Hibridismo e mediação cultural no Brasil: os três tempos midiáticos em
Hibridismo e mediação cultural no Brasil: os três tempos midiáticos em
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original, entre elas, a figura de ligação e comando do espetáculo, o Palhaço, o que volta todas as<br />
atenções para as aventuras da dupla de protagonistas, João Grilo e Chicó. Guel Arraes também<br />
acrescentou personagens de outras obras do próprio Aria<strong>no</strong> Suassuna, como o Cabo 70 e Vicentão,<br />
amb<strong>os</strong> da peça “Torturas de um coração”. E transformou o filho do Major Antônio Morais na<br />
romântica R<strong>os</strong>inha, que t<strong>em</strong> uma história de amor com o personag<strong>em</strong> Chicó.<br />
Assim, cria-se o que Jesús Martim-Barbero chama de “drama do reconhecimento”, um d<strong>os</strong><br />
artifíci<strong>os</strong> do melodrama, que ele considera uma forma de recuperação da m<strong>em</strong>ória popular por meio<br />
do imaginário criado pela indústria da cultura na América Latina. Para ele, “não existe acesso à<br />
m<strong>em</strong>ória histórica s<strong>em</strong> projeção p<strong>os</strong>sível sobre o futuro que não passe pelo imaginário.” (1997,<br />
p.304). Com a inclusão de <strong>no</strong>v<strong>os</strong> personagens, o diretor também adicio<strong>no</strong>u outras passagens, como<br />
quando o major Antônio Morais negocia uma lasca de couro das c<strong>os</strong>tas de Chicó, situação originária<br />
da peça “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare.<br />
O seu “Auto” funciona como um palimpsesto midiático: boa parte das l<strong>em</strong>branças originais<br />
foram apagadas e <strong>no</strong>vas informações inscritas. As referências da cultura local, do espaço<br />
geográfico e afetivo do Nordeste, sofreram a sobrep<strong>os</strong>ição de referências globais. Mas o substrato<br />
<strong>cultural</strong> continua presente, criando <strong>no</strong>v<strong>os</strong> víncul<strong>os</strong>, sedimentando identidades mais adequadas e<br />
codificando o popular <strong>no</strong> massivo. A hipótese é que o local continua presente, só que agora<br />
recheado de referências globais, formando um híbrido <strong>cultural</strong>.<br />
Considerações finais<br />
O <strong>no</strong>sso objetivo é percorrer este caminho para investigar, nas diversas adaptações do<br />
texto de Suassuna, <strong>os</strong> el<strong>em</strong>ent<strong>os</strong> da narrativa de cada um d<strong>os</strong> produt<strong>os</strong>, para entrever as<br />
mediações que definiram a heg<strong>em</strong>onia da televisão como referencial narrativo <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> nas últimas<br />
décadas do século XX. Também quer<strong>em</strong><strong>os</strong> investigar se na obra televisiva o diretor Guel Arraes<br />
subverte o jogo d<strong>os</strong> estereótip<strong>os</strong> oferecid<strong>os</strong> pela televisão, m<strong>os</strong>trando um <strong>no</strong>rdeste incomum, com<br />
referências desterritorializadas, globais, talvez pela necessidade de se fazer entender pelo grande<br />
público televisivo, urba<strong>no</strong> e desconectado da prop<strong>os</strong>ta do Movimento Armorial.<br />
Acreditam<strong>os</strong> na hipótese de que a versão do “Auto da compadecida”, para a televisão,<br />
realizada pelo diretor Guel Arraes <strong>em</strong> 1999, seja um produto híbrido. Vam<strong>os</strong> analisar as mudanças<br />
e adições realizadas para transformar <strong>os</strong> text<strong>os</strong> teatral e cin<strong>em</strong>atógráfico <strong>em</strong> minissérie e como<br />
Guel Arraes brinca com a identidade do <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong>, a partir de sua visão diaspórica, de qu<strong>em</strong> fala<br />
de sua própria terra, de seu território, mas de um ponto de vista exter<strong>no</strong>, jogando <strong>no</strong> limite de qu<strong>em</strong><br />
está ao mesmo t<strong>em</strong>po dentro e fora, <strong>no</strong> limiar entre o próprio e o alheio.<br />
Referências<br />
ARRAES, Miguel. O Auto da Compadecida: da obra de Aria<strong>no</strong> Suassuna. Minissérie. Rio de<br />
Janeiro: Globo Filmes, 1999.<br />
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadã<strong>os</strong>: conflit<strong>os</strong> multiculturais da globalização. Rio de<br />
Janeiro: UFRJ, 2000.<br />
DEBRAY, Régis. Vida e morte da imag<strong>em</strong>. São Paulo: Vozes, 1993.<br />
HALL, Stuart. A identidade <strong>cultural</strong> na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. LP&A, 2000.