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OBSERVATORIO DO ANALISTA EM REVISTA - 4 EDICAO

Revista eletrônica do site Observatório do Analista. Criação coletiva de Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

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Procurando a ferida, ocorreu-me que<br />

deveria tê-las guardado e, quando<br />

mudei do apartamento, anos depois,<br />

devolvê-las ao local onde as<br />

encontrei. Elas pertenciam a ele,<br />

eram parte da sombra do maleiro.<br />

Outros moradores, quando as<br />

encontrassem, criariam sua própria<br />

história para elas, como eu criei. E<br />

talvez também as deixassem lá<br />

quando partissem. Seus personagens,<br />

anônimos e silenciosos,<br />

renasceriam nas histórias imaginadas<br />

de cada novo morador.<br />

Quando encontrei as fotos de Rafael<br />

Fernandes, elas realmente ficavam<br />

no canto. E lá estavam os espaços<br />

vazios, onde antes esteve um noivo<br />

em dia de núpcias, os cortes geométricos,<br />

apagando não apenas seu<br />

rosto, mas o corpo inteiro. Que amor<br />

tamanho ou que ódio persistente<br />

levou a noiva a esse planejado<br />

apagar de vestígios? O que teriam<br />

vivido, ou deixado de viver, nos anos<br />

que se seguiram às fotos? Estivessem<br />

elas inteiras, teriam a<br />

mesma capacidade de tocar os<br />

visitantes, exerceriam a mesma<br />

força? Ronaldo Entler diz que<br />

a fotografia nos coloca em contato<br />

com a realidade, mas de modo<br />

incompleto: atesta a presença do<br />

objeto, mas pouco diz sobre ele.<br />

Trata-se de um apontamento vigoroso,<br />

porém, quase mudo. Ao<br />

historiador cabe preencher algumas<br />

lacunas para formar um relato sobre<br />

essa realidade. Já os artistas<br />

percebem nesse “silêncio” um<br />

espaço para o imaginário. Não<br />

menosprezam a força que liga a<br />

imagem ao objeto, mas tiram<br />

proveito daquilo que falta. Assumem<br />

a precariedade dessa ligação, sem<br />

negá-la. E mostram como o desejo é<br />

fisgado, não apesar do pouco que a<br />

imagem oferece, mas exatamente<br />

porque não oferece tudo.<br />

(Testemunhos silenciosos: uma nova<br />

concepção de realismo na fotografia<br />

contemporânea)<br />

Parece ser exatamente esse o<br />

caso de ferida ou como eliminar<br />

alguém da sua vida. Uma obra<br />

onde a fotografia, exatamente<br />

através daquilo que não mostra,<br />

dos espaços vazios, torna-se<br />

mais eloquente do que sua<br />

referência ao real, levando o<br />

observador além dele. Nela, não<br />

se encontra resposta a nenhuma<br />

das perguntas levantadas. Mas,<br />

sem uma resposta que possa<br />

apaziguar definitivamente a pergunta,<br />

mais instigante é manter<br />

presente a interrogação.<br />

Ronaldo Entler

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