Iana Sudo MEDICALIZAÃÃO DAS MULHERES - Instituto de ...
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Amamentar é uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> amor que preserva a saú<strong>de</strong> física e mental da mãe e da<br />
criança, ao contrário do que apregoou a leitora (Simone Andréa Coutinho, da citação<br />
inicial) em suas infelizes <strong>de</strong>clarações”. 11<br />
Como chamou atenção Giffin (1991), a ciência mo<strong>de</strong>rna ten<strong>de</strong>ria a consi<strong>de</strong>rar a<br />
reprodução ainda como um “assunto <strong>de</strong> mulher”, já que são as mulheres que vão parir,<br />
aleitar, num contexto <strong>de</strong> conjunção dos gêneros. Assim, as mulheres passam a ser<br />
associadas e atribuídas a elas um caráter <strong>de</strong> natureza, <strong>de</strong> instintivo, <strong>de</strong> abnegação e <strong>de</strong><br />
reprodução, enquanto os homens seriam o produtor da or<strong>de</strong>m e da lei (D´ÁVILA NETO,<br />
1998).<br />
O que se observa, nessa discussão, é a chamada naturalização do papel das mulheres<br />
como mães, e o estabelecimento do aleitamento materno como missão feminina,<br />
constituindo o que Bourdieu (1999) chamou da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o conjunto <strong>de</strong><br />
crenças, ou <strong>de</strong> práticas sociais, que seriam consi<strong>de</strong>radas normais e auto-evi<strong>de</strong>ntes, em<br />
objeto <strong>de</strong> discussão.<br />
No século XVIII, a espécie humana era entendida como um “corpo <strong>de</strong> sexo único”,<br />
no qual os homens eram percebidos como o sexo perfeito e as mulheres, o imperfeito. Este<br />
“mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sexo único” estava subordinado a uma or<strong>de</strong>m cósmica e cultural, que<br />
transcendia a biologia e <strong>de</strong>terminava o lugar social do corpo (BERRIOT-SALVADORE,<br />
1991; LAQUEUR, 2001). Até então, o corpo feminino e o corpo masculino eram<br />
interpretados como versões socialmente hierárquicas, em que a anatomia <strong>de</strong>terminava a<br />
imprecisão das mulheres: como homens invertidos, o útero era o escroto; os ovários, os<br />
testículos; a vagina, o pênis, e a vulva, o prepúcio, logo, nas mulheres esses órgãos não<br />
estariam exteriorizados, o que justificava plenamente o exercício do po<strong>de</strong>r masculino<br />
(LAQUEUR, 2001).<br />
No século XIX, ocorreu ma mudança nesta percepção do “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sexo único”,<br />
ce<strong>de</strong>ndo lugar ao paradigma do “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sexo duplo”, que possibilitou o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da noção das mulheres enquanto seres naturalmente inferiores aos homens<br />
11 Painel do leitor. Folha <strong>de</strong> São Paulo. 10 out. 2001.