18 <strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 17 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2013EconomiaMudança no mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> negócio colocaindústrias tradicionaisna vanguardaRICARDO GRAÇAInovação Passaram por sérias dificulda<strong>de</strong>s, masconseguiram “dar a volta” e hoje são apontadas como bonsexemplos. Inovação, <strong>de</strong>sign e tecnologia estão na base damudança das indústrias tradicionaisRaquel <strong>de</strong> Sousa Silvaraquel.silva@jornal<strong>de</strong>leiria.pt❚ Os sapatos portugueses são hojeos segundos mais caros do mundo,a seguir aos italianos. Mas nemsempre assim foi. O sector do calçadoatravessou sérias dificulda<strong>de</strong>se temeu-se mesmo pelo seu futuro,<strong>de</strong>vido à concorrência dos fabricanteschineses. Em vez <strong>de</strong> continuarfocalizado num segmentoem que o preço é rei, a indústriaportuguesa do calçado “alterou oseu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> negócio e apostouem factores imateriais”, como o <strong>de</strong>signe a inovação, almejando competircom os melhores.Paulo Gonçalves, porta voz da associaçãoApiccaps, frisa que asempresas do sector estão hoje muitobem apetrechadas tecnologicamentee, <strong>de</strong> modo geral, apresentamaté vantagens face às concorrentesitalianas, em relação às quaisconseguem respon<strong>de</strong>r “melhor emais rapidamente” quando se trata<strong>de</strong> produzir pequenas séries.Em pouco mais <strong>de</strong> 15 anos osector conseguiu reposicionar--se, mas tal implicou um “investimentocontinuado”, frisa o responsável,lembrando que “nadaacontece por acaso” e que o sectortem planos estratégicos há décadase marca presença em feiras noexterior “há mais <strong>de</strong> 20 anos”.A existência <strong>de</strong> uma “associaçãomuito forte, que tem promovidofortemente o calçado portuguêsno exterior”, foi apontadapor Nicolau Santos como um dosfactores que contribuíram paraque este sector tivesse conseguido“dar a volta” <strong>de</strong>pois das “sériasdificulda<strong>de</strong>s” por que passou. Noprograma Contas do Dia, na Antena1, na segunda-feira, o director-adjuntodo Expresso apontouo exemplo do calçado, das conservase dos têxteis para contrariara i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “os sectores tradicionaisvão acabar todos pormorrer e que as empresas sãoatrasadas, porque não inovam,não investem em tecnologia oumarketing”.Aposta no <strong>de</strong>sign e inovação, especializaçãoe conjugação <strong>de</strong> esforçosna promoção foram outrosaspectos que referiu a propósito docalçado e dos têxteis, on<strong>de</strong> há segmentos,como o têxtil-lar, on<strong>de</strong>Portugal tem uma posição “<strong>de</strong> <strong>de</strong>staquea nível internacional”.Augusto Mateus frisa que não sepo<strong>de</strong>m confundir mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> negóciocom indústrias como umtodo. Admite que nas chamadasindústrias tradicionais, como ocalçado, o têxtil, a cerâmica ou aagricultura, subsistiram durantedécadas mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> negócio centradosnos baixos custos, em quea activida<strong>de</strong> estava muitas vezes“<strong>de</strong>sligada” da lógica das ca<strong>de</strong>ias<strong>de</strong> valor. Estes mo<strong>de</strong>los “colapsaram”e, com eles, as empresasque não souberam evoluir paramo<strong>de</strong>los assentes na competiçãopela qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sign e criativida<strong>de</strong>,entre outros aspectos, apontao ex-ministro da Economia e Indústria.Para Jaime Quesado, “a basepara os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> negócio das indústriastradicionais, e outras, teremsucesso na economia global<strong>de</strong> hoje” assenta naquilo a quechama inteligência competitiva(e nas acções a ela associadas). Oeconomista, especialista em estratégiae inovação, explica que ainteligência competitiva pressu-to da quota não se fez à custa <strong>de</strong>inovação e <strong>de</strong>sign mas <strong>de</strong> concorrência<strong>de</strong>sleal”, frisa o dirigente.Entretanto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias queixas<strong>de</strong> associações, entre as quaisa Apicer, a Comissão Europeia investigou,“provou a existência <strong>de</strong>práticas <strong>de</strong> dumping” e foram introduzidastaxas aduaneiras (variamentre os 15 e os 59%) aosprodutos <strong>de</strong> cerâmica utilitáriaprovenientes da China. Para já amedida vai ser aplicada duranteseis meses, durante os quais seavaliarão os efeitos da <strong>de</strong>cisão nomercado.Durante estes anos, “aquilo quepermitiu às empresas do sector cerâmicosobreviverem e estarem àfrente foi a aposta em processospara baixar custos, tornando-semais competitivas”, aponta MarceloSousa. A eficiência energéticaconseguida foi igualmente“muito importante” e permitiureforçar a competitivida<strong>de</strong>. TudoRICARDO GRAÇACerâmica,calçado eagriculturasão algunsdos sectoresque estão adar cartasnos mercadosinternacionaispõe cinco conceitos – novas re<strong>de</strong>scolaborativas, novos processos <strong>de</strong>intermediação, gestão dinâmica<strong>de</strong> fluxos, novo marketing institucionale gestão do valor partilhado– e diz que as empresas que“estão a ter sucesso são as queadoptaram estes princípios”.Também na agricultura, duranteanos apontada como parentepobre da economia, as exportaçõestêm crescido 12% ao ano. Osecretário <strong>de</strong> Estado da Agriculturadisse recentemente ao Expressoque Portugal po<strong>de</strong> ser competitivoem todos os segmentos eque em todos eles “há exemplos<strong>de</strong> sucesso”. Ter a “abordagemcerta”, ganhos <strong>de</strong> eficiência e umaclara orientação para o mercadosão as estratégias que fazem a diferença.Também no distrito oagro-alimentar tem ganho protagonismo,sendo frequentementeapontados como bons exemplos aPera Rocha do Oeste e as empresasDerovo e Lusiaves, entre outras.“É com tradição que se faz o futuro”,consi<strong>de</strong>ra Marcelo Sousa,lembrando que os sectores que“mais contribuem para o saldo dabalança comercial são os tais ditostradicionais”, prejudicados por <strong>de</strong>cisõesda União Europeia. No casoda cerâmica, o vice-presi<strong>de</strong>nte daassociação Apicer diz que as opçõespolíticas <strong>de</strong> comércio externo daUE permitiram a eliminação dasquotas à importação <strong>de</strong> produtosoriundos da China, em 2005, situaçãoque “se veio a verificar terum efeito <strong>de</strong>vastador para a indústriaeuropeia”.A quota <strong>de</strong> mercado daquelepaís era na altura <strong>de</strong> 20%, tendosubido para os actuais 70%. “Omercado não cresceu e o aumenistosem esquecer a qualida<strong>de</strong>,requisito “essencial”, e o <strong>de</strong>sign.“Aqui foi on<strong>de</strong> houve um saltomuito gran<strong>de</strong>”, diz o dirigente,lembrando que a cerâmica portuguesaé hoje reconhecida em todoo mundo. “Temos serviços <strong>de</strong> louçada Porcel na Casa Branca”,exemplifica.A “gran<strong>de</strong> evolução <strong>de</strong> produtoe <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign” permitiu a muitasempresas vingarem e serem hojereferências no mercado internacional.Mas nem todas o conseguiram,apesar do esforço que fizeram,<strong>de</strong>vido ao “nível <strong>de</strong> concorrênciabrutal” a que se chegou,lamenta o vice-presi<strong>de</strong>nteda Apicer, que espera que as taxas<strong>de</strong> importação agora introduzidaspossam vir repor regras nomercado. “Sendo a cerâmica umsector exportador, naturalmenteque é a favor da livre circulação.Mas em condições justas, o quenão tem acontecido”.
<strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 17 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2013 19PUBLICIDADERICARDO GRAÇAARQUIVO/JLApesar <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> euros <strong>de</strong> apoiosVidro soprado <strong>de</strong>sapareceu da MarinhaFoi conhecida como a terra dovidro, numa alusão à importânciada cristalaria, indústria comlongos anos <strong>de</strong> tradição e quechegou a empregar milhares <strong>de</strong>pessoas. Hoje, a Marinha Gran<strong>de</strong>já não é se<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> vidrosoprado: as poucas que resistiramestão em zonas como aMartingança ou Alcobaça. Em2006 o sector já tinha recebidomilhões <strong>de</strong> euros para a suareconversão, mas o fecho <strong>de</strong> duasempresas emblemáticas nesseano – Marividros e Dâmaso – fez<strong>de</strong> novo soar os alertas daquelesque temiam o fim do sector. Aconjuntura internacional<strong>de</strong>sfavorável e o aumento“brutal” dos preços doscombustíveis ditavam asdificulda<strong>de</strong>s da indústria, que játinha visto encerrar empresascomo a Manuel Pereira Roldão e aIvima, num processo iniciado como fecho da Fábrica Escola IrmãosStephens. Entre 1992 e 2010fecharam 20 empresas <strong>de</strong>cristalaria manual: hoje restamseis. Para estas, resistir e crescer sófoi possível graças a uma estratégiafirme, baseada no aumento dasexportações, na diversificação dosmercados, e numa aposta naqualida<strong>de</strong> e no <strong>de</strong>sign, <strong>de</strong> forma acontornar a concorrência chinesa,mais barata, mas menosconhecedora. Nalguns casos,sobreviver passou também porjuntar à componente artesanaluma produção automatizada,capaz <strong>de</strong> reduzir custos e aumentara competitivida<strong>de</strong>, conformeexplicaram os seus responsáveisao JORNAL DE LEIRIA em meadosdo ano passado.