Boletim SBMET ago.-dez. <strong>2008</strong>RAIOS EM GRANDES CENTROS URBANOS NO SUDESTEDO BRASILOsmar Pinto Junior, Kleber Pinheiro Naccarato, Iara Regina Cardoso de Almeida PintoInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)Av. dos Astronautas 1758, São José dos Campos - SP – 12227-010E-mails: osmar@dge.inpe.br, kleberp@dge.inpe.br, iara@dge.inpe.br,RESUMONeste trabalho é feita uma rápida revisão das observações realizadas por sistemas de detecção elocalização de descargas atmosféricas em centros urbanos de diversos países, incluindo o Brasil.Maior detalhamento é dado para o estudo de três grandes centros do sudeste brasileiro - SãoPaulo, Campinas e São José dos Campos. Os estudos constatam um aumento na incidência deraios e mudanças em suas características. As hipóteses físicas relacionadas a estas observaçõestambém são descritas.Palavras-chave: Raios, descargas atmosféricas, centros urbanos.ABSTRACTIn this article an overview of lightning observations in large urban areas is presented, whichsuggest an enhancement of the lightning activity and changes in the lightning characteristics intheses areas. The physical hypotheses to explain such observations are also discussed.Keywords: Lightning, atmospheric discharges, urban areas.1. REVISÃO HISTÓRICAHá mais de um século é conhecido que pessoas emgrandes centros urbanos estão sujeitas as condiçõesclimáticas diferentes das condições previamenteexistentes (Howard, 1833). Estes efeitos, incluindoo fenômeno conhecido como ilha de calor, surgemcomo resultado das modificações na radiação, energiae momento resultantes das alterações no ambiente dascidades, somadas a emissão de calor, umidade e poluentesoriundos da atividade humana (McKendry, 2003).Enquanto uma quantidade significante de artigos temtratado do fenômeno de ilha de calor, relativamente poucosartigos têm examinado o impacto da urbanização sobrea ocorrência de relâmpagos. Orville e Huffines (2001)foram os primeiros a apresentarem resultados conclusivossobre o aumento da incidência de descargas nuvem-solo14ou raios em grandes centros urbanos, especificamentena cidade de Houston (Texas, nos Estados Unidos),discutindo na ocasião algumas hipóteses na tentativade explicar os resultados, com base nos processos deconvergência e poluição atmosférica. A partir daí, novosestudos no Brasil, nos EUA e na Europa continuaramdiscutindo o assunto. Soriano e Pablo (2002) encontraramo mesmo efeito em nove pequenas cidades da Espanha.Os autores utilizaram três anos de dados de raios entre1992 e1994 e selecionaram nove cidades da Espanha,com populações variando de cerca de 2 mil habitantesaté aproximadamente 350 mil. As análises revelaramdiferenças significativas entre o número de eventosregistrados para as regiões contrárias ao sentido dosventos predominantes, a favor dos ventos e sobre a áreaurbana, refletindo basicamente os efeitos das cidades.
Boletim SBMET ago.-dez. <strong>2008</strong>Mais tarde, Steiger et al. (2002) apresentaramuma análise bastante detalhada das características dosraios sobre a cidade de Houston, utilizando 12 anosde dados (1989-2000). Foi observado um aumento de45% na atividade de raios sobre o centro urbano emcomparação com suas vizinhanças, podendo chegara 60% no verão e 74% na primavera, considerandoseapenas o período da tarde. Estudos estatísticosmostraram que o aumento no número de raios seriacausado pela intensificação das tempestades sobre ocentro urbano e não pela formação de tempestadesadicionais. Foram dadas duas explicações para esseefeito: 1) a brisa marítima conjugada com a ilhade calor urbana (baseado nos estudos anteriores deOrville e Huffines, 2001); 2) a poluição atmosféricacausada pelas emissões das refinarias de petróleo edos veículos automotores (também com base nosresultados de Orville e Huffines, 2001). Ambosapresentaram comportamentos máximos no períododo verão, quando a atividade de raios também alcançaos maiores valores. Porém, nenhuma evidência maisconclusiva sobre um ou outro fator foi discutida.Outro efeito observado em Houston foi a redução dopercentual de raios com polaridade positiva. Segundoos autores, esse efeito somente poderia ser explicadoatravés do efeito microfísico dos aerossóis sobre asnuvens de tempestade. Nenhuma variação da correntede pico nem da multiplicidade dos raios foi observadapara esse centro urbano estudado. Steiger e Orville(2003), por sua vez, estudaram o efeito urbano dascidades americanas de Lake Charles e Baton Rouge,no sudeste da Louisiana, sobre a incidência deraios, e atribuíram o aumento da atividade de raiosobservado (mais acentuado para a cidade de LakeCharles) aos elevados índices de material particuladona atmosfera. Segundo os autores, a população deuma cidade tende a ser usada como referência parase estimar a intensidade de sua ilha de calor urbana.Como Lake Charles possui apenas 180 mil habitantes,em comparação com Houston (que possui cerca de4,7 milhões de habitantes), o efeito termodinâmicoda ilha de calor não poderia, neste caso, explicar oaumento local da atividade de raios, ao contráriode Houston. Entretanto, nenhuma evidência dainexistência de ilha de calor em Lake Charles foiapresentada. Além disso, mostrou-se também que amaior incidência de raios coincide justamente com asregiões de maior concentração de material particulado(gerado pela atividade industrial local), reforçandoassim a hipótese do efeito microfísico do aerossol.<strong>No</strong> Brasil, Naccarato et al. (2003) e Naccarato(2005) realizaram uma análise detalhada da ocorrênciade raios em três importantes centros urbanos naregião sudeste do Brasil - São Paulo, Campinas e SãoJosé dos Campos, a partir de observações da RedeBrasileira de Detecção de Descargas Atmosféricas– BrasilDat (Pinto et al., <strong>2008</strong>). Eles encontraramum aumento de até 200% na atividade local deraios e uma redução de até 12% do percentual deraios positivos e apresentaram algumas hipótesesque poderiam explicar tais alterações, com base emefeitos termodinâmicos e microfísicos de aerossóis.A Figura 1 ilustra o aumento na incidência de raiosnestes três centros urbanos.Figura 1: Mapa da densidade de raios (raios.km -2 .ano -1 ) corrigidopor modelo de eficiência de detecção desenvolvido pelo Grupo deEletricidade Atmosférica (ELAT) nas áreas urbanas estudadas (SãoPaulo, Campinas e São José dos Campos) com resolução de 1 kmx 1 km, referente ao período de 1999-2004.Fonte: Naccarato (2005).Mais tarde, Pinto et al. (2004) observaram os mesmosefeitos para o número de raios e percentual de raiospositivos na cidade brasileira de Belo Horizonte/MG,comprovando os resultados de Naccarato et al. (2003).15