Confira o Boletim na Ãntegra - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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Publicação do<br />
<strong>Instituto</strong> <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Ciências Crimi<strong>na</strong>is<br />
14<br />
formal em atos. Seria supostamente presumível, consi<strong>de</strong>rando esses dois<br />
elementos, a configuração <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da conjuntura indicativa da ple<strong>na</strong><br />
cognição do agente do <strong>de</strong>svalor pe<strong>na</strong>l do resultado que causa com a sua<br />
conduta. Isto é, o dolo seria <strong>de</strong>preendido a partir da soma <strong>de</strong> ambos os<br />
elementos objetivos, como <strong>de</strong>corrente do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> controle e fiscalização<br />
que está incumbido em razão da sua posição hierárquica.<br />
Acontece que uma qualquer instituição fi<strong>na</strong>nceira <strong>de</strong> porte<br />
médio apresenta a divisão do trabalho, segundo a qual cada diretoria<br />
responsabiliza-se por uma ativida<strong>de</strong>, por isso não pressupõe que todos os<br />
diretores tenham perfeita ciência das específicas regras procedimentais e<br />
acompanhem o andamento das outras ativida<strong>de</strong>s. E mais. Sem qualquer<br />
dúvida, o or<strong>de</strong><strong>na</strong>mento brasileiro quer constitucio<strong>na</strong>l – com fundamento<br />
<strong>na</strong> dignida<strong>de</strong> da pessoa huma<strong>na</strong> (art. 1.º, III, da CF) –, quer pe<strong>na</strong>l<br />
– <strong>na</strong> previsão dos elementos subjetivos do tipo (art. 18 do CP) – acolhe a<br />
máxima segundo a qual nullun crimen sine culpa. Nesse sentido, a Corte<br />
perseverou <strong>na</strong> sua correta jurisprudência que veda a responsabilida<strong>de</strong><br />
objetiva em termos empresariais, estritamente baseada <strong>na</strong> figuração do<br />
imputado em contatos empresariais ou em assi<strong>na</strong>turas documentais. É<br />
imperioso apurar se o agente tinha, <strong>de</strong> fato, conhecimento do <strong>de</strong>svalor<br />
pe<strong>na</strong>l da sua conduta, bem como se pretendia o resultado criminoso.<br />
Agora, reconhecer os elementos essenciais para a configuração do<br />
dolo do agente não chega ao ponto <strong>de</strong> confundir – o que por vezes é<br />
<strong>de</strong>fendido – com uma especial intenção <strong>de</strong> agir autônomo ao elemento<br />
geral do tipo que consistiria no fim último da frau<strong>de</strong>. Certo é que, em<br />
termos criminológicos, não se duvida ser a frau<strong>de</strong> tão somente um meio<br />
para atingir um objetivo. Todavia, embora a<strong>de</strong>quado para enfatizar<br />
a diferenciação entre o simples ato <strong>de</strong> má-gestão e aquela gestão<br />
fraudulenta com objetivo <strong>de</strong> ganho patrimonial, o art. 4.º, caput não<br />
prevê elemento subjetivo especial indicativo do fim da frau<strong>de</strong>. (15)<br />
Por fim, uma palavra conclusiva. Bem se sabe que, em razão da<br />
repercussão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ste julgamento, não faltaram comentários e críticas,<br />
aliás, uma parte significativa eminentemente conduzida pela atenção e<br />
interesse próprio da urgência jor<strong>na</strong>lística. (16) Preten<strong>de</strong>u-se, aqui, a partir<br />
<strong>de</strong> outro olhar, oferecer contribuições reflexivas – ainda que brevíssimas –<br />
assumidamente comprometidas com o estudo do Direito a uma parcela das<br />
complexas questões jurídicas encontradas nesse processo.<br />
Notas:<br />
(1) Sobre o papel regulamentador para a eficiência dos mercados, ALEXANDRE;<br />
MARTINS; ANDRADE; CASTRO; BAÇÃO, Crise fi <strong>na</strong>nceira inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />
Coimbra: Imprensa da universida<strong>de</strong>, 2009, p. 104 e 110. Especificamente<br />
quanto à intervenção pe<strong>na</strong>l do Estado, ver RUIVO, Crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> fi <strong>na</strong>nceira,<br />
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 15 e ss., espec., p. 21.<br />
(2) Sobre isso, CHESNAIS, A mundialização do capital, Paulo: Xamã Editora,<br />
1996, p. 29; DUPONT, Diction<strong>na</strong>ire <strong>de</strong>s risqué, Paris: Armand Colin, 2003, p.<br />
325; ALTVATER, Uma nova arquitetura fi<strong>na</strong>nceira, Globalização e justiça II,<br />
p. 89 e 101 e, no Direito Pe<strong>na</strong>l, MARINUCCI; DOLCINI, Corso di diritto pe<strong>na</strong>le,<br />
Milano: Giuffrè,2001, v. 1, p. 550; RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 16-18.<br />
(3) Eventualmente, FOFFANI, Le fattispecie di infe<strong>de</strong>ltà patrimoniale<br />
nell’intermediazione <strong>de</strong>l credito e nella gestione <strong>de</strong>l risparmio, Diritto<br />
pe<strong>na</strong>le <strong>de</strong>lla banca, Torino: UTET, 2002, p. 336.<br />
(4) Ape<strong>na</strong>s a título <strong>de</strong> exemplo, po<strong>de</strong> ser referido <strong>na</strong> Alemanha, recentemente,<br />
SCHÜNEMANN, Leipziger Kommentar, Berlin: De Gruyter,2012, v. 7, p.<br />
852, n. 240 e, <strong>na</strong> Itália, FOFFANI, Commentario breve alle leggi pe<strong>na</strong>li<br />
complementari, Padova: CEDAM, 2007, p. 685-690.<br />
(5) Sobre as diretrizes constitucio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> proteção do Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro<br />
Nacio<strong>na</strong>l, ver RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 26-36.<br />
(6) Veja-se, por exemplo, o “Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro Nacio<strong>na</strong>l” <strong>na</strong> sua totalida<strong>de</strong> não<br />
é propriamente um bem jurídico, mas um conjunto <strong>de</strong> instituições, normas,<br />
práticas e bens relacio<strong>na</strong>dos a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos interesses econômicos. Para<br />
uma <strong>de</strong>talhada crítica das concepções doutri<strong>na</strong>is excessivamente amplas e<br />
in<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das, assim como das hipóteses <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> do bem jurídico,<br />
ver RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 90-110.<br />
(7) RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 106-107.<br />
(8) Ou <strong>na</strong> expressão, em sentido próximo, que também aparece <strong>na</strong> doutri<strong>na</strong><br />
– aí sim <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro objeto <strong>de</strong> tutela – como proteção da<br />
“credibilida<strong>de</strong> do sistema” no sentido <strong>de</strong> impedir “prejuízo patrimonial para<br />
os aplicadores” (MAIA, Crimes contra o Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro, São Paulo:<br />
Malheiros, 1996, p. 54).<br />
(9) RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 107-108.<br />
(10) Nesse sentido, <strong>na</strong> jurisprudência da Corte, ver voto do Min. Cezar Peluso<br />
no prece<strong>de</strong>nte STF, ROHC 81.057-8, Min. Sepúlveda Pertence, e, no<br />
Direito brasileiro, ampla exposição doutrinária encontra-se em D’AVILA,<br />
Ofensivida<strong>de</strong> e crimes omissivos próprios, Coimbra: Coimbra Editora,<br />
2005, p. 63-87.<br />
(11) RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 106-107.<br />
(12) I<strong>de</strong>m, p. 170.<br />
(13) I<strong>de</strong>m, p.149.<br />
(14) I<strong>de</strong>m, p. 149-150. Assim, anteriormente, STF, HC 89.364, Min. Joaquim<br />
Barbosa e STJ, HC 39.908, Min. Ar<strong>na</strong>ldo Esteves, e, mais recente, HC<br />
110.767, Min. Napoleão Maia Filho, também, <strong>na</strong> doutri<strong>na</strong>, MAIA, op. cit.,<br />
[nota 8], p. 58 e BITENCOURT; BREDA, Crimes contra o sistema fi <strong>na</strong>nceiro<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 40-42.<br />
(15) RUIVO, op. cit., [nota 1], p. 171-176.<br />
(16) Recentemente acerca do empobrecimento do “sentido maior que a noção<br />
<strong>de</strong> crítica preten<strong>de</strong> assumir” quando restrita ao “terreno jor<strong>na</strong>lístico”, ver<br />
FARIA COSTA, Crítica a tipificação do crime <strong>de</strong> enriquecimento ilícito, RLJ,<br />
2012, n. 3973, p. 249.<br />
Marcelo Almeida Ruivo<br />
Doutorando em Ciências Jurídico-Crimi<strong>na</strong>is <strong>na</strong> Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra com fi<strong>na</strong>nciamento da<br />
FCT-Portugal.<br />
Pesquisador junto ao Max-Planck-Institut (2011-2012).<br />
O crime <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong> divisas e a relevância<br />
pe<strong>na</strong>l da manutenção <strong>de</strong> valores no exterior<br />
Mari<strong>na</strong> Pinhão Coelho Araújo<br />
A <strong>de</strong>núncia da Ação Pe<strong>na</strong>l 470, em trâmite perante o Supremo<br />
Tribu<strong>na</strong>l Fe<strong>de</strong>ral do país, utiliza-se do art. 22 da Lei 7.492/1986 e seu<br />
parágrafo único para imputar a conduta <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong> divisas a diversos<br />
réus, sob as mais diferentes condições. As imputações, no entanto,<br />
evi<strong>de</strong>nciam os problemas inerentes ao tipo pe<strong>na</strong>l aplicado e a dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se comprovar a conduta da evasão <strong>de</strong> divisas por meios <strong>de</strong> provas<br />
diretas, ou, no mínimo, provas coerentes.<br />
É indiscutível que a Lei 7.492/1986 <strong>na</strong>sceu em meio à gran<strong>de</strong><br />
controvérsia sobre sua efetivida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> das proposições pe<strong>na</strong>is.<br />
Necessitava o país, <strong>na</strong>quela década, <strong>de</strong> regulação ao mercado fi<strong>na</strong>nceiro,<br />
e estas normas pe<strong>na</strong>is foram sancio<strong>na</strong>das pelo então Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República, com a ressalva <strong>de</strong> que em breve enviaria ao Congresso<br />
Nacio<strong>na</strong>l um novo projeto aperfeiçoado sobre o tema. (1) Em sua certidão<br />
<strong>de</strong> <strong>na</strong>scimento foi, portanto, atestado o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> fabricação e a carência<br />
ANO 21 - Nº 242 - JANEIRO/2013 - ISSN 1676-3661