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PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
34<br />
6 Exercício no qual se praticava a “resistência”, mas assim chamado porque era feito com o auxílio de faixas que, casualmente,<br />
tinham a cor verde.<br />
7 “O paradoxo pedagógico: aprender a aprender”, em “Laboratório: teatro-escola”, segundo capítulo do livro de Eugenio Barba<br />
Teatro. Solidão, Ofício, Revolta, publicado em 2009 pelo Teatro Caleidoscópio/Editora Dulcina, Brasília, com tradução de Patricia<br />
Furtado de Mendonça.<br />
35<br />
transformar esses exercícios e criarmos,<br />
a partir deles, coisas novas e completamente<br />
nossas. Como professor universitário,<br />
tomei o tema da "presença" como<br />
um grande tema de pesquisa, e todo meu<br />
trabalho tem girado em torno dele. Esse<br />
tema, primeiro, encontrei desenvolvido<br />
no trabalho do Barba e, a partir dele, se<br />
criou pra mim toda uma forma de entender,<br />
falar e fazer teatro. (...)<br />
A Antropologia Teatral permite um olhar<br />
sobre o espetáculo, uma interferência<br />
na formação e um pensar sobre as poéticas<br />
teatrais. Ela oferece ferramentas<br />
concretas para fazer isso. Ela organiza,<br />
sistematiza um raciocínio sobre o fazer<br />
teatral só equiparado ao que fizeram<br />
Stanislavski, Zeami, Grotowski, Decroux<br />
e muito poucos outros. Ela faz uma passagem,<br />
embora não tenha pretensões<br />
científicas, entre a teoria e a prática, de<br />
forma harmoniosa e bela.<br />
Em dezembro de 1995, em Salvador, Tatiana<br />
Cardoso reencontra Iben e o grupo A Ponte<br />
dos Ventos. É a oportunidade para se confrontar<br />
novamente com os ensinamentos de sua mestra.<br />
Ela nos conta:<br />
Depois do seminário de 1993, segui treinando<br />
sozinha, convencida de que tinha<br />
encontrado uma base sólida para mim.<br />
Em 1995, participei de outro seminário<br />
de Iben, desta vez, em Salvador, Bahia.<br />
Mesma coisa, carta de intenção e currículo.<br />
Fui selecionada. Quando comecei<br />
a trabalhar com o grupo, parecia que eu<br />
nunca tinha me separado de Iben, pois<br />
havia continuado o trabalho. Ao final<br />
daquela experiência, na festa de encerramento,<br />
Iben me chamou para um canto<br />
e me convidou para integrar o grupo<br />
oficial, o Ponte dos Ventos, cujo próximo<br />
encontro seria naquele mesmo ano,<br />
em Scilla, no sul da Itália. Desde então,<br />
participei de todos os encontros do grupo,<br />
que aconteceram até agora na Dinamarca,<br />
na Itália, no Brasil e na Colômbia.<br />
A Iben e o grupo Ponte dos Ventos são<br />
meu porto seguro, são como a casa da<br />
família para onde sei que sempre poderei<br />
voltar. É um lugar de irmãos, de pessoas<br />
que sabem que nossos encontros vão mais<br />
além de nós mesmos, que estar com Iben e<br />
continuar junto é como um pacto de honra<br />
com uma espécie de desejo original de<br />
manter nossa arte, aproximando o mundo<br />
dos deuses e dos homens pra sempre.<br />
Os encontros anuais do Ponte dos Ventos<br />
(Vindenes Bro, em dinamarquês) costumam durar<br />
três semanas e são em regime de imersão. Deles<br />
participam artistas de diferentes países. Nessas<br />
ocasiões, Tatiana pratica várias técnicas usadas<br />
pelos atores do <strong>Odin</strong>, além de entrar em profundo<br />
contato com exercícios desenvolvidos particularmente<br />
por Iben, como: samurai, fora de equilíbrio,<br />
verde [6] , dança do vento, entre outros. Por sua vez,<br />
através de suas próprias aulas, segue transmitindo<br />
os ensinamentos recebidos pela mestra:<br />
Sou professora da Universidade Estadual<br />
do Rio Grande do Sul e eventualmente<br />
dou oficinas para atores dentro ou fora<br />
do Brasil. Os princípios da Antropologia<br />
Teatral são a base da minha técnica de<br />
atriz e fazem parte do vocabulário do<br />
conteúdo que ensino. Como dediquei<br />
minha formação ao treinamento físico,<br />
toda essa experiência embasa minhas<br />
aulas, independente do foco da aula.<br />
Esses princípios são extremamente úteis<br />
justamente porque perpassam qualquer<br />
tema, qualquer nível, qualquer gênero ou<br />
estilo teatral. Eles são universais e dizem<br />
respeito ao corpo, à dinâmica da ação, à<br />
presença, à vida geral da cena. Conhecê-<br />
-los e saber como manipulá-los é como<br />
um segredo que traz uma base muito sólida<br />
pra qualquer tipo de ator.<br />
No meio tempo, Alexandre Vargas também<br />
busca uma maior aproximação com a tradição do<br />
<strong>Odin</strong>. Em outubro de 1996, durante uma turnê do<br />
Falos & Stercus no Rio de Janeiro, aproveita para<br />
ver o espetáculo Kaosmos, que naquele período<br />
estava em cartaz na cidade:<br />
Vi Kaosmos no Rio, no Teatro Carlos Gomes.<br />
Isso era importante para mim, porque<br />
aí pude ver os atores, ver a presença<br />
cênica. Isso dava todo um outro valor ao<br />
que tinha lido, e aquilo me interessava.<br />
Eu mirava coisas, queria objetivamente<br />
coisas no meu trabalho de ator. Queria<br />
a questão da presença cênica e aqueles<br />
atores tinham uma presença cênica tremenda,<br />
que não se dava pelo viés psicológico,<br />
e isso me interessava muito.<br />
Quem também não perde o contato com o<br />
<strong>Odin</strong> no final dos anos 1990 é Nair D’Agostini<br />
que, em junho de 1998, parte para Belo Horizonte<br />
e segue as atividades do <strong>Odin</strong> na 1ª edição do<br />
ECUM (Encontro Mundial das Artes Cênicas). Ali,<br />
pode assistir ao espetáculo Ode ao Progresso e a<br />
algumas outras apresentações do grupo.<br />
Ainda em 1998, em Porto Alegre, Alexandre<br />
Vargas participa de uma oficina com o ator<br />
e diretor paraibano Luiz Carlos Vasconcelos e,<br />
também, passa a trabalhar com Tatiana Cardoso.<br />
Ele nos conta:<br />
(...) E aí tive contato com o Luiz Carlos,<br />
que veio pra cá para ministrar uma oficina.<br />
Ele trabalhava muito sobre os princípios<br />
da Antropologia Teatral. (...) Nessa<br />
oficina, fiz um trabalho grande de partituras,<br />
e isso me despertava mais ainda<br />
para o trabalho da antropologia. Depois<br />
fui trabalhar com a Tatiana Cardoso. Ela<br />
vinha do trabalho da Iben, etc. Mas eu<br />
não queria só trabalhar tecnicamente os<br />
fundamentos, eu queria me aproximar<br />
também da ousadia, da arrogância necessária<br />
que eu percebia ali no Eugenio,<br />
no discurso dele. Eu gostava daquele<br />
pensamento bélico, estrategista, para<br />
compor a minha estratégia também:<br />
“como é que eu me acho nesse campo,<br />
como é que me coloco nesse campo?”.<br />
Fora isso, entre 1996 e 2010, o contato<br />
foi mais através dos livros. Sempre que<br />
meu grupo passava por alguma crise,<br />
por exemplo, eu buscava na biblioteca<br />
um livro do Eugenio para tentar perceber<br />
se isso estava ali também, se ele<br />
mencionava algo no Canoa, no Arte<br />
Secreta, no Teatro Pobre do Grotowski,<br />
em artigos.<br />
Com Gilberto Icle não é diferente. Entre<br />
1995 e 2010, sua relação com o <strong>Odin</strong> Teatret se<br />
dá principalmente através dos livros, ainda que<br />
ele tenha sempre tentado alcançar o grupo em<br />
algum festival fora de Porto Alegre. Em 2008,<br />
por exemplo, ele assiste ao espetáculo O Sonho<br />
de Andersen em São José do Rio Preto, por estar<br />
em turnê no mesmo festival. Ele acrescenta:<br />
Não me encontrei com eles muitas vezes,<br />
mas o trabalho continuou sendo<br />
uma referência para mim tanto no que<br />
diz respeito à poética teatral quanto à<br />
ética grupal. Certamente, os escritos de<br />
Barba me influenciaram, em certa medida,<br />
muito mais que seus espetáculos.<br />
Li toda a produção trazida no Brasil e<br />
estudei nos originais em italiano textos<br />
que passaram a ser objeto de meus seminários<br />
na pós-graduação. Utilizei-os<br />
desde meus próprios estudos de mestrado<br />
e doutorado até minhas pesquisas<br />
mais recentes.<br />
As sementes haviam sido plantadas. As raízes<br />
cresciam subterraneamente. A terra tinha sido<br />
adubada e as árvores já davam seus frutos, uma<br />
estação após a outra. A influência do <strong>Odin</strong> sobre a<br />
cultura de estudiosos, artistas e grupos de teatro do<br />
Rio Grande do Sul vai se firmando cada vez mais<br />
no arco destes 15 anos, motivada, principalmente,<br />
pela necessidade que eles têm de se confrontar e<br />
de dialogar com uma tradição teatral sólida – e de<br />
valor – que lhes ajude a construir a própria identidade<br />
profissional. Isso vai acontecendo, como foi visto,<br />
através de viagens para fora de Porto Alegre, da<br />
leitura dos livros de Barba e também por meio das<br />
diversas trocas acadêmicas e artísticas. Para muitos,<br />
o <strong>Odin</strong> vira de fato uma referência fundamental, até<br />
mesmo um modelo a seguir. Mas o afastamento, por<br />
um período, também é necessário.<br />
No livro Teatro. Solidão, Ofício, Revolta [7] ,<br />
de Eugenio Barba, há um capítulo composto de