You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Memórias<br />
Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s salva<br />
30 mil pessoas na II Guerra Mundial<br />
Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s é<br />
consi<strong>de</strong>rado o maior símbolo<br />
português saído da II Guerra<br />
Mundial. Em 1940, quando era<br />
cônsul em Bordéus, não acatou<br />
à proibição <strong>de</strong> Salazar <strong>de</strong> não se<br />
passarem vistos a refugiados e<br />
passou 30 mil, sobretudo a ju<strong>de</strong>us.<br />
Foi <strong>de</strong>mitido compulsivamente.<br />
A sua vida tornou-se num inferno<br />
e morreu na miséria.<br />
No segundo aniversário da<br />
Rota <strong>de</strong> Arquitectura Korrodi,<br />
realizou-se na passada quinta-<br />
-feira, no Instituto da Juventu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>, uma conferência<br />
sobre Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s,<br />
com a presensa <strong>de</strong> Ana Luz,<br />
uma estudiosa da vida <strong>de</strong> um<br />
dos maiores vultos da história<br />
<strong>de</strong> Portugal e <strong>de</strong> três netos do<br />
cônsul.<br />
Nascido em 1885, em Cabanas<br />
<strong>de</strong> Viriato, na Beira Alta, a<br />
vida <strong>de</strong> Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s<br />
assume uma dimensão inesperada<br />
quando, enquanto cônsul<br />
em Bordéus, rebenta a II<br />
Guerra Mundial, em 1939. Apesar<br />
<strong>de</strong> Salazar manter a neutralida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Portugal, pela “Circular<br />
14”, or<strong>de</strong>na aos cônsules<br />
portugueses que recusem passar<br />
vistos aos "estrangeiros <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>finida, contestada<br />
ou em litígio; os apátridas; aos<br />
ju<strong>de</strong>us, quer tenham sido expulsos<br />
do seu país <strong>de</strong> origem ou do<br />
país <strong>de</strong> on<strong>de</strong> são cidadãos", salienta<br />
Álvaro Sousa Men<strong>de</strong>s, neto<br />
do cônsul.<br />
A 16 <strong>de</strong> Junho, Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Sousa Men<strong>de</strong>s abre as portas do<br />
Consulado a 30 mil pessoas, <strong>de</strong>z<br />
mil das quais judias, conce<strong>de</strong>ndo-lhes<br />
vistos <strong>de</strong> forma indiscriminada<br />
e gratuita, transgredindo<br />
as regras <strong>de</strong> Salazar.<br />
Confrontado com os avisos <strong>de</strong><br />
Lisboa, terá dito preferir <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer<br />
a uma or<strong>de</strong>m dos homens<br />
do que a uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Deus.<br />
Para Ana Luz, nesta <strong>de</strong>cisão “acabou<br />
por pesar o coração, apesar<br />
<strong>de</strong> saber que iria sofrer as consequências<br />
dos seus actos”.<br />
Segundo os registos da Pi<strong>de</strong><br />
entraram em Portugal, <strong>de</strong> 17 a<br />
19 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1940, cerca <strong>de</strong><br />
18 mil pessoas com vistos assinados<br />
por Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa<br />
Men<strong>de</strong>s. Na sua casa em Cabanas<br />
<strong>de</strong> Viriato, a Casa do Passal,<br />
recebeu <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> refugiados,<br />
sobretudo no vVerão <strong>de</strong> 1940.<br />
É afastado da carreira diplomática<br />
por Salazar sendo, segundo<br />
o seu neto, “ ignorado pelos<br />
seus colegas e amigos”. Os filhos<br />
são obrigados a emigrar, maioritariamente<br />
para os Estados Unidos<br />
e Canadá.<br />
Em 1945, Salazar felicitou-se<br />
por Portugal ter ajudado os refugiados,<br />
mas recusou-se a reintegrar<br />
Sousa Men<strong>de</strong>s no corpo<br />
diplomático. Para o neto do cônsul,<br />
“Salazar aproveitou-se do<br />
gesto do meu avô e colheu os<br />
louros daqueles actos. Salazar<br />
queria expulsar os refugiados<br />
mas Espanha não consentiu o<br />
retorno. Quando os aliados ganharam<br />
a guerra, Portugal e Salazar<br />
foram elogiados por um gesto<br />
que não quiseram fazer”.<br />
Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s<br />
faleceu muito pobre, a 3 <strong>de</strong> Abril<br />
<strong>de</strong> 1954. Só em 1988, 14 anos<br />
<strong>de</strong>pois do 25 <strong>de</strong> Abril, é que seu<br />
o nome foi reabilitado. Segundo<br />
Álvaro <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s, “O<br />
proponente foi Jaime Gama, já<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido ministro dos<br />
Negócios Estrangeiros, que afirmou<br />
só ter tido conhecimento<br />
da situação por cartas vindas do<br />
exterior”.<br />
Miguel Sampaio<br />
Fonte: Fundação Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s<br />
Casa do Passal – da ruína a museu<br />
DR<br />
“A Casa do Passal era uma casa com muita música e uma alegria<br />
imensa. ” Quem o diz é António Sousa Men<strong>de</strong>s, neto <strong>de</strong> Aristi<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s, que não se esquece da história e do significado<br />
do edifício. Em 1940, o cônsul acolheu no Passal inúmeros<br />
refugiados a quem tinha concedido vistos enquanto aguardavam<br />
passagem para outros países.<br />
A casa <strong>de</strong> férias da família, do século XIX, <strong>de</strong>ixou entretanto<br />
<strong>de</strong> ser proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s. Começou por<br />
ser hipotecada, sendo, em 1956, já <strong>de</strong>pois da sua morte, alienada<br />
em hasta pública, tendo sido, segundo António Men<strong>de</strong>s “chiqueiro<br />
e capoeira”. Quanto ao recheio, “<strong>de</strong>sapareceu”. A <strong>de</strong>gradação<br />
foi “brutal”.<br />
Em 2001, com a ajuda do Ministério dos Negócios Estrangeiros,<br />
a Casa do Passal foi adquirida pela Fundação por 635 mil<br />
euros, mas já sem boa parte dos terrenos da quinta, entretanto<br />
vendido em lotes.<br />
Por <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2005, a casa foi classificada<br />
como Monumento Nacional, “não tanto pela arquitectura, mas<br />
todo o seu significado histórico”, refere Álvaro Sousa Men<strong>de</strong>s. Na<br />
sequência <strong>de</strong>ssa classificação, a fundação Aristi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Men<strong>de</strong>s<br />
entrou em contacto com a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos<br />
Nacionais, para a realização <strong>de</strong> um projecto <strong>de</strong> recuperação.<br />
Neste edifício, os netos esperam ter em espaço “referência”<br />
<strong>de</strong> toda a história <strong>de</strong> seu avô, mas também da II Guerra Mundial<br />
e do holocausto.<br />
| V | I | V | E | R | 15 |<br />
JORNAL DE LEIRIA | 5 DE JULHO DE 2007