28.10.2014 Views

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

– Só se conseguir deixar bem claro uma coisa – respondi.<br />

– O quê?<br />

– Aquilo que você falou antes da conferência. No café.<br />

– A medalha?<br />

– Não – respondi, olhan<strong>do</strong> em s<strong>eu</strong>s olhos e fazen<strong>do</strong> o possível para parecer sóbria. –<br />

O que você falou.<br />

– Depois conversamos – disse ele, mudan<strong>do</strong> de assunto.<br />

A declaração de amor. Não tivéramos tempo de conversar, mas poderia convencê-lo<br />

de que não era nada daquilo.<br />

– Se você quer que <strong>eu</strong> viaje com você, precisa me ouvir – disse.<br />

– Não quero conversar aqui. Estamos nos divertin<strong>do</strong>.<br />

– Você partiu muito ce<strong>do</strong> de Soria – insisti. – Eu sou apenas um laço com sua terra.<br />

Eu o deixei próximo de suas raízes, e isto lhe d<strong>eu</strong> forças para seguir adiante.<br />

“Mas é só. Não pode existir nenhum amor.”<br />

Ele me ouviu sem comentar nada. Alguém o chamou para escutar sua opinião, e não<br />

consegui continuar a conversa.<br />

“Pelo menos deixei claro o que penso”, disse para mim mesma. Não podia existir<br />

tal amor, exceto nos contos de fada.<br />

Porque, na vida real, o amor precisa ser possível. Mesmo que não haja uma<br />

retribuição imediata, o amor só consegue sobreviver quan<strong>do</strong> existe a esperança – por mais distante<br />

que seja – de que conquistaremos a pessoa amada.<br />

O resto é fantasia.<br />

Como se adivinhasse m<strong>eu</strong> pensamento, ele me levantou um brinde <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da<br />

mesa:<br />

– Ao amor! – disse.<br />

Também estava um pouco embriaga<strong>do</strong>. Resolvi aproveitar a oportunidade.<br />

– Aos sábios, capazes de entender que certos amores são tolices de infância – disse<br />

<strong>eu</strong>.<br />

– Aquele que é sábio, só é sábio porque ama. E aquele que é tolo, só é tolo porque<br />

pensa que pode entender o amor – respond<strong>eu</strong> ele.<br />

As outras pessoas na mesa ouviram o comentá<strong>rio</strong>, e no minuto seguinte uma<br />

animada discussão sobre o amor começou. To<strong>do</strong>s tinham uma opinião formada, defendiam s<strong>eu</strong>s<br />

pontos de vista com unhas e dentes, e várias garrafas de vinho foram necessárias para fazer com que<br />

se acalmassem. Finalmente alguém disse que já estava tarde, e que o <strong>do</strong>no <strong>do</strong> restaurante queria<br />

fechar.<br />

– Teremos cinco dias de feria<strong>do</strong> – gritou alguém de outra mesa. – Se o <strong>do</strong>no quer<br />

fechar o restaurante, é porque vocês estavam conversan<strong>do</strong> assuntos sé<strong>rio</strong>s!<br />

To<strong>do</strong>s riram – menos ele.<br />

– Onde devíamos conversar assuntos sé<strong>rio</strong>s? – perguntou ao bêba<strong>do</strong> da outra mesa.<br />

– <strong>Na</strong> igreja! – disse o bêba<strong>do</strong>. E desta vez, o restaurante inteiro caiu na gargalhada.<br />

Ele levantou-se. Pensei que ia brigar, porque havíamos to<strong>do</strong>s volta<strong>do</strong> à<br />

a<strong>do</strong>lescência, onde brigas fazem parte da noite – junto com os beijos, as carícias em lugar proibi<strong>do</strong>,<br />

a música alta e a velocidade.<br />

Mas tu<strong>do</strong> que fez foi segurar minha mão e se dirigir para a porta.<br />

– É melhor a gente ir – disse. – Está fican<strong>do</strong> tarde.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!