entre outras, compras de<br />
supermercados, de músicas gravadas e a gravar, de partituras emprestadas, de tarefas<br />
domésticas ou de consertos nas casas e carros (19,46%), artigos (2,71%), contas<br />
matemáticas (3,04%), poemas (2,93%), desenhos (12,5%) das casas que construiu<br />
(Poço Fundo e Sara Vilela), ou de seus filhos e arquitetos, sendo muitas vezes<br />
precedidos das contas matemáticas. Além desses, encontram-se ainda: contracapas<br />
(1,08%), como a que fez para o famoso disco Chega de saudade, bilhetes e rascunhos<br />
de cartas (1,84%), algumas assinaturas e frases onde Tom treinava a escrita com a<br />
mão esquerda, com duas canetas e ao contrário (1,56%), algumas recomendações<br />
médicas (0,54%), roteiros para seu breve programa de TV O bom Tom (0,54%),<br />
relatos de sonhos de Paulo Jobim (1,31%), melodias com a grade desenhada à mão<br />
livre (0,98%), recibos de pagamentos de funcionários, feitos por Tom ou por quem<br />
recebia (0,2%), notas (6,75%) de contatos e direções e lembretes esparsos (1,19%).<br />
Não entrou na porcentagem o único testamento encontrado nos cadernos, mas pelo<br />
tom jocoso, merece a citação. Tom afirma seu desejo de que tudo o que a ele pertencia<br />
deveria ficar para sua esposa (na época, Thereza Hermanny).<br />
100
Figura 4 – Percentual dos tipos de documentos encontrados nos 32 cadernos<br />
É interessante observar que essa tipologia também é uma tarefa complicada<br />
pois, numa mesma folha, facilmente havia mais de um tipo de documento. Nesses<br />
casos, houve necessidade de priorizar o que estivesse mais completo ou que mais se<br />
destacava. Por exemplo, Tom podia começar com uma letra, inserir um lembrete,<br />
fazer contas e voltar à letra. Ou, escrever numa direção um texto, tombar a página e<br />
escrever outro assunto em outra direção. Também era comum que essas anotações,<br />
registradas numa mesma folha, fossem escritas em datas diferentes. Mesmo que a<br />
grande maioria esteja sem data, é possível perceber como os assuntos foram separados<br />
através tempo. Outras vezes, o registro iniciado numa página, continuava em outras<br />
vinte páginas à frente. Uma observação cabe aqui: as páginas do intervalo são<br />
invariavelmente preenchidas antes e/ou depois desse registro saltado, forçando a<br />
memória do indexador. O que importa ressaltar é que Tom tinha total liberdade de<br />
“bagunçar” seus rascunhos; afinal, ele os compreendia e sempre os encontrava quando<br />
precisava.<br />
A seguir, uma das tantas páginas semelhantes, que contém um exemplo dessa<br />
licença que todo autor tem sobre seus escritos:<br />
101
Figura 5 – Vários tipos documentais numa mesma página. Caderno 4, Pi 1423, p. 3<br />
Figura 6 – Lista de temas para o filme Crônica da casa assassinada. Caderno 25, Pi<br />
1180 p. 4<br />
102
3.3 REFÚGIOS DO EU<br />
Nome: Antonio Carlos Jobim<br />
Naturalidade: Carioca<br />
Data de nascimento: Tenho 31 anos de Ipanema porém nasci na Tijuca<br />
(rua Conde de Bonfim) a 25 de janeiro de 1927<br />
Filiação: Pai gaúcho, falecido (o poeta Jorge Jobim) e mãe carioca<br />
(nascida Brasileiro de Almeida)<br />
Profissão: Músico<br />
Há músicos na família?<br />
Meu lado materno está cheio de gente musical e q praticava música mas,<br />
até onde sei, nenhum se profissionalizou. Minha avó tocando piano, tios tocando<br />
violão, mamãe cantando e tudo mais...<br />
Desde que me lembro de mim gosto de música. Minhas primeiras<br />
lembranças me levam às cantigas de ninar q. minha mãe cantava. Depois à<br />
calçada e às cantigas de roda. A família era grande e morávamos num casarão de<br />
2 andares ligados por aquela escada de madeira que range. Lembro-me dos meus<br />
tios tocando violão e de minha tia cantando. Vinham os choros, as valsas, os<br />
espanhóis, Bach e tudo mais até que me mandavam para (a) cama. Subia a<br />
escada, com medo do escuro, e ia me deitar. Na cama eu me consolava ouvindo<br />
os sons meio distantes do violão, doces, lá embaixo na sala e tudo se apagava.<br />
Dia de sábado chegavam outras pessoas que tocavam e cantavam em<br />
contracanto. Eu ficava bobo achando todo mundo craque. Depois veio a<br />
juventude, o estudo e, o pavor do estudo (acho que isto diz tudo).<br />
O professor queria as escalas mas eu achava a praia muito mais bonita –<br />
ia vivendo. Soprava numa gaita as musiquinhas que ia ouvindo, arranhava o<br />
violão e batucava misticamente (ergue os olhos para cima) o piano até o<br />
desespero da vizinhança.<br />
Nunca pensei em música como profissão. A música, se bem que objeto<br />
de minha paixão, era um prêmio que as horas de folga oferecem.<br />
Depois do futebol na praia, depois dos estudos, que eram as obrigações,<br />
só de música eu me ocupava. Me lembro da minha falta de gosto, da minha<br />
saúde, da minha violência, aos 16 anos, quando tocava aquele piano ininterrupto<br />
que era o desespero do quarteirão, numa obsessão inconsciente, obsessão na<br />
qual quem tocava não sabia que estava tocando. (Acervo ACJ, Pi1093)<br />
Percorri esse texto por entre 18 folhas, lançadas no caderno 2, espremido entre<br />
letras de músicas, bilhetes e várias anotações como se fosse um prêmio que as horas<br />
de trabalho ofereciam. Ao que parece, foi uma tentativa de currículo profissional,<br />
103
quando sua carreira começou a despontar, pois ele pedia que fosse colocada uma foto<br />
acima, antes do seu nome.<br />
Essas anotações ajudam Tom, em início de carreira, a se mostrar para a<br />
imprensa. Tudo indica que foram suportes para formar os roteiros para seu programa<br />
de televisão – que ficou menos de um ano no ar – chamado Bom Tom, mostrado na<br />
TV Tupi, no final dos anos 1950. Para lidar com essa rotina, ele criou textos<br />
igualmente rotineiros. No mesmo caderno 2, páginas à frente (p.52), ele começa a<br />
pensar sobre o mercado fonográfico, em plena expansão após o boom da Bossa Nova:<br />
“Com a melhoria do padrão do disco brasileiro (música, letra, orquestração, técnica de<br />
gravação) muita gente que só comprava música americana passou a comprar também<br />
música brasileira” (Acervo ACJ, Pi1093) 9 . Depois, ocupou várias páginas com letras<br />
de músicas inéditas que então preparava com Aloysio de Oliveira (“Dindi”, “Samba<br />
de uma nota só” e “Olha pro céu”). Há ainda várias notas sobre o que deveria ser<br />
mencionado em seu show na TV, croquis do palco e, na página 74, a descrição de um<br />
dia de gravação:<br />
Prefixo<br />
Comercial<br />
Prefixo – sem ritmo – vem Aluisio que é amigo e parceiro e q. se<br />
apresenta aqui, atrás desta barba. Aluizio pede e apresenta<br />
1) Esquecendo você.<br />
2) Demais Aluizio [sic.] e eu cantamos entra a Orq. e vem Sylvia com<br />
copos e cigarros e terminamos juntos.<br />
Sylvia pede para cantar:<br />
3) De você eu gosto<br />
Comercial<br />
Nós pedimos a Sylvia<br />
4) Dindi<br />
5) Fotografia<br />
6) Prefixo (AcervoACJ, Pi1193)<br />
Não há registros conhecidos desse programa ou show, além dos que estão nos<br />
caderninhos de Tom.<br />
9<br />
A íntegra desse artigo pode ser conferida no Anexo D.<br />
104
Curioso é perceber, ao folhear tais cadernos, que um registro poderia reafirmar<br />
outro ou modificá-lo, estivesse no mesmo caderno ou não. Na página 3 do caderno 3,<br />
Tom anota que precisa evitar demoras na viagem Montevidéu - Rio de Janeiro, e tirar<br />
visto de turista. Nas páginas seguintes encontram-se rascunhos de versos para “Eu<br />
preciso de você”. E, na página 8 do mesmo caderno, ele misturou os dois assuntos,<br />
num dos versos da música: “O turista tem seu passaporte / E eu preciso de v. / nossa<br />
produção pede transporte / E eu pr. de v.” (Acervo ACJ, Pi1078).<br />
Além de lembretes, existem nos caderninhos de Tom bilhetes ou pequenas<br />
cartas para ele mesmo – como nos lembra Foucault: uma memória material das coisas<br />
pensadas, vividas, por viver etc. Mas, essa prática não era nada comum. Ela aparece<br />
apenas em dois lugares em todo o acervo do maestro: uma delas no caderno 21, na<br />
página 165 (Pi1160) e outra, na série Correspondência Pessoal (Cp003).<br />
Figura 7 – Lista de lembretes para o próprio titular. Pi1160, p.29<br />
105
É muito gostoso e surpreendente, para um pesquisador, folhear os cadernos.<br />
Por isso, para facilitar sua leitura e pesquisa, foi decidido pela equipe do Instituto<br />
Antonio Carlos Jobim que haveria planilhas eletrônicas no banco de dados DSpace<br />
para cada um deles, como um todo.<br />
Em algumas páginas, de seus cadernos pessoais, ele tinha extrema liberdade<br />
para brincar com suas assinaturas e com alguns pseudônimos, talvez exercendo<br />
heterônimos que gostaria de ter. Na página 98 do caderno 17, Tom assina como David<br />
Zingg; na página 240 do mesmo caderno, assina como Anatão y João. Em uma carta a<br />
Paulo Jobim, na série Correspondência Familiar (Cf851), Tom assina como João. Em<br />
outras séries também aparecem outros pseudônimos curiosos, como Tom Joba, Tony<br />
Brazil, Walter Glauber e Tom-Tom. As páginas dos cadernos vão se estendendo para<br />
o dia-a-dia, revelando algumas brincadeiras que fazia com seus filhos: “O Papai é<br />
bom / O Papaizinho é muito bonzinho / O Papai gosta muito da Mamãe / A Mamãe<br />
gosta muito do Papai / O Papai gosta muito dos filhinhos / Gosta do Paulinho e da<br />
Betinha”. (Acervo ACJ, Pi1216, p.10). E ainda, recentemente, mostrando a atualidade<br />
do arquivo, a página 47 do caderno 17, assim como quase todo o caderno 29, ajudou a<br />
família Jobim a provar, judicialmente, a co-autoria das versões que Tom fez com<br />
Norman Gimble (Acervo ACJ, Pi1146).<br />
Principalmente usados para seu ofício de compositor, os caderninhos de<br />
anotações de Tom Jobim estão entre os mais preciosos documentos de seu acervo.<br />
Não apenas por constituírem uma explícita escrita de si dentro do arquivo, mas porque<br />
eram companheiros diários, sendo instrumentos de trabalho para o maestro. Por isso<br />
mesmo, estão ali vários pensamentos, fragmentos de músicas ou esboços de desenhos.<br />
Porém, tais inscrições são múltiplas e concisas. Os textos dos cadernos contêm quase<br />
todos os tipos documentais do arquivo, abrigando, portanto, imensa diversidade, toda<br />
ela num mesmo lugar e com uma mesma capa.<br />
106
Figura 8 – Lista de consertos necessários no carro. Caderno 25, Pi 1180, p. 14<br />
107
Figura 9 – Lista de acessórios para levar em caçada. Caderno 28, Pi 1158, p. 12<br />
3.4 AS CASAS <strong>DE</strong> TOM<br />
O endereço de uma pessoa não é importante.<br />
Sobretudo depois de uma certa idade.<br />
Tom Jobim in A casa do Tom<br />
108
Tom sempre se mudou muito. Na infância, morou na Tijuca, em Copacabana e<br />
Ipanema. Desde que pôde sair da casa dos pais (na verdade, mãe e padrasto), morou<br />
com Thereza Hermanny e os filhos Elizabeth e Paulo, na rua Nascimento Silva<br />
(Ipanema), na rua Codajás (Leblon) e na rua Peri (Jardim Botânico). Depois, com a<br />
família de Ana Beatriz e os filhos João Francisco e Maria Luiza, permaneceu na rua<br />
Peri até a casa da rua Sara Vilela (Jardim Botânico) ficar pronta. Claro, acrescentemse<br />
nessas contas, o apartamento próprio em Nova York, o sítio Poço Fundo e o<br />
apartamento alugado em Los Angeles, no início dos anos 1970.<br />
Embora tenha cursado apenas por um ano a Faculdade de Arquitetura, Tom<br />
participou ativamente do planejamento e reformas das duas casas que construiu: a<br />
casa no sítio chamado Poço Fundo, no município de São José do Vale do Rio Preto, e<br />
a casa na rua Sara Vilela, no Jardim Botânico. Os cadernos abrigam muitos rascunhos,<br />
desenhos e cálculos para as obras nas quais Tom participou. Embora em grande<br />
quantidade, são itens pouco precisos e sobre a maioria dos desenhos não se pode<br />
afirmar à qual casa se refere.<br />
Figura 10 – Esboço para a construção da casa em Sara Vilela. Pi 1095, p. 20<br />
Figura 11 – Esboço para a construção da casa em Sara Vilela. Pi 1247, p. 49<br />
109
A primeira casa construída foi o sítio em Poço Fundo, por volta de 1972. Na<br />
verdade, é uma reserva particular da Mata Atlântica, localizada em São José do Vale<br />
do Rio Preto, que fica entre Petrópolis e Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro.<br />
Tom pôde comprar um grande terreno, bastante irregular, quando retornou ao Brasil,<br />
em fins da década de 1960. Tinha conseguido juntar dinheiro suficiente por conta de<br />
seus trabalhos nos Estados Unidos e queria aplicá-lo. Contou com a ajuda da sua mãe,<br />
Nilza Brasileiro de Almeida, e destinou uma parte do terreno para a casa de Helena,<br />
sua irmã, e outra para Elizabeth, sua filha. Quando começaram as obras de<br />
terraplanagem do terreno e as da casa, Tom fez vários rabiscos nos cadernos e muitos<br />
pedidos ao arquiteto Wilfred Cordeiro, seu amigo de infância, pois gostava de<br />
exercitar suas idéias. Ana Jobim comenta em seu filme, A casa do Tom:<br />
O sol da manhã deveria bater nas janelas dos quartos; a parede sul devia<br />
ser cega, por causa dos ventos e das chuvas de verão; os quartos isolados do<br />
chão, para evitar umidade; telhas coloniais grandes em teto sem forro; pé-direito<br />
de sete metros de altura; degraus nas portas de entrada, para evitar cobras. Tom<br />
era obcecado pela arquitetura de morar, cuidava de cada detalhe, não dos<br />
detalhes do interior, mas da luz, da posição do sol, de dormir com a cabeça<br />
voltada para o Norte absoluto, da vista, da paisagem que gostava de contemplar.<br />
(JOBIM, 2007, folheto, p. 12).<br />
Foi nessa época, e em pleno canteiro de obras, que teve inspiração para a<br />
música “Águas de março”, durante uma caminhada/inspeção matinal. Além dessa,<br />
tantos outros sucessos de sua carreira foram inspirados pela natureza do lugar, como<br />
“Dindi” (nome derivado do “Caminho do Dirindi”, que passa pela propriedade de<br />
Tom) e “Chovendo na roseira” (devido aos roseirais à beira da janela do seu quarto).<br />
Esse era o refúgio da família Jobim e eram comuns almoços festivos,<br />
comemorações e cantoria. Tom gostava da mata ao redor, e apelidou de “vento<br />
redondo”, o que circulava pela propriedade. Passeava por lá, piando passarinhos,<br />
observando os urubus (muito importantes na sua obra), conversando com os mateiros<br />
e as pessoas simples da região. Recentemente, foi publicada no DVD A casa de Tom,<br />
uma cena gravada por Ana Jobim e Luiz Eduardo Lerina, na qual Tom conversa com<br />
Narciso Silva, caseiro de Poço Fundo. Nela, Narciso contava, eriçado, seu encontro<br />
com o lobisomem. E Tom balançava a cabeça concordando com tudo.<br />
110
O apartamento em Manhattan foi comprado por causa da vista. Ana tinha<br />
escolhido um apartamento, no sexto andar, com o dobro do tamanho e a metade do<br />
preço do que acabaram adquirindo, no 22º andar. Todos tentaram demovê-lo da idéia<br />
de comprar esse apartamento, incluindo seu contador, mas Tom disse à Ana: “Eu<br />
quero esse. Eu vou comprar esse apartamento”. Ele era completamente indevassável,<br />
com vista de boa parte da cidade: “a view with the room”. Depois, o contador, disse<br />
“Ah, ele tinha razão, vai ver eu gosto mais de dinheiro do que ele” (JOBIM, 2007).<br />
A outra casa ficava na rua Sara Vilela, no alto Jardim Botânico, no “sovaco do<br />
Cristo”, apelido que ele consolidou 10 . Esse projeto começou em 1979 e durou quatro<br />
anos: até 1982. Ana Jobim lembra que o poema “Chapadão” (transcrito integralmente<br />
no Anexo C) começou junto com a obra, mas levou oito anos para ser terminado,<br />
tendo sido publicado no livro Ensaio poético¸ dela e de Tom Jobim, em 1986.<br />
Os arquitetos foram Paulo Jobim e Maria Elisa Costa 11 , mas não sem os vários<br />
retoques de Tom – cliente exigente e “criativo”. Paulo narra à jornalista Camila Pires,<br />
como começou a obra:<br />
Eu fiz o projeto da casa junto com a Maria Elisa Costa. Eu trabalhei por<br />
muitos anos com ela e alguns projetos tinham consultoria do Lucio Costa, uma<br />
figura maravilhosa. A casa era separada do chão para não entrar umidade e para<br />
poder passar vento embaixo. Havia toda uma preocupação com o sol e as telhas<br />
eram de vidro para a luz entrar. A posição da casa acabou ficando totalmente<br />
norte, sul, leste, oeste.<br />
Meu pai gostou do negócio de pegar a bússola e calcular a posição do<br />
sol. Então, a gente descobriu como fazer a conta de que horas era realmente<br />
meio-dia (porque o meio-dia do relógio não é a hora exata em que o sol passa<br />
verticalmente em cima de nossas cabeças). Parece que é quando o sol passa<br />
meio-dia em Ubatuba. E a gente fez essa conta para saber a hora em que o sol<br />
estaria passando reto no terreno. O sujeito lá da obra colocou um fio de prumo<br />
pendurado numa madeirinha (aquele chumbinho pendurado com uma corda) e,<br />
quando chegou meio-dia e dezesseis ou dezesseis para o meio-dia, a gente riscou<br />
a sombra do sol, que fica exatamente ao norte. A gente riscou no chão e a casa<br />
toda ficou marcada. Isso era uma curtição maluca. (PIRES, 2007)<br />
10<br />
“Suvaco [sic.] do Cristo” é o nome de um dos mais famosos blocos de Carnaval da Zona Sul carioca.<br />
Um de seus fundadores, o médico João Carlos Avelleira, contou à autora que ele batizou o bloco<br />
quando leu uma entrevista em que Tom falava que morava no “sovaco do Cristo”. Também no poema<br />
“Chapadão” (Anexo C), Tom menciona o “sovaco cristão”.<br />
11<br />
Filha de Lucio Costa e Julieta Guimarães Costa. Dirigiu o IPHAN de 2004 a 2006 e, atualmente,<br />
mantém a Casa Lucio Costa, no Jardim Botânico, em parceria com sua única filha, Julieta Sobral.<br />
111
Como já mencionado, os caderninhos de anotações serviram para várias<br />
reuniões, contendo desenhos de todos os lados e cálculos de vigas, paredes e telhado.<br />
Mesmo com tantos ajustes, depois de terminada a casa, os novos moradores tiveram<br />
uma infeliz surpresa: o segundo andar ficou com o pé-direito muito curto, provocando<br />
em Tom, uma enorme angústia. Por isso, com bom-humor, ele escreveu uma carta ao<br />
seu filho-arquiteto datada de 2 de setembro de 1983, em que comenta cada defeito (Cf<br />
807). Essa longa carta virou um artigo em tom irônico e engraçado: “O baixo<br />
rebaixado”, Pi921:<br />
12<br />
Todos os aposentos são baixos. O pior é que além das lajes serem baixas,<br />
elas sofrem incríveis rebaixamentos. [...] Pular, num dia frio, embaixo do<br />
chuveiro, nem pensar! Quebraria a cabeça. [...] Felizmente já botei o banheiro<br />
abaixo. Para q. servem as lajes próximas e rebaixadas? Não sei. Acho q.<br />
morrerei sem saber. [...] Serve para q. tudo fique escuro. Quanto mais se<br />
aproxima o chão do teto, mais escuro fica o aposento, mesmo q. todas as<br />
paredes sejam de vidro! [...]<br />
Na minha casa nova toda a vez q. eu tento tirar o rebaixo para tentar me<br />
adaptar à baixa laje encontro mil coisas ocultas pelo rebaixo, os esgotos passam<br />
sempre sobre nossas cabeças. [...] O quarto tem 2,50m de pé-direito e no lugar<br />
do ex-corredor tem menos, aprox. 2,42; e isto depois q. arrancamos o rebaixo e<br />
botamos os canos por cima da laje e as vigas também passamos porque antes o<br />
ex-banheiro tinha a altura de +- 2,10m. (Me lembra o Hotel Marina, opresso,<br />
opressor, oprimente). [...] O telhado também não tem pé direito nem espaço<br />
entre o telhado e a laje q. permitisse arejamento do sótão. [...]<br />
O Sergio Dourado tem suas razões para diminuir a altura, the height of<br />
the room, sus intenciones son bien conocidas $ mas nós, tínhamos sobre nossas<br />
cabeças o céu e as estrelas! Podíamos ter feito a igreja, a gaiola do jereba, mas<br />
não, fizemos os buracos das gavetas. [...] La Cave.<br />
Perguntei ao Jopper 12 pelas máquinas, para suspender, erguer, separar as<br />
lajes, ele disse q é impossível. Sugeri quebrar, ele me diz q é melhor fazer outra<br />
casa, despesa etc... Mas entre essas lajes vou ter q. viver eu!<br />
Talvez o q. tenha levado o Paulim a tais baixezas tenham sido motivos<br />
estéticos. Mas ele se esquece q. a fachada, q. ele viu na prancheta, ninguém vê.<br />
Só de helicóptero, sobre a lagoa, de binóculos, assim mesmo só com aquela<br />
suspensão q. os americanos usam para filmar sem trepidação. [...]<br />
Dr. Jorge Jopper, engenheiro e mestre-de-obras da construção da casa na rua Sara Vilela.<br />
112
Esta casa era pra ser uma casa de verão carioca. [...] ou vendê-la para o<br />
Nelson Ned 13 . Ele poderia, montado num poney, empunhando o espadim, ou o<br />
espeto do churrasco, ou a faca da cozinha dar vivas à República. E tirar o suéter.<br />
Tentarei o q. puder para melhorar, minorar as condições. Telhas de<br />
respiração, cobrir a laje de isopor etc... mas na minha experiência o q. resolve é<br />
pé direito, muito melhor do q. ar condicionado versus laje.<br />
Tenho dito<br />
Tom Joba<br />
Rio, 28.set.83<br />
[...]<br />
P.S 14 . O parapeito é um parapinto.<br />
P.P.S. Em música, quando a gente erra, a gente apaga e escreve certo; se<br />
está gravado, a gente regrava, grava de novo mas, no caso, o meu problema é<br />
muito concreto, armado.<br />
O telhado foi corrigido, numa operação arriscada e ímpar: todo o telhado foi<br />
levantado, de uma só vez, com a ajuda de macacos hidráulicos. Essa tarefa foi tão<br />
impressionante que mereceu ficar registrada em vídeo 15 pelo primo de Ana Jobim,<br />
Luiz Eduardo Lerina.<br />
Foi nessa casa que o casal Jobim criou seus dois filhos, fez festa para seus<br />
animados aniversários em volta do piano, e onde Tom escreveu os poemas<br />
“Chapadão” (sobre a própria casa) e “Meu querido Jardim Botânico” (sobre seu<br />
querido “quintal”).<br />
Tom era um homem absolutamente normal na vida doméstica. Nos<br />
últimos anos acordava muito cedo. Comprava pão, depois sentava ao piano e<br />
Luiza ficava desenhando. Ou passeavam juntos no Jardim Botânico. Ele ia<br />
diariamente à churrascaria Plataforma [...], freqüentava a Padaria Século XX, a<br />
banca Piauí, a farmácia, o florista. Lá pelas 3 ou 4 horas da tarde voltava pra<br />
casa e à noite sentava para compor. Muitas vezes, acordava de madrugada e<br />
ficava ao piano. [...] Sempre atendia ao telefone. As pessoas do outro lado da<br />
linha não acreditavam que era o Tom Jobim que estava atendendo. (JOBIM,<br />
2007, folheto, p. 20-21)<br />
13<br />
Nelson Ned é cantor. Aqui, no contexto, Tom brinca com o fato de ele ser anão.<br />
14<br />
Esse artigo não foi publicado, mas foi distribuído aos arquitetos e amigos da família. Várias partes<br />
foram suprimidas, mas há duas outras assinaturas no documento: Tony Brazil e Antonio Brasileiro.<br />
15<br />
Esse vídeo encontra-se no acervo ACJ, D01.<br />
113
Esta foi sua última morada aqui no Brasil, de onde partiu, para ser operado nos<br />
Estados Unidos, em meados de 1994, falecendo a 8 de dezembro do mesmo ano.<br />
***<br />
O exercício extremamente benéfico de escrever para si, levou Tom à produção<br />
de seus “caderninhos de anotações”. Essa era uma maneira de se fazer a si mesmo, de<br />
se (re-)descobrir, podendo alterar, consertar e impulsionar sua carreira, sua<br />
personalidade. E esses benefícios não são exatamente privilégios de quem está<br />
“destinado” ao sucesso. Só há um requisito para alcançá-los: o exercício do<br />
pensamento. Escrever e reler, como se fôssemos um novo continente em uma nova<br />
época – é esta a magia da literatura. (LECARME, 1999, p. 12)<br />
114
CONCLUSÃO<br />
O patrimônio cultural de um país está representado nos seus costumes, leis e<br />
na sua produção artística. Essas manifestações se materializam nos arquivos,<br />
bibliotecas, museus, donde se justifica dizer que esses centros de informação são<br />
repositórios da cultura de um povo, lugares de sua memória 1 . Donde se justifica dizer<br />
que a forma final do conjunto dos acervos será determinada diretamente pelo<br />
profissional que se responsabiliza pela formação, guarda e distribuição das<br />
informações neles contidas. Além do arquivista, outros dois agentes podem alterar o<br />
volume de dados que entram ou saem do acervo: o pesquisador e o titular/acumulador.<br />
O filtro, que se torna o olhar e o foco de cada pesquisador, desvenda vertentes<br />
novas em um mesmo arquivo. E da mesma maneira que somos plurais nos gostos e<br />
nos gestos, nossa produção também terá vários caminhos possíveis. O motivo — ou<br />
sua ausência — que levou o titular de um fundo a guardar determinado documento<br />
reconstitui as inquietações por que passou. O eixo dessa hipótese gira em torno da<br />
idéia de que os arquivos são, sempre, uma construção consciente sobre a realidade<br />
vivida, seja ela institucional ou particular; e sendo particular, seja privada ou pública.<br />
Os entraves e limitações do ser humano estarão sempre presentes – o que pode se<br />
tornar um problema ou um desafio.<br />
A História até o século XIX só dava conta do espaço público e contou as<br />
histórias dos homens, e especialmente os da classe dominante — excetuando-se<br />
mulheres. Ora, se podemos perceber que essa História (e a sociedade que a cercava)<br />
era uma construção, o que nos impediria de ver a mesma construção, agora mais<br />
explícita, na sociedade atual? Os registros históricos são formados e escolhidos pelo<br />
indivíduo com poder para tal, mas que responde a diversos estímulos externos. O<br />
partido político, as regras da economia, guerras, enfim, a situação de quem é<br />
dominante interfere na escolha do que se quer perpetuar.<br />
Num mundo plural como este em que vivemos, não há espaço para conceitos<br />
herméticos, completos ou estagnados. Não se pode estabelecer um padrão, um<br />
conceito que consiga abarcar todas as intenções de cada indivíduo que pretende usá-<br />
lo. Pode-se revisitar os conceitos de outras épocas, agregar valores atuais, tentando<br />
1 Referência ao conceito de Pierre Nora, no Les lieux de mémoire.<br />
115
caminhar para algo moderno, sempre maleável, ou para usar o termo de Bauman 2 ,<br />
fluido. Essa possibilidade de misturar e adaptar os conceitos para um determinado uso<br />
momentâneo com certeza traz maiores opções e liberdade; entretanto, a insegurança<br />
também aumenta na mesma proporção, pois essa maneira atual de pensar o mundo<br />
cria frágeis conceitos. Talvez por esse motivo, percebemos a necessidade premente de<br />
afirmação da identidade, de determinar as pequenas diferenças entre os grupos<br />
tangentes, mas de estruturar a cultura do país como a mais ampla possível. Porque<br />
mesmo com toda a liberdade benfazeja, todos querem se sentir fazendo parte de algo<br />
coeso, estruturado, por mais “modular” que seja essa estrutura.<br />
Com todas as potencialidades que nos cercam, esse trabalho não é estanque,<br />
pretende-se um eterno gerúndio para ir atualizando os conceitos e definindo que os<br />
arquivos pessoais estão ganhando terreno neste momento que está acontecendo<br />
(flexões verbais intencionais). A minha experiência em mais de dez anos de trabalho<br />
em arquivos privados pessoais me faz perceber que eles são objeto de pesquisas<br />
atuais, livros os mais diversos, temas de números de revistas e congressos<br />
internacionais, disciplinas em faculdades e que por tudo isso podem se ver finalmente<br />
reconhecidos pela comunidade acadêmica.<br />
Outro fato interessante é que nunca vi tantas instituições sendo criadas para<br />
manter um acervo. Para citar poucos, o Instituto Moreira Salles nasceu em 1990, o<br />
Instituto Antonio Carlos Jobim foi criado há cinco anos, o Tempo Glauber teve sede<br />
há seis anos e vejo ainda a criação de outros centros parecidos assim como<br />
preocupação crescente de artistas em garantir, sim, seus direitos autorais, mas, mais<br />
que isso, divulgar suas obras ao maior número de pessoas possível que se<br />
interessarem.<br />
A importância de acervos pessoais demonstra uma necessidade que urge<br />
solução: fontes de pesquisa tão delicadas e raras não podem continuar à mercê do<br />
descaso público (tanto institucional quanto acadêmico). Essa “matéria-prima” precisa<br />
ser lapidada. Para isso, é necessário que as instituições agilizem o processo de<br />
identificação e organização de seus acervos, e que os pesquisadores, ávidos por fatos<br />
inéditos e abordagens novas, “garimpem” os acervos privados pessoais.<br />
A riqueza das fontes primárias pode e deve ser melhor aproveitada.<br />
2 Defendido em alguns de seus livros, mas principalmente, no Modernidade líquida.<br />
116
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de Janeiro: Jobim Music, Casa da Palavra, 2000. 5v.<br />
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Editora Nova Fronteira, 1996.<br />
KON<strong>DE</strong>R, Leandro. A história dos intelectuais nos anos 50. In: FREITAS, Marcos<br />
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LOPES, Luís Carlos. A informação e os arquivos. Teorias e práticas. Niterói (RJ):<br />
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MALHEIROS, Armando. Arquivística: teoria e prática de uma ciência da<br />
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Antônio Houaiss, Antonio Carlos Jobim. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.<br />
123
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no diário da viscondessa do Arcozelo. In: GOMES, Angela de Castro, org.<br />
Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p.197-228.<br />
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Revista, Editora Takano, n. 6, abr. 2002, p. 4-9.<br />
_____. Anos dourados: a lendária era JK. In: A Revista, Editora Takano, n. 6, abr.<br />
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Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos/cultura-popular/culturapopular.shtml<br />
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de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 25-49.<br />
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não identificado, 1956. Acervo ACJ, Pim 047.<br />
_____. Vinicius de Moraes: poesia completa e prosa. Organização de Eucanaã Ferraz.<br />
4. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 25-49.<br />
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: Neurose. Rio de Janeiro: Forense<br />
Universitária, 1997.<br />
MULLER, Samuel; FEITH, Johan Adriaan; FRUIN, Robert. Manual de arranjo e<br />
descrição de arquivos. Trad. Manuel Adolpho Wanderley. Rio de Janeiro:<br />
Arquivo Nacional, 1960. 145p.<br />
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e rádio. In: FERREIRA, Jorge e <strong>DE</strong>LGADO, Lucília e Almeida Neves (orgs). O<br />
tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado<br />
Novo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p 323-49. (Col. O Brasil<br />
republicano; v.2)<br />
PEN<strong>NA</strong>, Maria Luiza. Luiz Camillo; perfil intelectual. Belo Horizonte: Editora<br />
UFMG, 2006. 708p.<br />
124
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de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p.3-15.<br />
ROSSI, Fred. Anotações com Arte: Tom Jobim. São Paulo: Fred Rossi, 2006.<br />
SCHELLENBERG, Teodore Roosevelt. Arquivos modernos: princípios técnicos.<br />
Trad. Nilza Teixeira Soares. 2 tir. Rio de Janeiro: FGV, 1974.<br />
SEMPRINI, Andrea. Espaço público e espaço multicultural; O multiculturalismo e a<br />
crise da modernidade. In: _____. Multiculturalismo. Baruru: Edusc, 1999. p. 129-<br />
169.<br />
SEVERIANO, Jairo, MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de<br />
músicas brasileiras. São Paulo: Editora 34, 1997. 2 v.<br />
TELLES, Gilberto Mendonça. Tia Menina: o canto da costura. In: Terra branca, terra<br />
vermelha. Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, [2000].<br />
THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete<br />
Operária. São Paulo: Polis, 1982.<br />
TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: ideologia e política na conjuntura do golpe de<br />
1964. In: _____. (org.) Intelectuais e política no Brasil: a experiência do ISEB.<br />
Rio de Janeiro: Revan, 2005.<br />
VASCONCELLOS, Eliane. Carta-missiva. Arquivo & Administração, Rio de Janeiro,<br />
v. 1, n. 1, p. 7-14, 1998.<br />
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.<br />
137.<br />
125
Anexos<br />
126
Anexo A - Plano de arranjo do arquivo pessoal de Antonio Carlos Jobim<br />
DOCS TEXTUAIS DOCS AUDIOVISUAIS DOCS ICONOGRÁFICOS DOCS MUSEOLÓGICOS<br />
Correspondência Pessoal (Cp) Áudio caseiro (K7) Cartazes Bandeiras<br />
Correspondência Familiar (Cf) Álbum Desenhos Medalhas<br />
Correspondência de Terceiros (Ct) Vídeo Fotos Prêmios<br />
Documentação pessoal (Dp)<br />
Documentos diversos (Dv)<br />
Produção Intelectual do Titular (Pi)<br />
Produção Intelectual de Terceiros (Pit)<br />
Produção Não Identificada (Pini)<br />
Publicação na Imprensa (Pim)<br />
127
Anexo B – Planilha dos Documentos Textuais do Instituto Antonio Carlos Jobim<br />
Modelo de planilha dos cadernos(Pi)<br />
610 Assunto (P. jurídica):ˆa<br />
611 Assunto Evento:<br />
651 Assunto Geográfico:<br />
653 Termo candidato:<br />
700 Assunto (P. física):<br />
740 Títulos das partes:<br />
773 Documento fonte:ˆt título<br />
ˆh descrição física<br />
ˆd imprenta<br />
787 Doc. Relacionado: ˆi descrição<br />
ˆa entrada principal<br />
ˆt título<br />
ˆd emprenta ˆh descrição física<br />
040 Código da Instituição: IACJ<br />
091 Tipo de peça: Documentos textuais Gênero e tipo de doc.:<br />
092 Coleção ou fundo: Antonio Carlos Jobim Código:<br />
093 Série:<br />
100 Autor (Pessoa Física):<br />
240 Título uniforme:<br />
245 Título principal do documento:<br />
246 Título variante:<br />
260 Local: Data:<br />
300 Nº doc.: 1 doc. Técnica gráfica:<br />
Dimensão: Nº folhas:<br />
500 Observações:<br />
610 Assunto (pessoa jurídica): Â<br />
611 Assunto Evento:<br />
580 Nota de ligação:ˆa entrada principal<br />
651 Assunto Geográfico:<br />
520 Resumo:<br />
653 Termo candidato:<br />
700 Assunto (P. física):<br />
546 Idioma do texto:<br />
740 Títulos das partes:<br />
562 Ident. cópias e versões:ˆa<br />
773 Documento fonte:ˆt título<br />
590 Notas de pesquisa:<br />
ˆh descrição física<br />
ˆd imprenta<br />
787 Doc. Relacionado: ˆi descrição<br />
592 Estado de conservação:<br />
ˆa entrada principal<br />
600 Assunto (P. física):<br />
ˆa autor ˆt título da obra<br />
ˆt título<br />
ˆd emprenta<br />
ˆh descrição física<br />
128
Anexo C – Poema “Chapadão”<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO ALTO DO CHAPADÃO<br />
VOU LEVAR O MEU PIANO<br />
QUE FICOU NO CANECÃO.<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO ALTO DO CHAPADÃO<br />
VOU LEVAR A DON'ANINHA<br />
PRA ME DAR INSPIRAÇÃO.<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO ALTO <strong>DE</strong> UMA QUIMERA<br />
VOU CRIAR UM MUNDO NOVO,<br />
INVENTAR NOVA MEGERA.<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
COM LARGURA E COMPRIMENTO<br />
E PEÇO AO PAULO UMA SALA<br />
PRA BOTAR ANINHA <strong>DE</strong>NTRO<br />
VOU BOTAR MINHA BIRUTA<br />
NO TAQUARUÇU <strong>DE</strong> ESPINHO<br />
VOU FAZER CAMA MACIA<br />
PRA TE AMAR <strong>DE</strong>VAGARINHO<br />
SEREMOS DOIS BELEZUDOS<br />
NESTE MUNDO <strong>DE</strong> FEIOSOS<br />
AS NOITES SERÃO TRANQÜILAS<br />
E OS DIAS TÃO RADIOSOS<br />
QUERO MINHA CASA FEITA<br />
COM RÉGUA PRUMO E ESMERO<br />
QUERO TUDO BEM TRAÇADO<br />
QUERO TUDO COMO EU QUERO<br />
QUERO TUDO BEM MEDIDO<br />
<strong>DE</strong> LARGURA E COMPRIMENTO<br />
NÃO QUERO QUE MINHA CASA<br />
ME TRAGA ABORRECIMENTO<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
DO ALTO <strong>DE</strong> UMA CANÇÃO<br />
E AGRA<strong>DE</strong>CER A <strong>DE</strong>US PAI<br />
A SOBRANTE INSPIRAÇÃO<br />
SOB A AXILA DO CRISTO<br />
NESTE SOVACO CRISTÃO<br />
129
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO ALTO DO CHAPADÃO<br />
E VOU DAR FESTA BONITA<br />
COM BEBIDA E COM GARÇON<br />
E AO LUFA QUE FOI AMIGO<br />
DOU CHAMPAGNE COM BOMBOM<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO CENTRO DO RIBEIRÃO<br />
QUERO MUITA ÁGUA LIMPA<br />
PRA LAVAR MEU CORAÇÃO<br />
MINHA CASA NÃO TERÁ<br />
NEM SÁBADO, NEM DOMINGO<br />
TODO DIA É DIA SANTO<br />
TODO DIA É DIA LINDO<br />
TODO DIA É SEXTA-FEIRA<br />
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO<br />
VOU CONVIDAR ALBERICO<br />
PARA O PEIXE COM PIRÃO<br />
E <strong>DE</strong>NTRO DA MINHA CASA<br />
NUNCA VAI JUNTAR POEIRA<br />
PELO MEIO <strong>DE</strong>LA PASSA<br />
UMA ENORME CACHOEIRA<br />
QUERO ÁGUA COM FARTURA<br />
QUERO TODO O RIACHÃO<br />
QUERO QUE NO MEU BANHEIRO<br />
PASSE INTEIRO O RIBEIRÃO<br />
QUERO A CASA EM LUGAR ALTO<br />
VENTILADO E SOALHEIRO<br />
QUERO DA MINHA VARANDA<br />
CONTEMPLAR O MUNDO INTEIRO<br />
VOU FAZER O MEU RETIRO<br />
<strong>NA</strong> GROTA DO CHORORÃO<br />
A MINHA CASA SERÁ<br />
UMA CASA <strong>DE</strong> ORAÇÃO<br />
VOU ME ESQUECER DO PECADO<br />
ENTRAR EM MEDITAÇÃO<br />
E NÃO SAIO MAIS <strong>DE</strong> CASA<br />
SÓ SAIO <strong>DE</strong> RABECÃO<br />
VOU ENTRAR PRA ACA<strong>DE</strong>MIA<br />
VOU COMER MUITO FEIJÃO<br />
130
E ACORDAR À MEIA-NOITE<br />
PRA VESTIR O MEU FARDÃO<br />
MAS <strong>NA</strong> MINHA ACA<strong>DE</strong>MIA<br />
SEM CHAZINHO E SEM GARÇON<br />
SÓ ENTRA MARIO QUINTA<strong>NA</strong><br />
SÓ ENTRA CARLOS DRUMMOND<br />
QUE JÁ CHEGA <strong>DE</strong> BESTEIRA<br />
JÁ BASTA <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>COREBA<br />
QUE A CULTURA VERDA<strong>DE</strong>IRA<br />
TÁ <strong>NA</strong> ASA DO JEREBA<br />
PORQUE TEM URUBU-REI<br />
E TEM URUBU MINISTRO<br />
DOIS <strong>DE</strong> CABEÇA AMARELA<br />
E UM PRETO QUE REGISTRO<br />
REGISTRO NESTE <strong>DE</strong>BUXO<br />
OS DOIS CONDORES TAMBÉM<br />
EMBORA URUBUS <strong>DE</strong> LUXO<br />
TÊM DIREITOS NO ALÉM<br />
SOB A AXILA CRISTÃ<br />
NESTE SOVACO CRISTÃO<br />
VOU FAZER <strong>DE</strong> TELHA-VÃ<br />
A CASA DO CHAPADÃO<br />
VOU DORMIR MEU SONO VELHO<br />
NESTE SOVACO DO CRISTO<br />
VOU COMPRAR MUITO SOSSEGO<br />
VOU REGAR O MEU HIBISCO<br />
VOU VIVER <strong>NA</strong> MINHA CASA<br />
VOU VIVER COM A MINHA GENTE<br />
VOU VIVER VIDA COMPRIDA<br />
PRA NÃO MORRER <strong>DE</strong> REPENTE<br />
VOU CONTEMPLAR GRAN<strong>DE</strong>S PEDRAS<br />
VAZIO <strong>DE</strong> COMPREENSÃO<br />
VOU ESQUECER O MEU NOME<br />
NO ALTO DO CHAPADÃO<br />
VOU PLANTAR UM ROSEIRAL<br />
VOU CHEIRAR MANJERICÃO<br />
VOU SER <strong>DE</strong> NOVO MENINO<br />
VOU COMPRAR O MEU CAIXÃO<br />
E VOU DORMIR <strong>DE</strong>NTRO <strong>DE</strong>LE<br />
BEM RELAX, TRANQÜILÃO<br />
131
DORMIR <strong>DE</strong> BANHO TOMADO<br />
JÁ PRONTO PRA EXTREMA-UNÇÃO<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO ALTO DO CEMITÉRIO<br />
VOU VESTIR A BECA NEGRA<br />
E EXERCER O MAGISTÉRIO<br />
VOU VESTIR A ROUPA LENTA<br />
QUE LEVA AO <strong>DE</strong>SCONHECIDO<br />
E EIS QUE CHEGO AOS SESSENTA<br />
COMO UM HOMEM SEM PARTIDO<br />
NESTA PASSAGEM <strong>DE</strong> VENTO<br />
NESTA ETER<strong>NA</strong> VIRAÇÃO<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
COM AS PEDRAS DO RIBEIRÃO<br />
VOU FAZER A MINHA TOCA<br />
NO BICO D'URUBUTINGA<br />
NO PICO DA MARAMBAIA<br />
LÁ <strong>NA</strong> PONTA DA RESTINGA<br />
SERÁ NO RASTRO DAS ANTA<br />
<strong>NA</strong> TRILHA DA SAPATEIRA<br />
QUE É PRAS ONÇA DO TELHADO<br />
CAIR <strong>DE</strong>NTRO DA FOGUEIRA<br />
QUE EU GOSTO <strong>DE</strong> ONÇA ASSADA<br />
MAS <strong>NA</strong> BRASA DA LAREIRA<br />
CONVERSANDO AO PÉ DO FOGO<br />
A CONVERSA ROTINEIRA<br />
DAS QUEIXADAS, DOS MACUCOS<br />
CONVERSA PRA NOITE INTEIRA<br />
DA MEMÓRIA DAS CAÇADAS<br />
<strong>NA</strong> FLORESTA BRASILEIRA.<br />
<strong>DE</strong>STE PLA<strong>NA</strong>LTO CENTRAL<br />
ESTE PROJETO CRISTÃO<br />
A NINGUÉM FALTARÁ TETO<br />
A NINGUÉM FALTARÁ PÃO<br />
<strong>DE</strong>STA PRANCHETA I<strong>DE</strong>AL<br />
<strong>NA</strong> LUMINOSA MANHÃ<br />
DR. LUCIO FAZ O RISCO<br />
DO PROJETO TELHA-VÃ<br />
NESTA OFICI<strong>NA</strong> SERE<strong>NA</strong><br />
CARPINTARIA CRISTÃ<br />
132
DR. LUCIO MAIS OSCAR<br />
NO PROJETO TELHA-VÃ<br />
NESTE CANTEIRO <strong>DE</strong> OBRAS<br />
ON<strong>DE</strong> MANDA MESTRE ADÃO<br />
OS MILHARES <strong>DE</strong> OPERÁRIOS<br />
COLOCAR AS TELHAS VÃO<br />
NESTE <strong>DE</strong>SVÃO PRINCIPAL<br />
NESTA BRANCA E AZUL MANHÃ<br />
VOU ERGUER A MINHA CASA<br />
<strong>DE</strong> VERMELHA TELHA-VÃ<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
NO MEIO DA CONFUSÃO<br />
QUE O JEREBA SE ALEVANTA<br />
NO <strong>OLHO</strong> DO FURACÃO<br />
VOU FAZER A MINHA CASA<br />
<strong>NA</strong> ASA D'URUBU PEBA<br />
QUE CASA SÓ É SEGURA<br />
FEITA EM ASA <strong>DE</strong> JEREBA<br />
VAI SER <strong>NA</strong> VERTENTE SECA<br />
<strong>NA</strong> VIRADA DA CHAPADA<br />
ON<strong>DE</strong> O PEBA SE SUSPEN<strong>DE</strong><br />
<strong>NA</strong> FUMAÇA DA QUEIMADA<br />
NÃO QUERO MAIS TER GALINHA<br />
VENDO TODA A CAPOEIRA<br />
VOU MANDAR CORTAR O MATO<br />
E VEN<strong>DE</strong>R TODA A MA<strong>DE</strong>IRA<br />
MAS QUEM PÔS FOGO NO MATO?<br />
É ESPONTÂNEA A COMBUSTÃO?<br />
ESSE FOGO VEM <strong>DE</strong> LONGE<br />
ESSE FOGO É <strong>DE</strong> BALÃO<br />
INDA QUE MAL LHE PERGUNTE<br />
ESSE FÓSFORO AÍ GRANDÃO<br />
O COMPADRE ME <strong>DE</strong>SCULPE<br />
É SÓ <strong>DE</strong> ACEN<strong>DE</strong>R BALÃO?<br />
VOU BOTAR FOGO NO MATO<br />
COMANDAR REBELIÃO<br />
INCENDIAR A FLORESTA<br />
TACAR FOGO NO SERTÃO<br />
133
Anexo D – Artigo de Tom Jobim sobre a expansão do mercado<br />
fonográfico, Pi1093 p.52 a 55<br />
1959 - 1960<br />
O mercado de discos de 59 se mostrou bastante concorrido. Apesar da<br />
inflação, da carne e do feijão muita gente deu Cr$570,00 por um L.P. O rock e a<br />
música brasileira chamada de bossa-nova tiveram grande vendagem; o que vem<br />
provar que os teen agers têm alto poder aquisitivo. (Pedem dinheiro aos pais e<br />
compram discos modernos. Conclusão: “velho”, percentualmente, não compra disco.<br />
Resulta disto que a música chamada anticomercial está se tornando altamente<br />
comercial.<br />
Com a melhoria do padrão do disco brasileiro (música, letra, orquestração,<br />
técnica de gravação) muita gente que só comprava música americana passou a<br />
comprar também música brasileira.<br />
Em 1960 deverão as gravações melhorar mais ainda. Em 59, no terreno da<br />
música erudita, o Brasil perde Villa-Lobos. Os poucos que procuram seus discos não<br />
encontraram.<br />
134