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Confira o Boletim na Íntegra - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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segurança pública. (7) Como anota Faraldo Caba<strong>na</strong>, os clássicos<br />

mo<strong>de</strong>los típicos são absolutamente <strong>de</strong>ficientes para o combate à<br />

realida<strong>de</strong> hodier<strong>na</strong>. (8) I<strong>na</strong>dmissível, contudo, é a tentativa <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação<br />

claudicante, ao menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> lastro no bem jurídico,<br />

da tradicio<strong>na</strong>l disposição <strong>de</strong> quadrilha ou bando para questões diversas,<br />

<strong>de</strong>finidas genericamente como organizações criminosas. Até que isso<br />

se dê, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> quadrilha se limita, sim, não somente ao<br />

crime das ruas e outros assemelhados, mas àqueles que agri<strong>de</strong>m a paz<br />

pública. Não necessariamente à situação <strong>de</strong> crimi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> econômica<br />

ou a casos similares aos tratados <strong>na</strong> AP 470, em que resta dúvida sobre<br />

esse ponto. (9)<br />

Notas:<br />

(1) SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La “intervención a través <strong>de</strong> organización”,<br />

¿uma forma mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>de</strong> participación en el <strong>de</strong>lito? In: CANCIO MELIÁ,<br />

Manuel; SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Delitos <strong>de</strong> organización. Montevi<strong>de</strong>o:<br />

B<strong>de</strong>F, 2008. p. 87 e ss.<br />

(2) Cf. PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri <strong>de</strong> Moraes. Organização criminosa.<br />

Nova perspectiva do tipo legal. São Paulo: RT, 2009. p. 55 e ss.<br />

(3) Como bem coloca Hungria, “a <strong>de</strong>linqüência associada ou <strong>de</strong> grupo fêz-se, <strong>na</strong><br />

atualida<strong>de</strong>, um alarmante fenômeno <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> contra a or<strong>de</strong>m jurídicope<strong>na</strong>l.<br />

Certos indivíduos que, por circunstâncias múltiplas, notadamente por<br />

influência <strong>de</strong> um ambiente criminógeno, a agravar-lhes a inconformação<br />

com a própria incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> êxito pelos meios honestos, coligam-se como<br />

militantes inimigos da socieda<strong>de</strong>, formando entre si estáveis associações para<br />

o crime, entregando-se, pelo encorajamento e auxílio recíprocos, a tôdas as<br />

audácias e a todos os riscos. É o banditismo organizado. Seus componentes,<br />

chefes ou gregários, íncubos ou súcubos, são, via <strong>de</strong> regra, homens sem fé<br />

nem lei, que não conhecem outra moral além dos aberrantes ‘pontos <strong>de</strong> honra’<br />

com que requintam a solidarieda<strong>de</strong> para o malefício” (HUNGRIA, Nélson.<br />

Comentários ao Código Pe<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1958. v. 9, p. 175).<br />

(4) Afi<strong>na</strong>l, como se sabe, o “elemento subjetivo do crime é a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

associar-se (ou participar <strong>de</strong> associação já existente) com o fi m <strong>de</strong> cometer<br />

crimes (dolo específico)” (HUNGRIA, Nélson. Op. cit., p. 179).<br />

(5) Cf. ESTELITTA, Heloisa; GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e<br />

organização criminosa). RBCCrim 91/398 e ss.<br />

(6) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Il crimine organizzato: u<strong>na</strong> categorizzazione<br />

fallita. In: MOCCIA, Sergio. Crimi<strong>na</strong>lità organizzata e risposte ordi<strong>na</strong>mentali.<br />

Napoli: Edizioni Scientifiche, 1999. p. 73 e ss.<br />

(7) Cf. FARALDO CABANA, Patricia. Asociaciones ilíicitas y organizaciones<br />

crimi<strong>na</strong>les en el Código Pe<strong>na</strong>l español. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012. p.<br />

206 e ss.; CANCIO MELIÁ, Manuel. El injusto <strong>de</strong> los <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> organización:<br />

peligro y significado. In: CANCIO MELIÁ, Manuel; SILVA SÁNCHEZ, Jesús-<br />

María. Delitos <strong>de</strong> organización. Montevi<strong>de</strong>o: B<strong>de</strong>F, 2008. p. 42 e ss.<br />

(8) FARALDO CABANA, Patricia. Op. cit., p. 379.<br />

(9) Cf., sobre o tema, posições variadas, a<strong>na</strong>lisando jurisprudências limitando<br />

a incidência do crime <strong>de</strong> quadrilha ou bando para questões econômicas,<br />

ESTELITTA, Heloisa; GRECO, Luís. Op. cit., p. 405 e ss.; REALE JR., Miguel.<br />

Quadrilha ou bando. In: _______ (coord.). Direito pe<strong>na</strong>l. Jurisprudência<br />

em <strong>de</strong>bate. Rio <strong>de</strong> Janeiro: GZ, 2012. v. 3, p. 197 e ss.<br />

Re<strong>na</strong>to <strong>de</strong> Mello Jorge Silveira<br />

Professor Titular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da USP.<br />

O mal-estar <strong>de</strong> um julgamento<br />

Mari<strong>na</strong> Dias e Hugo Leo<strong>na</strong>rdo<br />

O Desembargador Ranulfo <strong>de</strong> Melo Freire, ao prefaciar a obra do<br />

também Desembargador Adauto Suannes, trouxe a seguinte reflexão: “É<br />

que nosso entendimento era <strong>de</strong> que o homem <strong>na</strong>sceu antes do processo; e<br />

com mais força do que o processo”. (1) Assim, há <strong>de</strong> se reforçar o axioma<br />

por vezes esquecido <strong>de</strong> que o processo é o instrumento <strong>de</strong>dicado não ao<br />

Estado, mas ao cidadão. E o imperativo <strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa atuar livremente,<br />

ser ouvida e respeitada é condição <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisão que<br />

se pretenda legítima. Portanto, dar voz ao acusado e, por sua vez, ao<br />

advogado, não é obséquio, é <strong>de</strong>ver.<br />

O advogado é o porta voz do réu e indispensável para a formulação<br />

do contraditório. Tudo para dizer que o fim último da presença inexorável<br />

<strong>de</strong>sse profissio<strong>na</strong>l é garantir que se aplique à pessoa huma<strong>na</strong>, o que diz<br />

a lei, à luz da realida<strong>de</strong> do homem sobre o qual paira a expectativa da<br />

punição.<br />

E a <strong>de</strong>fesa inexiste sem a sensibilida<strong>de</strong> do julgador <strong>na</strong> seara crimi<strong>na</strong>l<br />

para a importante premissa supraestabelecida. E nunca é <strong>de</strong>mais lembrar<br />

passagem <strong>de</strong> acórdão proferido pelo Desembargador Marco Nahum e<br />

resgatada pelo Ministro Eros Grau, ao <strong>de</strong>cidir o HC 95.009, (2) que expõe<br />

o papel do juiz crimi<strong>na</strong>l:<br />

“Decisão memorável da Justiça paulista <strong>de</strong>senhou com precisão<br />

o papel do Juiz no processo crimi<strong>na</strong>l: ‘A mais importante missão do<br />

juiz crimi<strong>na</strong>l é resguardar os direitos fundamentais do cidadão frente<br />

ao po<strong>de</strong>r do Estado. Ao juiz crimi<strong>na</strong>l cabe a função <strong>de</strong> resguardar e<br />

proteger os direitos individuais do homem diante do po<strong>de</strong>r punitivo<br />

do Estado’. Este o sentido <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>cisão neste ‘writ’. Impedir que o<br />

po<strong>de</strong>r punitivo do Estado violente os direitos individuais do paciente”<br />

(TACrimSP – HC 362.090, Rel. Juiz Marco Nahum).<br />

Seria o i<strong>de</strong>al que se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r o juiz crimi<strong>na</strong>l como<br />

“garantidor <strong>de</strong> direitos”. Talvez ficasse mais evi<strong>de</strong>nte a função estatuída.<br />

Para além <strong>de</strong> se primar pela atuação da <strong>de</strong>fesa, também a razão <strong>de</strong> ser do<br />

julgador é a <strong>de</strong> justamente se apropriar <strong>de</strong> todos os fatos que circundam<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do processamento. E assim aplicar a lei segundo o que consta<br />

dos autos e com o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> que se proferirá o veredito com base em tais<br />

elementos, que se aproximarão tanto quanto possível daquela realida<strong>de</strong><br />

tangível.<br />

Nota-se que o processo é uma abstração. E que, tratando-se <strong>de</strong> pessoa<br />

<strong>na</strong> condução da persecução pe<strong>na</strong>l, há <strong>de</strong> se estabelecer regras <strong>de</strong> acesso do<br />

acusado ao processamento. As garantias individuais, portanto, não <strong>de</strong>vem<br />

ser vistas como nortes taxativos, mas ape<strong>na</strong>s hipóteses exemplificativas a<br />

compreen<strong>de</strong>r uma gama ainda maior <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contra-ataque<br />

à imputação, que no <strong>de</strong>correr da instrução, sendo i<strong>de</strong>ntificadas, <strong>de</strong>vem<br />

ser aplicadas prontamente pelo juiz. Dada a <strong>de</strong>sproporção <strong>de</strong> forças entre<br />

acusação e acusado, é tarefa imperiosa fornecer à <strong>de</strong>fesa todo o leque<br />

<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s que se apresentar e não somente aquelas já previstas<br />

a priori e materializadas no or<strong>de</strong><strong>na</strong>mento jurídico.<br />

A existência e eficácia das garantias individuais visam minimizar o<br />

sofrimento humano da punição e da própria persecução crimi<strong>na</strong>l, como<br />

conceito já imortalizado por Carnelutti: “Infelizmente a justiça huma<strong>na</strong><br />

é feita assim, que nem tanto faz sofrer os homens porque são culpados<br />

quanto para saber se são culpados ou inocentes”. (3)<br />

Por tais razões, há <strong>de</strong> lembrar que um julgamento no âmbito crimi<strong>na</strong>l<br />

nunca <strong>de</strong>ve ser motivo <strong>de</strong> regozijo e sim <strong>de</strong> pesar. Há <strong>de</strong> ser tratado<br />

como um funeral. De um lado se tem o luto por valores que po<strong>de</strong>m ter<br />

sido conspurcados pelos acusados e que causam inegável sofrimento<br />

a eventuais vítimas. E, <strong>de</strong> outro, existe sempre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />

Estado-juiz, imbuído da missão <strong>de</strong> aclarar os fatos, proferir um <strong>de</strong>creto<br />

con<strong>de</strong><strong>na</strong>tório com a respectiva privação da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cidadão.<br />

Aqui se tem outro luto. Afi<strong>na</strong>l, uma con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção representa sempre uma<br />

fissura <strong>na</strong> malha social, um trauma, um <strong>de</strong>senlace, não ape<strong>na</strong>s ao acusado,<br />

5<br />

ANO 21 - Nº 242 - JANEIRO/2013 - ISSN 1676-3661

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