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Confira o Boletim na Íntegra - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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<strong>de</strong> um juiz escolhido especificamente para aquele processo e, portanto,<br />

um juiz que não seja, seguramente, parcial. (3) Em última análise, a<br />

garantia do juiz <strong>na</strong>tural assegura a objetivida<strong>de</strong> ou a não manipulação <strong>na</strong><br />

individualização do juiz.<br />

O direito à certeza, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e não manipulação do juiz<br />

concretamente competente não é incompatível com os fatores legais <strong>de</strong><br />

modificação da competência. A conexão e a continência – e neste ponto<br />

se coloca a questão do concurso <strong>de</strong> agentes, quando um <strong>de</strong>les goza <strong>de</strong><br />

foro por prerrogativa <strong>de</strong> função – são compatíveis com a garantia do<br />

juiz <strong>na</strong>tural, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que suas discipli<strong>na</strong>s legais se fun<strong>de</strong>m em critérios<br />

objetivos e claros que <strong>de</strong>fi<strong>na</strong>m, sem qualquer margem para escolhas<br />

discricionárias: (1) as hipóteses <strong>de</strong> conexão e continência; (2) o efeito<br />

<strong>de</strong> reunião dos processos ou <strong>de</strong> suas separações; (3) o órgão competente<br />

para o conhecimento dos processos conexos. (4)<br />

Mesmo quando opera um fator <strong>de</strong> modificação da competência, é<br />

necessário que a lei pre<strong>de</strong>termine o juiz constitucio<strong>na</strong>lmente competente.<br />

Haverá ape<strong>na</strong>s um processo mais complexo <strong>de</strong> concretização da<br />

competência: o juiz competente para julgar o feito <strong>de</strong>correrá da aplicação<br />

das regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> competência, mais as regras <strong>de</strong> modificação<br />

<strong>de</strong> competência somadas, por fim, às regras legais que <strong>de</strong>finem os critérios<br />

<strong>de</strong> atração. Ainda assim, <strong>de</strong>verá haver ape<strong>na</strong>s um único juiz competente<br />

pre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do por lei. A competência não po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong> um juiz (o<br />

<strong>de</strong>corrente dos critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção) ou <strong>de</strong> outro (o <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>stas<br />

regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção, mais as regras <strong>de</strong> modificação).<br />

Todavia, nos casos <strong>de</strong> conexão e continência envolvendo<br />

acusados com foro por prerrogativa <strong>de</strong> função, o STF tem escolhido,<br />

discricio<strong>na</strong>riamente, se julga ou não todos os acusados, ou se <strong>de</strong>smembra<br />

o processo, julgando só aqueles que exercem funções egrégias.<br />

A raiz do problema está numa amplíssima aplicação da parte fi<strong>na</strong>l<br />

do art. 80 do CPP que permite ao juiz, facultativamente, separar os<br />

processos quando “por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente<br />

a separação”. (5) A expressão é totalmente aberta, sem qualquer referência<br />

segura dos casos em que haverá separação. Prova disso é o comentário<br />

feito por Borges da Rosa: “Merece elogios o que estabelece o citado<br />

art. 80 do Código, porque mitiga a rigi<strong>de</strong>z dos textos legais concernentes<br />

à competência pela conexão e favorece o arbítrio do juiz”. (6) Ora, mitigar<br />

a lei e favorecer o arbítrio é aceitar a discricio<strong>na</strong>rieda<strong>de</strong> incompatível<br />

com a garantia do juiz <strong>na</strong>tural.<br />

A referência a motivo relevante é <strong>de</strong>snecessária e ineficaz.<br />

Certamente, não iria se cogitar <strong>de</strong> um motivo irrelevante como autorizador<br />

da separação do processo, com a mudança <strong>de</strong> competência. Aliás, se é<br />

irrelevante, com ele sequer <strong>de</strong>verá se preocupar o juiz. Por outro lado,<br />

relevante ou não, o que é um motivo conveniente? Conveniente é aquilo<br />

que convém. O que convém exige um complemento, pois <strong>de</strong>ve convir<br />

a algo ou alguém. A lei, todavia, não estabelece qualquer <strong>de</strong>limitação.<br />

Inevitável concluir que, nesse passo, o art. 80 do CPP viola a garantia<br />

do juiz <strong>na</strong>tural, como norma formal, a exigir que as hipóteses <strong>de</strong> fixação<br />

e modificação <strong>de</strong> competência sejam <strong>de</strong>finidas com base em precisos<br />

e rigorosos critérios objetivos fixados em lei, não <strong>de</strong>ixando margem a<br />

atuações discricionárias. (7)<br />

Volta-se ao caso concreto: o STF consi<strong>de</strong>rou não haver motivo<br />

relevante para reputar conveniente a separação do processo em questão<br />

e julgou tanto os dois <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais quanto os outros trinta e seis<br />

acusados que não gozavam <strong>de</strong> foro por prerrogativa <strong>de</strong> função. Se,<br />

porém, enten<strong>de</strong>sse que lhe convinha a separação, julgaria somente os<br />

dois <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, remetendo os <strong>de</strong>mais acusados para o primeiro<br />

grau <strong>de</strong> jurisdição. Admitir que um juiz, ainda que se trate do STF, possa,<br />

com base em critérios puramente discricionários, escolher se separa<br />

ou mantém reunido um processo e, em última análise, <strong>de</strong>finir quem<br />

será competente para julgar os acusados significa dar-lhe po<strong>de</strong>r para<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r, ex post factum, quem será o juiz competente. É transformar a<br />

garantia do juiz competente pre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do por lei, em juiz competente<br />

pós-<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do discricio<strong>na</strong>riamente.<br />

O que não é compatível com a garantia do<br />

juiz <strong>na</strong>tural, e gera soluções iníquas, com<br />

profunda insegurança para os jurisdicio<strong>na</strong>dos,<br />

é ora o STF manter o simultaneus processus<br />

e julgar todos os acusados, ora separar os<br />

processos e julgar ape<strong>na</strong>s quem tem nele a<br />

competência originária.<br />

Urge que o STF <strong>de</strong>fi<strong>na</strong> um critério, claro, seguro e objetivo para tal<br />

hipótese, pouco importando qual seja ele. Po<strong>de</strong>rá optar por consi<strong>de</strong>rar<br />

que sua competência, por ser fixada <strong>na</strong> Constituição, é <strong>de</strong> interpretação<br />

estrita, não po<strong>de</strong>ndo ser alargada por normas infraconstitucio<strong>na</strong>is <strong>de</strong><br />

conexão e continência e, consequentemente, <strong>de</strong>smembrar todos os<br />

processos, julgando ape<strong>na</strong>s quem goza <strong>de</strong> foro por prerrogativa <strong>de</strong> função.<br />

Po<strong>de</strong>rá, diversamente, concluir que havendo conexão ou continência,<br />

a regra constitucio<strong>na</strong>l estará preservada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, todos os acusados<br />

sejam sempre julgados pelo tribu<strong>na</strong>l origi<strong>na</strong>riamente competente. O<br />

que não é compatível com a garantia do juiz <strong>na</strong>tural, e gera soluções<br />

iníquas, com profunda insegurança para os jurisdicio<strong>na</strong>dos, é ora o STF<br />

manter o simultaneus processus e julgar todos os acusados, ora separar<br />

os processos e julgar ape<strong>na</strong>s quem tem nele a competência originária.<br />

Conclui-se com as palavras <strong>de</strong> Franco Cor<strong>de</strong>ro: a garantia do juiz<br />

<strong>na</strong>tural assegura que “entre os juízes pré-constituídos vigora uma or<strong>de</strong>m<br />

taxativa <strong>de</strong> competência, que exclui qualquer alter<strong>na</strong>tiva resolúvel<br />

arbitrariamente”. (8) E, em edição posterior da mesma obra, complementa:<br />

“ninguém po<strong>de</strong> escolher o juiz ou sujeitar-se a tal escolha”. (9)<br />

Notas:<br />

(1) DIAS, Jorge Figueiredo. Direito processual pe<strong>na</strong>l. Coimbra: Coimbra Ed.,<br />

1974. v. 1, p. 329.<br />

(2) SCAPARONE, Metello. Elementi di procedura pe<strong>na</strong>le – i principi costituzio<strong>na</strong>li.<br />

Milano: Giuffrè, 1999. p. 55.<br />

(3) ROMBOLI, Roberto. Il giudice <strong>na</strong>turale. Studi sul significato e la portata <strong>de</strong>l<br />

princípio nell’ordi<strong>na</strong>mento costituzio<strong>na</strong>le italiano. Milão: Giuffrè, 1981. p.<br />

132.<br />

(4) Nesse sentido: NOBILI, Massimo. Commentario art. 25 comma 1.º.<br />

Commentario alla Costituzione a cura di Giuseppe Branca. – arts 24-<br />

26, rapporti civili. Roma/Bolog<strong>na</strong>: Zannichelli, 1981, p. 215; DÍEZ, Luis-<br />

Alfredo <strong>de</strong> Diego. El <strong>de</strong>recho al juez ordi<strong>na</strong>rio pre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do por la ley.<br />

Madrid: Tecnos, 1998. p. 159.<br />

(5) Para uma crítica mais profunda, cf.: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.<br />

A garantia do juiz <strong>na</strong>tural no processo pe<strong>na</strong>l: <strong>de</strong>limitação do conteúdo<br />

e análise em face das regras constitucio<strong>na</strong>is e legais <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e<br />

modificação <strong>de</strong> competência no direito processual pe<strong>na</strong>l brasileiro. Tese<br />

(Livre-docente) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São<br />

Paulo, 2010. p. 403-412.<br />

(6) Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Pe<strong>na</strong>l. 3 ed. São Paulo: RT, 1982. p.<br />

184.<br />

(7) No sentido, <strong>na</strong> doutri<strong>na</strong> italia<strong>na</strong>, em relação à expressão, “in ogni caso in<br />

cui ne ritenga la convenienza”, cf. ROMBOLI, Il giudice <strong>na</strong>turale ... cit., p.<br />

181.<br />

(8) Procedura pe<strong>na</strong>le. Milano: Giuffrè, 1966. p. 128-129.<br />

(9) Procedura pe<strong>na</strong>le. 5 ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 111.<br />

Gustavo Badaró<br />

Livre-docente, Doutor e Mestre em<br />

Direito Processual Pe<strong>na</strong>l pela USP.<br />

Professor Associado do Departamento <strong>de</strong> Direito<br />

Processual da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da USP.<br />

Advogado.<br />

3<br />

ANO 21 - Nº 242 - JANEIRO/2013 - ISSN 1676-3661

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