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DIREITOS DOS DESCENDENTES DE ESCRAVOS ... - Reid.org.br

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Artigo<<strong>br</strong> />

<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong><<strong>br</strong> />

<strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS<<strong>br</strong> />

COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS) 1<<strong>br</strong> />

Walter Claudius Rothenburg 2 *<<strong>br</strong> />

RESUMO: O artigo trata dos direitos dos quilombolas<<strong>br</strong> />

no ordenamento jurídico <strong>br</strong>asileiro, a<<strong>br</strong> />

partir da consagração destes no texto constitucional.<<strong>br</strong> />

Além do valor simbólico, o autor destaca<<strong>br</strong> />

conseqüências jurídicas relevantes, decorrentes<<strong>br</strong> />

do caráter constitucional, que confere, além da<<strong>br</strong> />

evidência, supremacia e rigidez aos respectivos<<strong>br</strong> />

dispositivos normativos. O trabalho realça a necessidade<<strong>br</strong> />

de tratamento do tema em sua contemporaneidade,<<strong>br</strong> />

com a ampliação do campo de aplicação<<strong>br</strong> />

das normas jurídicas que se referem direta<<strong>br</strong> />

ou indiretamente a quilombos, para reconhecer<<strong>br</strong> />

e proteger realidades atuais e não apenas a<<strong>br</strong> />

memória do passado. Por fim, o autor traz argumentos<<strong>br</strong> />

acerca da autoaplicabilidade do art. 68<<strong>br</strong> />

ADCT, do descabimento de desapropriação, do<<strong>br</strong> />

cabimento de indenização aos proprietários das<<strong>br</strong> />

terras quilombolas, apresentando ainda um rol<<strong>br</strong> />

de direitos individuais e coletivos que precisam<<strong>br</strong> />

ser implementados em relação às comunidades<<strong>br</strong> />

quilombolas.<<strong>br</strong> />

Palavras chave: comunidades quilombolas,<<strong>br</strong> />

patrimônio cultural e quilombos, direitos dos<<strong>br</strong> />

quilombolas, titulação terras quilombolas.<<strong>br</strong> />

ABSTRACT: The article deals with the rights<<strong>br</strong> />

of quilombolas in the Brazilian legal system,<<strong>br</strong> />

from their establishment in the constitutional<<strong>br</strong> />

text. Beside the symbolic value, the author<<strong>br</strong> />

1<<strong>br</strong> />

Texto originalmente publicado no livro “Igualdade, diferença e direitos humanos”, coordenado por Daniel Sarmento, Daniela Ikawa e Flávia Piovesan<<strong>br</strong> />

(Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 445-471 – ISBN 978-85-375-0281-5).<<strong>br</strong> />

2<<strong>br</strong> />

Procurador Regional da República, Mestre e Doutor em Direito pela UFPR, Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Paris II,<<strong>br</strong> />

Professor da Instituição Toledo de Ensino – ITE.<<strong>br</strong> />

* Dedico este texto a Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira (Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal)<<strong>br</strong> />

e a Maria Bernardete Lopes da Silva (Diretora de Proteção ao Patrimônio Afro-<strong>br</strong>asileiro da Fundação Cultural Palmares).<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

189


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

detaches important juridical outcomes of<<strong>br</strong> />

constitutional character that confers, beyond the<<strong>br</strong> />

evidence, supremacy and rigidness to the<<strong>br</strong> />

respective normative devices. The work<<strong>br</strong> />

enhances the need of dealing with the subject in<<strong>br</strong> />

its comtemporality, with the magnifying of the<<strong>br</strong> />

field of application of the juridical rules that refer<<strong>br</strong> />

directly or indirectly to the quilombo, in order<<strong>br</strong> />

to recognize and protect current realities, not<<strong>br</strong> />

only the memory of the past. Finally, the author<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ings arguments concerning the autoenforcement<<strong>br</strong> />

of article n. 68 of the Act of Constitutional<<strong>br</strong> />

Transitory Dispositions, the improperness of<<strong>br</strong> />

land expropriation, the possibility of compensation<<strong>br</strong> />

to the owners of quilombola lands,<<strong>br</strong> />

presenting still a set of individual and collective<<strong>br</strong> />

rights that need to be carried out in relation to<<strong>br</strong> />

the quilombola communities.<<strong>br</strong> />

Keywords: quilombola communities - cultural<<strong>br</strong> />

heritage and quilomobo - quilombola’s rightstitling<<strong>br</strong> />

of quilombola lands.<<strong>br</strong> />

Não é pouca coisa uma Constituição falar em<<strong>br</strong> />

quilombos. Quilombo é o lugar e a comunidade<<strong>br</strong> />

formados principalmente por negros, escravos<<strong>br</strong> />

ou não, eventualmente longe das fazendas e cidades,<<strong>br</strong> />

em busca de liberdade e identidade. A<<strong>br</strong> />

constituição dos quilombos era diversa, a partir<<strong>br</strong> />

de “fugas, heranças, doações e até compra de<<strong>br</strong> />

terras em pleno vigor do sistema escravista no<<strong>br</strong> />

país” (ITESP). Nem sempre por escravos fugidos<<strong>br</strong> />

ou abandonados: havia negros libertos e livres<<strong>br</strong> />

que buscavam uma comunidade mais receptiva<<strong>br</strong> />

e autêntica, e havia não-negros. 3<<strong>br</strong> />

Na Constituição <strong>br</strong>asileira, há referência expressa<<strong>br</strong> />

aos quilombos em dois dispositivos. Ao<<strong>br</strong> />

tratar da cultura e afirmar que o Estado protegerá<<strong>br</strong> />

as manifestações das culturas afro-<strong>br</strong>asileiras<<strong>br</strong> />

(art. 215, § 1º), a Constituição estabelece especificamente<<strong>br</strong> />

o tombamento de todos os documentos<<strong>br</strong> />

e sítios detentores de reminiscências históricas<<strong>br</strong> />

dos antigos quilombos (art. 216, § 5º). Nas<<strong>br</strong> />

disposições transitórias, a Constituição reconhece,<<strong>br</strong> />

aos remanescentes das comunidades dos<<strong>br</strong> />

quilombos que estejam ocupando suas terras, a<<strong>br</strong> />

propriedade definitiva, e incumbe o Estado de<<strong>br</strong> />

emitir os respectivos títulos (art. 68 ADCT).<<strong>br</strong> />

Além do relevante valor simbólico da consagração<<strong>br</strong> />

textual, há conseqüências jurídicas relevantes,<<strong>br</strong> />

decorrentes do caráter constitucional,<<strong>br</strong> />

que confere, além da evidência, supremacia e<<strong>br</strong> />

rigidez aos respectivos dispositivos normativos.<<strong>br</strong> />

O aspecto jurídico mais importante da referência<<strong>br</strong> />

constitucional aos quilombos, contudo, é<<strong>br</strong> />

a vinculação com direitos fundamentais.<<strong>br</strong> />

Os quilombolas formam – com outros negros<<strong>br</strong> />

(art. 215, § 1º), os índios (art. 231), as pessoas<<strong>br</strong> />

portadoras de deficiência (art. 37, VIII), os idosos<<strong>br</strong> />

(art. 230), as mulheres (art. 5º, I), os presidiários<<strong>br</strong> />

(art. 5º, XLIX), os po<strong>br</strong>es (art. 203), os<<strong>br</strong> />

estrangeiros (art. 5º, caput), os <strong>br</strong>asileiros de<<strong>br</strong> />

certas regiões (art. 19, III), os crentes de determinadas<<strong>br</strong> />

convicções (art. 5º, VI e VIII) e outros<<strong>br</strong> />

grupos e indivíduos não expressos, mas acolhidos,<<strong>br</strong> />

como os homossexuais e transexuais (art.<<strong>br</strong> />

5º, XLI) – as “minorias” ou “fragilizados”, para<<strong>br</strong> />

os quais os direitos fundamentais, isonomia à<<strong>br</strong> />

cabeceira, têm uma relevância particular. O paradoxo<<strong>br</strong> />

lingüístico é proposital: no universal dos<<strong>br</strong> />

direitos fundamentais, buscar o particular.<<strong>br</strong> />

O enorme contingente de negros que formou<<strong>br</strong> />

e forma a população <strong>br</strong>asileira não autoriza que<<strong>br</strong> />

alguém se surpreenda com estimativas que dão<<strong>br</strong> />

conta de cerca de três mil comunidades que talvez<<strong>br</strong> />

se caracterizem como remanescentes de<<strong>br</strong> />

quilombos. 4 É legítimo que essa realidade esteja<<strong>br</strong> />

estampada na Constituição da República Federativa<<strong>br</strong> />

do Brasil (art. 68 do Ato das Disposições<<strong>br</strong> />

Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades dos quilombos que<<strong>br</strong> />

estejam ocupando suas terras é reconhecida a<<strong>br</strong> />

propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes<<strong>br</strong> />

os títulos respectivos”) e reproduzida em<<strong>br</strong> />

algumas Constituições estaduais 5 , como da<<strong>br</strong> />

Bahia (art. 51 do Ato das Disposições Transitórias:<<strong>br</strong> />

“O Estado executará, no prazo de um ano<<strong>br</strong> />

3<<strong>br</strong> />

Walter Claudius Rothenburg, Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional, 2007 : 313-314.<<strong>br</strong> />

4<<strong>br</strong> />

Dado da Articulação Nacional de Remanescentes de Quilombos, referido por Arruti, 2003.<<strong>br</strong> />

5<<strong>br</strong> />

Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2007 : 4.<<strong>br</strong> />

190 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

após a promulgação desta Constituição, a identificação,<<strong>br</strong> />

discriminação e titulação das suas terras<<strong>br</strong> />

ocupadas pelos remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

dos quilombos.”), de Goiás (art. 16 do Ato<<strong>br</strong> />

das Disposições Constitucionais Transitórias:<<strong>br</strong> />

“Aos remanescentes das comunidades dos<<strong>br</strong> />

quilombos que estejam ocupando suas terras, é<<strong>br</strong> />

reconhecida a propriedade definitiva, devendo<<strong>br</strong> />

o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.”), do<<strong>br</strong> />

Maranhão (art. 229 da Constituição: “O Estado<<strong>br</strong> />

reconhecerá e legalizará, na forma da lei, as terras<<strong>br</strong> />

ocupadas por remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

dos quilombos.”), do Mato Grosso (art. 33<<strong>br</strong> />

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:<<strong>br</strong> />

“O Estado emitirá, no prazo de um ano,<<strong>br</strong> />

contado da promulgação desta Constituição e<<strong>br</strong> />

independentemente de legislação, complementar<<strong>br</strong> />

ou ordinária, os títulos definitivos relativos<<strong>br</strong> />

às terras dos remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

negras rurais que estejam ocupando suas terras<<strong>br</strong> />

há mais de meio século.”) e do Pará (art. 322 da<<strong>br</strong> />

Constituição: “Aos remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

dos quilombos que estejam ocupando suas<<strong>br</strong> />

terras, é reconhecida a propriedade definitiva,<<strong>br</strong> />

devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos<<strong>br</strong> />

no prazo de um ano, após promulgada esta Constituição.”).<<strong>br</strong> />

1. A desconstrução de um conceito<<strong>br</strong> />

Os que trabalhamos com o Direito temos lá<<strong>br</strong> />

nossas limitações de compreensão em relação a<<strong>br</strong> />

um conceito que já não é isento de complexidade<<strong>br</strong> />

nos domínios da sociologia, da história, da<<strong>br</strong> />

antropologia... No entanto, é preciso estipular<<strong>br</strong> />

um conceito que permita aplicar o art. 68 ADCT,<<strong>br</strong> />

mesmo sabendo-se que essa redução conceitual<<strong>br</strong> />

representa “uma ameaça permanente” à realidade<<strong>br</strong> />

institucional dos quilombos, pois cria “um<<strong>br</strong> />

novo sistema de identificação modelizante”<<strong>br</strong> />

(JOSÉ MAURÍCIO P. A. ARRUTI, 2003).<<strong>br</strong> />

Além da definição sugerida no início deste<<strong>br</strong> />

texto, existe uma definição normativa que esclarece<<strong>br</strong> />

o art. 68 ADCT, dada pelo Decreto 4.887,<<strong>br</strong> />

de 20 de novem<strong>br</strong>o de 2003 (que “[r]egulamenta<<strong>br</strong> />

o procedimento para identificação, reconhecimento,<<strong>br</strong> />

delimitação, demarcação e titulação das<<strong>br</strong> />

terras ocupadas por remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

dos quilombos”): “Consideram-se remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades dos quilombos, para<<strong>br</strong> />

os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais,<<strong>br</strong> />

segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória<<strong>br</strong> />

histórica própria, dotados de relações territoriais<<strong>br</strong> />

específicas, com presunção de ancestralidade<<strong>br</strong> />

negra relacionada com a resistência à opressão<<strong>br</strong> />

histórica sofrida.” (art. 2º).<<strong>br</strong> />

Outros textos normativos oferecem definições<<strong>br</strong> />

mais genéricas, como é o caso do Decreto<<strong>br</strong> />

6.040, de 7 de fevereiro de 2007 (que “[i]institui<<strong>br</strong> />

a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável<<strong>br</strong> />

dos Povos e Comunidades Tradicionais”):<<strong>br</strong> />

“Povos e Comunidades Tradicionais: grupos<<strong>br</strong> />

culturalmente diferenciados e que se reconhecem<<strong>br</strong> />

como tais, que possuem formas próprias<<strong>br</strong> />

de <strong>org</strong>anização social, que ocupam e usam<<strong>br</strong> />

territórios e recursos naturais como condição<<strong>br</strong> />

para sua reprodução cultural, social, religiosa,<<strong>br</strong> />

ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,<<strong>br</strong> />

inovações e práticas gerados e<<strong>br</strong> />

transmitidos pela tradição” (art. 3º, I).<<strong>br</strong> />

Nesse sentido, a Convenção 169 da Organização<<strong>br</strong> />

Internacional do Trabalho – OIT, de 27<<strong>br</strong> />

de junho de 1989 (“relativa aos povos indígena<<strong>br</strong> />

e tribais em países independentes”), cujo art. 1º<<strong>br</strong> />

diz que a Convenção aplica-se aos povos tribais<<strong>br</strong> />

“cujas condições sociais, culturais e econômicas<<strong>br</strong> />

os distingam de outros setores da coletividade<<strong>br</strong> />

nacional, e que sejam regidos, total ou parcialmente,<<strong>br</strong> />

por seus próprios costumes ou tradições<<strong>br</strong> />

ou por legislação especial”, bem como aos<<strong>br</strong> />

povos “considerados indígenas pelo fato de descenderem<<strong>br</strong> />

de populações que habitavam o país<<strong>br</strong> />

ou uma região geográfica pertencente ao país<<strong>br</strong> />

na época da conquista ou da colonização ou do<<strong>br</strong> />

estabelecimento das atuais fronteiras estatais e<<strong>br</strong> />

que, seja qual for sua situação jurídica, conservam<<strong>br</strong> />

todas as suas próprias instituições sociais,<<strong>br</strong> />

econômicas, culturais e políticas, ou parte dela”<<strong>br</strong> />

(sic). 6<<strong>br</strong> />

6<<strong>br</strong> />

Aprovada pelo Decreto Legislativo 143, de 20 de junho de 2002 e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de a<strong>br</strong>il de 2004.<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

191


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

1.1 Quilombos para o futuro<<strong>br</strong> />

Parece-me que o aspecto mais relevante de<<strong>br</strong> />

um conceito adequado, tendo em vista as possibilidades<<strong>br</strong> />

de aplicação eficiente da norma do art.<<strong>br</strong> />

68 ADCT (uma perspectiva jurídico-pragmática,<<strong>br</strong> />

portanto), seja a projeção presente e futura:<<strong>br</strong> />

os quilombos em sua contemporaneidade. Isso<<strong>br</strong> />

significa ampliar o campo de aplicação das normas<<strong>br</strong> />

jurídicas que se referem direta ou indiretamente<<strong>br</strong> />

a quilombos, para reconhecer e proteger<<strong>br</strong> />

realidades atuais e não apenas a memória do<<strong>br</strong> />

passado.<<strong>br</strong> />

A discussão jurídica acerca de quilombos<<strong>br</strong> />

parece ter sempre apontado para o passado. A<<strong>br</strong> />

primeira referência expressa que a Constituição<<strong>br</strong> />

faz a quilombos é quando trata da cultura, ao<<strong>br</strong> />

declarar “tombados todos os documentos e os<<strong>br</strong> />

sítios detentores de reminiscências históricas dos<<strong>br</strong> />

antigos quilombos” (art. 216, § 5º). Sintomaticamente,<<strong>br</strong> />

a consagração normativa dessa memória<<strong>br</strong> />

é feita na parte “permanente” da Constituição,<<strong>br</strong> />

tendo-se relegado a questão territorial para<<strong>br</strong> />

as disposições constitucionais transitórias.<<strong>br</strong> />

É preciso reorientar temporalmente a leitura<<strong>br</strong> />

jurídica das normas concernentes. “A questão<<strong>br</strong> />

fundamental é, portanto, perceber como o<<strong>br</strong> />

quilombo histórico foi metaforizado para ganhar<<strong>br</strong> />

funções políticas no presente e como tal conversão<<strong>br</strong> />

simbólica teve como produto, uma construção<<strong>br</strong> />

jurídica que permite pensar projetos de<<strong>br</strong> />

futuro.” – observa Arruti (2003), baseado na<<strong>br</strong> />

proposta de reconhecimento das “novas dimensões<<strong>br</strong> />

do significado atual de quilombos”, de<<strong>br</strong> />

Alfredo Wagner Berno de Almeida, que “tem<<strong>br</strong> />

como ponto de partida, situações sociais específicas<<strong>br</strong> />

e coetâneas, caracterizadas so<strong>br</strong>etudo por<<strong>br</strong> />

instrumentos político-<strong>org</strong>anizativos, cuja finalidade<<strong>br</strong> />

precípua é a garantia da terra e a afirmação<<strong>br</strong> />

de uma identidade própria”.<<strong>br</strong> />

A tônica da compreensão jurídica dos remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos é prospectiva, alforriando<<strong>br</strong> />

a interpretação da norma do art. 68 ADCT<<strong>br</strong> />

das amarras do passado. Como esclarece Arruti<<strong>br</strong> />

(2003):<<strong>br</strong> />

“apesar das exigências do termo, os ‘remanescentes’<<strong>br</strong> />

não são so<strong>br</strong>as de antigos<<strong>br</strong> />

quilombos, presas aos fatos do passado<<strong>br</strong> />

por uma continuidade evidente e prontamente<<strong>br</strong> />

resgatada na ‘memória coletiva’<<strong>br</strong> />

do grupo, prontos para serem identificados<<strong>br</strong> />

como tais. Independente de<<strong>br</strong> />

‘como de fato foi’ no passado, os laços<<strong>br</strong> />

dessas comunidades com grupos do passado<<strong>br</strong> />

precisam ser produzidos hoje, através<<strong>br</strong> />

da seleção e recriação de elementos<<strong>br</strong> />

da memória, de traços culturais que sirvam<<strong>br</strong> />

como os ‘sinais externos’ reconhecidos<<strong>br</strong> />

pelos mediadores e pelo órgão que<<strong>br</strong> />

têm a autoridade de nomeá-los ou reconhecê-los.”<<strong>br</strong> />

1.2 O lugar e a comunidade<<strong>br</strong> />

O conceito procura ressaltar uma dimensão<<strong>br</strong> />

não-territorial que o texto do art. 68 ADCT contém<<strong>br</strong> />

mas não explicita. Quilombo é, ainda e antes<<strong>br</strong> />

de mais, uma comunidade, um grupo de pessoas<<strong>br</strong> />

que desenvolvem relações específicas. Ainda<<strong>br</strong> />

que a base territorial seja fundamental para<<strong>br</strong> />

permitir que essas relações se formem e se mantenham,<<strong>br</strong> />

a dimensão “humana” possui importância<<strong>br</strong> />

jurídica própria e fornece argumento para<<strong>br</strong> />

que se proteja juridicamente uma comunidade<<strong>br</strong> />

que esteja sem território ou que tenha sido<<strong>br</strong> />

deslocada para outro território ou cujo território<<strong>br</strong> />

esteja em processo de regularização. Quilombo<<strong>br</strong> />

é o lugar e é também a comunidade.<<strong>br</strong> />

1.3 Origem diversa: a fuga de uma causa única<<strong>br</strong> />

A atualidade dos quilombos relativiza a importância<<strong>br</strong> />

de sua origem. Pouco importa se eram<<strong>br</strong> />

escravos fugidos que formaram as comunidades,<<strong>br</strong> />

se pessoas de outra procedência a eles agregaram-se<<strong>br</strong> />

ou se foram eles que se agregaram. Também<<strong>br</strong> />

o caráter rural da localização e das atividades<<strong>br</strong> />

não é fundamental.<<strong>br</strong> />

As fugas são consideradas a principal causa<<strong>br</strong> />

de formação dos quilombos, mas pode ser que<<strong>br</strong> />

essa imagem de resistência – romântica e ideológica<<strong>br</strong> />

– não corresponda à realidade mais freqüente.<<strong>br</strong> />

No entanto, essa compreensão está fortemente<<strong>br</strong> />

arraigada. O Dicionário Houaiss (2001:<<strong>br</strong> />

2359) refere o vocábulo “quilombo” a “local<<strong>br</strong> />

192 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

escondido, ger. no mato, onde se a<strong>br</strong>igavam escravos<<strong>br</strong> />

fugidos”, e “povoação fortificada de negros<<strong>br</strong> />

fugidos do cativeiro”. Pietro Lora Alarcón<<strong>br</strong> />

(2007), ao tratar dos “palenques” colombianos,<<strong>br</strong> />

afirma que albergavam os “cimarrones”, “escravos<<strong>br</strong> />

fugidos que lá encontraram o lugar ideal para<<strong>br</strong> />

não somente refugiar-se, mas também aprender<<strong>br</strong> />

um sentido de dignidade até então desconhecido<<strong>br</strong> />

em terras americanas”.<<strong>br</strong> />

A legislação repressora acompanhou essa<<strong>br</strong> />

compreensão, mas também suas alterações. Enquanto<<strong>br</strong> />

no período colonial eram necessários ao<<strong>br</strong> />

menos cinco escravos fugidos reunidos e formando<<strong>br</strong> />

ranchos permanentes, a exigência a<strong>br</strong>andou-se<<strong>br</strong> />

no período imperial, bastando então três<<strong>br</strong> />

escravos fugidos reunidos, mesmo que não formassem<<strong>br</strong> />

ranchos permanentes. 7 A legislação de<<strong>br</strong> />

hoje deve adaptar-se e valer-se de uma compreensão<<strong>br</strong> />

atual, não mais presa a uma origem única,<<strong>br</strong> />

baseada na fuga de escravos.<<strong>br</strong> />

Com efeito, na América em geral, parece<<strong>br</strong> />

terem sido “relativamente diminutas as freqüências<<strong>br</strong> />

de fugas de escravos”, assinala Manolo<<strong>br</strong> />

Florentino (2005). Às vésperas da abolição formal<<strong>br</strong> />

da escravidão (1888), “[c]resceu o número<<strong>br</strong> />

de quilombos, alguns patrocinados por<<strong>br</strong> />

abolicionistas, como o do Leblon na capital do<<strong>br</strong> />

império”, informa José Murilo de Carvalho<<strong>br</strong> />

(2007 : 188). Ainda que as fugas tenham sido<<strong>br</strong> />

importante fator causal, outros motivos concorreram<<strong>br</strong> />

para a manutenção dos quilombos: “as<<strong>br</strong> />

fugas não necessariamente representariam o<<strong>br</strong> />

principal meio de reprodução da maioria dos<<strong>br</strong> />

grandes quilombos americanos” (Florentino,<<strong>br</strong> />

2005).<<strong>br</strong> />

Alfredo Wagner B. de Almeida refere a diversidade<<strong>br</strong> />

de formas jurídicas na origem de muitos<<strong>br</strong> />

quilombos: “aqueles domínios doados, entregues<<strong>br</strong> />

ou adquiridos, com ou sem formalização<<strong>br</strong> />

jurídica, por famílias de escravos”. A transferência<<strong>br</strong> />

teria sido realizada tanto por particulares<<strong>br</strong> />

– “os descendentes diretos de grandes proprietários,<<strong>br</strong> />

sem o antigo poder de coerção, permitiram<<strong>br</strong> />

a permanência das famílias de antigos escravos<<strong>br</strong> />

(e as formas e regras de uso comum) por<<strong>br</strong> />

meio de aforamentos de valor simbólico, como<<strong>br</strong> />

forma de não a<strong>br</strong>ir mão do seu direito de propriedade<<strong>br</strong> />

formal so<strong>br</strong>e elas” –, quanto pelo Estado –<<strong>br</strong> />

“concessões feitas... em retribuição à prestação<<strong>br</strong> />

de serviços guerreiros”. Mas a aquisição das terras<<strong>br</strong> />

pode não se ter prendido a uma transferência<<strong>br</strong> />

e sim ter-se constituído modo de aquisição<<strong>br</strong> />

originária, por ocupação de “domínios ou extensões<<strong>br</strong> />

correspondentes a antigos quilombos e<<strong>br</strong> />

áreas de alforriados...”. 8<<strong>br</strong> />

A formação e o desenvolvimento dos quilombos<<strong>br</strong> />

continuou mesmo depois da abolição oficial<<strong>br</strong> />

da escravidão, pois esta não representou muito<<strong>br</strong> />

mais do que um marco formal e simbólico. A<<strong>br</strong> />

seguir esse entendimento, é possível, conquanto<<strong>br</strong> />

de improvável ocorrência, a formação atual<<strong>br</strong> />

de um (novo) quilombo.<<strong>br</strong> />

Embora a maioria das comunidades quilombolas<<strong>br</strong> />

seja rural, sendo essa uma característica<<strong>br</strong> />

destacada por muitos conceitos formulados 9 e<<strong>br</strong> />

que acentua a importância da terra, há quilombos<<strong>br</strong> />

formados na cidade. A comunidade conhecida<<strong>br</strong> />

como “Família Silva”, localizado em área privilegiada<<strong>br</strong> />

do Município de Porto Alegre (RS), pode<<strong>br</strong> />

ser mencionada como exemplo de quilombo urbano.<<strong>br</strong> />

1.4 A escravidão e a negritude, mas não<<strong>br</strong> />

somente elas<<strong>br</strong> />

Pode-se supor que, não houvesse a escravidão<<strong>br</strong> />

de negros, não haveria quilombos. Talvez a<<strong>br</strong> />

discriminação racial produzisse guetos, mas talvez<<strong>br</strong> />

não com a intensidade – e certamente não<<strong>br</strong> />

com as características – dos quilombos. O conceito<<strong>br</strong> />

proposto não consegue libertar-se da cor.<<strong>br</strong> />

Entendo que o art. 68 ADCT, ao determinar um<<strong>br</strong> />

tratamento jurídico diferenciado e mais favorável<<strong>br</strong> />

aos remanescentes das comunidades de<<strong>br</strong> />

quilombos, consagra uma ação afirmativa baseada<<strong>br</strong> />

na discriminação étnica.<<strong>br</strong> />

Não é sem hora de alguma compensação. Na<<strong>br</strong> />

candente exortação de Joaquim Nabuco (2000 :<<strong>br</strong> />

7<<strong>br</strong> />

Arruti, 2003, citando Alfredo Wagner B. de Almeida.<<strong>br</strong> />

8<<strong>br</strong> />

Arruti, 2003.<<strong>br</strong> />

9<<strong>br</strong> />

Arruti, 2003, citando Glória Moura.<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

193


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

15): “Por esses sacrifícios sem número, por esses<<strong>br</strong> />

sofrimentos, cuja terrível concatenação com<<strong>br</strong> />

o progresso lento do país faz da história do Brasil<<strong>br</strong> />

um dos mais tristes episódios do povoamento<<strong>br</strong> />

da América, a raça negra fundou, para outros,<<strong>br</strong> />

uma pátria que ela pode, com muito mais direito,<<strong>br</strong> />

chamar sua...”<<strong>br</strong> />

Regimes jurídicos diferenciados podem concretizar<<strong>br</strong> />

a igualdade, “devendo as situações desiguais<<strong>br</strong> />

ser tratadas de maneira dessemelhante,<<strong>br</strong> />

evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação<<strong>br</strong> />

de desigualdades engendradas pela própria<<strong>br</strong> />

sociedade”, assevera Joaquim. B. Barbosa<<strong>br</strong> />

Gomes (2001 : 4). Especificamente quanto aos<<strong>br</strong> />

remanescentes de comunidades de quilombos,<<strong>br</strong> />

aponta Daniel Sarmento (2007) que, por um<<strong>br</strong> />

lado, “trata-se de norma que se liga à promoção<<strong>br</strong> />

da igualdade substantiva e da justiça social, na<<strong>br</strong> />

medida em que confere direitos territoriais aos<<strong>br</strong> />

integrantes de um grupo desfavorecido, composto<<strong>br</strong> />

quase exclusivamente por pessoas muito po<strong>br</strong>es<<strong>br</strong> />

e que são vítimas de estigma e discriminação”;<<strong>br</strong> />

e, por outro lado, “cuida-se também de uma<<strong>br</strong> />

medida reparatória, que visa a resgatar uma dívida<<strong>br</strong> />

histórica da Nação com comunidades compostas<<strong>br</strong> />

predominantemente por descendentes de<<strong>br</strong> />

escravos, que sofrem ainda hoje os efeitos perversos<<strong>br</strong> />

de muitos séculos de dominação e de violações<<strong>br</strong> />

de direitos”. 10<<strong>br</strong> />

Pouco importa, porém, se todos os que integraram<<strong>br</strong> />

os quilombos eram negros ontem ou se<<strong>br</strong> />

todos são negros hoje. Lem<strong>br</strong>o-me de, numa reunião<<strong>br</strong> />

com uma comunidade remanescente de<<strong>br</strong> />

quilombo no litoral, haver-se manifestado alguém<<strong>br</strong> />

de perfil nórdico, pele e cabelos muito claros,<<strong>br</strong> />

que lá vivia há muito tempo, casado com<<strong>br</strong> />

uma negra da comunidade. Vivendo as vicissitudes<<strong>br</strong> />

da comunidade e vindo a beneficiar-se de<<strong>br</strong> />

políticas públicas que porventura contemplassem<<strong>br</strong> />

essa comunidade, esse alguém não deveria<<strong>br</strong> />

ser considerado quilombola?<<strong>br</strong> />

No campo dos conceitos e suas palavras, há<<strong>br</strong> />

avanços na utilização da etnia, ao invés da raça,<<strong>br</strong> />

como fator de caracterização dos quilombos. É<<strong>br</strong> />

o que explica Arruti (2003):<<strong>br</strong> />

“Como explica Banton (1977), a substituição<<strong>br</strong> />

da raça pela etnicidade aponta<<strong>br</strong> />

para uma mudança nos valores socialmente<<strong>br</strong> />

atribuídos à raça e etnia, na medida<<strong>br</strong> />

em que o uso da primeira aponta<<strong>br</strong> />

para a existência de critérios substantivos<<strong>br</strong> />

(como a cor ou a descendência) e<<strong>br</strong> />

reflete tendências negativas de dissolução<<strong>br</strong> />

e exclusão (os estudos so<strong>br</strong>e o racismo<<strong>br</strong> />

seriam sempre so<strong>br</strong>e a natureza e<<strong>br</strong> />

o poder das maiorias), enquanto a segunda,<<strong>br</strong> />

além de apontar para critérios<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anizativos, reflete as tendências positivas<<strong>br</strong> />

de identificação e inclusão (os<<strong>br</strong> />

estudos étnicos iluminando o poder que<<strong>br</strong> />

pode ser mobilizado pelas minorias).”<<strong>br</strong> />

1.5 Razões sentimentais e jurídicas<<strong>br</strong> />

A razão da constituição ou da adesão à comunidade<<strong>br</strong> />

(a<strong>br</strong>igo, liberdade, resistência, adesão<<strong>br</strong> />

sem constrangimento externo...), bem como o<<strong>br</strong> />

fundamento jurídico da posse da terra (ocupação,<<strong>br</strong> />

doação, herança, compra...) também têm<<strong>br</strong> />

uma importância mitigada. Importa, sim, investigar<<strong>br</strong> />

como e por que se formaram os quilombos,<<strong>br</strong> />

mas importa so<strong>br</strong>etudo demonstrar a existência<<strong>br</strong> />

atual de uma comunidade tradicional.<<strong>br</strong> />

A idéia de resistência é comumente associada<<strong>br</strong> />

aos quilombos e provavelmente esteja na origem<<strong>br</strong> />

de muitos. Resistência essa que pode ser<<strong>br</strong> />

cultural, “de rebeldia contra os padrões de vida<<strong>br</strong> />

impostos pela sociedade oficial”; ou política, de<<strong>br</strong> />

contestação do poder dominante; ou racial, de<<strong>br</strong> />

afirmação étnica. 11 Dimas Salustiano da Silva<<strong>br</strong> />

(1994 : 58-59) insiste na rebeldia contra a escravidão,<<strong>br</strong> />

na transgressão à ordem, como fator<<strong>br</strong> />

decisivo da formação dos quilombos, que ofereciam<<strong>br</strong> />

alternativa para um destino miserável:<<strong>br</strong> />

“Desde o aborto, quando as mães precipitavam<<strong>br</strong> />

seus filhos ao falecimento para não vê-los sob<<strong>br</strong> />

sofrimento; passando pelas fugas isoladas, sem<<strong>br</strong> />

maiores obstáculos para o aprisionamento; pelos<<strong>br</strong> />

suicídios, forma extrema do encontro da li-<<strong>br</strong> />

10<<strong>br</strong> />

Territórios Quilombolas e Constituição: A ADI 3.239-09 e a Constitucionalidade do Decreto 4.88703. Parecer apresentado em 2007 ao Grupo de<<strong>br</strong> />

Trabalho so<strong>br</strong>e Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – Procuradoria-Geral<<strong>br</strong> />

da República.<<strong>br</strong> />

11<<strong>br</strong> />

Arruti, 2003, citando Édson Carneiro, entre outros.<<strong>br</strong> />

194 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

berdade pelo sacrifício da vida; até o reencontro<<strong>br</strong> />

com a esperança de decidirem so<strong>br</strong>e seus<<strong>br</strong> />

destinos, suas vidas e Histórias, ao <strong>org</strong>anizarem<<strong>br</strong> />

os Quilombos.”<<strong>br</strong> />

O conceito de resistência pode ser bastante<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>angente. A Associação Brasileira de Antropologia<<strong>br</strong> />

(ABA) instituiu um grupo de trabalho<<strong>br</strong> />

que, em 1994, formulou a seguinte definição<<strong>br</strong> />

para quilombos: “‘grupos que desenvolveram<<strong>br</strong> />

práticas de resistência na manutenção e reprodução<<strong>br</strong> />

de seus modos de vida característicos num<<strong>br</strong> />

determinado lugar’, cuja identidade se define por<<strong>br</strong> />

‘uma referência histórica comum, construída a<<strong>br</strong> />

partir de vivências e valores partilhados’”<<strong>br</strong> />

(ARRUTI, 2003). Uma concepção mais estreita<<strong>br</strong> />

de resistência, no entanto, pode revelar não ser<<strong>br</strong> />

indispensável essa característica. O que mais importa<<strong>br</strong> />

é a emergência de uma identidade comunitária,<<strong>br</strong> />

não necessariamente por oposição.<<strong>br</strong> />

A abertura conceitual tem em vista apreender<<strong>br</strong> />

a diversidade de aspectos que contam na<<strong>br</strong> />

formação e desenvolvimento dos quilombos.<<strong>br</strong> />

1.6 O anacronismo das datas<<strong>br</strong> />

O revogado Decreto 3.912, de 10 de setem<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />

de 2001, so<strong>br</strong>e o “processo administrativo<<strong>br</strong> />

para identificação dos remanescentes das<<strong>br</strong> />

comunidades dos quilombos e para o reconhecimento,<<strong>br</strong> />

a delimitação, a demarcação, a titulação<<strong>br</strong> />

e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas”,<<strong>br</strong> />

dispunha artificialmente que “somente<<strong>br</strong> />

pode ser reconhecida a propriedade so<strong>br</strong>e as terras<<strong>br</strong> />

que: I – eram ocupadas por quilombos em<<strong>br</strong> />

1888; e II – estavam ocupadas por remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades dos quilombos em 5 de outu<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />

de 1988” (data da promulgação da atual<<strong>br</strong> />

Constituição da República).<<strong>br</strong> />

13 de maio de 1888 é apenas uma data<<strong>br</strong> />

relevante de um processo de abolição que se iniciou<<strong>br</strong> />

antes e não se encerrou imediatamente nesse<<strong>br</strong> />

dia. Muitos preferem inclusive, como data simbólica,<<strong>br</strong> />

o 20 de novem<strong>br</strong>o, “Dia da Consciência<<strong>br</strong> />

Negra”, que corresponde ao dia da morte de<<strong>br</strong> />

12<<strong>br</strong> />

Rothenburg, 2007 : 313.<<strong>br</strong> />

13<<strong>br</strong> />

José Murilo de Carvalho, 2007 : 257.<<strong>br</strong> />

14<<strong>br</strong> />

Rothenburg, 2001 : 18.<<strong>br</strong> />

Zumbi, um dos líderes do mais famoso quilombo<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiro, de Palmares, no Estado de Alagoas,<<strong>br</strong> />

que chegou a ter aproximadamente 30 mil pessoas<<strong>br</strong> />

e foi arrasado por ordem dos colonizadores<<strong>br</strong> />

portugueses em 1694. 12<<strong>br</strong> />

A abolição formal da escravidão em 13 de<<strong>br</strong> />

maio de 1888 não deve representar um marco<<strong>br</strong> />

temporal muito importante, pois as notícias dessa<<strong>br</strong> />

abolição – que já havia sido decretada antes<<strong>br</strong> />

(1884) em algumas províncias como Ceará e<<strong>br</strong> />

Amazonas 13 – chegaram em momentos diversos<<strong>br</strong> />

ao diferentes lugares de um país de vastas proporções<<strong>br</strong> />

e precárias condições de transporte e<<strong>br</strong> />

comunicação em fins do século XIX, e não significaram,<<strong>br</strong> />

necessariamente, uma alteração efetiva<<strong>br</strong> />

das condições de vida: “a abolição não alterou<<strong>br</strong> />

a situação de fato da população negra no<<strong>br</strong> />

Brasil, que permaneceu excluída dos mais elementares<<strong>br</strong> />

direitos do cidadão” (ARRUTI, 2003);<<strong>br</strong> />

“o fim da escravidão não resultou no fim da violência<<strong>br</strong> />

racial, nem dos processos de expropriação<<strong>br</strong> />

fundiária e, muito menos, da resistência a<<strong>br</strong> />

eles” (idem).<<strong>br</strong> />

Quilombos houve que se formaram mesmo<<strong>br</strong> />

após a abolição formal da escravidão. “Assim –<<strong>br</strong> />

pontua Dalmo de A<strong>br</strong>eu Dallari (2001 : 11-12)<<strong>br</strong> />

–, muitos dos quilombos formados anteriormente<<strong>br</strong> />

não se desfizeram e outros se constituíram, porque<<strong>br</strong> />

continuaram a ser, para muitos, a única possibilidade<<strong>br</strong> />

de viver em liberdade, segundo sua<<strong>br</strong> />

cultura e preservando sua dignidade.” Portanto,<<strong>br</strong> />

as terras ocupadas ou justamente reivindicadas<<strong>br</strong> />

por remanescentes das comunidades de quilombos<<strong>br</strong> />

“podem ter sido ocupadas por quilombolas<<strong>br</strong> />

depois de 1888”. 14 Já tive ocasião de ilustrar:<<strong>br</strong> />

“Ademais, várias razões poderiam levar<<strong>br</strong> />

a que terras de quilombos se encontrassem,<<strong>br</strong> />

em 1888, ocasionalmente desocupadas.<<strong>br</strong> />

Imagine-se um quilombo anterior<<strong>br</strong> />

a 1888 que, por violência de latifundiários<<strong>br</strong> />

da região, houvesse sido desocupado<<strong>br</strong> />

temporariamente em 1888 mas<<strong>br</strong> />

voltasse a ser ocupado logo em seguida<<strong>br</strong> />

(digamos, em 1889), quando a violência<<strong>br</strong> />

cessasse. Então, as terras em questão<<strong>br</strong> />

podem não ter estado ocupadas por<<strong>br</strong> />

quilombolas em 1888.” 15<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

195


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

Aproveitando-se indevidamente de uma topografia<<strong>br</strong> />

(norma situada nas disposições constitucionais<<strong>br</strong> />

transitórias) e de uma redação (o<<strong>br</strong> />

gerúndio “remanescentes das comunidades dos<<strong>br</strong> />

quilombos que estejam ocupando suas terras”),<<strong>br</strong> />

o Decreto 3.912/2001 “pretendeu delimitar temporalmente<<strong>br</strong> />

a incidência da norma num momento<<strong>br</strong> />

preciso”: a data da promulgação da Constituição<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira, em 5 de outu<strong>br</strong>o de 1988. Ignorou-se<<strong>br</strong> />

que o importante é uma ocupação atual<<strong>br</strong> />

e que a vocação da norma jurídica é a disciplina<<strong>br</strong> />

do presente e do futuro.<<strong>br</strong> />

“A noção de ocupação tradicional não<<strong>br</strong> />

implica, necessariamente, uma ocupação<<strong>br</strong> />

antiga e ininterrupta, prendendo-se<<strong>br</strong> />

o conceito antes ao modo de ocupação<<strong>br</strong> />

(ligado à tradição da comunidade) que<<strong>br</strong> />

a seu lapso temporal. Basta imaginar<<strong>br</strong> />

novamente uma situação de desocupação<<strong>br</strong> />

ocasional em 5 de outu<strong>br</strong>o de 1988:<<strong>br</strong> />

em virtude, por exemplo, da pressão da<<strong>br</strong> />

especulação imobiliária, toda uma comunidade<<strong>br</strong> />

quilombola é instada a abandonar<<strong>br</strong> />

a região, indo instalar-se na periferia<<strong>br</strong> />

de um centro urbano maior, muitos<<strong>br</strong> />

voltando, porém, à primeira oportunidade<<strong>br</strong> />

ou desilusão. Fantasiemos a tragicomédia<<strong>br</strong> />

de uma comunidade quilombola<<strong>br</strong> />

que tivesse sido convidada a assistir,<<strong>br</strong> />

em Brasília, à promulgação da Constituição<<strong>br</strong> />

de 1988 – que lhes reconheceu<<strong>br</strong> />

a propriedade das terras tradicionalmente<<strong>br</strong> />

ocupadas; ao retornar, a comunidade<<strong>br</strong> />

teria perdido o direito, pois não estava<<strong>br</strong> />

ocupando as terras no fatídico dia 5 de<<strong>br</strong> />

outu<strong>br</strong>o de 1988...” 16<<strong>br</strong> />

É inconstitucional essa indevida restrição<<strong>br</strong> />

“cronológica” que o antigo decreto pretendeu<<strong>br</strong> />

impor à norma da Constituição. Esta não estabeleceu<<strong>br</strong> />

marcos temporais nem exigiu “coincidência<<strong>br</strong> />

entre a ocupação originária e a atual”<<strong>br</strong> />

(ARRUTI, 2003).<<strong>br</strong> />

A falta de razoabilidade no estabelecimento<<strong>br</strong> />

de tal período salta aos olhos quando se percebe<<strong>br</strong> />

que a aquisição da propriedade por usucapião é<<strong>br</strong> />

muito mais fácil: “o maior prazo para usucapião<<strong>br</strong> />

da legislação civil [<strong>br</strong>asileira] é de 15 anos (art.<<strong>br</strong> />

1.238 do Código Civil)”, enquanto, para os<<strong>br</strong> />

quilombolas, exigir-se-ia o prazo absurdo de cem<<strong>br</strong> />

anos (1888-1988), aponta Daniel Sarmento<<strong>br</strong> />

(2007).<<strong>br</strong> />

2. Fenômeno latino-americano<<strong>br</strong> />

A escravidão negra como causa freqüente dos<<strong>br</strong> />

quilombos fez com que eles aparecessem em<<strong>br</strong> />

quase toda a América Latina. Diversos foram as<<strong>br</strong> />

designações: “quilombos” ou “mocambos” (no<<strong>br</strong> />

Brasil) 17 , “palenques” (na Colômbia – onde se<<strong>br</strong> />

formaram desde o final do século XVI 18 ; nas<<strong>br</strong> />

Guianas), “marrons” (na Jamaica), “cumbes”,<<strong>br</strong> />

“manieles”. Nem os Estados Unidos escaparam:<<strong>br</strong> />

na Flórida então espanhola, no vilarejo de Gracia<<strong>br</strong> />

Real de Santa Teresa de Mose, formou-se “um<<strong>br</strong> />

santuário... que acolhia e libertava os escravos<<strong>br</strong> />

que fugiam das Treze Colônias” (Florentino,<<strong>br</strong> />

2005).<<strong>br</strong> />

3. Os sujeitos: comunidades remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos ou remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de<<strong>br</strong> />

quilombos?<<strong>br</strong> />

A considerar a relação fortemente comunitária<<strong>br</strong> />

que integra os remanescentes de quilombos<<strong>br</strong> />

e o modo coletivo como grande parte das comunidades,<<strong>br</strong> />

de vocação rural, apropria-se da terra e<<strong>br</strong> />

dos recursos naturais, e os utiliza, o sujeito de<<strong>br</strong> />

direitos haveria de ser precipuamente a própria<<strong>br</strong> />

comunidade, tomada “como um todo”, “holisticamente”.<<strong>br</strong> />

Com efeito, as propostas originais de<<strong>br</strong> />

texto para a Constituição sugeriam que se reconhecesse<<strong>br</strong> />

“a propriedade definitiva das terras<<strong>br</strong> />

ocupadas pelas comunidades negras remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos” (destaquei). 19<<strong>br</strong> />

15<<strong>br</strong> />

Rothenburg, 2001 : 19.<<strong>br</strong> />

16<<strong>br</strong> />

Rothenburg, 2001 : 19.<<strong>br</strong> />

17<<strong>br</strong> />

Dimas Salustiano da Silva, 1994 : 59.<<strong>br</strong> />

18<<strong>br</strong> />

Pietro Lora Alarcón, 2007.<<strong>br</strong> />

196 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

Sujeitos coletivos e direitos metaindividuais<<strong>br</strong> />

ainda causam desconforto para um Direito forjado<<strong>br</strong> />

em molde individualista. Talvez por isso, a<<strong>br</strong> />

redação final do art. 68 ADCT trocou sutilmente<<strong>br</strong> />

de sujeito: a expressão “comunidades remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos” (onde o núcleo é o termo<<strong>br</strong> />

“comunidades”, que se refere à coletividade)<<strong>br</strong> />

foi alterada para “remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

de quilombos” (onde o núcleo é o termo<<strong>br</strong> />

“remanescentes”, que se refere aos indivíduos).<<strong>br</strong> />

Um escuso objetivo pragmático que estaria<<strong>br</strong> />

na interpretação individualista, seria o de “impedir<<strong>br</strong> />

a atuação do Ministério Público Federal”<<strong>br</strong> />

(Arruti, 2003), que teria legitimação para a defesa<<strong>br</strong> />

de interesses difusos (metaindividuais) e<<strong>br</strong> />

individuais indisponíveis, mas não para a defesa<<strong>br</strong> />

de direitos individuais disponíveis, como seria<<strong>br</strong> />

a propriedade fundiária dos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos. Porém, não é<<strong>br</strong> />

com uma interpretação tão tacanha que se consegue<<strong>br</strong> />

afastar a atuação do Ministério Público,<<strong>br</strong> />

pois as questões ligadas a quilombos – não apenas<<strong>br</strong> />

a questão fundiária – têm um interesse cultural<<strong>br</strong> />

nacional (direito “difuso”) expressamente<<strong>br</strong> />

consagrado na própria Constituição (art. 216); a<<strong>br</strong> />

propriedade das terras ocupadas pelos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades quilombolas caracteriza-se<<strong>br</strong> />

à evidência como interesse coletivo e a<<strong>br</strong> />

legislação complementar (Constituição, art. 129,<<strong>br</strong> />

IX) atribui especificamente ao Ministério Público<<strong>br</strong> />

Federal a promoção do inquérito civil e da<<strong>br</strong> />

ação civil pública para “a proteção dos interesses<<strong>br</strong> />

individuais indisponíveis, difusos e coletivos,<<strong>br</strong> />

relativos às comunidades indígenas, à família,<<strong>br</strong> />

à criança, ao adolescente, ao idoso, às<<strong>br</strong> />

minorias étnicas e ao consumidor” (Lei Complementar<<strong>br</strong> />

75, de 20 de maio de 1993, art. 6º,<<strong>br</strong> />

VII, “c”).<<strong>br</strong> />

A alteração de expressões não consegue<<strong>br</strong> />

alterar, portanto, a possível e freqüente natureza<<strong>br</strong> />

coletiva do sujeito de direitos, qual seja, a<<strong>br</strong> />

comunidade formada por remanescentes de<<strong>br</strong> />

quilombos.<<strong>br</strong> />

3.1 Associações representativas das<<strong>br</strong> />

comunidades<<strong>br</strong> />

Advieram conseqüências jurídicas imediatas<<strong>br</strong> />

dessa compreensão individualista. Órgãos governamentais<<strong>br</strong> />

envolvidos com a questão quilombola,<<strong>br</strong> />

como a Fundação Cultural Palmares, do<<strong>br</strong> />

Ministério da Cultura, fomentaram a instituição<<strong>br</strong> />

de associações representativas das comunidades,<<strong>br</strong> />

tendo criado um modelo de estatuto e uma estratégia<<strong>br</strong> />

de implantação. Em nome dessas associações<<strong>br</strong> />

é que foram e vêm sendo conferidos títulos<<strong>br</strong> />

de propriedade, assim como as associações<<strong>br</strong> />

é que são destinatárias de políticas públicas<<strong>br</strong> />

concernentes.<<strong>br</strong> />

Trata-se da imposição – eventualmente bem<<strong>br</strong> />

intencionada – de um modelo artificial. As associações<<strong>br</strong> />

freqüentemente trazem problemas de<<strong>br</strong> />

política interna e reproduzem, quando não acirram,<<strong>br</strong> />

conflitos da própria comunidade. Por exemplo,<<strong>br</strong> />

a cisão de um grupo ou a expulsão de indivíduos,<<strong>br</strong> />

embora os afastem da associação, não<<strong>br</strong> />

lhes retiram a pertença à comunidade. Ademais,<<strong>br</strong> />

associações podem ser desfeitas espontaneamente<<strong>br</strong> />

e até desconstituídas coativamente, enquanto<<strong>br</strong> />

as comunidades a que se referem podem permanecer.<<strong>br</strong> />

Especificamente quanto à propriedade imobiliária,<<strong>br</strong> />

não haveria impedimento a que a atribuição<<strong>br</strong> />

formal se desse em caráter coletivo, à<<strong>br</strong> />

própria comunidade. Essa a solução adotada pelo<<strong>br</strong> />

Juiz Federal da 7ª Vara em Salvador (Bahia),<<strong>br</strong> />

Dr. Wilson Alves Souza, em sentença da Ação<<strong>br</strong> />

Ordinária 93.12284-3, datada de 30 de julho de<<strong>br</strong> />

1999, contemplando os remanescentes dos quilombolas<<strong>br</strong> />

da Comunidade Negra Rio das Rãs.<<strong>br</strong> />

Parece, no entanto, que prevaleceu uma tacanha<<strong>br</strong> />

aplicação da lei ordinária (no caso, a Lei<<strong>br</strong> />

6.015, de 31 de dezem<strong>br</strong>o de 1973, relativa aos<<strong>br</strong> />

registros públicos) so<strong>br</strong>e a norma constitucional,<<strong>br</strong> />

ao invés de uma desejável interpretação<<strong>br</strong> />

conforme a Constituição.<<strong>br</strong> />

Ao menos, optou-se por gravar a propriedade<<strong>br</strong> />

das terras quilombolas com cláusula de<<strong>br</strong> />

inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade<<strong>br</strong> />

(Decreto 4.887/2003, art. 17).<<strong>br</strong> />

19<<strong>br</strong> />

ARRUTI, 2003, QUE CITA DIMAS SALUSTIANO DA SILVA.<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

197


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

Essa alternativa minora as conseqüências de uma<<strong>br</strong> />

atribuição individualista e a aproxima, em seus<<strong>br</strong> />

efeitos, de uma titulação coletiva.<<strong>br</strong> />

O aspecto positivo do modelo individualista<<strong>br</strong> />

“associação” adotado, e o aspecto negativo do<<strong>br</strong> />

modelo coletivista “comunidade” aqui sugerido<<strong>br</strong> />

(mas que inspirou a cláusula de restrição), está<<strong>br</strong> />

na possibilidade que aquele modelo oferece à<<strong>br</strong> />

comunidade de adaptar a disposição da propriedade<<strong>br</strong> />

de acordo com sua deliberação. Se de fato<<strong>br</strong> />

não há uma apropriação coletiva da terra e dos<<strong>br</strong> />

recursos naturais ou se o modo de apropriação<<strong>br</strong> />

modifica-se, cabe à própria comunidade deliberar<<strong>br</strong> />

quanto à forma de gerir sua propriedade.<<strong>br</strong> />

Modelos impositivos a partir de determinações<<strong>br</strong> />

heterônomas carecem de legitimidade. Contudo,<<strong>br</strong> />

o Direito tem uma vocação de proteção e a<<strong>br</strong> />

realidade <strong>br</strong>asileira atual justifica tal cuidado: a<<strong>br</strong> />

inalienabilidade das terras tradicionalmente ocupadas<<strong>br</strong> />

pelas comunidades remanescentes de<<strong>br</strong> />

quilombos deve valer como princípio.<<strong>br</strong> />

3.2 Autodefinição<<strong>br</strong> />

É inconcebível que, no âmbito da construção<<strong>br</strong> />

da identidade, so<strong>br</strong>elevem critérios heterônomos,<<strong>br</strong> />

estabelecidos por “estrangeiros” para<<strong>br</strong> />

caracterizar comunidades humanas de que não<<strong>br</strong> />

fazem parte. “Devemos encontrar alguma outra<<strong>br</strong> />

maneira de assegurar a legitimidade, uma maneira<<strong>br</strong> />

que não continue a definir grupos excluídos<<strong>br</strong> />

em função de uma identidade que outros<<strong>br</strong> />

criaram para eles.” – adverte Will Kymlicka<<strong>br</strong> />

(2006 : 293). O art. 68 ADCT deve ser interpretado<<strong>br</strong> />

como adotante de um critério de autodefinição,<<strong>br</strong> />

a partir das “práticas dos próprios interessados<<strong>br</strong> />

ou daqueles que potencialmente podem<<strong>br</strong> />

ser contemplados” (ALFREDO WAGNER B.<<strong>br</strong> />

<strong>DE</strong> ALMEIDA 20 ). Significa que o Direito acata<<strong>br</strong> />

o modo como a própria comunidade implicada<<strong>br</strong> />

estabelece relações de pertinência e “regula<<strong>br</strong> />

quem faz e quem não faz parte do grupo”<<strong>br</strong> />

(ARRUTI, 2003).<<strong>br</strong> />

Essa orientação indeclinável inspira a regulamentação:<<strong>br</strong> />

o Decreto 4.887/2003 preceitua que<<strong>br</strong> />

“a caracterização dos remanescentes das comunidades<<strong>br</strong> />

dos quilombos será atestada mediante<<strong>br</strong> />

autodefinição da própria comunidade” (art. 2º,<<strong>br</strong> />

§ 1º), e que essa autodefinição “será inscrita no<<strong>br</strong> />

Cadastro Geral junto à Fundação Cultural<<strong>br</strong> />

Palmares, que expedirá certidão respectiva” (art.<<strong>br</strong> />

3º, § 4º). O critério da auto-identificação também<<strong>br</strong> />

é o adotado em âmbito internacional: a<<strong>br</strong> />

Convenção 169 da OIT dispõe que a consciência<<strong>br</strong> />

da própria identidade “deverá ser considerada<<strong>br</strong> />

como critério fundamental para determinar<<strong>br</strong> />

os grupos” aos quais se aplica a Convenção (art.<<strong>br</strong> />

1.2). 21<<strong>br</strong> />

A participação ativa e primordial da comunidade<<strong>br</strong> />

na definição de sua identidade supõe um<<strong>br</strong> />

grau razoável de consciência e de informação a<<strong>br</strong> />

respeito de si e das conseqüências da auto-atribuição.<<strong>br</strong> />

Nesse sentido, é um momento do direito<<strong>br</strong> />

que as comunidades remanescentes de quilombo<<strong>br</strong> />

têm de participar, informadamente, de todo<<strong>br</strong> />

o procedimento de regularização fundiária de<<strong>br</strong> />

suas terras, conforme lhes assegura o Decreto<<strong>br</strong> />

4.887/2003 (art. 6º). 22<<strong>br</strong> />

A auto-identificação não é isenta de problemas.<<strong>br</strong> />

Nenhum critério o é, e a auto-identificação<<strong>br</strong> />

tem a vantagem insuperável da legitimidade.<<strong>br</strong> />

Contudo, tem-se de levar em consideração – o<<strong>br</strong> />

que pode significar, juridicamente, a possibilidade<<strong>br</strong> />

de exame – a perda de clareza ao se abandonarem<<strong>br</strong> />

marcos “seguros” oferecidos por “processos<<strong>br</strong> />

sociais objetivos”, por uma auto-atribuição,<<strong>br</strong> />

“um tipo de sentimento, de compreensão e<<strong>br</strong> />

de representação de si; enfim, ... uma propriedade<<strong>br</strong> />

subjetiva dos indivíduos projetada no grupo”.<<strong>br</strong> />

23<<strong>br</strong> />

A regulamentação <strong>br</strong>asileira não ignora processos<<strong>br</strong> />

sociais objetivos. Como pondera Juliana<<strong>br</strong> />

Santilli (2005 : 136-137), os principais critérios<<strong>br</strong> />

adotados para a identificação das comunidades<<strong>br</strong> />

de quilombos são “a auto-atribuição (critério<<strong>br</strong> />

também consagrado pela Convenção 169 da<<strong>br</strong> />

OIT, já mencionado) e a relação histórica com<<strong>br</strong> />

um território específico”. O Decreto 4.887/2003<<strong>br</strong> />

determina que devam ser avaliados também outros<<strong>br</strong> />

fatores (trajetória histórica própria, relações<<strong>br</strong> />

20<<strong>br</strong> />

Citado por Arruti, 2003.<<strong>br</strong> />

21<<strong>br</strong> />

Juliana Santilli, 2005 : 136-137.<<strong>br</strong> />

22<<strong>br</strong> />

Paulo Affonso Leme Machado (2006 : 34-35) acentua a relação entre informação e participação.<<strong>br</strong> />

198 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

territoriais específicas, ancestralidade negra relacionada<<strong>br</strong> />

com a resistência à opressão histórica),<<strong>br</strong> />

que revestem de objetividade a auto-atribuição<<strong>br</strong> />

inicial.<<strong>br</strong> />

Apenas que todo o procedimento não prescinde,<<strong>br</strong> />

desde o início, da autodefinição. A indispensável<<strong>br</strong> />

auto-identificação precisa ser seguida<<strong>br</strong> />

da “identificação, delimitação e levantamento<<strong>br</strong> />

ocupacional e cartorial” da área (art. 7º do Decreto<<strong>br</strong> />

4.887/2003), retratadas num relatório técnico,<<strong>br</strong> />

que deverá ser encaminhado a diversos<<strong>br</strong> />

órgãos para manifestação (art. 8º) e permitirá<<strong>br</strong> />

contestação por qualquer interessado (art. 9º). É<<strong>br</strong> />

possível afirmar, contudo, e com Arruti (2003),<<strong>br</strong> />

que “o peso que o argumento da auto-atribuição<<strong>br</strong> />

terá na argumentação pelo reconhecimento oficial<<strong>br</strong> />

será inversamente proporcional ao peso que<<strong>br</strong> />

se puder atribuir aos outros itens daquelas listas<<strong>br</strong> />

de critérios que têm orientado a descrição de tais<<strong>br</strong> />

comunidades”.<<strong>br</strong> />

Se a auto-atribuição apresenta-se, do ponto<<strong>br</strong> />

de vista antropológico, como o mais indicado<<strong>br</strong> />

critério de reconhecimento de uma comunidade<<strong>br</strong> />

como remanescente de quilombo, pode ser que<<strong>br</strong> />

reste ao Direito a tarefa ingrata de invalidá-lo<<strong>br</strong> />

em situações de fraude evidente. Se um grupo<<strong>br</strong> />

supostamente fragilizado candidata-se à obtenção<<strong>br</strong> />

de vantagens públicas, num contexto de escassez<<strong>br</strong> />

que é típico dos recursos públicos e dramático<<strong>br</strong> />

em Estados de muita gente po<strong>br</strong>e, a<<strong>br</strong> />

usurpação da condição que legitima essa candidatura<<strong>br</strong> />

viola gravemente a isonomia, pois priva<<strong>br</strong> />

de tais vantagens outros grupos realmente fragilizados.<<strong>br</strong> />

Portanto, assim como não se pode ignorar<<strong>br</strong> />

a precedência do critério da auto-identificação,<<strong>br</strong> />

não se deve so<strong>br</strong>evalorizá-lo, mas admitir,<<strong>br</strong> />

em casos extremos, sua infirmação. Certo é,<<strong>br</strong> />

contudo, que a auto-atribuição goza de uma presunção<<strong>br</strong> />

favorável e exige forte argumentação<<strong>br</strong> />

para ser invalidada.<<strong>br</strong> />

Além disso, a auto-identificação comunitária<<strong>br</strong> />

pode ser mal utilizada no interior da própria<<strong>br</strong> />

comunidade e engendrar situações de opressão.<<strong>br</strong> />

Imagine-se que disputas políticas internas levem<<strong>br</strong> />

à exclusão arbitrária de alguém da associação<<strong>br</strong> />

que congrega os integrantes da comunidade.<<strong>br</strong> />

Esse indivíduo pode ter seu reconhecimento<<strong>br</strong> />

“formal” negado pela comunidade (por seus representantes<<strong>br</strong> />

dominantes), apesar de se sentir<<strong>br</strong> />

pertencente à comunidade e ter a seu favor outros<<strong>br</strong> />

critérios “objetivos” (como a etnia, a ascendência,<<strong>br</strong> />

os hábitos...). Juridicamente, é possível<<strong>br</strong> />

pleitear-se a nulidade da exclusão formal da associação<<strong>br</strong> />

e atribuir a esse indivíduo vantagens<<strong>br</strong> />

destinadas aos demais integrantes da comunidade.<<strong>br</strong> />

4. O reconhecimento da<<strong>br</strong> />

propriedade das terras<<strong>br</strong> />

tradicionalmente ocupadas<<strong>br</strong> />

Tem natureza declaratória o art. 68 ADCT,<<strong>br</strong> />

no ponto em que reconhece aos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos a propriedade<<strong>br</strong> />

das terras por eles tradicionalmente ocupadas.<<strong>br</strong> />

A propriedade reconhecida não se cinge ao<<strong>br</strong> />

território efetivamente ocupado pelos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos no momento,<<strong>br</strong> />

mas àquele que a<strong>br</strong>ange “os espaços que<<strong>br</strong> />

fazem parte de seus usos, costumes e tradições,<<strong>br</strong> />

que possuem os recursos ambientais necessários<<strong>br</strong> />

à sua manutenção e às reminiscências históricas<<strong>br</strong> />

que permitam perpetuar sua memória”<<strong>br</strong> />

(ARRUTI, 2003), e que tenha sido ocupado tradicionalmente,<<strong>br</strong> />

ainda que a ocupação momentânea<<strong>br</strong> />

seja mais restrita. A chave para a compreensão<<strong>br</strong> />

da expressão “terras” do art. 68 ADCT é<<strong>br</strong> />

dada pela própria Constituição, por analogia, ao<<strong>br</strong> />

tratar da situação – em tantos pontos semelhante<<strong>br</strong> />

– dos índios, no art. 231, § 1º: “São terras<<strong>br</strong> />

tradicionalmente ocupadas pelos índios as por<<strong>br</strong> />

eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas<<strong>br</strong> />

para suas atividades produtivas, as imprescindíveis<<strong>br</strong> />

á preservação dos recursos ambientais<<strong>br</strong> />

necessários a seu bem-estar e as necessárias a<<strong>br</strong> />

sua reprodução física e cultural, segundo seus<<strong>br</strong> />

usos, costumes e tradições.”<<strong>br</strong> />

4.1 Autoaplicabilidade do art. 68 ADCT 24<<strong>br</strong> />

Desde a promulgação da Constituição de<<strong>br</strong> />

1988 que se discute a propósito da aplicabilidade<<strong>br</strong> />

(eficácia jurídica) do art. 68 ADCT.<<strong>br</strong> />

23<<strong>br</strong> />

Arruti, 2003.<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

199


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

Contudo, a aplicabilidade imediata (eficácia<<strong>br</strong> />

jurídica plena) é evidente e ressalta já da redação<<strong>br</strong> />

do dispositivo. Estão suficientemente indicados,<<strong>br</strong> />

no plano normativo, o objeto do direito<<strong>br</strong> />

(a propriedade definitiva das terras ocupadas),<<strong>br</strong> />

seu sujeito ou beneficiário (os remanescentes das<<strong>br</strong> />

comunidades dos quilombos), a condição (a<<strong>br</strong> />

ocupação tradicional das terras), o dever correlato<<strong>br</strong> />

(reconhecimento da propriedade e emissão<<strong>br</strong> />

dos títulos respectivos) e o sujeito passivo<<strong>br</strong> />

ou devedor (o Estado, Poder Público). Qualquer<<strong>br</strong> />

leitor bem-intencionado compreende tranqüilamente<<strong>br</strong> />

o que a norma quer dizer, e o jurista consegue<<strong>br</strong> />

aplicá-la sem necessidade de integração<<strong>br</strong> />

legal.<<strong>br</strong> />

O art. 68 ADCT consagra diversos direitos<<strong>br</strong> />

fundamentais, como o direito à moradia e à cultura.<<strong>br</strong> />

Do regime específico e reforçado dos direitos<<strong>br</strong> />

fundamentais decorre a tendencial<<strong>br</strong> />

aplicabilidade imediata, visto que – aponta<<strong>br</strong> />

Daniel Sarmento (2006) – “os direitos fundamentais<<strong>br</strong> />

não dependem de concretização<<strong>br</strong> />

legislativa para surtirem os seus efeitos”.<<strong>br</strong> />

Também indicam a eficácia jurídica plena<<strong>br</strong> />

desse artigo: o conteúdo da declaração normativa<<strong>br</strong> />

(simplesmente o reconhecimento de um direito<<strong>br</strong> />

e a atribuição de um dever específico de atuação<<strong>br</strong> />

do Poder Público) e sua localização nas disposições<<strong>br</strong> />

transitórias (que, justamente para poderem<<strong>br</strong> />

disciplinar imediatamente situações de<<strong>br</strong> />

transição entre sistemas constitucionais que se<<strong>br</strong> />

sucedem, devem estar dotadas de normatividade<<strong>br</strong> />

suficiente, segundo a lição de José Afonso da<<strong>br</strong> />

Silva, 1982 : 189-191).<<strong>br</strong> />

Aspectos específicos relacionados ao âmbito<<strong>br</strong> />

concreto (identificação de pessoas, delimitação<<strong>br</strong> />

de áreas etc.) e ao âmbito administrativo<<strong>br</strong> />

(órgãos competentes, procedimento...) não criam<<strong>br</strong> />

direitos e deveres “externos”, apenas regulamentam<<strong>br</strong> />

a atuação estatal, e não carecem, portanto,<<strong>br</strong> />

de lei para serem disciplinados.<<strong>br</strong> />

Ademais, para satisfazer o princípio da legalidade<<strong>br</strong> />

lá onde ele se impõe (a <strong>org</strong>anização<<strong>br</strong> />

administrativa, a legislação so<strong>br</strong>e desapropriação<<strong>br</strong> />

etc.), já existe todo um arcabouço legislativo<<strong>br</strong> />

que sustenta a aplicação do Decreto 4.887/2003.<<strong>br</strong> />

Ou seja: o art. 68 ADCT não necessita de lei<<strong>br</strong> />

para sua aplicabilidade, mas onde esta é exigida<<strong>br</strong> />

no geral, existem diversas leis pertinentes. Citem-se,<<strong>br</strong> />

a propósito, a Lei 9.649/1998, so<strong>br</strong>e a<<strong>br</strong> />

<strong>org</strong>anização da Presidência da República e dos<<strong>br</strong> />

Ministérios, que atribui ao Ministério da Cultura<<strong>br</strong> />

competência para “aprovar a delimitação das<<strong>br</strong> />

terras dos remanescentes das comunidades dos<<strong>br</strong> />

quilombos, bem como determinar as suas demarcações,<<strong>br</strong> />

que serão homologadas mediante decreto”<<strong>br</strong> />

(art. 14, IV, “c”); e a Lei 7.668/1988, que<<strong>br</strong> />

institui a Fundação Cultural Palmares e lhe dá<<strong>br</strong> />

competência para “realizar a identificação dos<<strong>br</strong> />

remanescentes das comunidades dos quilombos,<<strong>br</strong> />

proceder ao reconhecimento, à delimitação e à<<strong>br</strong> />

demarcação das terras por eles ocupadas e conferir-lhes<<strong>br</strong> />

a correspondente titulação” (art. 2º, III).<<strong>br</strong> />

Ressalte-se que, ao adotar a Convenção 169<<strong>br</strong> />

da OIT, so<strong>br</strong>e povos indígenas e tribais, o Brasil<<strong>br</strong> />

compromete-se, no plano internacional, a adotar<<strong>br</strong> />

“as medidas que sejam necessárias para determinar<<strong>br</strong> />

as terras que os povos interessados ocupam<<strong>br</strong> />

tradicionalmente e garantir a proteção efetiva<<strong>br</strong> />

dos seus direitos de propriedade e posse”<<strong>br</strong> />

(art. 14.2).<<strong>br</strong> />

Mais importante, todavia, é considerar o tempo<<strong>br</strong> />

transcorrido. Passados quase vinte anos da<<strong>br</strong> />

promulgação da Constituição, não tem mais<<strong>br</strong> />

cabimento essa discussão a respeito da autoaplicabilidade<<strong>br</strong> />

do art. 68 ADCT, senão com intenção<<strong>br</strong> />

de neutralizar o comando constitucional. Um<<strong>br</strong> />

comprometimento com a efetividade da Constituição<<strong>br</strong> />

implica “construir uma argumentação<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e o art. 68 que não inviabilizasse as ações<<strong>br</strong> />

positivas já existentes em prol da realização do<<strong>br</strong> />

direito lá estabelecido”, destaca o Centro de<<strong>br</strong> />

Pesquisas Aplicadas da Sociedade Brasileira de<<strong>br</strong> />

Direito Público (CARLOS ARI SUNDFELD,<<strong>br</strong> />

2002 : 112).<<strong>br</strong> />

Quando a densidade da norma constitucional<<strong>br</strong> />

é suficiente e há apenas necessidade de regulamentação<<strong>br</strong> />

para uma atuação administrativa<<strong>br</strong> />

24<<strong>br</strong> />

Esse texto corresponde quase inteiramente ao Parecer contrário ao Projeto de Decreto Legislativo nº 44, de 2007, de autoria do Deputado Federal<<strong>br</strong> />

Valdir Colatto, por mim apresentado em 2007 ao Grupo de Trabalho so<strong>br</strong>e Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais da 6ª Câmara de Coordenação<<strong>br</strong> />

e Revisão do Ministério Público Federal – Procuradoria-Geral da República.<<strong>br</strong> />

200 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

adequada, não faz falta a interposição legislativa<<strong>br</strong> />

e pode ser estabelecida uma relação imediata<<strong>br</strong> />

entre a Constituição e o decreto, conforme<<strong>br</strong> />

admitem doutrina e jurisprudência, na figura da<<strong>br</strong> />

“reserva de lei relativa” (TEMISTOCLE<<strong>br</strong> />

MARTINES, 2005 : 379). Vejam-se os exemplos<<strong>br</strong> />

da “<strong>org</strong>anização e funcionamento da administração<<strong>br</strong> />

federal, quando não implicar aumento<<strong>br</strong> />

de despesa nem criação ou extinção de órgãos<<strong>br</strong> />

públicos”, e da “extinção de funções ou cargos<<strong>br</strong> />

públicos, quando vagos” (Constituição, art. 84,<<strong>br</strong> />

VI), bem como da intervenção federal (art. 36,<<strong>br</strong> />

§ 1º). Como precisa Daniel Sarmento (2007),<<strong>br</strong> />

“se a Constituição pode ser aplicada diretamente<<strong>br</strong> />

pela Administração Pública, independentemente<<strong>br</strong> />

de qualquer mediação concretizadora da<<strong>br</strong> />

lei, parece evidente a possibilidade de edição de<<strong>br</strong> />

atos normativos pela administração que pautem<<strong>br</strong> />

esta aplicação, seja para explicitar o sentido de<<strong>br</strong> />

norma constitucional, seja para definir os procedimentos<<strong>br</strong> />

tendentes à viabilização da sua incidência”.<<strong>br</strong> />

Em outras hipóteses, pode já existir legislação<<strong>br</strong> />

e o regulamento é apenas aparentemente<<strong>br</strong> />

autônomo, conforme decidiu o Supremo Tribunal<<strong>br</strong> />

Federal em relação à antiga Portaria 796/<<strong>br</strong> />

2000, do Ministro da Justiça, so<strong>br</strong>e classificação<<strong>br</strong> />

indicativa dos programas de televisão: o<<strong>br</strong> />

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/<<strong>br</strong> />

1990) era a prévia lei necessária. 25<<strong>br</strong> />

Portanto, o art. 68 ADCT possui suficiente<<strong>br</strong> />

densidade normativa, sendo autoaplicável. É<<strong>br</strong> />

perfeitamente cabível a regulamentação de aspectos<<strong>br</strong> />

meramente administrativos relacionados<<strong>br</strong> />

a dispositivo constitucional autoaplicável. E há<<strong>br</strong> />

diversas leis preexistentes que dão sustentação<<strong>br</strong> />

a essa regulamentação.<<strong>br</strong> />

4.2 Dever dos Municípios, dos Estados e da<<strong>br</strong> />

União<<strong>br</strong> />

O art. 68 ADCT atribui genericamente ao<<strong>br</strong> />

Estado a incumbência de garantir a propriedade<<strong>br</strong> />

das terras ocupadas pelos remanescentes das<<strong>br</strong> />

comunidades de quilombos e emitir os respectivos<<strong>br</strong> />

títulos de propriedade. A expressão “Estado”<<strong>br</strong> />

obviamente não se refere aos Estados-mem<strong>br</strong>os,<<strong>br</strong> />

pois não haveria sentido em restringir essa<<strong>br</strong> />

incumbência apenas a tais entes federados. Significa<<strong>br</strong> />

“Poder Público” e deve ser lida de acordo<<strong>br</strong> />

com o princípio federativo, a a<strong>br</strong>anger todas as<<strong>br</strong> />

esferas (municipal, estadual e federal).<<strong>br</strong> />

A existência de regulamentos federais justifica-se<<strong>br</strong> />

duplamente: enquanto disciplina geral do<<strong>br</strong> />

art. 68 ADCT e enquanto disciplina específica<<strong>br</strong> />

do Governo Federal, mas sempre de natureza<<strong>br</strong> />

eminentemente administrativa.<<strong>br</strong> />

A regulamentação em nível federal “não exclui<<strong>br</strong> />

– e nem poderia – os órgãos locais (so<strong>br</strong>etudo<<strong>br</strong> />

os estaduais) de realizar, no âmbito de suas<<strong>br</strong> />

competências, os atos de regularização fundiária<<strong>br</strong> />

das terras de quilombos”. 26<<strong>br</strong> />

Municípios, que são sempre as unidades mais<<strong>br</strong> />

próximas, e Estados, que muitas vezes reúnem<<strong>br</strong> />

melhores condições do que o Governo federal,<<strong>br</strong> />

não devem eximir-se de regularizar a situação<<strong>br</strong> />

fundiária dos respectivos remanescentes das<<strong>br</strong> />

comunidades de quilombos, inclusive arcando<<strong>br</strong> />

com eventuais indenizações. Atribuir esse ônus<<strong>br</strong> />

financeiro sempre à União, sem admitir a própria<<strong>br</strong> />

responsabilidade ou compartilhar o dever<<strong>br</strong> />

constitucional, afronta o princípio federativo.<<strong>br</strong> />

Diversas competências materiais comuns, ou<<strong>br</strong> />

seja, distribuídas a todos os entes da federação<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira, sustentam a atuação também dos Estados<<strong>br</strong> />

e Municípios: proteger os bens de valor<<strong>br</strong> />

histórico e cultural (Constituição, art. 23, III);<<strong>br</strong> />

“promover programas de construção de moradias<<strong>br</strong> />

e a melhoria das condições habitacionais e<<strong>br</strong> />

de saneamento básico” (art. 23, IX); “combater<<strong>br</strong> />

as causas da po<strong>br</strong>eza e os fatores de marginalização,<<strong>br</strong> />

promovendo a integração social dos<<strong>br</strong> />

setores desfavorecidos” (art. 23, X)...<<strong>br</strong> />

A se admitir a desapropriação como forma<<strong>br</strong> />

de garantir a propriedade das terras dos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos, a<<strong>br</strong> />

legislação <strong>br</strong>asileira permite que também os<<strong>br</strong> />

Municípios e Estados, além da União, desapropriem<<strong>br</strong> />

por utilidade pública ou por interesse social;<<strong>br</strong> />

apenas a modalidade de desapropriação<<strong>br</strong> />

25<<strong>br</strong> />

Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398 AgR/DF, relator Ministro Cezar Peluso, 25/06/2007.<<strong>br</strong> />

26<<strong>br</strong> />

Rothenburg, 2001 : 18.<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

201


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

para reforma agrária é privativa da União (Constituição,<<strong>br</strong> />

art. 184).<<strong>br</strong> />

4.3 Descabimento de desapropriação,<<strong>br</strong> />

cabimento de indenização<<strong>br</strong> />

Uma leitura conservadora e tímida do art. 68<<strong>br</strong> />

ADCT, ainda que bem-intencionada, sustenta a<<strong>br</strong> />

necessidade de desapropriação das terras tradicionalmente<<strong>br</strong> />

ocupadas por remanescentes de<<strong>br</strong> />

comunidades de quilombos, mas que estejam<<strong>br</strong> />

tituladas ou que de alguma forma pertençam a<<strong>br</strong> />

particulares. O Decreto 4.887/2003 adota esse<<strong>br</strong> />

equivocado entendimento (art. 13). Tal interpretação<<strong>br</strong> />

não se sustenta ante o texto claro do art.<<strong>br</strong> />

68 ADCT, que reconhece desde logo aos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos a propriedade<<strong>br</strong> />

definitiva dessas terras. Se a Constituição<<strong>br</strong> />

reconhece a propriedade, ou seja, se a<<strong>br</strong> />

atribuição dessa propriedade ocorreu por força<<strong>br</strong> />

da norma constitucional, não há o que desapropriar:<<strong>br</strong> />

não se pode expropriar o que já é de seu<<strong>br</strong> />

domínio.<<strong>br</strong> />

Mas podem ter-se constituído validamente<<strong>br</strong> />

direitos em relação a essas terras. Detentores de<<strong>br</strong> />

títulos anteriores (antigos “proprietários”), quiçá<<strong>br</strong> />

legitimamente adquiridos; posseiros, alguns<<strong>br</strong> />

em convivência pacífica com os remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos; uns e outros que<<strong>br</strong> />

tenham feito benfeitorias, merecem a devida indenização.<<strong>br</strong> />

Se é certo que a Constituição ignora o direito<<strong>br</strong> />

anterior de propriedade – por isso que não<<strong>br</strong> />

cabe desapropriação das terras –, ela não ignora<<strong>br</strong> />

a existência de situações jurídicas que configuram<<strong>br</strong> />

direitos de outra natureza, eventualmente<<strong>br</strong> />

de importância fundamental (como o direito de<<strong>br</strong> />

moradia: Constituição, art. 6º) e também passíveis<<strong>br</strong> />

de avaliação. 27 É justo que toda a sociedade<<strong>br</strong> />

arque com o sacrifício de direitos específicos<<strong>br</strong> />

em prol dos remanescentes das comunidades de<<strong>br</strong> />

quilombos.<<strong>br</strong> />

“Afinal, é interesse de todos os <strong>br</strong>asileiros<<strong>br</strong> />

– das presentes e futuras gerações<<strong>br</strong> />

– preservar a cultura dos quilombolas,<<strong>br</strong> />

e, por outro lado, é também um dever<<strong>br</strong> />

de todos nós contribuir para o resgate<<strong>br</strong> />

da dívida histórica que a Nação tem com<<strong>br</strong> />

os remanescentes de quilombos. Não<<strong>br</strong> />

seria razoável que os ônus relacionados<<strong>br</strong> />

à efetivação deste direito recaíssem exclusivamente<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e os antigos proprietários<<strong>br</strong> />

das terras ocupadas pelas comunidades<<strong>br</strong> />

quilombolas, so<strong>br</strong>etudo levando-se<<strong>br</strong> />

em conta a definição ampla dos<<strong>br</strong> />

territórios quilombolas, estabelecida no<<strong>br</strong> />

Decreto 4.887/03 – essencial, como se<<strong>br</strong> />

verá adiante, para a efetiva proteção da<<strong>br</strong> />

cultura e da identidade étnica destes grupos.”<<strong>br</strong> />

(DANIEL SARMENTO, 2007)<<strong>br</strong> />

Acresça-se que essa compensação, so<strong>br</strong>e ser<<strong>br</strong> />

justa, tende a afastar ou reduzir conflitos e, assim,<<strong>br</strong> />

garantir a efetividade do direito de propriedade<<strong>br</strong> />

das terras dos remanescentes de comunidades<<strong>br</strong> />

de quilombos.<<strong>br</strong> />

Ao reconhecerem-se direitos àqueles que figurem<<strong>br</strong> />

como titulares ou detenham terras que são<<strong>br</strong> />

ou foram tradicionalmente ocupadas por remanescentes<<strong>br</strong> />

de comunidades de quilombos, embora<<strong>br</strong> />

se negando a qualificação de tais direitos<<strong>br</strong> />

como de propriedade, elide-se a suspeita de que<<strong>br</strong> />

“a impossibilidade de desapropriação tem a intenção<<strong>br</strong> />

de proteger a União [e os demais entes<<strong>br</strong> />

da federação] contra as ações de responsabilidade<<strong>br</strong> />

que começam a ser movidas contra ela, pelo<<strong>br</strong> />

não cumprimento de suas o<strong>br</strong>igações constitucionais”<<strong>br</strong> />

(ARRUTI, 2003). Muito pelo contrário:<<strong>br</strong> />

o procedimento de desapropriação tende a<<strong>br</strong> />

ser moroso e pode frustrar as expectativas assim<<strong>br</strong> />

do desapropriado – pela dificuldade em receber<<strong>br</strong> />

sua indenização – como do beneficiado –<<strong>br</strong> />

pela dificuldade em ver-se mantido ou imediatamente<<strong>br</strong> />

imitido na posse.<<strong>br</strong> />

Todavia, a entender-se que é necessária ou<<strong>br</strong> />

conveniente a desapropriação (opinião que refutamos),<<strong>br</strong> />

as modalidades existentes no Direito<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiro são suficientes. Não se pode acusar o<<strong>br</strong> />

27<<strong>br</strong> />

Como pondera Daniel Sarmento (2007): “na escala de valores da Constituição, o direito à terra dos quilombolas tem, a priori, um peso superior ao<<strong>br</strong> />

direito de propriedade dos particulares em cujos nomes as áreas estejam registradas. Contudo, isto não significa que se possa simplesmente ignorar<<strong>br</strong> />

este último direito na resolução da questão. Pelo contrário, no equacionamento da colisão, é necessário preservá-lo em alguma medida, de forma<<strong>br</strong> />

compatível com o princípio da proporcionalidade.”<<strong>br</strong> />

202 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

Decreto 4.887/2003 de instituir indevidamente<<strong>br</strong> />

um novo tipo de desapropriação, o que somente<<strong>br</strong> />

à lei seria dado (Constituição, art. 22, II).<<strong>br</strong> />

As modalidades expropriatórias que poderiam<<strong>br</strong> />

ser utilizadas, justamente para regularizar<<strong>br</strong> />

a situação fundiária e garantir indenização a posseiros<<strong>br</strong> />

que residam e/ou cultivem as terras dos<<strong>br</strong> />

remanescentes de quilombos, são as clássicas<<strong>br</strong> />

desapropriações por utilidade pública (prevista<<strong>br</strong> />

no Decreto-lei 3.365/1941) e por interesse social<<strong>br</strong> />

(prevista na Lei 4.132/1962). A propósito, o<<strong>br</strong> />

Presidente da República desapropriou por “interesse<<strong>br</strong> />

social, para fins de titulação de área remanescente<<strong>br</strong> />

de quilombo”, a área onde se situa<<strong>br</strong> />

a comunidade remanescente de quilombo da<<strong>br</strong> />

Caçandoca, no Município de Ubatuba, Estado<<strong>br</strong> />

de São Paulo (Decreto de 27 de setem<strong>br</strong>o de<<strong>br</strong> />

2006). 28<<strong>br</strong> />

É discutível se caberia ainda, em casos específicos,<<strong>br</strong> />

a desapropriação “por interesse social,<<strong>br</strong> />

para fins de reforma agrária”, pela União (Constituição,<<strong>br</strong> />

art. 184). Era essa a forma determinada<<strong>br</strong> />

na anterior Instrução Normativa nº 20, de 19 de<<strong>br</strong> />

novem<strong>br</strong>o de 2005, do Presidente do Instituto<<strong>br</strong> />

Nacional de Colonização e Reforma Agrária<<strong>br</strong> />

(INCRA), que regulamentava o procedimento<<strong>br</strong> />

estabelecido no Decreto 4.887/2003; essa Instrução<<strong>br</strong> />

Normativa previa também a desapropriação<<strong>br</strong> />

mencionada no art. 216, § 1º, da Constituição<<strong>br</strong> />

(desapropriação com o objetivo de promover<<strong>br</strong> />

e proteger o patrimônio cultural <strong>br</strong>asileiro,<<strong>br</strong> />

hipótese contida no Decreto-lei 3.365/1941, art.<<strong>br</strong> />

5º, “l”) e a compra e venda “na forma prevista<<strong>br</strong> />

no Decreto 433/92” (so<strong>br</strong>e a aquisição de imóveis<<strong>br</strong> />

rurais, para fins de reforma agrária).<<strong>br</strong> />

4.4 As formas de apropriação dos meios de<<strong>br</strong> />

produção e o direito de dispor do patrimônio<<strong>br</strong> />

A cultura comunitária das comunidades remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos e a vocação agrícola<<strong>br</strong> />

apontam com freqüência para formas de apropriação<<strong>br</strong> />

coletiva da terra e de outros meios de<<strong>br</strong> />

produção econômica: “uma apropriação comum<<strong>br</strong> />

dos recursos” (ALFREDO WAGNER B. <strong>DE</strong><<strong>br</strong> />

ALMEIDA). 29 Tal coletivismo pode ter uma origem<<strong>br</strong> />

histórica, quando os descendentes das famílias<<strong>br</strong> />

que formaram antigos quilombos não procedem<<strong>br</strong> />

ao formal de partilha e não se apoderam<<strong>br</strong> />

individualmente das terras ocupadas: “Gerando,<<strong>br</strong> />

assim, um sistema fundado por laços de consangüinidade,<<strong>br</strong> />

onde so<strong>br</strong>essaem o compadrio e as<<strong>br</strong> />

formalidades não recaem, necessariamente, so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

os indivíduos, pondo as famílias acima de<<strong>br</strong> />

muitas das exigências sociais; isto leva à indivisibilidade<<strong>br</strong> />

do patrimônio dessas unidades sociais<<strong>br</strong> />

circunscritas numa base fixa, considerada<<strong>br</strong> />

comum, essencial e inalienável.” (DIMAS<<strong>br</strong> />

SALUSTIANO DA SILVA, 1994 : 60). A forma<<strong>br</strong> />

de apropriação mais ou menos coletiva dos<<strong>br</strong> />

meios de produção desafia o padrão individualista,<<strong>br</strong> />

como bem ressalta esse estudioso:<<strong>br</strong> />

“Os Quilombos não são apenas o exemplo<<strong>br</strong> />

do passado, assim como foram a<<strong>br</strong> />

mais bem sucedida forma de luta contra<<strong>br</strong> />

a exploração escravocrata, forneceram<<strong>br</strong> />

ao longo do tempo a coragem e os<<strong>br</strong> />

gestos heróicos para as atuais comunidades<<strong>br</strong> />

e áreas de conflito que, mesmo a<<strong>br</strong> />

despeito de serem vistas como fadadas<<strong>br</strong> />

ao desaparecimento, representam o mais<<strong>br</strong> />

espetacular contra-ponto à lógica capitalista<<strong>br</strong> />

de expansão da propriedade individual<<strong>br</strong> />

absoluta de hoje.” 30<<strong>br</strong> />

É também um desafio para nosso Direito,<<strong>br</strong> />

moldado sob a perspectiva individualista, dar<<strong>br</strong> />

guarida a essa concepção coletivista. Quando a<<strong>br</strong> />

Constituição reconhece a propriedade das terras<<strong>br</strong> />

tradicionalmente ocupadas pelos remanescentes<<strong>br</strong> />

das comunidades de quilombos, está implícita<<strong>br</strong> />

a determinação de que essa propriedade<<strong>br</strong> />

deva ser reconhecida tal como as comunidades<<strong>br</strong> />

a adotem. O direito de propriedade tem de “ser<<strong>br</strong> />

lido como direito à propriedade” (LUIZ EDSON<<strong>br</strong> />

FACHIN, 2000 : 289) do modo mais autêntico.<<strong>br</strong> />

Com efeito, não se trata de problema de difícil<<strong>br</strong> />

solução. Basta a titulação e o respectivo registro<<strong>br</strong> />

de propriedade da terra, por exemplo, em<<strong>br</strong> />

nome da comunidade. Enquanto esta existir e<<strong>br</strong> />

28<<strong>br</strong> />

Rothenburg, Parecer contrário ao Projeto de Decreto Legislativo nº 44, de 2007, de autoria do Deputado Federal Valdir Colatto, 2007.<<strong>br</strong> />

29<<strong>br</strong> />

Citado por Arruti, 2003<<strong>br</strong> />

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008<<strong>br</strong> />

203


ROTHENBURG, W. C.<<strong>br</strong> />

enquanto adotar formas coletivas de apropriação,<<strong>br</strong> />

o Direito deve acolher tais modalidades.<<strong>br</strong> />

Ocorre, entretanto, que a comunidade pode<<strong>br</strong> />

adotar outras formas de apropriação, mais ou<<strong>br</strong> />

menos ortodoxas. O mais comum talvez seja<<strong>br</strong> />

“uma combinação de apropriação privada e de<<strong>br</strong> />

práticas de uso comum superpostos, harmonicamente<<strong>br</strong> />

respeitadas, com eficácia plena para todo<<strong>br</strong> />

o grupo”. 31 O reconhecimento jurídico da propriedade<<strong>br</strong> />

não é escravo de uma modalidade de<<strong>br</strong> />

apropriação comum. Ao contrário do que pode<<strong>br</strong> />

fazer supor uma concepção romântica de comunidades<<strong>br</strong> />

primitivas, ingênuas e solidárias, e de<<strong>br</strong> />

vocação agropastoril, a comunidade real de remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos pode adotar a forma<<strong>br</strong> />

convencional de propriedade divisível e individual,<<strong>br</strong> />

pode realizar transações cotidianas com<<strong>br</strong> />

essas propriedades, pode decidir dar outro destino<<strong>br</strong> />

às terras que ocupam tradicionalmente. Julie<<strong>br</strong> />

Ringelheim (2006 : 7), ao analisar a Convenção<<strong>br</strong> />

Européia dos Direitos Humanos, refere que, no<<strong>br</strong> />

contexto das diferentes culturas, conforme apontam<<strong>br</strong> />

sociólogos e antropólogos, “as normas e as<<strong>br</strong> />

práticas são interpretadas, negociadas, modificadas<<strong>br</strong> />

pelos próprios atores sociais”. O Direito<<strong>br</strong> />

não pode pretender engessar as práticas comunitárias<<strong>br</strong> />

e manter a comunidade numa redoma<<strong>br</strong> />

jurídica; ao contrário, o Direito deve ser receptivo<<strong>br</strong> />

à possível autonomia negocial da comunidade.<<strong>br</strong> />

A regulamentação jurídica da propriedade<<strong>br</strong> />

das terras ocupadas pelos remanescentes das<<strong>br</strong> />

comunidades de quilombos é altamente protetiva<<strong>br</strong> />

e provavelmente bem-intencionada. O Decreto<<strong>br</strong> />

4.887/2003 determina que o título de propriedade<<strong>br</strong> />

emitido seja “coletivo e pró-indiviso..., com<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igatória cláusula de inalienabilidade,<<strong>br</strong> />

imprescritibilidade e de impenhorabilidade” (art.<<strong>br</strong> />

17). A impossibilidade jurídica de penhora é<<strong>br</strong> />

indicada na própria Constituição em relação à<<strong>br</strong> />

pequena propriedade rural “trabalhada pela família”<<strong>br</strong> />

(art. 5º, XXVI) e manifesta uma “garantia<<strong>br</strong> />

ao patrimônio mínimo” (LUIZ EDSON<<strong>br</strong> />

FACHIN, 2000 : 301). Aparentemente, é imposto<<strong>br</strong> />

um único padrão jurídico, quando, por certo,<<strong>br</strong> />

a interpretação a prevalecer é de que seja esse o<<strong>br</strong> />

modelo ordinário, por ser mais protetivo, desde<<strong>br</strong> />

que corresponda à realidade e às expectativas<<strong>br</strong> />

da comunidade.<<strong>br</strong> />

A Carta das Nações Unidas (1945) assegura,<<strong>br</strong> />

genericamente, a autodeterminação dos povos<<strong>br</strong> />

(art. 1º.2 e art. 55), no que é acompanhada<<strong>br</strong> />

pela Declaração so<strong>br</strong>e o Direito ao Desenvolvimento<<strong>br</strong> />

(1986 – art. 1º.2). É reconhecido, assim,<<strong>br</strong> />

um “direito dos povos de dispor de si mesmos”<<strong>br</strong> />

(NORBERT ROULAND, 2004 : 212-<<strong>br</strong> />

213), o que deve estender-se às formas de apropriação<<strong>br</strong> />

e disposição de seu patrimônio.<<strong>br</strong> />

5. Enquanto não vem a titulação: a<<strong>br</strong> />

proteção dos direitos fundamentais<<strong>br</strong> />

Os remanescentes das comunidades de<<strong>br</strong> />

quilombos têm, como todos, o direito fundamental<<strong>br</strong> />

de propriedade (Constituição, art. 5º, XXII)<<strong>br</strong> />

das terras ocupadas tradicionalmente. O direito<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e essas terras assume, no caso, uma importância<<strong>br</strong> />

singular, pois confere suporte à própria<<strong>br</strong> />

identidade comunitária. Nas palavras de DANIEL<<strong>br</strong> />

SARMENTO (2007):<<strong>br</strong> />

“Para comunidades tradicionais, a terra<<strong>br</strong> />

possui um significado completamente<<strong>br</strong> />

diferente da que ele apresenta para a<<strong>br</strong> />

cultura ocidental de massas. Não se trata<<strong>br</strong> />

apenas da moradia, que pode ser<<strong>br</strong> />

trocada pelo indivíduo sem maiores<<strong>br</strong> />

traumas, mas sim do elo que mantém a<<strong>br</strong> />

união do grupo, e que permite a sua continuidade<<strong>br</strong> />

no tempo através de sucessivas<<strong>br</strong> />

gerações, possibilitando a preservação<<strong>br</strong> />

da cultura, dos valores e do modo<<strong>br</strong> />

peculiar de vida da comunidade étnica.<<strong>br</strong> />

“Privado da terra, o grupo tende a se<<strong>br</strong> />

dispersar e a desaparecer, absorvido pela<<strong>br</strong> />

sociedade envolvente. Portanto, não é<<strong>br</strong> />

só a terra que se perde, pois a identidade<<strong>br</strong> />

coletiva também periga sucumbir.<<strong>br</strong> />

Dessa forma, não é exagero afirmar que<<strong>br</strong> />

30<<strong>br</strong> />

Dimas Salustiano da Silva, 1994 : 69.<<strong>br</strong> />

31<<strong>br</strong> />

Dimas Salustiano da Silva (1994 : 60), citando Alfredo Wagner B. de Almeida.<<strong>br</strong> />

204 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p. 189-206, outu<strong>br</strong>o/2008


<strong>DIREITOS</strong> <strong>DOS</strong> <strong><strong>DE</strong>SCEN<strong>DE</strong>NTES</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESCRAVOS</strong> (REMANESCENTES DAS COMUNIDA<strong>DE</strong>S <strong>DE</strong> QUILOMBOS)<<strong>br</strong> />

quando se retira a terra de uma comunidade<<strong>br</strong> />

quilombola, não se está apenas violando<<strong>br</strong> />

o direito à moradia dos seus<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os. Muito mais que isso, se atenta<<strong>br</strong> />

contra a própria identidade étnica<<strong>br</strong> />

destas pessoas. Daí porque, o direito à<<strong>br</strong> />

terra dos remanescentes de quilombo é<<strong>br</strong> />

também um direito fundamental cultural<<strong>br</strong> />

(art. 215, CF).<<strong>br</strong> />

“... a perda da identidade coletiva para<<strong>br</strong> />

os integrantes destes grupos costuma<<strong>br</strong> />

gerar crises profundas, intenso sofrimento<<strong>br</strong> />

e uma sensação de desamparo e<<strong>br</strong> />

de desorientação, que dificilmente encontram<<strong>br</strong> />

paralelo entre os integrantes da<<strong>br</strong> />

cultura capitalista de massas.”<<strong>br</strong> />

Antes mesmo do direito de propriedade, é<<strong>br</strong> />

preciso assegurar o direito à moradia (Constituição,<<strong>br</strong> />

art. 6º), por meio da tutela jurídica imediata<<strong>br</strong> />

da posse (DANIEL SARMENTO, 2006).<<strong>br</strong> />

Realçando a fundamentalidade do direito à moradia,<<strong>br</strong> />

Ingo Wolfgang Sarlet (2005 : 331) aponta<<strong>br</strong> />

que a Organização das Nações Unidas (ONU)<<strong>br</strong> />

estabeleceu critérios que devem ser atendidos:<<strong>br</strong> />

“a segurança jurídica para a posse, a disponibilidade<<strong>br</strong> />

de uma infraestrutura básica a garantir<<strong>br</strong> />

condições saudáveis de habitabilidade, o acesso<<strong>br</strong> />

a outros serviços sociais essenciais e o respeito<<strong>br</strong> />

à identidade e diversidade cultural da população”.<<strong>br</strong> />

Saúde, educação, previdência social, assistência<<strong>br</strong> />

social, assistência jurídica, enfim, qualquer<<strong>br</strong> />

direito fundamental deve ser garantido aos<<strong>br</strong> />

remanescentes das comunidades de quilombos.<<strong>br</strong> />

A afirmação escapa da obviedade, se encerrar a<<strong>br</strong> />

advertência de que os direitos fundamentais<<strong>br</strong> />

independem da regularização fundiária. Enquanto<<strong>br</strong> />

essa regularização não vier e mesmo que ela<<strong>br</strong> />

não aconteça, os direitos fundamentais constituirão<<strong>br</strong> />

exigência autônoma e impostergável. Por<<strong>br</strong> />

isso, é inválido o estabelecimento da condição<<strong>br</strong> />

de regularização da propriedade das terras ocupadas<<strong>br</strong> />

pelas comunidades remanescentes de<<strong>br</strong> />

quilombos, para que elas sejam contemplados<<strong>br</strong> />

com saneamento básico ou escola pública, por<<strong>br</strong> />

exemplo.<<strong>br</strong> />

Mencione-se ainda o direito metaindividual,<<strong>br</strong> />

pertencente a todos, de desfrute cultural, representado<<strong>br</strong> />

pela singularidade das comunidades remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos. Trata-se de uma<<strong>br</strong> />

compreensão mais ampla do patrimônio histórico<<strong>br</strong> />

e cultural, “que se funda na valorização e no<<strong>br</strong> />

respeito às diferenças, e no reconhecimento da<<strong>br</strong> />

importância para o país da cultura de cada um<<strong>br</strong> />

dos diversos grupos que compõem a nacionalidade<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira” (DANIEL SARMENTO, 2007).<<strong>br</strong> />

Todos esses direitos das comunidades remanescentes<<strong>br</strong> />

de quilombos trazem a memória da<<strong>br</strong> />

injustiça passada, mas so<strong>br</strong>etudo carregam a esperança<<strong>br</strong> />

da justiça futura.<<strong>br</strong> />

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