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Comida de Mãe - Fazendo Gênero - UFSC

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eram normalmente entregues, ainda bebês, às amas, que os criavam, e só eram <strong>de</strong>volvidas ao lar<br />

após os cinco anos.<br />

A partir do século final do XVIII, ser mãe foi consolidado como principal papel da mulher<br />

e/ou esposa. Esta “construção da maternida<strong>de</strong>” foi concomitante à emergência do capitalismo, que<br />

provocou gran<strong>de</strong>s mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais (Barbosa 2001). O processo<br />

<strong>de</strong> privatização da vida familiar (Áries 1978) está historicamente articulado à emergência da família<br />

nuclear burguesa, que constituirá a base social da socieda<strong>de</strong> capitalista (Engels 1981) entre o fim do<br />

século XVII e início do século XVIII. Como afirma Chodorow, “a maternação das mulheres é<br />

central para a divisão do trabalho por sexos” (1990: 28).<br />

Gid<strong>de</strong>ns (1993) situa estas transformações sociais e históricas sob um novo enfoque. Para o<br />

sociólogo americano, houve transformações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XVIII, na esfera da intimida<strong>de</strong><br />

da qual as mulheres foram pioneiras. A invenção da maternida<strong>de</strong> enquanto valor social é uma das<br />

mudanças que ocorreram no período em que amor romântico tinha gran<strong>de</strong>s influências sobre a vida<br />

das mulheres. O amor romântico era essencialmente feminilizado. A criação do lar, ou seja, a<br />

separação entre lar e lugar <strong>de</strong> trabalho, enfraqueceu domínio direto que o homem tinha sobre a<br />

família. 3 Ao mesmo tempo, o controle das mulheres sobre os filhos aumentou à medida que as<br />

famílias ficavam menores e as crianças passaram a ser i<strong>de</strong>ntificadas como vulneráveis e<br />

necessitando <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento emocional a longo prazo. Neste sentido, se por um lado as<br />

idéias do amor romântico confinaram e subordinaram as mulheres ao lar, por outro, representaram<br />

uma expressão do po<strong>de</strong>r das mulheres. A i<strong>de</strong>alização da mãe passa a ser parte da construção<br />

mo<strong>de</strong>rna da maternida<strong>de</strong>, que permitiu às mulheres o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos domínios da<br />

intimida<strong>de</strong>, enquanto os sentimentos da camaradagem masculina foram sendo relegados a<br />

ativida<strong>de</strong>s marginais, como o esporte.<br />

Das transformações que ocorreram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim do século XVIII na socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal<br />

mo<strong>de</strong>rna e dos diferentes enfoques teóricos sobre a questão, <strong>de</strong>staco que o valor da maternida<strong>de</strong><br />

continua presente <strong>de</strong> forma extremamente arraigada em alguns grupos sociais, tal como observei<br />

entre minhas interlocutoras no Morro da Caixa. Se o lar é o espaço da família, a cozinha é o espaço<br />

privilegiado da mulher, ou, especificamente, da intimida<strong>de</strong> entre mulheres (Rial 1988). É na<br />

cozinha em que po<strong>de</strong> ser verificado o protagonismo da mãe (utilizada, neste texto, como categoria<br />

nativa), especialmente no preparo da comida e na manutenção <strong>de</strong> um saber culinário, que lhe<br />

confere autorida<strong>de</strong>.<br />

No Morro da Caixa, eu era recebida por minhas interlocutoras, na maioria das vezes, na<br />

cozinha da casa. Toda casa, mesmo as muito pequenas, tem uma cozinha. A família nuclear<br />

constitui-se, portanto, em torno <strong>de</strong> um “fogo”, <strong>de</strong> uma cozinha separada (Woortmann 1982, Rial<br />

1988). Lá eu era recebida “sem cerimônia”. Foi neste espaço que constatei que eram as mulheres<br />

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