um ensaio sobre a coragem de ser Ida Mara Freire (UFSC)
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me abaixo. Sinto o meu corpo no chão. Eu me estendo e me encolho. Eu<br />
sinto o contato da perna ... suporte. Apóio os olhos (faz o gesto das mãos<br />
fechadas e punho apoiando os olhos) Sinto o cabelo (expressa<br />
movimentando os cabelos) Sinto coceira no cabelo. Toda... Aí eu torço<br />
para <strong>um</strong> lado, pro outro, flexionando os joelhos. Sinto a boca, começo a<br />
babar. Faço careta. Gosto <strong>de</strong> fazer careta. Acompanho com o quadril.<br />
Faço <strong>um</strong> som, movimento para frente, respiro, inspiro. Me abraço, me<br />
elevo. Desabraço. Final. Vai abrindo o corpo.” Comentários: pergunto<br />
como foi <strong>de</strong>screver o movimento no tempo presente. Respon<strong>de</strong>: maior<br />
conexão entre mente e corpo. É como repetir abstratamente. Falo que<br />
notei que enquanto ela <strong>de</strong>screvia o próprio movimento ela fechava os<br />
olhos e por várias vezes repetia o movimento juntamente com a fala. Ela<br />
diz que ao fazer isso sentia mais a fluência do movimento, sentia-se<br />
guiada, sentia o movimento, a sensação.<br />
Na Quinta Jornada a ação criadora está em solicitar à dançarina que, em <strong>um</strong>a<br />
diagonal, vivencie a sua existência, do nascimento a sua morte. Nesse processo examina-se<br />
o tempo vivido como expressão e revelação criativa. Nesse momento ocorre <strong>um</strong>a profunda<br />
<strong>de</strong>sconstrução e <strong>um</strong>a busca <strong>de</strong> sentido existencial. “Z<strong>um</strong>”, após realizar sua diagonal,<br />
comenta que vivenciou sentimentos <strong>de</strong> solidão, isolamento, sentiu que vivia como se a vida<br />
fosse <strong>um</strong>a tarefa. “Z<strong>um</strong>” chora. Comento que a vida é <strong>um</strong> dom. Na fenomenologia <strong>de</strong> Paul<br />
Tillich, a “<strong>coragem</strong> como <strong>um</strong> ato h<strong>um</strong>ano, como matéria <strong>de</strong> avaliação, é <strong>um</strong> conceito ético.<br />
Coragem como auto-afirmação do <strong>ser</strong> <strong>de</strong> alguém é <strong>um</strong> conceito ontológico. A <strong>coragem</strong> do<br />
<strong>ser</strong> é o ato ético no qual o homem afirma seu próprio <strong>ser</strong> a <strong>de</strong>speito daqueles elementos <strong>de</strong><br />
sua existência que entram em conflito com sua auto-afirmação essencial.” (1976:3).<br />
Dançar a vida: a <strong>coragem</strong> <strong>de</strong> criar<br />
A <strong>coragem</strong> é necessária para que a mulher possa <strong>ser</strong> e vir a <strong>ser</strong>. Para que o eu seja é<br />
preciso afirmá-lo e comprometer-se. Essa é a diferença entre os <strong>ser</strong>es h<strong>um</strong>anos e os <strong>ser</strong>es da<br />
natureza. O psicanalista Rollo May, ao comentar a perspectiva ontológica da <strong>coragem</strong> em<br />
Paul Tillich, exemplifica que o filhote transforma-se em gato por instinto. Nessa criatura,<br />
natureza e <strong>ser</strong> são idênticos. Mas <strong>um</strong> homem ou <strong>um</strong>a mulher torna-se h<strong>um</strong>ano por vonta<strong>de</strong><br />
própria e por seu compromisso com essa escolha. Os <strong>ser</strong>es h<strong>um</strong>anos conseguem valor e<br />
dignida<strong>de</strong> pelas múltiplas <strong>de</strong>cisões que tomam diariamente. Essas <strong>de</strong>cisões exigem<br />
<strong>coragem</strong>. Contudo, <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> <strong>coragem</strong> que não se expresse em <strong>de</strong>smandos <strong>de</strong> violência e<br />
que não <strong>de</strong>penda <strong>de</strong> afirmar o po<strong>de</strong>r egocêntrico <strong>sobre</strong> as outras pessoas, “mas <strong>um</strong>a nova<br />
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