02.09.2014 Views

ANDREI TARKOVSKI - Instituto Moreira Salles

ANDREI TARKOVSKI - Instituto Moreira Salles

ANDREI TARKOVSKI - Instituto Moreira Salles

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ter-se fiel à vocação realista do cinema, o narrador<br />

comporta-se aqui como um observador<br />

discreto e quase invisível no meio da ação.<br />

Nenhuma solução especialmente marcante da<br />

fotografia, da montagem ou da interpretação<br />

desloca a atenção de dentro da cena para o<br />

recurso formal usado para construí-la. É assim<br />

todo o tempo, menos em dois breves (mas<br />

fundamentais) instantes destes dois episódios:<br />

a conversa de Roublev com o grego Teófanes<br />

depois do massacre, na igreja de Vladimir, e a<br />

conversa de Roublev com Boriska, depois da<br />

festa de inauguração do sino. Roublev e Teófanes<br />

se encontram numa outra dimensão.<br />

Aparentemente vemos um pesadelo de Andrei:<br />

temos uma diferente movimentação da<br />

câmera e dos personagens. Os desaparecimentos<br />

e reaparecimentos de Teófanes na imagem<br />

confundem a noção de espaço do espectador.<br />

Ele está à direita, sai da imagem porque a<br />

câmera se move em torno de seu eixo numa<br />

panorâmica, e logo retorna à imagem pela<br />

esquerda, como se tivesse se deslocado mais<br />

rápido que a câmera, por cima ou por trás<br />

dela. O que eles dizem igualmente confunde<br />

a noção de espaço do espectador, pois Roublev,<br />

surpreendido ao ver Teófanes com vida,<br />

conversa com ele como se estivesse diante de<br />

um fantasma, como se estivesse ele também,<br />

Andrei, morto, ou numa outra dimensão em<br />

que espaço e tempo obedecem a uma outra lógica.<br />

É também numa possível outra dimensão<br />

que se realiza o diálogo entre Roublev e<br />

Boriska. Não aquele mesmo outro-lugar em<br />

que se encontraram Roublev e Teófanes, não<br />

propriamente naquela espécie de limbo que se<br />

segue à destruição de Vladimir. Com Roublev<br />

e Boriska estamos num equivalente à segunda<br />

realidade da arte, o que é possível perceber menos<br />

no que os personagens dizem do que na<br />

composição das imagens. Elas sublinham os<br />

diálogos de modo a que eles soem como algo<br />

mais que uma conversa entre dois personagens<br />

quaisquer. Ali, como num sonho, o sonhador<br />

se divide em duas, três ou mais figuras, temos<br />

uma quase direta representação do realizador,<br />

uma espécie de autorretrato divido em dois.<br />

Na realidade, Boriska, Teófanes e Roublev parecem<br />

compor um autorretrato tripartido de<br />

Tarkovski.<br />

Em O assalto Teófanes diz a Roublev que a<br />

humanidade é má em si mesma e que aos artistas,<br />

dentro dela mas numa segunda realidade,<br />

resta a tarefa de retratar o mundo tal como ele<br />

é. Atacar a violência não tem sentido, é como<br />

“É errado dizer que o artista procura o seu tema.<br />

O tema amadurece dentro dele como um fruto e começa a exigir uma<br />

forma de expressão. É como um parto.<br />

O poeta não é senhor da obra que produz, mas um escravo dela”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!