E ainda, as imagens são em preto e branco porque, de certo modo, partem de uma afirmação de Dostoievski guardada na memória do diretor. A verdadeira arte, anotou certa vez o escritor, não copia o mundo, cria um mundo que não existia antes dela. Cria uma realidade emocional, cria uma segunda realidade, cria uma natureza não-indiferente, uma paisagem em que as cores e as formas dão vida e inserem na natureza o mundo interior do artista: “Dizem que a arte precisa espelhar a vida. Absurdo! O escritor, o artista, cria a vida. Não reproduz, produz vida. Cria um mundo diferente do que existia até então”. 2. O que faz do cinema uma arte realista, dizia Tarkovski, não é sua capacidade de reproduzir a aparência de pessoas e coisas em seus gestos e cores reais, mas a capacidade de fotografar o tempo, de “registrar o tempo em suas formas e manifestações reais”. Em A chegada de um trem à estação, “pela primeira vez na história das artes o homem conseguiu registrar uma impressão do tempo. Com o filme dos Lumière surge a possibilidade de reproduzir o tempo, de reproduzir e repetir o tempo, retornar a ele. Pela primeira vez o homem conseguia conquistar uma matriz do tempo real. Tornava-se possível registrar e conservar o tempo em caixas metálicas, teoricamente para sempre”. Talvez seja possível dizer que Andrei Roublev parta da estação de Lumière para uma viagem até a razão de ser da arte: “Por que fazemos filmes? Por que ver filmes? Quem precisa deles? Por que as pessoas entram numa sala escura em que durante duas horas ou pouco mais são projetadas sombras numa tela? Entram em busca de diversão? Para atender à necessidade de uma espécie de droga?” Para Tarkovski, “as pessoas que vão ao cinema buscam algo que está na essência da arte cinematográfica: o tempo, o tempo perdido, consumido ou ainda não encontrado”. Fazer cinema é uma questão de tempo. “Poderíamos dizer que o trabalho de um diretor de cinema consiste em esculpir o tempo. Assim como o escultor toma um bloco de mármore e, guiado pela visão interior de sua futura obra, elimina tudo que não faz parte dela, do mesmo modo, o cineasta, a partir de um bloco de tempo constituído por uma enorme e sólida quantidade de fatos vivos, rejeita tudo aquilo de que não necessita, deixa “Tolstoi escreveu em seu diário, em março de 1858, que a política não é compatível com a arte, pois para provar seus argumentos a política precisa ser unilateral. A arte não pode ser unilateral. Para ser verdadeira, deve unir em si mesma fenômenos dialeticamente contraditórios”.
Andrei Roublev <strong>ANDREI</strong> <strong>TARKOVSKI</strong>