Fotos: divulgaçãoO italiano La Baita: agradável surpresaUma corrida de táxi baratinha (sete aoito pesos) e estamos em Palermo Viejo,mais precisamente na Plaza JulioCortazar, também conhecida comoPlazoleta Serrano. E logo ali, numaesquina, descobrimos um pequenorestaurante de comida italiana – o LaBaita – com qualidade e preçossurpreendentes. Experimentamos, eaprovamos, o Raviolli di Agnello(saborosos raviólis de cordeiro comcreme de menta, a 25 pesos) e oTriangoli com Formaggio di Capra(massa em formato triangular recheadacom queijo de cabra, ricota e ervas finas,condimentada com presunto cru,ervilhas e molho branco, a 22 pesos).AQUI CABE UM REGISTRO: assim comonos demais restaurantes que conhecemosao longo da semana, a carta de vinhosdo La Baita não abre espaço para um sórótulo estrangeiro. É surpreendente afidelidade do segmento gastronômico àindústria vinícola argentina – que, apropósito, não se restringe mais aMendoza, embora essa continue sendo aprincipal região produtora. Nesses setedias, degustamos excelentes malbecs deSalta, San Juan e até da Patagônia.Todos produzidos por pequenas bodegasque utilizam processos de fabricaçãoartesanais. E o melhor: a preços de fazercorar alguns donos de restaurantesbrasileiros – e brasilienses.O resto da tarde de sábado foidedicado à feirinha de artesãos dapequena praça, com suas roupas,bijouterias e bugigangas em profusão.À noite, tomamos o caminho do TeMataré Ramirez, em Palermo, uma dasboas dicas da colega Kátia Cubelpublicadas na <strong>Roteiro</strong> 96 (abril de 2006,segunda quinzena). Atendimento deprimeira, boa comida, ambientecarregado de sensualidade, tudocontribuindo para um fim de noiteperfeito. Outra ótima indicação dela foio restaurante Casa Roca, no centro,pertinho das Galerías Pacífico. Tantoque repetimos a dose três dias depois.No domingo, algumas concessões aoturismo convencional. Começando porum passeio pela tradicional Feira de SanTelmo, seguido de almoço ali mesmo, noLa Pérgola de San Telmo: brochette de defilé mignon (22 pesos) e o melhor bife dechorizo da viagem (17 pesos), irrigados porFinca El Portilho Malbec (25 pesos). Nofinal da tarde, para não perder o hábito,uma passada no Caminito, com direito ashow de tango grátis.Finalmente, Puerto Madeiro.Atravessamos essa bela ponte vista logoaí acima e, confortavelmente instaladosna Pizza Cero, apreciamos o skylineportenho, num belíssimo final de tarde/início de noite. Para fechar a curtatemporada gastronômica, uma saborosapizza napolitana de massa fina ecrocante, suficiente para duas pessoasnão muito esfomeadas, por inacreditáveis22 pesos (16 reais).Com preços assim, não há calor nemsujeira capazes de espantar os brasileiros.No inverno ou no verão, Buenos Airespulsa.Paseo La PlazaCorrientes 1.660 – CentroEl SanjuaninoPosadas 1.515 – Recoleta (4804.2<strong>90</strong>9)La BaitaThames 1603 – Palermo (4832.7234)Te Mataré RamirezParaguay 4062 – Palermo (4831.9156)Casa RocaSan Martin 579 – Centro (4393.777)La Pérgola de San TelmoDon Anselmo Aieta 1.075 – Plaza Dorrego(4362.5364)Pizza CeroMacacha Guemes 308 – Puerto Madero30
verso&prosaAfiado como lâminaNos contos de Rubem Fonseca,uma visão crua das pessoas e do BrasilPOR RICARDO PEDREIRAAos 81 anos, Rubem Fonseca jápoderia ter pendurado as chuteiras. Mascontinua batendo uma bolão, como sepode conferir no recém-lançado Ela eoutra mulheres, livro de contos, todos elescom nomes femininos. Sexo nu e cru,violência, as estranhezas do dia-a-dia –todo o universo e a temática do velhorecluso do Leblon explodem no livro econfirmam Fonseca como um dosgrandes contistas brasileiros.Seus romances e novelas, quasetodos policiais, é que fazem maissucesso, como A grande arte, Bufo &Spallanzani e Agosto. Neles estãopersonagens recorrentes, como oadvogado criminalista Mandrake, eobsessões, como mulheres, charutos e ovinho Periquita. Mas é nos contos queestá o melhor de Rubem Fonseca –conciso, direto, afiado e despudorado.Dizem que os artistas, com asantenas da sensibilidade, têm o poder decaptar o que vem pela frente e anteciparaquilo que nós, simples mortais, aindanão enxergamos. Além da qualidadeliterária da obra, os contos de RubemFonseca impressionam por essacapacidade.A VIOLÊNCIA E SORDIDEZ COTIDIANASdo Brasil de hoje, em que criançasmiseráveis e cheiradas de cola enfiamum treisoitão na cara dos outros paradescolar alguns trocados, já estavam noscontos de Rubem Fonseca quando opaís nem sonhava com elas. Na décadade 60, a batidinha gostosa da bossa-novaadoçava os ouvidos, mas Fonsecachocava muita gente com os temas e alinguagem dos seus contos.Hoje, Rubem Fonseca é um dosautores brasileiros mais vendidos,traduzido em diversos países ehomenageado com prêmios. Mas causouaté repulsa com a literatura “soco noestômago” que inaugurou em 1963 como livro de contos Os prisioneiros.Por ironia, tornou-se maisconhecido, quando teve um livrocensurado. Lançado em 1975, ainda sobo obscurantismo do regime militar, FelizAno Novo foi proibido no ano seguintesob a alegação de “exteriorizar matériacontrária à moral e aos bons costumes”.Para justificar a decisão, disse na época o(de triste memória) ministro da Justiça,Armando Falcão: “Li pouquíssima coisa,talvez uns seis palavrões, e isso bastou”.Rubem Fonseca processou a União e12 anos depois obteve da Justiça odireito de publicar seu livro. A ridículainiciativa da ditadura só ajudou apromover o autor aqui e no exterior.Feliz Ano Novo é hoje um clássico.Foi a vivência como comissária depolícia, no Rio de Janeiro da década de50, que deu a matéria-prima inicial parao futuro escritor. Naquela época,policiais eram, mais do que tudo, juízesde paz, apartadores de briga, masRubem Fonseca já enxergava no meiodos dramas humanos com que conviviao caldo que só veio engrossando de lápara cá.Deixou a polícia, virou advogado daLight, mas acabou se dedicandototalmente à literatura. Ótimo para nós.Começou já nos contos, narrando deuma forma inesperadamente verdadeirao submundo do crime, as pequenas egrandes cruezas de todos nós, as paixõesincompreensíveis, o sexo, a violência.Seus contos têm uma atmosfera muitoprópria, psicológica, de permanentereflexão dos personagens. Se algunsromances e novelas de Rubem Fonsecasão puro (e ótimo) entretenimento, oscontos vão além.Ele têm sido editados e reeditadoscom ótima freqüência e podem serencontrados com facilidade nas livrarias.Desde as obras originais, como A coleirado cão, Lúcia McCartney, Feliz Ano Novo eo Cobrador, até antologias como ContosReunidos ou 64 Contos de Rubem Fonseca.A contundência está de volta no Elae outras mulheres. Leia esse mais recente,mas não deixe de conferir os maisantigos. E tome agora, na veia, umRubem Fonseca puríssimo, tirado doconto O Cobrador:31