28.10.2014 Views

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei.pdf - Intranet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Por que Buenos Aires, se estávamos em Bilbao? Que rua é esta, Arenales? O que<br />

ele queria?<br />

– Que música é aquela que você cantou ontem? – pergunto.<br />

– Balada para um louco – diz ele. – Por que só perguntou isto hoje?<br />

– <strong>Na</strong>da – respon<strong>do</strong>.<br />

Mas sim, tem um motivo. Sei que ele cantou esta música porque é uma armadilha.<br />

Ele me fez decorar a letra – e <strong>eu</strong> tenho que decorar as matérias para a prova. Podia ter canta<strong>do</strong> uma<br />

música conhecida, que <strong>eu</strong> já tivesse ouvi<strong>do</strong> milhares de vezes – mas preferiu algo que <strong>eu</strong> nunca<br />

tivesse escuta<strong>do</strong>.<br />

É uma armadilha. Assim, quan<strong>do</strong> mais tarde esta música tocar no rádio, ou num<br />

disco, <strong>eu</strong> vou me lembrar dele, de Bilbao, da época em que o outono de minha vida se transformou<br />

de novo em primavera. Eu vou lembrar a excitação, a aventura, e a criança que renasc<strong>eu</strong> sabe D<strong>eu</strong>s<br />

de onde.<br />

Ele pensou tu<strong>do</strong> isto. Ele é sábio, experiente, vivi<strong>do</strong>, e sabe como conquistar a<br />

mulher que deseja.<br />

“Estou fican<strong>do</strong> louca”, digo para mim mesma. Acho que sou alcoólatra porque bebi<br />

<strong>do</strong>is dias segui<strong>do</strong>s. Acho que ele sabe to<strong>do</strong>s os truques. Acho que me controla e me governa com<br />

sua <strong>do</strong>çura.<br />

“Admiro a luta que você está travan<strong>do</strong> com s<strong>eu</strong> coração”, disse ele no restaurante.<br />

Mas está engana<strong>do</strong>. Porque já lutei e venci m<strong>eu</strong> coração há muito tempo. Não vou<br />

me apaixonar pelo impossível.<br />

Conheço m<strong>eu</strong>s limites, e minha capacidade de sofrer.<br />

– Fale alguma coisa – peço, enquanto andamos de volta para o carro.<br />

– O quê?<br />

– Qualquer coisa. Converse comigo.<br />

Ele começa a me contar algo sobre as aparições da Virgem Maria em Fátima. Não<br />

sei de onde tirou este assunto – mas consigo me distrair com a história <strong>do</strong>s três pastores que<br />

conversaram com Ela.<br />

Aos poucos m<strong>eu</strong> coração sossega. Sim, <strong>eu</strong> conheço bem os m<strong>eu</strong>s limites, e sei me<br />

controlar.<br />

Chegamos à noite, com uma névoa tão forte que mal dava para distinguir onde<br />

estávamos. Eu enxergava apenas uma pequena praça, um lampião, algumas casas medievais mal<br />

iluminadas pela luz amarela, e um poço.<br />

– A névoa! – disse ele, excita<strong>do</strong>.<br />

Fiquei sem entender.<br />

– Estamos em Saint-Savin – completou.<br />

O nome não me dizia nada. Mas estávamos na França, e isto me deixava excitada.<br />

– Por que este lugar? – perguntei.<br />

– Por causa da casa que quero lhe vender – respond<strong>eu</strong> ele, rin<strong>do</strong>. – Além disso,<br />

prometi que ia voltar no dia da Imaculada Conceição.<br />

– Aqui?<br />

– Aqui perto.<br />

Ele parou o carro. Quan<strong>do</strong> saltamos, me pegou pela mão e começamos a caminhar<br />

no meio da névoa.<br />

– Este lugar entrou na minha vida sem que <strong>eu</strong> esperasse – disse.<br />

“Você também”, pensei.<br />

– Aqui, um dia, achei que tinha perdi<strong>do</strong> m<strong>eu</strong> caminho. E não era bem assim: na<br />

verdade, <strong>eu</strong> o havia reencontra<strong>do</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!