práticas étnicas e <strong>de</strong> género ten<strong>de</strong>m a ser minimizadas, e, finalmente, os gruposétnicos são trata<strong>do</strong>s como se fossem entida<strong>de</strong>s monolíticas, negan<strong>do</strong>-se as diferenças<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s próprios grupos e também as dinâmicas interrelacionais <strong>de</strong> género e <strong>de</strong>classe social.Para uma abordagem «não-sincrónica» na forma <strong>de</strong> uma «política da diferençaAs investigações que vimos <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> têm-nos mostra<strong>do</strong> que as relaçõesdinâmicas, originadas nas diferenças étnicas, <strong>de</strong> classe social e <strong>de</strong> género não sereproduzem umas nas outras automaticamente: elas têm, muitas vezes, efeitoscontraditórios. É necessária, por isso, uma abordagem que tome como ponto <strong>de</strong>partida o que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir como «política da diferença», ou, nas palavras <strong>de</strong>McCartthy (1988) 8 , uma abordagem «não-sincrónica» 9 para a operacionalização dasrelações <strong>de</strong> raça, etnia, classe e género ao nível <strong>do</strong> quotidiano, que conceba estasmesmas relações como sistematicamente contraditórias:«Invocan<strong>do</strong> o conceito <strong>de</strong> não-sincronia, quero <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a posição <strong>de</strong> queos indivíduos ou grupos na sua relação com as instituições económicas,políticas e culturais, tal como as <strong>escola</strong>s, não partilham ao mesmo tempovisões, interesses, necessida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>sejos idênticos» (1988:275).Parafrasean<strong>do</strong> McCarthy, uma abordagem «não sincrónica» inclui as seguintescaracterísticas 10 :Objectos <strong>de</strong> AnáliseEixos <strong>de</strong> Análise Esta<strong>do</strong>-Escola Família-JovensFinalida<strong>de</strong> Cidadania Subjectivida<strong>de</strong>I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Escolar Social (trabalho)Classe Social Média «nova» Semi-proletária(Etnia) Luso-branca Luso-brancaUrbanaSemi-ruralEscritaOralCultura Nacional LocalGénero Patriarcal (c-) Patriarcal (c+)8 Ver também Mike Cole (1989), que <strong>de</strong>senvolve um argumento semelhante.9 Abordagem «não-sincrónica» quer dizer uma abordagem on<strong>de</strong> as relações <strong>de</strong> classe, etnia e géneronão são necessariamente paralelas, nem recíprocas nem simétricas.10 Características essas que também constituem, em gran<strong>de</strong> parte, o que Lave, et al. (1992) intitulam a«cultural-studies approach».
- a promoção <strong>do</strong> «ruí<strong>do</strong>» (complexida<strong>de</strong>) da multidimensionalida<strong>de</strong>, quegarante a reintrodução da variabilida<strong>de</strong> histórica e da subjectivida<strong>de</strong>, ambasausentes das abordagens Multicultural e Neo-Marxista;- o reconhecimento da importância na <strong>escola</strong> das lógicas e efeitos autónomosdas dinâmicas <strong>de</strong> etnia e <strong>de</strong> género e a sua interacção necessária com aclasse social;- a a<strong>do</strong>pção <strong>de</strong> uma postura crítica face à tendência <strong>do</strong>s teóricos da EducaçãoInter/Multicultural e da corrente Neo-Marxista <strong>de</strong> dividir a socieda<strong>de</strong> em<strong>do</strong>mínios separa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> estrutura e cultura (esta tendência promoveexplicações mono-causais);- a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma concepção <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> raça e (etnia) «não como uma‘categoria’ ou uma ‘coisa em si própria’ (Thompson, 1966), mas, antes,como um processo social vital integralmente liga<strong>do</strong> a outros processos edinâmicas sociais da educação e da socieda<strong>de</strong>» (McCarthy, 1988:273).Assim, para compreen<strong>de</strong>r, por exemplo, o fenómeno <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no <strong>escola</strong>r emPortugal, on<strong>de</strong> muitos jovens são duplamente «<strong>de</strong>squalifica<strong>do</strong>s» (primeiramente pelainstituição educativa e <strong>de</strong>pois no próprio merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho 11 ), será obrigatóriotomar em conta como as culturas e o género me<strong>de</strong>iam a relação, produzin<strong>do</strong> efeitos,entre a estrutura <strong>de</strong> classes e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>/a jovem, estan<strong>do</strong> tanto uma como a outracontinuamente num processo <strong>de</strong> construção. Talvez seja já <strong>de</strong>snecessário dizer que éessencial que os trabalhos sobre as dinâmicas <strong>de</strong> cultura e <strong>de</strong> género, emergem assimnão como variáveis estáticas, mas como princípios estruturantes que alicerçam asrelações minoria/maioria na vida quotidiana 12 .De facto, a abordagem «não-sincrónica» ajuda-nos a compreen<strong>de</strong>r acomplexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que se passa no terreno das <strong>escola</strong>s e das comunida<strong>de</strong>s envolventes.As relações <strong>de</strong> diferenciação, com os seus efeitos por vezes dramáticos na formação<strong>do</strong>s habitus, articulam-se <strong>de</strong> forma diferente em cada situação. Assim, e no caso <strong>de</strong><strong>do</strong>is projectos <strong>de</strong> investigação-acção realiza<strong>do</strong>s simultaneamente em quatro <strong>escola</strong>s11 A questão da dupla <strong>de</strong>squalificação <strong>do</strong>s jovens é abordada com algum pormenor em Stoer e Araújo(1992), especialmente no capítulo 3.12 Interessante aqui é a metáfora da <strong>escola</strong>rização como um campo <strong>de</strong> batalha cultural, on<strong>de</strong> as pessoassão «posicionadas», na base da sua origem social, raça/etnia e género, na hierarquia social (ver Lave, etal., 1992:271) A nossa análise, no entanto não permite que este posicionamento seja necessariamente<strong>de</strong>terminante: a experiência vivida pelo actor social po<strong>de</strong> produzir consequências não previstas.