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FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP

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Esse curto-circuito, pensa<strong>do</strong> nos quadrosda antiga oposição indivíduo/sociedade,conduz, à primeira vista, ao velhoproblema <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como assegura<strong>do</strong>rda liberdade. É o caso, por exemplo,da proteção <strong>do</strong> indivíduo quanto a da<strong>do</strong>spriva<strong>do</strong>s (privacidade) e a questão da investigaçãoda lavagem de dinheiro (ordempública). Assim, de um la<strong>do</strong>, tornar-se-iaimportante sublinhar o risco representa<strong>do</strong>pela construção independente (de controleestatal) de redes de comunicação privadase das regras por elas produzidas (exemplotípico: Internet) − se George Orwellescrevesse, hoje, o seu 1984 pensaria,certamente, nesse risco − e na assimetria<strong>do</strong> poder priva<strong>do</strong> que elas engendrariamem face <strong>do</strong> poder público. De outro, asdificuldades de implantação de políticaspúblicas de proteção (com a exigência deacesso legal a da<strong>do</strong>s priva<strong>do</strong>s por parte defuncionários estatais), dentro desse espaçopriva<strong>do</strong>, levantariam a questão <strong>do</strong>s limitesde intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> até porque seusatores priva<strong>do</strong>s (indivíduos) tenderiam areclamar, nos quadros constitucionais ejurisprudenciais da atualidade, seus direitosà privacidade e à intimidade.LIBERDADE E RESPONSABILIDADEJURÍDICANum mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> status a obrigação surgia,quase sempre, ex-delicto. A obrigação,nas relações estamentais, estava intimamenteligada a noções mágicas. Na nossacultura, uma das formas mais antigas decontrato que conhecemos é o empréstimo.Os povos germânicos, por exemplo, faziamempréstimos, mas esses só eram efetua<strong>do</strong>sentre irmãos. Ainda eram de fundamentoestamental. O empréstimo só podia ser feitoentre os ocupantes de uma posição parentale, em virtude disso, o empréstimo ser submeti<strong>do</strong>a certas proibições preliminares. Nãose podia fazer empréstimos a juros porqueera uma figura proibida. E mesmo a açãopara cobrar um empréstimo não existia.Havia procedimentos, mágicos, em queo cre<strong>do</strong>r tentava fazer com que o deve<strong>do</strong>rfosse sugestiona<strong>do</strong> a pagar. Na China, porexemplo, Max Weber nos dá conta de queo cre<strong>do</strong>r, diante <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r que não lhepagava o empréstimo, ameaçava o deve<strong>do</strong>rcom o suicídio.Foi a racionalização e secularizaçãoda idéia de culpa, que se vê, aos poucos,separada da idéia mágica de peca<strong>do</strong>. Enquantoa noção de culpa esteve ligada aopeca<strong>do</strong>, como fundamento para a obrigação,o contrato não surgiu e o seu aparecimentoestá liga<strong>do</strong> ao desaparecimento desse tipode ligação. No direito penal ela perduroudurante muito tempo (e ainda perdura nadificuldade de se apurar a culpa criminalde pessoas jurídicas), mas no direito civile principalmente no direito comercial, seudesaparecimento foi mais rápi<strong>do</strong>.Nas sociedades modernas o contratoera uma instituição tipicamente capitalistae que exercia as seguintes funções básicas:em primeiro lugar, modalidade das relaçõesde troca; em segun<strong>do</strong>, uma figura que institucionalizaa liberdade da vontade; emterceiro, a segurança contra riscos econômicos;e em quarto lugar o contrato permitea equalização <strong>do</strong>s contratantes, das partessociais que entram em relação de troca.Hoje, dá-se o aparecimento <strong>do</strong> quea <strong>do</strong>utrina jurídica começa a chamar dedireito responsivo, não controla<strong>do</strong>, operacionalmente,por velhos paradigmas comoo da liberdade/responsabilidade contratual,o contrato como inter-relação individual,substituí<strong>do</strong>, por exemplo, no direito <strong>do</strong>consumi<strong>do</strong>r e no da concorrência, por concepçõespluriintegradas.Por exemplo, um contrato envolve, hoje,para além <strong>do</strong>s contratantes, a consideraçãode uma série de situações simultâneas deeconomia de escala, de complexidadestrabalhistas nacionais e internacionais, deregulação pluriestatal de finanças públicas eprivadas, sujeitas a avaliações de entidadesprivadas (como as que estabelecem índicesde confiabilidade econômica). Obriga-se,assim, o jurista a ter os olhos abertos parauma complexidade muito superior à meracomplexidade normativa estatal. NessaREVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.74, p. 6-21, junho/agosto 2007 15

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