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Virgínia Woolf: A Morte e a Donzela - Saúde Mental

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Leituras / Readings<br />

Saúde <strong>Mental</strong> <strong>Mental</strong> Health<br />

tivesse afastada da luta politica directa, participou pontualmente<br />

apoiando as actividades do seu marido Leonard no<br />

Partido Trabalhista, e dando aulas gratuitas para operárias<br />

fabris.<br />

6 - Sexualidade e Psicanálise<br />

A sexualidade complexa e ambígua da escritora inglesa<br />

tem sido objecto de múltiplos estudos. Os abusos sexuais<br />

de que foi vítima por parte dos seus meio-irmãos George e<br />

Gerald durante a sua infância - tema que abordou explicitamente<br />

nos seus diários – terão deixado nela uma ferida<br />

aberta que interferiu de maneira definitiva nas suas relações<br />

como os homens, e permitiria explicar, pelo menos<br />

em parte, a sua conhecida frigidez. Aos cinquenta e nove<br />

anos de idade, dois meses antes de morrer afogada, escrevia<br />

à sua amiga Ethel Smyth. “Ainda me estremeço de vergonha<br />

ao recordar o meu meio-irmão… explorando as minhas<br />

partes íntimas”. 1 O seu casamento com Leonard,<br />

baseado num afecto autêntico, e na amizade e respeito<br />

mútuo, foi praticamente assexuado, pelo menos nos últimos<br />

anos da sua vida. Fica ainda o seu famoso homoerotismo,<br />

sempre ávido de figuras maternais, baseado na fascinação<br />

que sentia pela sensibilidade feminina, e sustentado<br />

mais na compreensão e partilha emocional do que na<br />

atracção sexual. Em 1927, no entanto, conseguiu escandalizar<br />

a sociedade britânica ao assumir o seu relacionamento<br />

com a aristocrata, escritora e poetisa Vita Sackville-<br />

West, relação que inspirou o seu livro Orlando: a história<br />

de um homem que atravessa três séculos, ao tempo que<br />

muda de sexo, acabando o livro como mulher. A edição do<br />

livro, com fotografias de Vita, transformou-se num êxito de<br />

vendas. Numa das cartas dessa época encontramos esta<br />

descrição do relacionamento com Vita: “Ela colma-me de<br />

protecção materna que, por alguma razão, é o que mais<br />

desejo sempre de qualquer pessoa.” 4 Relativamente a<br />

maternidade, os diferentes médicos que a seguiram recomendaram-lhe<br />

evitar ter filhos, pelas eventuais consequências<br />

que poderia ter na evolução da sua doença psiquiátrica.<br />

Para a autora, que adorava crianças, esta proibição<br />

foi vivida com grande sofrimento, “penso que os meus<br />

esforços por comunicar com as pessoas são o resultado do<br />

facto de não ter filhos e do horror que às vezes me invade” 1 ,<br />

encontramos numa carta. É difícil não concordar com as<br />

palavras de Dunn, quando refere: “Virgínia não chegou a<br />

sair nunca totalmente da crisálida, onde existia como filha,<br />

e não conseguiu assumir a sua plena maturidade sexual e,<br />

com ela, a carga da maternidade.” 1<br />

É conhecida a rejeição que manifestava a nossa autora<br />

relativamente ao seu eventual seguimento psiquiátrico (ou<br />

psicanalítico). Da psiquiatria que poderíamos chamar mais<br />

médica e clássica, pintou um retrato implacável através da<br />

figura do psiquiatra que segue Septimus Severus, o comovente<br />

doente psicótico, torturado pelas recordações da<br />

Grande Guerra, protagonista do seu romance Mrs.<br />

Dalloway. Relativamente a psicanálise, manteve um interesse<br />

intelectual pela obra de Freud (que leu e publicou na<br />

sua editora Hogarth Press), chegando a conhecer o mestre<br />

vienense em 1939, no seu exílio de Hampstead; compartilhando<br />

este interesse com vários membros do grupo de<br />

Bloomsbury, que chegaram a estar ligados de forma directa<br />

à Sociedade Psicanalítica Britânica (James Stratchey, o tradutor<br />

da obra de Freud, e a sua mulher Alix; e o seu próprio<br />

irmão Adrian Stephen, que estudou o curso de Medicina<br />

para se transformar depois em conhecido analista, tal<br />

como sua mulher Karin). No entanto, apesar da natureza<br />

da sua própria obra, tão introspectiva e dirigida para o<br />

estudo da subjectividade e da voz interior dos personagens,<br />

a escritora sempre recusou deitar-se no divã, talvez,<br />

porque como Hemingway, pensava que a sua autêntica<br />

analista era a sua máquina de escrever. Por sua vez, o seu<br />

marido Leonard também pensava que a natureza do quadro<br />

de Virgínia não iria responder à terapia psicanalítica.<br />

Podemos encontrar, no entanto, espalhadas pelos seus<br />

livros, iluminações sobre o sono:<br />

“Mas se de sono se tratara, não podemos deixar de perguntar<br />

qual é a natureza de tais sonos… Terá o dedo da<br />

morte que poisar de tempos a tempos no tumulto da vida<br />

para que este nos não destrua? Seremos feitos de tal<br />

massa que precisemos de tomar diariamente pequenas<br />

doses de morte, sob pena de não conseguirmos cumprir a<br />

missão de viver?” 7<br />

“No entanto, é na nossa ociosidade, nos nossos sonhos,<br />

que a verdade imersa vem, por vezes, ao de cima.” 6<br />

Ou reflexões sobre a disparidade entre o tempo mental e o<br />

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