Hibridismo e mediação cultural no Brasil: os três tempos midiáticos em
Hibridismo e mediação cultural no Brasil: os três tempos midiáticos em
Hibridismo e mediação cultural no Brasil: os três tempos midiáticos em
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
6<br />
formas da indústria <strong>cultural</strong> da primeira metade do século XX tenham começado a ocupar o centro<br />
do sist<strong>em</strong>a de cultura e comunicação nas d<strong>em</strong>ocracias capitalistas, foi só com a chegada da<br />
televisão, <strong>no</strong> pós-guerra, que a mídia se transformou <strong>em</strong> força dominante na cultura e na vida<br />
social.<br />
Portanto, contrariando a <strong>no</strong>ção pós-moderna de desintegração da cultura na<br />
imag<strong>em</strong> pra s<strong>em</strong> referentes, conteúd<strong>os</strong> ou efeit<strong>os</strong> – ruído puro, <strong>em</strong> última análise<br />
-, argumentam<strong>os</strong> que a televisão e outras formas da cultura da mídia<br />
des<strong>em</strong>penham papel fundamental na reestruturação da identidade<br />
cont<strong>em</strong>porânea e na conformação de pensament<strong>os</strong> e comportament<strong>os</strong>. (Kellner,<br />
2001, p.304)<br />
Nesta lógica a identidade local e o senso de pertencimento passam a ser vist<strong>os</strong> como uma<br />
narrativa construída a partir de mit<strong>os</strong> fundadores, da história que nega as diferenças e cria laç<strong>os</strong><br />
que Stuart Hall chama de “comunidades imaginadas”. Ele usa o termo para designar a construção<br />
da identidade das nações. “Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentid<strong>os</strong><br />
que influencia e organiza tanto <strong>no</strong>ssas ações quanto a concepção que t<strong>em</strong><strong>os</strong> de nós mesm<strong>os</strong>.”<br />
(HALL, 2000, p.50)<br />
Mas esta narrativa local ganha significad<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> diante do fluxo de informações e de<br />
pessoas na cont<strong>em</strong>poraneidade. Hoje é comum encontrar que tenha que viver, por escolha ou por<br />
necessidade, longe de sua terra natal, de suas referências culturais s<strong>em</strong>inais. Como o diretor Guel<br />
Arraes, nascido <strong>no</strong> estado do Pernambuco. Filho do ex-governador Miguel Arraes de Alencar, um<br />
líder do Partido Socialista <strong>Brasil</strong>eiro, teve que acompanhar a família durante o exílio do pai na<br />
Argélia, <strong>no</strong> período do Regime Militar. Estudou cin<strong>em</strong>a e produção audiovisual na Europa. E <strong>no</strong><br />
<strong>Brasil</strong>, fez carreira de diretor <strong>no</strong> eixo Rio – São Paulo. Este movimento de diáspora, para usar o<br />
termo cunhado por Stuart Hall (2000), aponta da tradição para a tradução, já que “estes sujeit<strong>os</strong><br />
dev<strong>em</strong> aprender a habitar, <strong>no</strong> mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir<br />
e negociar entre elas. As culturas híbridas constitu<strong>em</strong> um d<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> tip<strong>os</strong> de identidade<br />
distintivamente <strong>no</strong>v<strong>os</strong> produzid<strong>os</strong> na era da modernidade tadia”. (HALL, 2000, p.89)<br />
O hibridismo, para Hall (2000, p.97), é a prova de que a globalização não parece estar<br />
produzindo n<strong>em</strong> o triunfo do ‘global’, n<strong>em</strong> a persistência, <strong>em</strong> sua velha forma, do ‘local’. Para ele, <strong>os</strong><br />
deslocament<strong>os</strong> ou <strong>os</strong> desvi<strong>os</strong> da globalização são mais variad<strong>os</strong> e mais contraditóri<strong>os</strong> do que<br />
suger<strong>em</strong> seus protagonistas ou seus oponentes.<br />
Quando a circulação cada vez mais livre e freqüente de pessoas, capitais e<br />
mensagens <strong>no</strong>s relaciona cotidianamente com muitas culturas, <strong>no</strong>ssa identidade<br />
já não pode ser definida pela associação exclusiva com uma comunidade<br />
nacional. O objeto de estudo não deve ser, então, apenas a diferença, mas<br />
também a hibridização. (HALL, 2000, p.166)<br />
Guel Arraes, ele mesmo um <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong> de nascimento, codifica da cultura popular<br />
<strong>no</strong>rdestina na televisão, meio de comunicação heg<strong>em</strong>ônico <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, de fora da terra natal e a partir<br />
do contato com a diversidade <strong>cultural</strong>, criando um produto que entend<strong>em</strong><strong>os</strong> como híbrido, conforme<br />
o conceito de Nestor Garcia Canclini (1999). Em “O Auto da Compadecida”, minissérie de quatro<br />
capítul<strong>os</strong>, exibida pela Rede Globo <strong>em</strong> 1999, o diretor se inspira <strong>em</strong> Aria<strong>no</strong> Suassuna para criar<br />
uma obra teledramatúrgica <strong>em</strong> que a história original é banhada por outras influências, quebrando a<br />
unidade dramática original e juntando sob um mesmo tipo várias obras diferentes. Guel sai de sua<br />
terra natal, mas exist<strong>em</strong> na obra dele l<strong>em</strong>branças de um Nordeste idílico, raiz de sua criação.<br />
No “Auto” televisivo, a história é alterada para criar a ambiência necessária para a projeção<br />
e a identificação com <strong>os</strong> telespectadores. A adaptação suprime algumas personagens do texto