asiliensedecoraçãoAmizadebem costuradaBreve história do mineiro e do piauiense quevestiam meia Brasília antes do prêt-à-porterPOR VICENTE SÁFOTOS JUAN PRATGINESTÓSÉ sabido que a vida não dá ponto sem nó, nem deixa fio solto. Talvez por isso, embora umtenha nascido em Patos de Minas, em 1935, e o outro em Floriano, no Piauí, em 1936, as linhasdos seus destinos estavam fadadas a se juntar tanto na profissão quanto na amizade. E a secruzarem aqui em Brasília, cidade que conheceram jovem, amaram, e não só a ajudaram acrescer, como também a se vestir melhor.O mineiro João Rodrigues Meira, o Meira, começou a aprender a profissão dealfaiate um pouco tarde, já aos 18 anos, ainda em Patos, e logo demonstrou que42
levava jeito para a coisa. A mão firme e ocorte cuidadoso iriam ser marca de suaarte e andar com ele daí pra frente emtodos os seus caminhos. Caminhos que olevariam a Belo Horizonte e São Paulo,para o devido aprimoramento da arte,antes do desembarque em Brasília, em1963, onde faria, senão fortuna, pelomenos nome.Seu futuro companheiro, FortunatoCoelho Andrade, já se encontrava emBrasília desde 1959. Fortunato, se não eraum artista como Meira, era um dos umalfaiate mais competentes e rápidos jávistos em atividade. E estava gerenciandoa alfaiataria de um antigo patrão.DE GERENTE A PROPRIETÁRIO foiquestão de pouco tempo. E um dosprimeiros empregados que Fortunatoiria contratar seria o Meira, dando inícioa uma relação de trabalho e amizade quedura até os dias de hoje. A rapidez deum e a arte do outro fizeram história nacapital da República. Numa época emque não havia roupas prontas paravender, a dobradinha foi sucesso depúblico e renda.“Naquele tempo, nós tínhamos serviçodemais.Fazíamos calça, camisa, paletó. Emoutubro já não podíamos pegar maisserviço para dezembro, pois tinha o riscode não darmos conta. Trabalhamos muito,mas também ganhamos muito dinheiro”,relembra Meira.Naquela Brasília pequena, algumasencomendas eram tão grandes quenunca foram esquecidas, como a de umcliente que, de uma só vez, comproutecido para fazer 45 calças para ele e seusamigos. De outra feita, os vizinhos seassombraram quando eles receberamnuma só entrega 800 zíperes para calças.Mas, se sobrava serviço, faltavaqualidade de vida na capital. Almoçaruma comida razoável exigia trabalho depesquisa, muita sorte e segredo:Meira (na máquina de costura) e Fortunato: linhas cruzadas“Naquele tempo, as cantinas que vendiamrefeição aqui em Brasília eram poucase ruins, malcuidadas, e a comida eramalfeita. Quando a gente descobriaum lugar novo e bom, era uma festa.E a gente tinha que manter em segredopara não lotar e piorar a qualidade dacomida”, recorda FortunatoDE PONTO EM PONTO os dois iam seaproximando, trabalhando juntos,almoçando juntos, vestindo Brasíliajuntos. Daí para se tornar sócios, foi sómais uma alinhavada. Durante algunsanos passearam com seu atelier pelacidade: 303, 107 e 511 Sul, de ondetiveram que sair porque a escada queconduzia à loja era muito alta e íngremee estava fazendo a dupla perder clientes.“Nesse tempo, tínhamos muitos clientesimportantes, deputados, senadores, ealguns chegaram a ameaçar nos deixar setivessem que continuar subindo aquelasescadas. Foi aí que nós viemos para oedifício Márcia, aqui no Setor ComercialSul”, conta Meira.E foi poressa épocaque adupla seseparou.Fortunato resolveuseguir outro rumo e tentar a vidano Pará. Meira, que ficou, assistiu àentrada de uma nova moda: a decomprar roupas prontas, inclusive ospaletós que ele tão bem sabia fazer.“No começo, eles vendiam roupas dequalidade e corte inferiores, mas com otempo foram aprimorando e tenho quereconhecer que hoje fazem boas roupas.Nunca vai ser igual às roupas feitas sobmedida, mas são boas também”,reconhece.Mas o tempo, que também costurabem a vida, não tinha ainda dado seuponto. Há quatro anos, Fortunato deixoua vida no Pará e voltou a procurar seuamigo Meira aqui em Brasília. Hoje,numa pequena sala do mesmo EdificoMárcia, os dois costuram para outrosalfaiates que precisam de especialistascom boas mãos e técnica apurada. “Osserviços que chegam eles tiram de letra.Com a baita experiência, estãocosturando cada vez melhor. É umaalegria ver os dois trabalhando”, comentaIvan Gonçalves, comerciante e vizinhoque conhece os dois há mais de 25 anos.De segunda a sábado, eles chegamcedo e ocupam seus lugares na sala e nomundo. Não se queixam por receberpoucos clientes e muitos amigos. Juntos,Meira e Fortunato continuam a coser odia-a-dia de suas vidas já tão bemalinhavadas.Meira e FortunatoEdifício Márcia – Sala 401 – Setor ComercialSul (3223.3761)43