Confira o Boletim na Ãntegra - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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A Ação Pe<strong>na</strong>l 470 e os limites da responsabilida<strong>de</strong><br />
pe<strong>na</strong>l dos agentes fi<strong>na</strong>nceiros<br />
André Luís Callegari<br />
A problemática da imputação nos <strong>de</strong>litos empresariais nunca<br />
foi bem compreendida pela doutri<strong>na</strong> brasileira e causou algumas<br />
indagações no julgamento da Ação Pe<strong>na</strong>l 470, julgada pelo Supremo<br />
Tribu<strong>na</strong>l Fe<strong>de</strong>ral. O fato gera ainda muitas dúvidas acerca da autoria e<br />
participação nesses <strong>de</strong>litos e quando se <strong>de</strong>ve imputar a responsabilida<strong>de</strong><br />
ao agente fi<strong>na</strong>nceiro que tem conhecimento, mas <strong>na</strong>da faz para impedir<br />
o resultado.<br />
A questão principal não é a <strong>de</strong> imputar o <strong>de</strong>lito àquele que o<br />
executa diretamente, mas ao sujeito que colabora <strong>de</strong> alguma forma<br />
para a sua realização. O fato ficou latente <strong>na</strong>s imputações <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das<br />
aos agentes fi<strong>na</strong>nceiros que respon<strong>de</strong>ram as acusações formuladas <strong>na</strong><br />
Ação Pe<strong>na</strong>l 470, principalmente nos casos em que não havia uma<br />
execução direta, isto é, o agente fi<strong>na</strong>nceiro não realizava a ação <strong>de</strong>scrita<br />
no tipo pe<strong>na</strong>l.<br />
Os principais questio<strong>na</strong>mentos surgiram quando alguns ministros<br />
proferiram seus votos con<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo os réus que atuaram no sistema<br />
fi<strong>na</strong>nceiro sem que se tivesse uma prova firme <strong>de</strong> que estes teriam<br />
executado a conduta <strong>de</strong>scrita no tipo pe<strong>na</strong>l que lhes fora imputado,<br />
embora em alguns casos tivessem o conhecimento do <strong>de</strong>lito cometido<br />
ou que pu<strong>de</strong>sse ser cometido. Noutros casos, discutiu-se a possibilida<strong>de</strong><br />
do eventual conhecimento (dolo eventual) e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> do agente que assim atuou.<br />
De forma breve, porque não suscita maiores discussões, a<br />
teoria do domínio do fato, muito citada <strong>na</strong> Ação Pe<strong>na</strong>l 470, não<br />
elimi<strong>na</strong> a participação e transforma a todos em coautores do <strong>de</strong>lito.<br />
Ape<strong>na</strong>s possibilita abarcar <strong>de</strong> forma mais ampla condutas que não<br />
realizam diretamente o tipo pe<strong>na</strong>l, mas que também são vistas como<br />
sustentadoras para o êxito da empreitada <strong>de</strong>litiva. Assim, é acertado<br />
dizer que em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos casos os agentes fi<strong>na</strong>nceiros po<strong>de</strong>m<br />
participar do <strong>de</strong>lito sem que tenham realizado o verbo nuclear <strong>de</strong>scrito<br />
no tipo, mas também é necessário que se prove que este sujeito <strong>de</strong><br />
alguma forma <strong>de</strong>tinha o domínio fi<strong>na</strong>l do fato, isto é, também tinha o<br />
controle da execução sob suas mãos (domínio funcio<strong>na</strong>l do fato) e que<br />
sem ele o fato como um todo não se realizaria. (1) Isso implica também<br />
conhecimento e a<strong>de</strong>são à conduta dos <strong>de</strong>mais participantes. Essa é a<br />
fórmula tradicio<strong>na</strong>l que muito foi citada, mas preferimos a doutri<strong>na</strong><br />
dos atos neutros para <strong>de</strong>limitar a responsabilida<strong>de</strong> pe<strong>na</strong>l dos agentes<br />
fi<strong>na</strong>nceiros.<br />
Os casos que oferecem mais dúvidas nos <strong>de</strong>litos fi<strong>na</strong>nceiros são<br />
as condutas <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos sujeitos que ficam numa zo<strong>na</strong> cinzenta<br />
entre a participação crimi<strong>na</strong>l ou a mera ativida<strong>de</strong> quotidia<strong>na</strong>, isto é,<br />
a ativida<strong>de</strong> neutra que é <strong>de</strong>senvolvida diariamente pelo agente, ainda<br />
(...) a teoria do domínio do fato, muito citada<br />
<strong>na</strong> Ação Pe<strong>na</strong>l 470, não elimi<strong>na</strong> a participação<br />
e transforma a todos em coautores do<br />
<strong>de</strong>lito. Ape<strong>na</strong>s possibilita abarcar <strong>de</strong> forma<br />
mais ampla condutas que não realizam<br />
diretamente o tipo pe<strong>na</strong>l<br />
que ele possa suspeitar que o fim <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> possa ser aproveitado<br />
ilicitamente por outro sujeito.<br />
Em princípio fica limitada a participação crimi<strong>na</strong>l do agente<br />
fi<strong>na</strong>nceiro que “colabora” com a ativida<strong>de</strong> crimi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> outros sujeitos<br />
se a sua conduta se mantém <strong>de</strong>ntro do risco permitido <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>,<br />
isto é, se as normas e os procedimentos padrão são por ele utilizados,<br />
ainda que possa saber que os sujeitos que intervirão posteriormente<br />
irão cometer um <strong>de</strong>lito.<br />
Como o trabalho não nos permite um maior aprofundamento sobre<br />
todas as teorias que limitam a participação crimi<strong>na</strong>l, enten<strong>de</strong>mos<br />
que o tratamento correto para a responsabilida<strong>de</strong> pe<strong>na</strong>l dos agentes<br />
fi<strong>na</strong>nceiros é a utilização da teoria da imputação objetiva com os<br />
seguintes requisitos: (a) se o agente criou um risco juridicamente<br />
<strong>de</strong>saprovado; (b) se o risco juridicamente <strong>de</strong>saprovado se verificou no<br />
resultado.<br />
Como já foi dito anteriormente, o <strong>de</strong>bate sobre o conhecimento do<br />
agente para a imputação da responsabilida<strong>de</strong> crimi<strong>na</strong>l foi discutida em<br />
várias oportunida<strong>de</strong>s no julgamento da Ação Pe<strong>na</strong>l 470.<br />
Des<strong>de</strong> o nosso ponto <strong>de</strong> vista, os conhecimentos do agente<br />
fi<strong>na</strong>nceiro – imputação subjetiva – que possam ser atribuídos (dolo<br />
ou dolo eventual) serão irrelevantes sempre que anteriormente não<br />
se tenham estabelecido à imputação objetiva do resultado proibido.<br />
Isso significa que o questio<strong>na</strong>mento do elemento subjetivo não <strong>de</strong>ve<br />
ser o primeiro, ou seja, ainda não cabe a pergunta se o agente atuou<br />
com dolo direto ou eventual. Anterior a esta questão é necessário que<br />
se questione se o seu comportamento preencheu o tipo objetivo, por<br />
exemplo, criando um risco juridicamente proibido. (2)<br />
Assim, nos casos em que o agente fi<strong>na</strong>nceiro se mantém <strong>de</strong>ntro do<br />
risco permitido, isto é, aten<strong>de</strong> as normativas que lhe são impostas, não<br />
haverá responsabilida<strong>de</strong> pe<strong>na</strong>l. Dentro <strong>de</strong> cada marco profissio<strong>na</strong>l a<br />
legislação <strong>de</strong>verá estabelecer <strong>de</strong> forma taxativa os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> atuação<br />
e não cabe a ampliação da posição <strong>de</strong> garante para fundamentar a<br />
responsabilida<strong>de</strong> pe<strong>na</strong>l. A posição <strong>de</strong> garante <strong>de</strong>ve ficar restrita aos<br />
âmbitos previamente estabelecidos ou quando o agente tem <strong>de</strong>veres<br />
institucio<strong>na</strong>is em relação ao bem jurídico tutelado, mas isso não significa<br />
que ela é ilimitada.<br />
Determi<strong>na</strong>dos comportamentos do agente fi<strong>na</strong>nceiro po<strong>de</strong>m<br />
“favorecer” <strong>de</strong> algum modo à comissão <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito, mas o importante<br />
é verificar se este comportamento criou um risco juridicamente não<br />
permitido, ou, <strong>de</strong> outro lado, manteve-se <strong>de</strong>ntro da conduta neutra<br />
do marco <strong>de</strong> atuação profissio<strong>na</strong>l realizada pelo agente. Assim, um<br />
comportamento profissio<strong>na</strong>l po<strong>de</strong> se constituir em <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do<br />
“ato neutro” e não será punível como participação crimi<strong>na</strong>l mesmo que<br />
seja uma contribuição fática (não normativa) à realização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito<br />
fi<strong>na</strong>nceiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se comprove que dito comportamento do agente<br />
ficou coberto pelo rol (comportamento) social e profissio<strong>na</strong>l lícito em<br />
que atua (casos <strong>de</strong> gerentes <strong>de</strong> banco, contadores, administradores <strong>de</strong><br />
contas etc.).<br />
A questão mais controvertida <strong>na</strong> doutri<strong>na</strong> e que suscitou um forte<br />
<strong>de</strong>bate durante o julgamento da Ação Pe<strong>na</strong>l 470, como já mencio<strong>na</strong>mos,<br />
foi a do conhecimento, ou seja, basta o conhecimento do agente fi<strong>na</strong>nceiro<br />
(dolo direto) ou o eventual conhecimento assumindo o risco (dolo eventual)<br />
para a participação no <strong>de</strong>lito. Novamente este tema (dolo) tão rico para o<br />
<strong>de</strong>bate não nos permite agora o <strong>de</strong>vido enfrentamento, mas o registro já foi<br />
11<br />
ANO 21 - Nº 242 - JANEIRO/2013 - ISSN 1676-3661