VirgÃnia Woolf: A Morte e a Donzela - Saúde Mental
VirgÃnia Woolf: A Morte e a Donzela - Saúde Mental
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Leituras / Readings<br />
Saúde <strong>Mental</strong> <strong>Mental</strong> Health<br />
(George, Gerald e Stela). Do segundo casamento nasceram<br />
quatro filhos: Vanessa, Virgínia, Thoby e Adrian.<br />
Aquelas quatro crianças brincavam à sombra do palácio de<br />
Kensington (onde tinha nascido a Rainha Vitória, o símbolo<br />
da época), perseguindo esquilos e fadas pelos verdes relvados<br />
dos jardins de Kensington e Hyde Park, como as<br />
crianças protagonistas do livro Peter Pan de Barrie.<br />
Durante os meses de verão a família deslocava-se a uma<br />
casa de campo em St. Ives, na costa de Cornualles,<br />
paraíso marítimo que Virgínia tentaria mais tarde recriar no<br />
seu romance Rumo ao farol. No entanto, nem tudo era tão<br />
idílico na infância destas crianças, que precocemente<br />
viram-se obrigadas a seguir os percursos preestabelecidos<br />
por aquela sociedade fechada e anquilosada: os rapazes<br />
foram preparados para seguir estudos superiores,<br />
enquanto as duas raparigas eram educadas para ser boas<br />
amas de casa, recebendo uma educação rudimentar,<br />
baseada em conhecimentos básicos de música e dança,<br />
na aprendizagem da direcção do serviço doméstico e no<br />
conhecimento do ritual do chá, tudo orientado para o objectivo<br />
final e imprescindível do casamento.<br />
Imaginamos a Virgínia, que já despontava como uma<br />
criança perspicaz e imaginativa, olhando extasiada para o<br />
seu pai, enquanto este lia, mergulhado entre montes de<br />
livros, desejosa de absorver os seus conhecimentos enciclopédicos,<br />
tornando-se ela própria uma infatigável leitora.<br />
A escritora sempre respeitou e reconheceu a categoria<br />
intelectual do pai, embora nunca conseguisse perdoar-lhe<br />
os seus inamovíveis esquemas machistas, “as mulheres<br />
não sabem escrever nem pintar” era uma das suas famosas<br />
frases lapidárias. No entanto, apesar deste rígido<br />
esquema familiar, as duas irmãs conseguiram furar subrepticiamente<br />
o esquema: Vanessa entrou na Royal Academy<br />
Schools para estudar pintura, e Virgínia conseguiu a autorização<br />
do seu pai para receber explicações de grego clássico,<br />
fortalecendo assim uma formação forçosamente autodidacta.<br />
Mas o destino reservava para as duas irmãs um<br />
precipitado acesso ao mundo dos adultos: a morte da mãe,<br />
na sequência de uma pneumonia, deixou, especialmente<br />
às duas filhas, num estado de fragilidade extrema no limiar<br />
da vida adulta. Virgínia encontrou na crisálida das borboletas<br />
nocturnas uma metáfora adequada para a situação de<br />
aquelas duas adolescentes, abandonadas num ponto<br />
situado entre a infância e a adolescência; no seu diário<br />
podemos ler: “Com as suas patas e antenas pegajosas e<br />
trementes, esperando um momento, junto ao casulo partido,<br />
as asas húmidas e ainda coladas, os olhos deslumbrados,<br />
incapaz de voar” 1 . A sensação de que nunca tinham<br />
sido suficientemente amadas, especialmente pela mãe,<br />
que as abandonou prematuramente, uniu as duas irmãs<br />
numa simbiose emocional que foi fundamental na vida de<br />
Virgínia. Mas a morte iria tornar-se uma presença contínua<br />
na vida de Virgínia: à morte da mãe seguiu-se a da meiairmã<br />
mais velha (Stela), autentica mãe em funções; e, finalmente,<br />
a morte do pai por cancro, nove anos depois (já na<br />
vida adulta, ainda seria abalada pela morte do irmão mais<br />
velho, Thoby). Estas perdas sucessivas deixaram aos quatro<br />
irmãos sob a soturna tutela de George, o meio-irmão<br />
mais velho, enquanto Vanessa era obrigada a assumir o<br />
papel de ama de casa, vago após a morte da mãe. Foram<br />
dias difíceis para as irmãs Stephen, pois George, representante<br />
fiel do velho credo vitoriano, tentou, durante algum<br />
tempo, introduzi-las no mundo da alta sociedade londrina,<br />
procurando com rapidez candidatos adequados para os<br />
seus imprescindíveis casamentos.<br />
4 - O Grupo de Bloomsbury<br />
A Rainha Vitória - a avó da Europa - cujo reinado se estendeu<br />
durante sete longas décadas, tinha morrido com o despontar<br />
do século, em 1901, deixando passo ao período<br />
eduardiano. Pouco tempo depois, em 1904, os quatro<br />
irmãos, decidem libertar-se do jugo de George e mudamse<br />
para Gordon Square, no bairro boémio e mais barato de<br />
Bloomsbury. Vanessa, pintora e decoradora, esforçou-se<br />
por impor na nova casa de Bloomsbury um estilo em tudo<br />
diferente ao da velha casa vitoriana de Kensington: espaços<br />
abertos, paredes brancas, poucos móveis, luz abundante.<br />
Um espaço adequado para uma fase nova, cheia de<br />
expectativas, que se abria nas suas vidas. Virgínia escreveu<br />
no seu diário: “A fenda que atravessamos entre<br />
Kensington e Bloomsbury era como a que existe entre a<br />
impostura respeitável e mumificada e a vida tosca e talvez<br />
impertinente, mas vida ao fim.” 1 O irmão mais velho de<br />
Virgínia, Thoby, que estudava em Cambridge, começou a<br />
convidar os seus colegas de universidade à nova casa de<br />
Bloomsbury, assumindo as irmãs o papel de anfitriãs.<br />
Assim, surgiram os serões das quintas-feiras à noite,<br />
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