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ANDREI TARKOVSKI - Instituto Moreira Salles

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desorientado pela dor, o intérprete orientado<br />

pelo desejo de expressar a desarticulação do<br />

sofrimento por meio de um gesto que empurra<br />

ora para um lado ora para outro, tornando<br />

o caminho mais longo e sofrido. Os cavalos de<br />

fogo avança movido por um impulso que faz<br />

da linha sinuosa o caminho mais curto entre<br />

dois pontos. A fotografia e a interpretação revelam<br />

mais rapidamente que o filme, em lugar<br />

de uma abordagem direta, em tom naturalista,<br />

prefere um tratamento circular, uma narrativa<br />

mais próxima da poesia que do estilo de prosa<br />

tomado com maior frequência pelo cinema.<br />

A certa altura um letreiro anuncia a morte<br />

de um personagem, agredido, na imagem anterior,<br />

a golpes de machado. A imagem que<br />

surge após o cartão, no entanto, não descreve<br />

a morte deste personagem, não é uma sequência<br />

lógica da cena em que ele é agredido a<br />

machadadas. Mostra uma interpretação livre<br />

e poética da morte, feita com imagens de um<br />

homem que caminha entre troncos de árvores<br />

derrubadas e galhos coloridos da floresta<br />

ao encontro de uma mulher. Entre os planos,<br />

imagens de árvores e de um cervo, o que aparentemente<br />

não possui ligação lógica com a<br />

cena. As imagens não foram feitas para con-<br />

tar uma história depois de colocadas lado a<br />

lado. A rigor, o que se aproxima do processo<br />

narrativo tradicional do cinema se encontra na<br />

faixa sonora, onde rápidas referências em diálogos<br />

explicam o que se passa com os personagens<br />

ou resumem acontecimentos que não vemos.<br />

Em lugar da ação, da cena propriamente<br />

dita, o filme procura captar o que existe no ar,<br />

entre um personagem e outro, entre a câmera<br />

e os personagens em cena, entre o artista<br />

e os contornos da realidade. Os cavalos de fogo<br />

busca registrar uma dimensão da experiência<br />

humana que a descrição objetiva das formas<br />

do mundo real não consegue apreender. Deste<br />

modo, se o espectador procura descobrir o que<br />

existe por trás da cortina difusora que o filme<br />

constrói com nuvens, galhos de árvore ou<br />

manchas coloridas sobre as cenas, encontrará<br />

por trás da cortina uma outra cortina.<br />

Para quem procura uma história mais organizada<br />

pela razão que pela emoção, as imagens<br />

parecem compor uma confusa, emaranhada e<br />

na melhor das hipóteses ingênua narrativa de<br />

amor e morte – amor e morte tratados como<br />

divindades que determinam o destino dos homens,<br />

como forças controladoras de uma realidade<br />

que obedece às leis da tragédia.<br />

SERGEI PARADJANOV

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