1981, p.550: cfr. GOMES, 1985, p.256-262, que <strong>de</strong>monstra que não só o jogo <strong>de</strong> rimas eracaracterística fun<strong>da</strong>mental do barroco, como também as próprias rimas do sonetogregorianos foram patrimônio poético comum ao longo <strong>de</strong> pelo menos dois séculos). Estabizarria rímica, porém, não era exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos poetas ibéricos e ibero-americanos, seconsi<strong>de</strong>rarmos o exemplo do friulano Ludovico Leporeo (1582-1655), nos seus“leporeambi”:Biasima l’ingordigia donnesca. Leporeambo alfabetico satirico trisonoirrepetito acca, ecca, icca, occa.Como aringa fiamminga over saraccaAmor mi sfuma e mi consuma e secca,e co <strong>da</strong>rdo d'un guardo il cor mi stecca,e con la freccia sua mi sbreccia e spacca.Lilla ria mi spupilla e mi spataccadi quanti avea contanti nella zecca,on<strong>de</strong> spesso interesso alla Giu<strong>de</strong>ccail mantello, il guarnello e la casacca.Sovente di repente me la ficca,mi rapina e squattrina e mi sbaiocca,e la vuol vinta a goffo, a pinta, a cricca.Mi spela, e si querela e ognor tarocca,m'imbroglia, mi dispoglia e mi sborricca,ché scaltra è più d'ogn'altra, e fa la sciocca (apud FELICI,1978, p.491-92).Em Neste mundo tive que intervir <strong>de</strong> forma radical. As rimas dos versos italianos sãobem mais incomuns do que as portuguesas, geralmente constituí<strong>da</strong>s por palavras não rarase <strong>de</strong> fácil compreensão (com a exceção, talvez, <strong>de</strong> “garlopa”); assim, empreguei vocábulosincomuns, como os verbos “attrappare” (agarrar, subtrair com astúcia), “riceppare”(<strong>de</strong>cepar, cortar, em especial <strong>de</strong> plantas), “acceppare” (amarrar, pren<strong>de</strong>r, dito em especial<strong>da</strong> âncora), “inzeppare” (encher pesa<strong>da</strong> e indiscrimina<strong>da</strong>mente) ao mesmo tempo em querecorri a acepções <strong>de</strong>les ain<strong>da</strong> menos comuns. Amarra<strong>da</strong> pela escassez <strong>de</strong> termos querimassem em “appa, eppa, ippa, oppa, uppa”, às vezes, como nos versos 2 e 11, mantivemais a i<strong>de</strong>ia do texto do que o texto em si (sensum <strong>de</strong> sensu, muito mais do que verbum <strong>de</strong>verbo!). Também inverti os versos 8 e 10.Esta foi, <strong>de</strong>finitivamente, uma “tradução <strong>de</strong> resistência” (VENUTI, apud MITTMANN,2003, p.29), porque, se quis manter o jogo fônico <strong>da</strong>s rimas originais, ao mesmo tempo4
minha visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é quase que inconveniente, pela escolha <strong>de</strong> vocábulos tão estranhos,quase estrangeiros. A materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> do texto se faz presente e viva pela escolha <strong>de</strong>preservar seu padrão estético, que não é um <strong>de</strong>talhe, nem um a<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> época, mas suai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> principal.Fica a convicção <strong>de</strong> que a tradução dos textos poéticos - seja em poesia ou em prosa,como no caso <strong>de</strong> Guimarães Rosa - só po<strong>de</strong> ser, naquele tipo <strong>de</strong> operação que Haroldo <strong>de</strong>Campos, seguindo Jakobson e sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “transposição criadora”, chama <strong>de</strong>“recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca” (CAMPOS, 1976b, p.23).5