Confira o Boletim na Ãntegra - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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<strong>de</strong> novos dispositivos que lhe substituíssem.<br />
Pois bem, a lei sobre os crimes fi<strong>na</strong>nceiros se perpetuou no<br />
tempo, com todas as suas imprecisões, e assim foi utilizada durante a<br />
Ação Pe<strong>na</strong>l 470 no Supremo Tribu<strong>na</strong>l Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar<br />
cidadãos brasileiros por condutas supostamente atentatórias ao Sistema<br />
Fi<strong>na</strong>nceiro. Não obstante as diversas críticas aos tipos pe<strong>na</strong>is da lei, o<br />
art. 22 e seu parágrafo único merecem <strong>de</strong>staque ao fi<strong>na</strong>l do julgamento<br />
do Mensalão.<br />
Em seu voto divergente, proferido pela con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção dos publicitários<br />
Duda Mendonça e Zilmar Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s, o Ministro Marco Aurélio <strong>de</strong>clarou<br />
que a regulamentação do Banco Central não po<strong>de</strong>ria “criar” tipo pe<strong>na</strong>l e<br />
não teria o condão <strong>de</strong> con<strong>de</strong><strong>na</strong>r ou absolver alguém.<br />
“O ministro disse enten<strong>de</strong>r que uma circular do Banco Central não<br />
po<strong>de</strong> sobrepor-se a uma lei aprovada pelo Congresso Nacio<strong>na</strong>l para<br />
incluir ou excluir tipo pe<strong>na</strong>l <strong>de</strong>finido pela norma. No caso, trata-se da<br />
parte fi <strong>na</strong>l do parágrafo único do artigo 22 da Lei 7.492/86, que tipifica<br />
como crime a prática <strong>de</strong> manter conta no exterior sem a comunicar à<br />
autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral competente, no caso o Banco Central. Portanto,<br />
segundo ele, uma vez <strong>de</strong>finido em lei e comprovada a prática – como<br />
ocorreu em relação a <strong>de</strong>pósitos no valor total <strong>de</strong> R$ 10,4 milhões <strong>na</strong> conta<br />
Dusseldorf, aberta no início <strong>de</strong> 2003 para receber parte dos pagamentos<br />
<strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> prestados pela empresa <strong>de</strong> Duda e Zilmar<br />
ao PT –, uma circular do Banco Central não tem o condão <strong>de</strong> atuar no<br />
sentido da absolvição ou con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção, mediante o estabelecimento <strong>de</strong><br />
datas em que <strong>de</strong>va ser aferida a prática do crime, nem tampouco dos<br />
locais ou valores envolvidos, conforme a<strong>na</strong>lisou o ministro.” (2)<br />
Em razão <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão, dois outros Ministros alteraram seus votos<br />
e também con<strong>de</strong><strong>na</strong>ram Duda e Zilmar às pe<strong>na</strong>s do crime <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong><br />
divisas. Ao fi<strong>na</strong>l, pela contagem <strong>de</strong> votos, prevaleceu a absolvição, por<br />
ausência <strong>de</strong> conduta típica.<br />
Mesmo não prevalecendo perante a Suprema Corte do Brasil, o<br />
voto do Ministro Marco Aurélio merece análise mais acurada, o que<br />
se preten<strong>de</strong> aqui <strong>de</strong>senvolver, levando-se em consi<strong>de</strong>ração dois pontos<br />
cruciais da doutri<strong>na</strong> dos crimes econômico-fi<strong>na</strong>nceiros: (i) a existência<br />
<strong>de</strong> tipos pe<strong>na</strong>is caracterizados, em sua maioria, como normas abertas;<br />
(ii) a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer um marco para a consumação da<br />
conduta <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong> divisas, sob pe<strong>na</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição da proibição afetada.<br />
O crime <strong>de</strong> evasão <strong>de</strong> divisas em sua modalida<strong>de</strong> “manutenção<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos não <strong>de</strong>clarados no exterior” é uma norma pe<strong>na</strong>l que<br />
estabelece a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se informar à autorida<strong>de</strong> competente os<br />
bens <strong>de</strong>positados em contas bancárias no exterior. No entanto, o tipo<br />
pe<strong>na</strong>l não contém o conteúdo completo da proibição, uma vez que cabe<br />
à autorida<strong>de</strong> competente <strong>de</strong>finir sob quais condições, em que situação, e<br />
quando <strong>de</strong>verá ser informado ao órgão os valores <strong>de</strong>positados. Cabe a ela<br />
fixar os <strong>de</strong>talhes da comunicação a ser exarada ao governo.<br />
No Brasil, ainda com alguma controvérsia, fixou-se a competência<br />
da autorida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira, qual seja, o Banco Central do Brasil, para<br />
receber estas comunicações. Assim, o Banco Central, por circular, fixou<br />
padrão e <strong>de</strong>finições para as informações <strong>de</strong> pessoas portadoras <strong>de</strong> valores<br />
<strong>de</strong>positados no exterior. Não é coerente ao Estado, que se fixem estas<br />
condições e <strong>de</strong>pois se <strong>de</strong>fi<strong>na</strong> que mesmo cumprindo estas condições o<br />
sujeito po<strong>de</strong>ria incorrer em crime contra o Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro.<br />
Ora, do Estado não po<strong>de</strong> ema<strong>na</strong>r duas or<strong>de</strong>ns contraditórias. Uma vez<br />
<strong>de</strong>finidas as hipóteses <strong>de</strong> informação ao Banco Central – presumindo-se<br />
que sejam feitas a proteger o Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro – não se po<strong>de</strong> dizer que<br />
o cidadão cumpridor <strong>de</strong>ssas ressalvas seja punido por ferir justamente o<br />
mesmo sistema. A punição pe<strong>na</strong>l seria ilegítima por não ferir qualquer<br />
bem jurídico essencial à convivência pacífica da socieda<strong>de</strong>, e, portanto,<br />
inconstitucio<strong>na</strong>l.<br />
Data máxima vênia, con<strong>de</strong><strong>na</strong>r ou absolver não é função do Banco<br />
Central, mas <strong>de</strong>finir sob que condições as informações fi<strong>na</strong>nceiras lhe<br />
<strong>de</strong>vem ser entregues é, sim, função da autorida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira, e não do<br />
juízo crimi<strong>na</strong>l. É evi<strong>de</strong>nte a retórica do argumento utilizado no voto<br />
citado quando se faz o caminho lógico contrário: se à autorida<strong>de</strong> é<br />
necessário informar, para não cometer crimes, <strong>de</strong>ve esta autorida<strong>de</strong> dizer<br />
<strong>de</strong> que forma a comunicação será feita, e sob que condições.<br />
E aqui não cabe digressão mais profunda sobre a estrutura típica,<br />
mas é essencial que se repugne o argumento <strong>de</strong> que se assim o for, a<br />
autorida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira é que estará con<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo o agente quando bem<br />
enten<strong>de</strong>r. Não, <strong>de</strong>finitivamente! Os órgãos responsáveis pela regulação<br />
do Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro no Brasil tem por função institucio<strong>na</strong>l o controle<br />
dos valores existentes em nome <strong>de</strong> brasileiros no exterior. E por esta<br />
razão, para garantir as divisas brasileiras, <strong>de</strong>vem zelar por estes valores.<br />
Já no que tange à configuração <strong>de</strong> uma conduta pe<strong>na</strong>l apta a ensejar<br />
a con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> alguém, estas regulamentações construídas a fim <strong>de</strong><br />
proteger as divisas brasileiras ape<strong>na</strong>s serão utilizadas como marco<br />
a <strong>de</strong>finir a relevância pe<strong>na</strong>l das condutas imputadas. Ape<strong>na</strong>s será<br />
atentatório ao Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro, e, portanto, dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> análise do<br />
direito pe<strong>na</strong>l, as condutas que estiverem em <strong>de</strong>sacordo com a regulação<br />
fi<strong>na</strong>nceira brasileira. Isso significa dizer que as informações feitas<br />
conforme <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do pelo Banco Central não po<strong>de</strong>m ser elevadas à<br />
categoria <strong>de</strong> condutas típicas.<br />
Assim, esta forma <strong>de</strong> construção legislativa – aliás muito corriqueira<br />
em crimes econômico-fi<strong>na</strong>nceiros e muito criticada pela Lei 7.492/1986 –<br />
<strong>de</strong>manda ao aplicador do Direito a análise sistemática da proibição, com<br />
todos os elementos presentes e também regulações do Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que não é ape<strong>na</strong>s a lei pe<strong>na</strong>l que estabelece a conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma conduta em relação ao sistema jurídico do país, mas toda a legislação<br />
<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada quando se trata <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação típica.<br />
Para os <strong>de</strong>fensores da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre tipicida<strong>de</strong> e antijuridicida<strong>de</strong>,<br />
estaríamos diante <strong>de</strong> um exemplo claro <strong>de</strong> que não basta a conduta<br />
preencher os requisitos típicos, é preciso que seja antior<strong>de</strong><strong>na</strong>mento<br />
jurídico para se caracterizar como relevante pe<strong>na</strong>l. (3)<br />
A partir <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, cabe ainda crítica dogmática à<br />
avaliação do ilustre Ministro Marco Aurélio no que tange ao momento <strong>de</strong><br />
consumação do crime. Bem, o marco pe<strong>na</strong>l da conduta seria o momento<br />
em que ela passa a ferir o Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro a ponto <strong>de</strong> se caracterizar a<br />
infração grave e intolerável à convivência pacífica da socieda<strong>de</strong>. O crime<br />
só estaria consumado a partir <strong>de</strong>ste momento.<br />
Nesse sentido, é muito fácil perceber que o mero <strong>de</strong>pósito no exterior<br />
não se caracterizaria como atentatório ao Sistema Fi<strong>na</strong>nceiro brasileiro.<br />
É preciso que este valor não integre o montante brasileiro existente no<br />
exterior, flexibilizando o montante das reservas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, o que só<br />
aconteceria a partir do não preenchimento dos formulários-mo<strong>de</strong>lo, <strong>na</strong><br />
data aprazada pelo Banco Central.<br />
A evasão <strong>de</strong> divisas, conduta prevista no art. 22, parágrafo único,<br />
última frase, da Lei 7.492/1986 não se consuma ape<strong>na</strong>s com o <strong>de</strong>pósito<br />
no exterior, é preciso que não haja a informação à autorida<strong>de</strong> competente<br />
nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lineados pela própria agência estatal, para só então ser<br />
dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> atenção das autorida<strong>de</strong>s crimi<strong>na</strong>is.<br />
Notas:<br />
(1) ARAÚJO JR., João Marcello. Os crimes contra o sistema fi<strong>na</strong>nceiro no esboço<br />
<strong>de</strong> nova parte especial do Código Pe<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 1994. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />
Ciências Crimi<strong>na</strong>is. RBCCRIM 11/145, jul-set. 1995.<br />
(2) Disponível em: . Acesso em: 18 nov.2012.<br />
(3) Nesse sentido, REALE JR. Miguel. Instituições <strong>de</strong> direito pe<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Forense. 2002. v. 1, p. 137 e ss.<br />
Mari<strong>na</strong> Pinhão Coelho Araújo<br />
Doutora em Direito Pe<strong>na</strong>l pela USP.<br />
Membro do <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> Defesa do Direito <strong>de</strong> Defesa – IDDD.<br />
Advogada.<br />
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ANO 21 - Nº 242 - JANEIRO/2013 - ISSN 1676-3661