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Centenário do nascimento de Carlos Drummond de Andrade

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Affonso Romano <strong>de</strong> Sant’Annamuitos personagens da literatura da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Essa coisa que aparece emBeckett, que aparece em Ionesco e outros <strong>do</strong> teatro <strong>do</strong> absur<strong>do</strong>, um sujeitoperdi<strong>do</strong> no tempo e no espaço, mas procuran<strong>do</strong> sua direção.Não é à-toa que num Albert Camus a reelaboração <strong>do</strong> mito <strong>de</strong> Sísifo sejauma resposta <strong>de</strong> um existencialista francês, <strong>de</strong> um pensa<strong>do</strong>r e um escritor francêsa essa busca <strong>de</strong> saída <strong>do</strong> absur<strong>do</strong>. O homem com um projeto, com a tarefa<strong>de</strong> Sísifo, <strong>de</strong> rolar continuamente essa pedra montanha acima, montanha abaixo,até que daí ele perceba o (não)senti<strong>do</strong> das coisas.Pois bem, José, só esse disfarce merecia uma análise exaustiva, mas há umacoisa curiosa. Há um outro poema <strong>de</strong> <strong>Drummond</strong> que se chama “K”, ele fezum poema para a letra K: “A letra inapelável / que exprime tu<strong>do</strong>, e é nada.”Agora no dicionário <strong>do</strong> Antônio Houaiss existe a letra k, mas até à edição <strong>do</strong>Aurélio não existia a letra k dicionarizada. Pois <strong>Drummond</strong> faz um poema dizen<strong>do</strong>essa coisa estranha da letra k, que ele chama <strong>de</strong> letra “estranha” e “estrangeira”,porque ela existe mas não existe. E esses <strong>do</strong>is termos “estranho” e“estrangeiro” são importantes na conexão com o “gauche”, com o senti<strong>do</strong> metafísico<strong>de</strong>ssa obra.Nós usamos a letra k na nossa linguagem cotidiana mas ela não está no alfabeto.Então, toda essa leitura que ele faz da letra k é exatamente a leitura sobreo displaced, sobre o gauche, sobre o estranho, sobre o <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>, sobre o outsi<strong>de</strong>r,sobre o “excêntrico” que está fora <strong>do</strong> centro, como a letra k.E há outros muitos disfarces que po<strong>de</strong>m ser re-agencia<strong>do</strong>s. A própria figura<strong>do</strong> “elefante”, posto que não há nada mais gauche que aquele elefante construí<strong>do</strong>imaginariamente, e que saí pela cida<strong>de</strong> nesse misto <strong>de</strong> ternura, feito comcola e papelão e transita como um ser <strong>de</strong>sengonça<strong>do</strong>; e as pessoas olham paraele com uma certa pieda<strong>de</strong>, e ele volta para casa to<strong>do</strong> dia, se <strong>de</strong>smonta, e no diaseguinte se reconstrói: “amanhã recomeço”, diz o poeta, como esse Sísifo <strong>de</strong>que eu falava. E, assim por diante, vários outros exemplos <strong>de</strong> disfarces po<strong>de</strong>mser localiza<strong>do</strong>s na sua poesia.Agora, há uma outra coisa que é fundamental para se enten<strong>de</strong>r a movimentaçãoe a estruturação na obra <strong>de</strong> <strong>Drummond</strong>. Esses três atos e esse personagem118

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